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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.3 São Paulo July/Sept. 2012

 

ARTIGOS

 

Notas adicionais sobre as contribuições de Bion à observação psicanalítica na década de 1950: considerações sobre clínica e estilo

 

Further notes on Bion's contributions to psychoanalytic observation in the 1950s: considerations on clinical practice and style

 

Notas adicionales sobre las contribuciones de Bion a la observación psicoanalítica en la década del 1950: consideraciones sobre clínica y estilo

 

 

Adriana Salvitti

Psicanalista, Pós-doutoranda em Psicologia pela Universidade de São Paulo USP

Correspondência

 

 


RESUMO

Acompanhamos o desenvolvimento do interesse de Bion pela observação psicanalítica em seus artigos sobre psicose. O objetivo é evidenciarmos algumas concepções teóricas, abordagens clínicas e características de seu estilo literário que participam das formulações metodológicas posteriores. Chamamos a atenção para o estilo de Bion em seu esforço de descrever certas experiências clínicas e transmitir o conhecimento psicanalítico por meio de trabalhos científicos. Procuramos ressaltar a presença de ambiguidades e imprecisões em sua escrita, sem o objetivo de resolvê-las.

Palavras-chave: estilo literário; observação; atitude analítica; identificação projetiva.


ABSTRACT

We follow the development of Bion's interest in psychoanalytic observation, through his papers on psychosis, in order to point out some theoretical conceptions, clinical approaches and features of his literary style that participate of his later methodological formulations. We draw attention to Bion's style in his effort to describe certain clinical experiences and to convey psychoanalytical knowledge through scientific papers. We highlight the presence of ambiguities and imprecisions in Bion's writing, without the intention of solving them.

Keywords: literary style; observation; analytic attitude; projective identification.


RESUMEN

Seguimos el desarrollo del interés de Bion por la observación psicoanalítica en sus artículos sobre psicosis. El objetivo es evidenciar algunas concepciones teóricas, enfoques clínicos y características de su estilo literario que aparecen en las formulaciones metodológicas posteriores. Llamamos la atención para el estilo de Bion en su intento por describir ciertas experiencias clínicas y transmitir el conocimiento psicoanalítico mediante trabajos científicos. Intentamos también realzar la presencia de ambiguedades e imprecisiones en sus escritos, aunque sin solucionarlas.

Palabras clave: estilo literario; observación; actitud analítica; identificación proyectiva.


 

 

Panorama inicial

Em nosso texto "A aurora da simbolização: contribuições iniciais de Bion a uma teoria da observação e do pensamento primitivo" (Salvitti, 2011), comentamos algo sobre o interesse de Bion em dar expressividade aos eventos mentais nos seus diferentes estados e usos na atividade de formação e destruição do psiquismo. Especialmente nos artigos iniciais do autor, publicados na década de 1950, esse interesse trouxe consigo - de maneira direta e indireta, mas ainda não articulada como uma teoria - referências sobre a relação entre os processos de subjetivação e a observação dos eventos mentais pelo analista na sessão, até que uma compreensão sobre os mesmos pudesse ser alcançada.

No final de nosso trabalho, apenas indicamos que não só as ideias apresentadas por Bion nos anos 50, também a forma como chegou a algumas delas participaram de suas reflexões sobre o método e da proposição de sua teoria do pensar, em 1962. Para tanto, foi necessária a articulação de suas contribuições em um novo patamar, o que lhe permitiu lidar e compreender de uma nova maneira muitas das situações descritas e revisitá-las de modo crítico em diferentes oportunidades. Os estudos de Donald Meltzer (1998) são pioneiros em mostrar fatores determinantes desse percurso seguido por Bion, desde sua experiência como psiquiatra do exército britânico na Segunda Guerra.

Recentemente, diferentes psicanalistas em diferentes países têm se dedicado ao estudo das ideias de Bion em seus desenvolvimentos, sobretudo por meio do exame do contexto no qual emergiram suas contribuições à teoria e à prática psicanalítica. Sugestivamente, há publicações que propõem a verificação das raízes de suas concepções, e trabalhos que discorrem sobre as origens filosóficas, científicas, psicanalíticas e biográficas de seu pensamento. Neste último caso, há estudos voltados para as relações diretas e indiretas, mas não menos importantes, de Bion com psicanalistas de sua tradição "extra-oficial". Isso tudo tem contribuído para a composição de um campo bastante rico de ligações intertextuais - muitas vezes insuspeitadas e até polêmicas -, e evitado o isolamento das ideias do autor. (Cf. Bor-gogno & Merciai, 2000; Conci, 2009, 2011; Giacone, 2009; Lipgar & Pines, 2003; Mawson, 2011; Sandler, 2006; Sosnik, 2006; Szykierski, 2010).

Em relação aos textos de Bion propriamente, alguns comentadores afirmam que a compreensão das recomendações técnicas ou das formulações mais tardias do autor é favorecida pelo estudo de seus trabalhos iniciais (Vermote, 2011a, 2011b). Apesar das significativas mudanças - por vezes radicais na obra de Bion -, há aqueles que identificam uma coerência interna (De Bianchedi, 2005) e uma continuidade na discussão de certos temas (O'Shaughnessy, 2005). Autores como Fischer (2011) valorizam uma leitura cronológica dos textos (e não na ordem de publicação), a fim de obterem uma visão mais clara da relação entre os mesmos e do processo no qual as ideias foram desenvolvidas.

Quando se pretende verificar a racionalidade interna ao movimento do pensamento de Bion, seja em sua obra como um todo, seja em um determinado período ou apenas em alguns textos, é certo que o objeto em questão (o pensamento de Bion, mas também o próprio conteúdo tratado por ele) se apresenta ao leitor qual matéria viva, em um processo não linear de feitura e desfazimento1. Mesmo quando Bion intenciona expor um sistema teórico mais bem-acabado, quase matemático, levando-o aos limites da abstração, essa mesma exposição é feita por meio de um estilo literário propositalmente evocativo, pouco didático e frequentemente conciso na apresentação de ideias. Estas, às vezes, soam obscuras, são mal explicitadas e não raro carregam certa ambiguidade. Intencionalmente ou não, o leitor é colocado por Bion em um terreno instável, semelhante às suas experiências de consultório.

A introdução do livro Second thoughts (1967a/1993a), bem como o próprio título em inglês são bastante ilustrativos a respeito do estilo de Bion2. Em 1967, ao republicar em livro os artigos apresentados na década de 1950 e início de 60, Bion escreve uma introdução - bastante concisa e imprecisa - e um comentário final crítico a esses artigos. Revisitava a exposição de seus relatos clínicos à luz de suas concepções sobre o método desenvolvidas em Aprendendo da experiência (1962a/1989a), Elementos da psicanálise (1963/1989b) e Transformações (1965/1991). Cada um desses livros trouxe importantes avanços, novidades e mudanças em relação aos demais; porém, entre eles e os artigos dos anos 50 sobre psicose há um verdadeiro salto, marcando a entrada de Bion no período característicamente epistemológico de sua obra.

O artigo que fecha Second thoughts ( 1967a/1993a), "Uma teoria do pensar" (1962b/1993b), inaugura a abordagem introduzida nos anos 60 e é bastante discrepante em relação aos demais. Nele, Bion apresenta um sistema sobre a formação do pensar, também destinado à prática clínica. Introduz de chofre termos como "elemento alfa", "função-alfa" e conceitos da filosofia, sem explicar muito detalhadamente o uso dado aos mesmos, e sem que até ali o leitor tivesse tido indicações mais explícitas sobre a necessidade de emprego desses termos. Em 1992, treze anos após a morte do autor, foram publicados em Cogitações (2000) os textos que mostram a elaboração e os esboços de algumas dessas reflexões. Em Second thoughts (1967a/1993a), Bion revisita seus artigos - novamente sem apontar as ligações com o amadurecimento que vinha ocorrendo desde essa época e que, certamente, contribuiu para a sua nova abordagem.

Não queremos dizer com isso que Bion deveria ser mais claro ou que ele teria a obrigação de expor suas inquietações: nem sempre são evidentes ou mapeáveis os caminhos que levam a certas ideias. Sabemos que Bion não é um autor especialmente didático e sistemático, não faz muitas concessões ao leitor. No entanto, é também por conta desse estilo literário - ao mesmo tempo claro e obscuro, com seus vazios, intervalos e silêncios -, que se abre um campo bastante fértil para o estudo de suas ideias clínicas e de suas ligações intertextuais.

Não nos estenderemos sobre as especificidades das mudanças introduzidas por Bion nos diferentes períodos de sua obra e suas motivações. Quanto a isso, remetemos o leitor à bibliografia anteriormente citada, em especial a Meltzer (1998) e à excelente exposição de Vermote (2011b). Porém, é importante dizer que a apresentação, na década de 1960, de um sistema teórico voltado para a prática tentará articular, cada vez mais e de modo simultâneo, diferentes camadas de discurso. O conteúdo da teoria será aproximado propositalmente de sua forma de exposição, ficando cada vez mais premente a tentativa de Bion contornar os limites da transmissão da "matéria" psicanalítica por meio da linguagem verbal fora do consultório.

Excetuando algumas imprecisões evitáveis, encontramos tanto no estilo de Bion quanto no conteúdo de suas descrições clínicas um grande apreço e sensibilidade para as ambiguidades, paradoxos e evasivas da linguagem - o que por sua vez colocava em evidência o "significado dos silêncios" e o "papel do nível musical em contraposição ao nível léxico na comunicação" (Meltzer, 1998, p. 35). A questão é que, a partir da década de 1960, a estratégia retórica de Bion foi reunida às suas proposições metodológicas, de modo a favorecer o pensamento clínico na leitura de trabalhos científicos. Em parte, são essas as intenções que atravessam a releitura crítica de seus artigos dos anos de 1950. Antes de examinarmos alguns deles, vamos olhar mais de perto uma daquelas afirmações fundamentais - porém igualmente sintéticas e algo enigmáticas do autor -, constante da introdução de Second thoughts.

Os relatos de caso presentes nesse livro, embora sinceramente presumidos por mim na época como sendo corretos quanto aos fatos [...] devem agora ser considerados como formulações verbais de imagens sensoriais, construídas para comunicar de uma forma o que provavelmente é comunicado de outra; por exemplo, como teoria psicanalítica, seja num mesmo artigo ou em uma parte da literatura psicanalítica. Caso isso pareça uma reavaliação demasiadamente dura, respondo que o progresso no trabalho psicanalítico cessará, a menos que se encare essa reavaliação como essencial; ela deve ser o ponto de partida a uma nova atitude em relação ao trabalho científico (Bion, 1967a/1993a, p. 2).

Não bastasse a concisão das ideias e a ausência de maiores explicações - estas serão desenvolvidas apenas no final do livro -, ao leitor é feita uma afirmação meio apocalíptica, com uma advertência "curta e grossa". Ironicamente, a ele é deixada a escolha sobre qual abordagem tomar em relação aos artigos e, por extensão, aos trabalhos científicos na psicanálise em geral.

A retomada de seus relatos clínicos, mais do que o das ideias em si, acaba sendo um pretexto para a articulação de temas caros a Bion e fundamentais à psicanálise: a diferença entre participar de uma análise e discorrer sobre psicanálise; a especificidade da comunicação de uma experiência durante a sessão e fora dela; os limites da linguagem verbal na transmissão de uma experiência na sessão e fora dela; as condições para se observar o objeto psicanalítico; a relação entre percepção sensorial e pensamento.

Na citação acima, esses temas girariam em torno de uma atitude necessária ao psicanalista para favorecer o progresso na psicanálise. Independentemente do tom messiânico, como diria Meltzer (1998), e do que seria uma alternativa salvadora, o crucial para Bion é uma atitude diferente da que pressupõe a objetividade dos fatos, isto é, que enxerga exatidão e correspondência entre uma experiência e sua descrição.

O que vinha sendo intensamente discutido desde 1962 ganhará novos contornos a partir de 1965, com a noção de transformação. Ao processo de investigar e conhecer, Bion acrescenta uma dimensão irredutível ao conhecimento (chamada "O"), nota a importância da dimensão estética na observação clínica e discute o valor dessas dimensões na transmissão da psicanálise. A própria palavra "observação" passa a ser evitada, por implicar uma associação inadequada com a sensorialidade (Bion, 1967a/1993a, p. 134).

Sem ignorarmos as modificações introduzidas por Bion em suas concepções sobre o método e sobre o objeto psicanalítico, pretendemos voltar aos artigos sobre psicose, escritos nos anos de 1950, e verificar o que mais eles podem nos dizer sobre o interesse de Bion pela observação. Pensamos essa questão em sentido amplo, tomando a observação como uma espécie de guia de referência, que nos permite acompanhar o evolver de ideias e de situações clínicas que participaram das formulações metodológicas de Bion nos anos 60.

Uma vez que estamos dando continuidade a estudos apresentados em outros textos (como em Salvitti, 2011), não nos estenderemos sobre exemplos já trabalhados. Também deixaremos em aberto uma exposição mais precisa da maneira como essas concepções se articulam à teoria do pensar e a um momento ainda mais avançado de seu pensamento, o livro Transformações (1965/1991).

 

Os artigos da década de 1950

Os artigos de Bion sobre psicose, juntamente com os relatos de grupos (Bion, 1952/1961), constituem a exposição mais extensa e detalhada de situações clínicas que poderemos encontrar em sua obra. Esses textos são imensamente ricos em exemplos de associações livre e interpretações oferecidas ao paciente; em descrições sobre o estado ora mais ora menos cindido de seu mundo interno; em detalhes sobre as tentativas de se promover ou impedir os processos de subjetivação; e em exposições sobre as diferentes formas e usos conferidos aos fenômenos mentais na sessão. Bion dá um grande destaque ao destino das funções egoicas nas posições esquizoparanoide e depressiva, em especial a linguagem e o pensamento em sua dimensão verbal e, posteriormente, pré-verbal e não-verbal. Um dos principais frutos dessa investigação foi a constatação de que os fragmentos de ego, que evidenciavam o ataque à realidade e à comunicação verbal, poderiam conter e transmitir significados. Houve, portanto, uma necessidade de se compreender as ligações emocionais primitivas, que promovem desenvolvimento psíquico e que também poderiam ser alvo de ódio e destruição.

A par do detalhamento dos fenômenos psicóticos e das diferentes maneiras de o paciente empregar a linguagem, somos informados sobre alguns apuros e experiências um tanto quanto perturbadoras vividas por Bion, como a dificuldade em interpretar certas situações e em compreender o significado que as interpretações teriam para o paciente. Mas são dessas mesmas experiências que vemos brotar ideias bastante inovadoras para a teoria e a técnica

Qual uma primeira sessão de análise, em que se anunciam muitos dos temas que aos poucos serão revisitados e, quem sabe, ultrapassados, o texto que abre Second Thougths, "O gêmeo imaginário" (1950/1993c), reporta-nos a duas questões que podem ser reunidas em torno de uma atitude sobre a observação clínica e suas implicações para a análise. A primeira refere-se à interpretação sobre o gêmeo e o desencadeamento de mudanças irrestritas no estado de mente do paciente. A segunda diz respeito à apresentação de detalhes de sessões anteriores e que precederam essa interpretação. Segundo Bion, os detalhes seriam "necessários para o entendimento do que se segue" (Bion, 1950/1993c, p. 6), isto é, de sua proposição sobre a existência de um gêmeo imaginário.

No livro O sonhar restaurado, Tales Ab'Sáber (2005) retoma esse texto de Bion à luz das concepções apresentadas em Aprendendo da experiência (1962a/1989a), iniciando sua exposição com uma ideia que nos interessa desenvolver:

A construção analítica que Bion faz com seu paciente - a introdução do "gêmeo imaginário" [...] é bastante radical: nada anteriormente à apresentação deste termo indicava, ao longo do tratamento, a presença imaginária de um gêmeo. A noção proposta, com as suas ramificações, é uma criação muito livre do analista, construção psicanalítica que faz surgir o sentido a partir de um certo caos simbólico em que o analista se deixou mergulhar, de forma a encontrar, em conjunto com o paciente, a senda tênue, mas possível, do sentido psíquico (Ab'Sáber, 2005, p. 45, grifo nosso).

Por mais que Bion prepare o leitor para o que virá na sequência do texto e deseje proporcionar entendimento, não parece haver uma razão direta, a não ser teórica, entre os fatos e a interpretação. A sequência de exemplos recortados do conteúdo das associações livres, reunida ao caráter mortífero da relação transferencial-contratransferencial e ao ritmo peculiar da conversa estabelecida entre eles, ilustra de modo admirável o tema do duplo e retoma a temática conhecidamente presente em Freud e na ficção literária. Como diria Bion alguns anos depois, essa massa de informações, impressões, ideias, imagens e sensações - até então não relacionadas entre si - fora condensada criativamente na figura onírica do gêmeo imaginário. Porém, se a apresentação dos detalhes da análise nos permite entender a sequência de acontecimentos narrados e o significado da interpretação, ela não torna possível enxergarmos o que Bion viu (ou sonharmos o que Bion sonhou). A presença do gêmeo não é evidente para o leitor e não o foi para o paciente, até ser formulada por Bion.

A sequência do texto é dedicada à exposição das fantasias acerca dos instrumentos com os quais o paciente tentará investigar o estado de sua mente, investigar seus próprios instrumentos de investigação e fazer testes de realidade. Nesse momento de sua obra, a ênfase é dada ao funcionamento intrapsíquico do paciente e ao processo de conquista de consciência. A noção de que o sentido psíquico é criado em uma operação conjunta entre analista e paciente, dada por meio de uma comunicação primitiva, tanto no conteúdo quanto na forma, qual sonho, dependia ainda de desenvolvimentos conceituais e experiências clínicas posteriores.

Antes de tratarmos desse assunto, é importante ressaltar que, em 1950, Bion estava atento à maneira de o paciente trazer seu material psíquico à consciência - um órgão dos sentidos recém-conquistado por ele - e, assim, aprender a "compreender as qualidades sen-soriais em acréscimo às qualidades de prazer e dor", tal como diz Freud no artigo tantas vezes citado por Bion (Freud, 1911, as cited in Bion, 1955, p. 221). A psicanálise é apresentada como um método de investigação que faz uso de todos os órgãos dos sentidos - o que parece ser um prelúdio à noção de senso comum, significando a comunhão dos sentidos em torno do princípio de realidade. Segundo Bion, a "maneira como o paciente trouxe [seu] material para a consciência" (Bion, 1950/1993c, p. 13) dependeu da boa e harmoniosa articulação entre seus olhos, que também representavam seu pai e sua mãe, por meio da "visão binocular" (Bion, 1950/1993c, p. 14). Em Aprendendo da experiência (1962a/1989a), Bion revê o papel da sensorialidade ligada à consciência nos processos de subjetivação e retoma o conceito de consciência de Freud, a fim de explorar o significado do aprender e do compreender à luz de sua própria concepção sobre a atividade de sonhar e de pensar que ocorre na sessão.

Antes disso, em "Notas sobre a teoria da esquizofrenia" (1954/1993d) e em sua versão ampliada, "A linguagem e o esquizofrênico" (1955), o conceito de consciência de Freud e as demais funções do ego - especialmente a linguagem e o pensamento verbal -, foram detalhadamente articulados por Bion ao mecanismo de identificação projetiva, à cisão e às dificuldades de o paciente tolerar a posição depressiva. Em "Diferenciação entre a personalidade psicótica e a personalidade não-psicótica" (1957/1993e), o tema foi aprofundado ainda mais em razão da constatação de que o pensamento primitivo, pré-verbal, associado a imagens e impressões sensíveis, desempenharia um papel fundamental na conscientização da realidade. Bion diz: "Minhas experiências me levaram a supor que algum tipo de pensamento relacionado ao que deveríamos chamar de ideogramas e à visão, mais que às palavras e à escuta, existe desde o princípio" (Bion, 1957/1993e, p. 49). Porém, não era necessariamente evidente a natureza e o uso dado pelo paciente a essas imagens - o que levou Bion a identificar um fenômeno comunicativo - o ideograma, e um fenômeno evacuatório - o objeto bizarro.

Em "O gêmeo imaginário", Bion colocara um problema semelhante ao indagar se capacidade do paciente para personificar suas cisões significava uma capacidade para produzir símbolos - e, assim, se essas personificações poderiam ser consideradas pelo analista como símbolos ou não. Uma vez que Bion não se debruçou diretamente sobre essa questão, podemos apreender dos artigos publicados no final dos anos de 1950 - especialmente em função de suas investigações sobre a relação de objeto, via identificação projetiva -, que essa discriminação não dependeria da observação do fenômeno em si. Isto é, o significado de um fenômeno não é inerente a ele, e, sim, dependente de uma observação realizada a partir da qualidade da ligação entre analista e paciente.

Notadamente nos artigos da segunda metade dos anos 50, deparamo-nos com uma importante mudança nas descrições do papel que o analista desempenhava para o paciente. Se antes ele aparecia nos textos interpretando o estado mental do psicótico, seus conteúdos de fantasia e suas ações onipotentes sobre a linguagem, a partir de "Diferenciação..." (1957/1993e), há uma mescla disso com descrições sobre os destinos dos fragmentos de ego projetados para dentro do objeto externo. Especialmente em "Sobre arrogância" (1958/1993f), no mesmo exemplo em que Bion se dá conta do caráter comunicativo da identificação projetiva, é discutido algo do funcionamento mental do analista sob a ótica de um objeto cujas funções mentais promovem ou obstaculizam o processo analítico. As descrições não mais se resumiam ao impacto contratransferencial de fenômenos psicóticos sobre a mente do analista, como Bion fizera em 1952 (Bion, 1961) e 1954 (Bion, 1993d). O que se nota são assinalamentos sobre a qualidade da relação entre o par analítico por meio do exame minucioso do propósito da identificação projetiva e do conteúdo veiculado. Nesse cenário, surgem detalhes das condições emocionais e das atividades mentais envolvidas na sustentação de ansiedades disruptivas e na posterior formulação de uma interpretação.

Muito embora as ideias clínicas apresentadas por Bion sejam complexas e de difícil apreensão (mesmo por seus pares da época), seus artigos expõem de um modo vivo os aprofundamentos teóricos e as abordagens inovadoras para conceitos de grande utilidade clínica - em especial, a dimensão comunicativa da identificação projetiva, a função de ligação emocional do objeto, o papel constitutivo e criativo do delírio e da alucinação, e o enfoque sobre o mito de Édipo à luz do impulso epistemofílico3.

A essas contribuições, se acrescenta o desejo de Bion de tornar mais precisa a descrição dos fenômenos psicóticos, a fim de favorecer a interpretação e, a nosso ver, a própria observação analítica. Além de indicar aquilo que os pacientes poderiam fazer com a linguagem e o pensamento, aprofundando as teorias existentes, ele também narra muito do processo de chegada a certas interpretações e a descoberta de padrões e de processos subjacentes na personalidade4. Bion aponta a necessidade de o analista notar, por exemplo, a simultaneidade entre psicose e neurose - ainda que a manifestação de uma encobrisse a presença da outra. Indica o duplo sentido que certas palavras podiam ter para o paciente, alertando que assim o analista poderia perceber a presença da alucinação antes que ela se manifestasse pelos modos mais conhecidos. Sugeriu, também, termos que discriminariam os aspectos benignos e patológicos da alucinação, bem como nomenclaturas para funções que estariam na fronteira entre um psiquismo em formação e em estado de deterioração, como o ideograma e o objeto bizarro, respectivamente.

Como dissemos na nota três, parte da dificuldade de seus colegas e do próprio leitor em seguir as ideias de Bion estaria na dificuldade de apreenderem o significado dos fenômenos descritos e, consequentemente, a função de alguns deles. Em certas passagens de "Diferenciação.. ." (1957/1993e), o objeto bizarro ora é um objeto expelido, ora está na fronteira de constituir um campo de fantasias até então inexistente e passível de interpretação. Quanto ao ideograma, ele apenas dava conta de expressar um mundo interno já constituído. Se, por um lado, Bion procurava uma linguagem mais adequada aos fenômenos em si, por outro, intencionava descrever as diferentes dimensões em que eles se apresentam ao analista. Cunha a expressão "justaposição negativa" para ilustrar a presença simultânea, embora cindida, entre uma união bizarra, cruel e intolerável de objetos, e uma união também cruel, porém direcionada à compreensão da realidade psíquica. Parece, também, que Bion tentava ilustrar um estado mental em trânsito, por parte do paciente e do analista - porém, carecia do sinal usado anos depois no livro Elementos da psicanálise (1963/1989b) para indicar o movimento oscilante entre a posição esquizoparanoide e depressiva, e que permitiria o seguinte enunciado: objeto bizarro ↔ ideograma.

Sem desconsiderarmos toda a contribuição e o esforço de Bion em dar contornos a fenômenos pré e não-verbais, propondo tal ou qual terminologia, o fato é que as descrições clínicas carregam uma imprecisão e um dinamismo que extrapola o delineamento teórico. O sentido do verbo dispose of usado por Bion em "Ataques à ligação" (1959/1993g) parece querer expressar, na linguagem, uma imprecisão sobre o caráter normal ou patológico da identificação projetiva na experiência clínica. Entendemos que esse verbo traz certa ambiguidade, impossível de ser mantida na tradução para o português. Na citação a seguir, deixaremos essa palavra sem tradução, notando que na versão brasileira a opção é pelo sentido puramente evacuatório - algo compreensível em termos do teor do parágrafo e do título do artigo, mas não das experiências narradas ao longo do texto. Nessa versão, lemos que a identificação projetiva é um "mecanismo que a psique utiliza para se livrar [dispose of] dos fragmentos" (Bion, 1994, p. 109, grifo nosso). Em nossa tradução, temos:

Discutirei os ataques em fantasia ao seio, sendo esse o protótipo de todos os ataques a objetos que servem de ligação, e a identificação projetiva, sendo esse o mecanismo empregado pela psique para [dispose of] dos fragmentos de ego produzidos por sua destrutividade (Bion, 1959/1993g, p. 93).

É certo que a psique elimina, descarta-se dos fragmentos intoleráveis por meio da identificação projetiva - porém, o verbo dispose of também pode ter o sentido de lidar, resolver, dar conta de um problema (Oxford, 2010). Nos exemplos de Bion, não é suficiente a ideia de resolução como jogar fora e liquidar um assunto. Uma vez que Bion passa a levar em conta o objeto externo - não enquanto mero depositário desses fragmentos, mas como objeto em uma relação que sofre a ação, que experimenta e investiga a função dos mesmos -, fica implícita a ideia de que será preciso questionar, na própria relação, a qualidade normal ou patológica dessa evacuação e do conteúdo descartado. Além disso, Bion expande nesse artigo a ideia já esboçada em trabalhos anteriores de que a identificação projetiva carregaria uma expectativa de conhecimento em relação ao self, sendo a única forma do paciente se fazer entender. E acrescenta: "gratidão pela oportunidade coexiste com hostilidade" (Bion, 1959/1993g, p.105, grifo nosso).

Supomos que Bion se indagava sobre a ajuda efetiva que os termos criados por ele e as descrições apresentadas poderiam dar à observação e à capacidade do analista discriminar diferentes estados de mente. Em meio às propostas terminológicas e inovações teóricas, remetemos o leitor ao exemplo clínico narrado em "Sobre arrogância" (1958/1993f), uma vez que ele nos obriga a pensar sobre a própria condição de possibilidade da observação analítica. O caráter primitivo dos fenômenos, associado a formas também primitivas de defesa, levantava questões acerca dos instrumentos que permitem não só o paciente, mas também o analista lidar com os mesmos. Como observar aquilo que está excindido, fragmentado, negado? Como obter evidências acerca de uma subjetividade inexistente e inviabilizada como tal? Qual o papel da linguagem verbal diante da concretude das experiências e dos limites à simbolização? Em "Ataques à ligação" Bion indica a área a ser investigada:

A observação da propensão do paciente atacar a ligação entre dois objetos é simplificada, porque o analista deve estabelecer uma ligação com o paciente e o faz por meio da comunicação verbal e de seu cabedal de experiência psicanalítica. Disso depende a relação criativa e, portanto, deveríamos ser capazes de ver ataques sendo feitos a ela (Bion, 1959/1993g, p. 94).

 

Panorama final

A problematização em torno da observação ganhou maior destaque na psicanálise com a expansão da prática clínica a áreas consideradas polêmicas por seus pioneiros, como o atendimento de crianças e de pacientes psicóticos. Os limites no uso da linguagem verbal no processo associativo, contudo, não impediram a exploração psicanalítica das formas de expressão não verbais e pré-verbais. Com os trabalhos de Melanie Klein, especialmente, houve um grande avanço nas possibilidades de conhecimento e investigação das áreas primitivas do psiquismo. Também ocorreram mudanças na teoria, na técnica e nos objetivos da psicanálise, em razão da necessidade de se examinar o papel do enquadre e o papel do analista quando falham a manutenção do dispositivo analítico, a capacidade de simbolização no paciente, bem como no próprio analista. Acompanhando a diversidade de quadros psicopatológicos que passaram a ser descritos na literatura psicanalítica, André Green (1975) acrescenta às mudanças objetivas ocorridas na psicanálise a perspectiva subjetiva do analista. Relata o aumento na sensibilidade e na percepção para estados mais regredidos de mente, bem como uma atenção ao estado mental e emocional do próprio analista, considerando-se o uso que o paciente faz da linguagem para comunicar coisas concretas, em vez de transmitir significados verbais. As descrições clínicas de Bion nos permitem acompanhar algo dessas mudanças subjetivas ocorrendo na singularidade de uma sessão.

Em Transformações (1965/1991), Bion cunhou a expressão "teorias da observação", ainda que o tema tenha ocupado formalmente os seus escritos desde a postulação de sua teoria do pensar, em 1962. Sustenta ele que o ponto de partida da observação deveria ser a experiência emocional da sessão e suas transformações, e não teorias psicopatológicas sobre neurose ou psicose. Desse modo, buscava critérios que organizam a observação e a compreensão de uma experiência emocional que não fossem externos à própria experiência. Esse mesmo enfoque se aplicaria à teoria do pensar, com a postulação da função-alfa, dos elementos alfa e beta, e à delimitação dos elementos da psicanálise e da Grade como instrumento de exercício da intuição psicanalítica (Bion, 1963/1989b).

Vimos que, desde os seus primeiros artigos psicanalíticos, Bion deu especial atenção ao estado das funções mentais no processo de conhecimento da realidade psíquica. Expôs a forma assumida pela consciência, pelo pensamento e a linguagem verbal na psicose, quando predominam a onipotência, a cisão e os ataques sádicos às funções do ego, e também quando há uma tentativa de restauração do psiquismo. A partir de meados da década de 1950, o enfoque de Bion sobre os processos envolvidos na construção e na destruição do psiquismo acabou por situar na posição esquizoparanoide, mais do que na posição depressiva, o campo para a exploração da natureza dos fragmentos de pensamento e sua relação de origem com a linguagem verbal. Se, de um lado, o pensamento verbal estaria associado à posição depressiva por sua qualidade de síntese e de integração, de outro, seria possível detectar já na posição esquizoparanoide um pensamento pré-verbal e tentativas de reconstituição do ego pela personalidade psicótica. Nessa posição, haveria, portanto, a expressão de um simbolismo rudimentar ou de um pré-simbolismo semelhante ao material onírico capaz de proporcionar alguma consciência da realidade psíquica e uma comunicação primitiva.

Além das constatações de Bion abalarem uma visão mais estanque sobre a psicose em sua dimensão eminentemente destrutiva e patológica, sua riqueza também se faz presente nas descrições do instável e árduo processo de conquista da simbolização durante as sessões. Ao mesmo tempo em que as contribuições de Bion da década de 1950 exigiram que se aprofundasse a compreensão sobre a natureza da participação do analista na observação e no trato com esses fenômenos - o que será feito nos trabalhos dos anos 60 -, elas certamente nos obrigam a refletir sobre o nosso próprio papel como analistas.

 

Referências

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Correspondência:
Adriana Salvitti
Rua Pedro da Cunha, 65/52
05010-020 São Paulo, SP
Tel: 11 99874-2898
adrianasalvitti@gmail.com

Recebido em 1.3.2012
Aceito em 13.4.2012

 

 

1 Nesse sentido, devemos questionar a pertinência de palavras como "raiz" e "origem", comumente empregadas nos estudos sobre o pensamento de Bion. Mesmo que usadas de modo metafórico, o risco é o de reduzirem seu pensamento a uma causa final ou de imporem um determinismo que acaba retificando as heterogeneidades e irregularidades tão frequentes em sua obra.
2 Muito já se comentou sobre a inadequação do título em português: Estudos psicanalíticos revisados. Lembramos que second thoughts é uma expressão idiomática inglesa, que significa pensar de novo e melhor sobre o que antes havia sido afirmado, tal como diríamos: "Pensando bem...".
3 Sobre essas inovações, ver Meltzer (1998). Sobre a complexidade das ideias de Bion, lembramos da carta em que Winnicott (1990) comenta a dificuldade da plateia em acompanhar a apresentação de "Diferenciação entre a personalidade psicótica e a personalidade não-psicótica" na Sociedade Britânica de Psicanálise, apesar de reconhecer seu esforço em relatar a experiência clínica. Entre os motivos citados, estaria a linguagem conceitual empregada pelo grupo kleiniano, aliado a um mal-estar político que ainda perdurava. Além do obstáculo à comunicação, trazido pelo uso de "dialetos", acrescentamos que muito da dificuldade estaria na combinação entre a novidade das ideias apresentadas, mesmo para Bion, e os limites inevitáveis de sua transmissão pela linguagem verbal.
4 A contribuição de Bion à observação clínica pode ficar mais clara se notarmos que a dimensão subjacente não implica - mas também não descarta - o que é latente no sentido clássico do termo. Este último supõe a noção metapsicológica de conflito psíquico e, portanto, de um campo teórico de elevada abstração que não guarda uma relação muito próxima com a experiência e a observação.

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