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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.46 no.4 São Paulo out./dez. 2012

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Bernardo Tanis

Editor

 

 

Primeiras entrevistas

Quando decidimos, na comissão editorial, que o tema Primeiras entrevistas seria o título do último número deste volume, reconhecemos dois movimentos simultâneos: o de clausura e o de abertura. Iniciamos o ano com uma proposta que visava a aprofundar a reflexão em torno da ética em psicanálise. Em sua sequência, dois números sobre "Passagens: entre o moderno e o contemporâneo", uma vez que identificamos a necessidade de pensar sobre as transformações e as invariâncias no fazer analítico através dos tempos. Indagamo-nos a respeito das variações do lugar do analista e suas implicações éticas, estabelecendo um diálogo fecundo com o tema do Congresso da Fepal: "Invenção-tradição".

O convite à reflexão acerca das primeiras entrevistas encontra seu lugar nesse movimento de abertura em direção ao outro, no qual a expectativa frente à alteridade domina a cena. A singularidade dos processos temporais apreendidos pela psicanálise faz com que nesses primeiros encontros se condensem, tal como nos sonhos, precipitados das mais remotas vivências e inscrições psíquicas, que se insinuam por meio de afetos, silêncios e palavras, matéria-prima viva de um projeto possível, ou não, que se desenhará no campo inédito do encontro inaugural.

Entusiasmados, lemos muito do que se escreveu sobre o assunto e redigimos uma carta-convite como estímulo à reflexão, a qual se encontra publicada como abertura deste número. A liberdade e a diversidade de focos escolhidos por parte de cada um dos cinco autores que abordam o tema contemplam, entre outros, os seguintes aspectos vinculados às primeiras entrevistas: a retificação subjetiva vista como transformação do pedido de ajuda em demanda de análise (quando possível), a especificidade no contexto da análise com crianças, a possível construção de uma hipótese diagnóstica, a singularidade idiopática entendida como instrumento auxiliar que pode orientar o analista na construção de um setting mais apropriado para aquela configuração psíquica particular, a atenção outorgada aos aspectos não verbais presentes no encontro e, finalmente, a comunicação inconsciente e a atenção à subjetividade do analista.

A riqueza e a complementaridade das abordagens encerram como questões nucleares a extrema sensibilidade dos autores à singularidade de cada entrevistado e o respeito pela dor e pelo sofrimento psíquico. Aliados a esses elementos, destaca-se a atenção flutuante do analista, que capta a emergência de um elemento significante graças ao surgimento de um campo transferencial que começa a ser colocado em jogo, e cuja força investe a palavra. Os textos de Fernando José Barbosa Rocha, Eliana da Silveira Cruz Caligiuri, Flávio Carvalho Ferraz, Augusta Gerchmann e Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis, que transitam por estes temas e compõem a seção, poderiam ser apreciados como uma degustação de bons vinhos - cada um possui uma personalidade complexa, que foi sendo amadurecida e decantada por longos anos de experiência clínica, e cujo potencial evocativo poderá ser aquilatado em uma leitura dedicada e serena.

O texto da renomada semioticista e pesquisadora Beth Brait, que publicamos na seção de interface, visa a ampliar e a trazer novos matizes para nosso tema principal. Nele se apresenta ao psicanalista a possibilidade de tomar conhecimento da obra de Bakhtin, cujos estudos nos campos da filosofia da linguagem, da estética e da ética chegam a nós na forma do dialogismo. Fundada na relação constitutiva eu/outro, a noção de dialogismo permite reconhecer no discurso narrativo, em sua polifonia e alteridade, as marcas da ambiguidade e da tensão entre as múltiplas vozes que o habitam. O pensamento de Bakhtin, nas palavras da autora, "se oferece como a busca da compreensão das formas de produção de sentidos, apontando para uma ética/estética da linguagem, a qual engloba vários conceitos centrais e inovadores, estabelecendo relação entre linguagem, sujeito, vida, responsabilidade".

Na seção de intercâmbio, contamos com a contribuição da psicanalista e importante pesquisadora israelense Alina Schellekes, que nos atualiza com um olhar panorâmico sobre os estudos em torno do desenvolvimento precoce e estados mentais primitivos.

Este número conta também com um leque interessante de trabalhos enviados por autores que abordam diferentes aspectos de nossa prática - os trabalhos são instigantes, e muitos deles na linha de frente da psicanálise atual. Alguns dos temas que o leitor encontrará nestes ricos ensaios são: os discursos não metaforizados, o lugar do dinheiro no contexto transferencial, o investimento subjetivante do analista na clínica do autismo, entre outros.

Gostaríamos de fazer uma menção especial à resenha de Pedro Heliodoro Tavares à publicação póstuma da tradução de "Luto e melancolia" pela nossa saudosa colega Marilene Carone. Isto porque, com este trabalho, damos início à publicação de uma série resenhas sobre as novas traduções ao português da obra de Sigmund Freud, as quais irão se suceder nos próximos números.

Para concluir este editorial, gostaríamos de apresentar aos nossos leitores outro aspecto de nossa tarefa editorial. Destacamos que nos últimos congressos - Brasileiro de Psicanálise e da FEPAL -, o corpo editorial da Revista Brasileira de Psicanálise promoveu algumas atividades, dentre as quais se destacaram: a) Painel sobre Ética na publicação de material clínico e a indexação de revistas de Psicanálise. Foram convidados editores regionais da RBP, assim como os editores das diferentes revistas editadas pelas Sociedades e Grupos de Estudos integrantes da FEBRAPSI; b) Oficina promovida pela RBP em parceria com Calibán (nova revista da FEPAL): Leitores, autores e editores desde América Latina. Tradição e invenção em publicações psicanalíticas. O interesse despertado por essas atividades motiva-nos a dar sequência às iniciativas, a partir das quais editores, autores e leitores possam refletir e indagar conjuntamente sobre a produção de nossas revistas.

Chegamos ao fim de mais um ano de intenso trabalho, e gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram com a produção da Revista Brasileira de Psicanálise: aos nossos autores e assinantes; a toda equipe editorial, em suas diversas comissões (temática, de avalição, de interface e entrevistas, de resenhas e lançamentos, de intercâmbio); aos editores e coeditores regionais; aos pareceristas de todos os estados do Brasil; à nossa dedicada secretária Núbia; aos nossos revisores e diagramadores. Também agradecemos ao Conselho Diretor da Febrapsi e à Assembleia de Delegados e Presidentes das Sociedades e Grupos de Estudos, componentes da Febrapsi, de quem sempre recebemos apoio e estímulo para nossas iniciativas.

Muito grato a todos e uma boa leitura.

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