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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.2 São Paulo abr./jun. 2013

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Bernardo Tanis

Editor

 

 

O pensamento clínico e o contemporâneo

A escolha de certos temas, norteadores dos convites aos autores, pelo corpo editorial da Revista Brasileira de Psicanálise tem como principal objetivo mobilizar e oferecer um espaço de escrita e reflexão para aquilo que, embora ainda não tenha ganhado forma acabada, encontra-se em gestação no campo clínico e reflexivo dos analistas em nosso contexto, assim como em outros países nos quais a psicanálise permanece um campo criativo de pesquisa clínica e conceitual.

Uma publicação psicanalítica viva e atual, como pretende ser a nossa, deve não apenas ser representativa do saber constituído e das práticas consagradas, mas acolher os interrogantes e paradoxos clínico-teóricos com os quais cotidianamente nos defrontamos. A perspectiva contemporânea reside na abertura para a opacidade do presente (Agamben), para o inacabado que se constitui como motor e fonte de novas descobertas, o que talvez permita elucidar com maior clareza as forças e contextos que deflagram dor e sofrimento psíquico, bem como os recursos que podemos desenvolver a partir da psicanálise para a transformação desse mal-estar.

Como psicanalistas, a clínica, ancorada no método, e nossa reflexão a posteriori compõem a nossa matriz produtora de conhecimento, mas é inquestionável que o nível de complexidade dos determinantes que influenciam na constituição subjetiva faz com que a ideia de "pensamento complexo", como elaborada por Edgar Morin e outros pensadores, venha em nosso auxílio.

Convidamos os leitores a transitar pausadamente pela rica e elucidativa entrevista que a equipe da RBP realizou com Olgária Chain Féres Matos, renomada professora de Filosofia, a quem agradecemos pela generosidade de sua contribuição. As hipóteses que nos apresenta para compreender as transformações subjetivas contemplam elementos históricos, socioculturais e econômicos. Matos investiga as origens da modificação na forma de perceber o tempo ("aceleração do tempo"), a limitação de viver a experiência, as ideias de vazio e tédio, a crise da educação e a perda de um registro imaginativo que nos ofereça um continente para acolher e processar a dor mental, fatores que impedem a construção de metáforas estimulando as diferentes formas de passagem ao ato.

A possibilidade de construir narrativas de si, mesmo que inconclusas e de preferência não saturadas, é algo que Freud sempre destacou e a que outorgou um importante lugar em face do soterrado e do traumático, como destaca em "Construções em análise". Também a narrativa histórica da cultura e sua origem mítica mas fundante da lei e da moral são destaques nas reflexões sobre o contemporâneo no ano em o Congresso Brasileiro de Psicanálise presta homenagem aos cem anos da publicação de "Totem e tabu". Convidamos a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz para abordar esta temática. Por meio de um texto rico e dinâmico, a autora problematiza o debate antropológico em torno das noções de tempo e história nas diferentes culturas e nas perspectivas de compreensão elaboradas pelos pesquisadores. Sem pretensão de sínteses apressadas, a autora destaca "que somos todos nativos de nossas múltiplas temporalidades".

Múltiplas perspectivas sobre a temporalidade entre os gregos (Chronos, Kairos e Aeon) é o tema que destaca Maria de Fátima Chavarelli em seu agudo comentário à entrevista. Já Mariano Horenstein, também sobre a entrevista, desloca de modo instigante seu comentário na direção da contemporaneidade da psicanálise, de sua "eficaz inatualidade", da preservação da singularidade em que residem os outros elementos para pensar a clínica e o contemporâneo.

Dizemos em nossa carta-convite a este número:

Freud conceitua a pulsão de morte em 1920, assim como drásticos mecanismos defensivos: a rejeição e a recusa. O Id já não possui as mesmas características do inconsciente reprimido. O Eu e as identificações tornam-se muito mais complexos. O olhar do psicanalista e sua percepção do analisando necessariamente mudam. Estas descobertas de Freud se constituem em um legado para o psicanalista contemporâneo. São novas as maneiras de viver e de padecer daqueles que chegam até nós e propõem novas demandas. Como psicanalistas, de que modo respondemos a essas solicitações?

Progressivamente, mas de modo consistente, os psicanalistas vêm procurando, nas últimas décadas, dar conta destas demandas. Os textos que compõem este número testemunham, ao lado de um trabalho clínico instigante e atual, uma reflexão que vai ao encontro da elaboração de um pensamento clínico que contemple a complexidade; transitam com maturidade fecunda e multifacetada por diferentes aspectos clínicos inerentes às diferentes configurações não neuróticas; esboçam um pensamento clínico plural que se enriquece no diálogo entre distintos modelos de pensamento, um exercício que convoca o "pensamento complexo" para dentro do campo psicanalítico, superando períodos nos quais dominava um pensamento de escolas.

Marion Minerbo, a partir de um caso clínico, nos introduz na obra de René Roussillon, um dos mais criativos analistas hoje em atividade, e que muito tem publicado sobre a clínica e a compreensão dos analisandos dominados pelo que denomina sofrimento "narcísico-identitário" - tema presente também nos trabalhos de Norberto Marucco e Gley P. Costa, nos quais cada um a seu modo, mas com vários pontos de coincidência, visa a abordar o lugar do analista na condução dessas análises.

Luís Carlos Menezes destaca o lugar da linguagem e a potência sempre renovada da metáfora no trabalho do analista. Já Gustavo Gil Alarcão, também com base em um caso clínico, convida o leitor à cada vez mais necessária reflexão sobre o lugar da medicação - tema contemporâneo por excelência em tempos de DSM-V. E o que dizer da necessidade de refletir sobre as consequências subjetivas das mudanças no campo do trabalho na atual fase do capitalismo? Agradecemos a Christophe Dejours, destacado psicanalista francês e diretor da Fundação Jean Laplanche, pelo envio de suas reflexões.

O trabalho nas fronteiras, em um trânsito entre zonas que permitem transformações singulares e a apreensão de diferentes configurações psíquicas, é o foco do sério trabalho de Claudio Castelo Filho. Também de fronteiras, embora de outra natureza, tratam as instigantes contribuições de Gina Khafif Levinzon, no campo da adoção, e de Adalberto Goulart, pela análise de um pianista de oitenta anos. Fairbairn, psicanalista de fecundas intuições clínicas, embora pouco lido entre nós, é o foco no texto de intercâmbio de autoria de Paul Finnegan e Graham Clarke.

Ser contemporâneo: medo e paixão, tema do nosso próximo Congresso Brasileiro de Psicanálise, é sem dúvida um tema de máxima atualidade. Esperamos que a riqueza e diversidade de ideias em torno do pensamento clínico contemporâneo, contidas neste número, se constituam em estímulo e motivação para as reflexões que terão lugar em Campo Grande.

A todos, uma ótima leitura!

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