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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.3 São Paulo July/Sept. 2013

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: LEGADOS

 

Remotas paisagens. Joyce McDougall e os destinos do psicossoma

 

Remote landscapes. Joyce McDougall and the fates of the psychosoma

 

Paisajes remotos. Joyce McDougall y los destinos del psicosoma

 

 

Rubens Marcelo Volich

Psicanalista. Doutor pela Universidade de Paris VII – Denis Diderot. Professor do Curso de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Autor de diversos livros

Correspondência

 

 


RESUMO

A partir da história pessoal de Joyce McDougall, este texto descreve o caminho por ela percorrido em sua formação em Londres e Paris. Destaca sua abertura às diferentes correntes psicana-líticas e as influências das trocas por ela estabelecidas com seus contemporâneos na criação de seus próprios conceitos. Analisa, igualmente, as principais concepções de J. McDougall sobre sexualidade, perversão, desenvolvimento do psicossoma, somatizações e a originalidade de seus conceitos de nor-mopatia, desafetação, histeria arcaica, psicose atual.

Palavras-chave: Joyce McDougall; psicanálise; psicossomática; homossexualidade feminina; neossexualidades; normopatia; desafetação; criatividade; histeria arcaica; psicose atual.


ABSTRACT

Based on Joyce McDougall's personal story, this article describes the path she took while studying in London and Paris. It emphasizes her openness toward different psychoanalytic currents and the influences of the exchanges she established with her contemporaries on the creation of her own concepts. It analyzes J. McDougall's main ideas on sexuality, perversion, psychosomatic development, somatizations and the originality of her concepts of normopathy, disaffectation, archaic hysteria, current psychosis.

Keywords: Joyce McDougall; psychoanalysis; psychosomatics; feminine homosexuality; neosexualities; normopathy; disaffectation; creativity; archaic hysteria; current psychosis.


RESUMEN

Basado en la historia personal de Joyce McDougall, este artículo describe el camino recorrido por ella en su formación en Londres y París. Subraya su apertura a distintas corrientes psicoanalíticas y las influencias de intercambios establecidos por ella con sus contemporáneos en la creación de sus propios conceptos. En el mismo se analizan los conceptos fundamentales de J. McDougall sobre la sexualidad, la perversión, el desarrollo de enfermedades, el psicosoma y la originalidad de sus conceptos de normopatía, desafectación, histeria arcaica y psicosis actuales.

Palabras clave: Joyce McDougall; psicoanálisis; psicosomática; homosexualidad femenina; neosexualidad; normopatía; desafectación; creatividad; histeria arcaica; psicosis actuales.


 

 

... em toda análise ocorrem "tempos mortos", durante os quais o processo é refreado ... cada vez que eu me encontrava em dificuldades, não compreendia mais nada ou não conseguia comunicar minha compreensão . [quando] o processo analítico, com todas as modificações profundas de que é capaz de induzir, não desencadeava nada - nesses momentos, punha-me a escrever
(McDougall, 1978/1983, pp. 9-10).

Talvez seja esse o destino dos insulares. Espreitar o horizonte, tentar alcançá-lo, sonhar com outras terras. Aguardar os navios, procurando, no relato dos viajantes, as notícias de além-mar, as histórias das travessias, dos perigos, das descobertas, das emoções das viagens. Suportar as noites insones, sorvendo, excitados, as histórias dos que chegaram, e as maldormidas, pela tristeza das despedidas. Esperar pelas notícias, pelos reencontros, imaginar a partida, até soltar as amarras, lançando-se, a si mesmo, na aventura da travessia, ao encontro do desconhecido.

Joyce McDougall mergulhou nesse destino. Apaixonadamente, transformou sua sina em arte, em escuta. Afável, calorosa, sensível, entregou-se a essa aventura, em sua vida, em sua clínica, em sua escrita. Enfrentando silêncios e vazios do sofrimento humano, as tormentas dos conflitos institucionais, a violência da doença, da sexualidade e das convenções sociais, o tédio e a impotência diante dos excessos da normalidade, Joyce resistiu pensando, analisando, escrevendo.

Nascida na Nova Zelândia, em 1920, na família Carrington, de origem inglesa, Joyce McDougall impregnou-se das marcas de sua geografia natal. Um país sem fronteiras terrestres, distante cerca de dois mil quilômetros de seu vizinho mais próximo, dividido ao meio pelo mar, é um convite ao isolamento, à solidão, à desconfiança. Ou ao sonho, à fantasia, à busca do outro. Foi essa a escolha de Joyce.

Naquelas terras, marcadas por paisagens exuberantes, animais exóticos e dividida entre as raízes polinesianas Maori e a cultura bem mais recente de imigrantes europeus, principalmente ingleses, Joyce viveu sua infância e adolescência. Daquela época, trouxe consigo o interesse pela literatura, pela pintura e pelo teatro, praticado em família desde os tempos de criança, e que lhe permitiu conhecer seu primeiro marido, Jimmy McDougall, ao encenarem juntos uma peça de Dylan Thomas. Formou-se em psicologia, quando se encantou pela obra de Freud e teve seus primeiros contatos com as conferências radiofônicas de Winnicott na BBC. Casou-se, teve dois filhos, e no início dos anos 1950, partiu com sua família para a Inglaterra, para tornar-se psicanalista.

Desembarcou em Londres em meio ao intenso conflito na Sociedade Britânica de Psicanálise entre os seguidores de Anna Freud e os de Melanie Klein. Foi aceita por Anna Freud na formação em psicanálise de crianças, frequentou seus cursos por quatro anos e iniciou sua clínica como analista de crianças na Clínica Hampstead, mais tarde renomeada Centro Anna Freud. Porém, sempre admirou a genialidade de Melanie Klein: "a primeira analista que reconheceu a profunda importância simbólica do jogo da criança". Joyce a homenageia especialmente em Teatros do eu, agradecendo a ela por lhe ter revelado "a riqueza da noção de teatro interno dos dramas perdidos" (1982, pp. 20-21). Em Londres, também acompanhou os seminários de D. W. Winnicott e trabalhou ao seu lado no Hospital Infantil de Paddington Green. Nessas inserções, já como jovem analista em formação, ela revelava um dom que se tornaria uma de suas principais marcas: a capacidade de transitar entre diferentes visões da psicanálise, de conviver e dialogar com diferentes grupos, mesmo em meio a conflitos.

Em pouco tempo, essa característica seria novamente colocada à prova. Precisando mudar para Paris em 19531, encontrou-se em meio ao fogo cruzado de outra "guerra civil" (sic), no âmbito da Sociedade de Psicanálise de Paris (SPP), entre Sacha Nacht e Jacques Lacan (Moro, 2001). Joyce McDougall procurou cada um deles para compreender a situação, mas não se convenceu com os argumentos, nem de um nem de outro2. Segundo Ceccarelli (1997), saiu

... decepcionada ao constatar o pouco de coerência dos argumentos apresentados por ambas as partes (fora as questões puramente narcísicas), e a falta de interesse pelas verdadeiras questões psicanalíticas. Tal constatação só veio a reforçar sua aversão a todo dogmatismo em psicanálise (p. 105).

Joyce decidiu continuar sua formação na SPP, pois seu analista, Marc Schlumberger3, permanecera no Instituto de Psicanálise. Participou dos seminários de M. Benassi e de Maurice Bouvet, também seu supervisor, e de grupos de supervisão de adolescentes com René Diatkine. Porém, reconhecendo o carisma, a criatividade e a originalidade de Lacan, "como Winnicott em Londres" (sic), continuou a se interessar por seus trabalhos, participando mesmo de seus seminários na Sociedade Francesa de Psicanálise. Mais tarde, frequentou também seminários da École Freudienne e do Quatrième Groupe4 Tornou-se membro titular da SPP em 1961, e foi secretária científica em 1971. Questionando a formação "concentrada e rígida" do Instituto, juntamente com André Green, René Major e Robert Barande, propôs uma formação mais livre, com a possibilidade de os candidatos escolherem os seminários que lhe interessassem (Moro, 2001).

Os insulares sonham em construir pontes, estabelecer laços, criar comunicações... Às vésperas de mudar-se para a França, Joyce McDougall conjecturou com Anna Freud a possibilidade de iniciar em Paris um núcleo de formação de psicanalistas de crianças, ainda inexistente na época, dispondo-se a transmitir a experiência que adquirira na Inglaterra e convidando analistas ingleses para ministrarem essa formação.

Com efeito, nos anos seguintes, juntamente com um pequeno número de jovens analistas, ela promoveu atividades em Paris com Margaret Mahler, Anna Freud, D. Winnicott, Hannah Segal, entre outros. Ao lado de André Green, também bastante ligado à psicanálise inglesa, a Winnicott e a Bion, em especial, Joyce McDougall foi uma das principais responsáveis pela circulação de ideias e de trocas de experiências entre a psicanálise anglo-saxã e a psicanálise francesa.

Em 1990, foi convidada pelos norte-americanos para tornar-se membro da New York Freudian Society. Com esse mesmo espírito, também estabeleceu trocas produtivas com psicanalistas do mundo todo, de língua espanhola, em especial argentinos, e também muitos brasileiros, em particular, Paulo Roberto Ceccarelli, de quem se tornou bastante próxima, e que a acompanhou em muitas das visitas a nosso país5.

 

Encontros

Essa abertura à alteridade e ao convívio com as diferenças, o gosto pela controvérsia criativa com colegas, psicanalistas e de outras áreas de conhecimento são marcas de sua obra. Generosa em suas conferências e textos, Joyce sempre os construiu como um agradável diálogo com mestres, colegas e pacientes, com revelações de sua própria história pessoal e de situações clínicas vivas e impactantes, tornando esses encontros uma fértil experiência de confrontação, partilha e descobertas.

Assim, em sua obra, podemos acompanhá-la em suas conversas com D. W. Winnicott, M. Klein e Margareth Mahler, a partir das quais, dos conceitos de objeto transicional, identificação projetiva e simbiose mãe bebê, ela constrói uma de suas mais conhecidas ideias: a de "um corpo para dois". Em companhia de Janine Chasseguet-Smirguel, Bela Grumberger, Christian David, Maria Torok e outros, ela questiona as posições freudianas sobre a feminilidade, discutindo a homossexualidade feminina, e já sugerindo a dimensão criativa da perversão como forma de lidar com a essência eminentemente traumática da sexualidade humana, um tema que a levou mais tarde, a partir das ideias de Robert Stoller sobre identidade de gênero e identidade sexual, a revelar as manifestações das neossexualidades.

Dos encontros com Serge Leibovici em torno de seu paciente Sammy, ela cria uma visão original da psicose, dialoga com Gisela Pankow e H. Rosenfeldd, e aos poucos conhece Piera Aulagnier, de quem se tornou amiga próxima e a quem dedica As múltiplas faces de Eros (1996). Mediando o diálogo entre J. C. Nemiah e E. Siphneos, com seu conceito de alexitimia, e Pierre Marty e Michel de M'Uzan, com suas descrições do "pensamento operató-rio e da depressão essencial", ela articula suas próprias concepções sobre as normopatias e sobre os estados de desafetação. Inúmeros outros psicanalistas inspiram o pensamento de Joyce McDougall. S. Ferenczi e suas concepções sobre o traumatismo; Denise Braunschweig e Michel Fain, descrevendo os primórdios da relação mãe bebê e a censura da amante; Massud Khan e suas contribuições sobre a perversão; Jean-Baptiste Pontalis e suas reflexões sobre a dor; Donald Meltzer e suas construções sobre o processo psicanalítico; André Green e suas teorizações sobre os narcisismos de vida e de morte; Jacques Lacan, com suas concepções sobre o significante e a forclusão; Otto Kernberg e suas teorizações sobre a economia do afeto e os estados limites, e muitos outros.

Com a participação de todos eles, ao longo de sua vida, Joyce McDougall construiu seus cenários, seus enredos, seus teatros. Porém, inegavelmente, os protagonistas principais de suas peças foram seus pacientes e suas próprias lembranças. São eles figuras incontornáveis das tramas de Joyce, sistematicamente convidados a testemunhar suas dores, seus prazeres, sua solidão, sua busca pela libertação do sofrimento, pela transformação, por algum sentido em suas vidas. É a escuta de Joyce, conosco compartilhada, que se presta à difícil tarefa de acompanhá-los nessa busca, algumas vezes sem sucesso. É a escrita de Joyce, dessa escuta, que nos cativa, tornando a leitura de cada artigo uma vivência quase onírica, a escuta de cada palestra, uma experiência de encantamento - agora, infelizmente, não mais possível.

 

Primeiras cenas

Não há dúvida que ao texto erudito, que ela conhecia, ao discurso acadêmico, com quem convivia, à discussão conceitual, que ela praticava, Joyce preferia dar voz à clínica.

Quando cheguei a Paris, ouvia as conferências de meus colegas e as considerava brilhantes. Porém, às vezes, era como o fruto do coqueiro. No interior, havia algo de precioso, mas com uma quantidade imensa de palavras em volta. Os longos speeches teóricos são impressionantes, mas por meio da clínica pode-se transmitir quase a totalidade da teoria (Moro, 2001).

Em torno dessa voz, ela construiu seus teatros. De sua experiência infantil, das pequenas encenações em família, Joyce concebeu uma metáfora para ilustrar dois aspectos da atividade psíquica: o enquadre, lugar onde contracenam o eu e os outros, e os personagens que os representam. Ela descreve as cenas construídas pelo eu, pelo corpo, pelo mundo, desvendando a pluralidade de montagens possíveis para cada humano. Um teatro do interdito, marcado pelo recalcamento, no qual faltam palavras e objetos, na neurose e na perversão; um teatro do impossível, marcado pelo narcisismo, pela psicose e pela ausência do sonho; um teatro transicional, onde se desenrola a trama das relações aditivas e dos estados limites; um teatro psicossomático, mudo, sem representações, isolado do psiquismo, marcado pela explosão do corpo (McDougall, 1982).

A psicose infantil ofereceu-lhe a possibilidade de imaginar suas primeiras cenas. Em 1954, Margaret Mahler encaminhou para tratamento com Serge Lebovici um menino americano de 9 anos, psicótico, que vivia em Paris. Este, por sua vez, o encaminhou para Joyce, em razão de seu conhecimento do inglês. Hesitante, questionando se sua experiência seria suficiente diante da gravidade do caso, ela passou a atendê-lo cinco vezes por semana, como aprendera em Londres. Assustada com os primeiros encontros, ela pensou em desistir. Desanimada, procurou Lebovici, dizendo: Veja, Dr. Lebovici, eu não sou capaz de compreender essa criança, considerando encaminhá-lo para outro colega mais experiente. Porém, Lebovici reiterou sua aposta: Mas você será uma grande psicanalista! Sem compreender de onde vinha tal vaticínio, Joyce continuou a análise de Sammy por oito meses. Anotava minuciosamente o que cada um dizia nas sessões, não tanto por dever do ofício, mas, sobretudo, porque Sammy exigia que ela o fizesse, por medo de que o que eles diziam se perdesse. A cada semana, ela discutia suas anotações em um pequeno grupo, recém-criado na SPP, que se dedicava ao estudo da psicanálise de crianças. Uma vez mais, Lebovici apostou em Joyce, insistindo para que ela publicasse o caso, juntamente com seus próprios comentários. Winnicott também a encorajou, já que, na época, ainda não havia um relato de uma psicanálise de criança, descrito sessão por sessão (Moro, 2001). Em parceria com Lebovici e Sammy, "uma criança inteligente, com um senso de humor extraordinário ... maravilhoso6", em 1960, com Diálogo com Sammy, Joyce McDougall inaugurou sua carreira de autora dos teatros da alma.

As turbulências, as dúvidas e os desafios vividos com Sammy a aproximaram dos sofrimentos dos estados mais primitivos da psicose, confrontando-a com a angústia contratransferencial que vivera com ele e com os limites da técnica psicanalítica para o tratamento desses casos. Joyce passou a se perguntar sobre o sentido e a função de manifestações primitivas como aquelas, uma questão que se estendeu também, pouco depois, para o campo das perversões, das doenças ditas psicossomáticas e das adições.

 

Da dor à criação

Resgatando uma ideia central de G. Groddeck (1923/1997), de quem lera, muito cedo, o Livro d'Isso7, Joyce passou a afirmar que os sintomas, quaisquer que sejam sua natureza, neurótica, psicótica, perversa, corporal, são criações do humano, tentativas de autocura, formas de lidar com as dificuldades da vida, com o caráter eminentemente traumático da sexualidade, com conflitos psíquicos, e também com aqueles entre a criança, sempre existente no fundo do adulto, e ele mesmo. Tentativas de sobreviver ao desespero, uma necessidade vital diante da angústia de desaparecer no outro. É essa dimensão criativa do sintoma, do desvio da dita "normalidade", da multiplicidade de expressões da sexualidade, das dificuldades clínicas diante dos pacientes ditos "difíceis", que a leva a manifestar-se Em defesa de uma certa anormalidade.

Face à dor psíquica, às divisões internas, aos traumatismos universais e pessoais que a vida inevitavelmente provoca, o homem é capaz de criar uma neurose, uma psicose, um escudo caracterial, uma perversão sexual, sonhos, obras de arte - e doenças psicossomáticas (McDougall, 1978/1983, p. 133).

Já nos anos 1960, através de seus estudos sobre a homossexualidade feminina, Joyce protestara contra o dogmatismo das ideias freudianas sobre a feminilidade e o moralismo dos meios psicanalíticos com relação à perversão. A partir de casos de três mulheres homossexuais, ela contesta a generalização então frequente, principalmente entre os grupos lacanianos, de que todas as homossexualidades eram perversões, da mesma maneira que se perguntava se o conceito de perversão podia explicar todos os desvios sexuais. Na época, suas posições eram questionadas mesmo no seio da SPP, provocando a desaprovação de certos colegas quanto ao fato de Joyce aceitar em análise pacientes perversos. Ofendida por essas atitudes, ela afirmava que o papel do psicanalista é auxiliar cada pessoa a descobrir sua verdade. Se essa verdade é a orientação homossexual, ajudá-la a assumi-la, e se ela for defensiva, a lidar com suas consequências ou transformá-la.

A partir dessa perspectiva, a concepção da criatividade ganhou força e presença permanente no pensamento de Joyce, tornando-se um operador teórico clínico importante. Ela defende a existência de uma relação entre identidade sexual e criatividade, desenvolvendo a ideia de que para compreender o processo criativo é necessário ser homem e mulher, criar com as partes masculinas e com as femininas. Ela analisa as relações entre criatividade e desvio sexual, chamando a atenção para o fato de que ambas comungam uma dimensão criativa que se manifesta pela ação, manifestando-se por um agir que desvia a pulsão sexual de seu alvo original (McDougall, 1972). O perverso é alguém que recria sua sexualidade, porém, muitas vezes esta se manifesta por atos que ela denomina atos sintomas, nos quais a ação supera a elaboração fantasmática.

Mais tarde, ela desenvolve o conceito de neossexualidades para ampliar sua análise dessa dimensão criativa do sujeito com relação a seu comportamento sexual. Ela se refere aos roteiros eróticos diferentes, montados segundo composições inabituais, com disfarces, objetos fetichistas, jogos sadomasoquistas, entre outros, diversos de uma sexualidade dita "normal". Por mais bizarra que possa parecer a encenação da sexualidade, na medida em que ela reconhece o desejo e a liberdade do outro, não há porque censurá-la, pois ambos consentem em seu exercício. Diferentemente dessa situação, apesar de também criativa, a dimensão perversa se caracteriza justamente pela impossibilidade de considerar o desejo do outro e, às vezes, a própria existência desse outro, na cena montada para o gozo do sujeito.

 

Do psicossoma ao pensamento

Em vários momentos, com crianças psicóticas, pacientes neossexuais e homossexuais, Joyce identificou os movimentos fusionais manifestados por fantasias de uma psique para dois, um sexo para dois, uma vida para dois, compreendendo-as como tentativas de se proteger (com o pensamento do outro) de angústias primitivas de desintegração ou (com o sexo do outro) da perda da identidade sexual e, ainda, preenchendo outras funções de mesma natureza. A partir do tratamento de pacientes com manifestações psicossomáticas, ela foi confrontada a outras modalidades de tais movimentos, que se expressavam pela fantasia de um corpo para dois (McDougall, 1986), uma fantasia que reedita a condição primordial do período intrauterino humano, quando, efetivamente fazendo parte de um mesmo corpo, o feto é alimentado, sustentado e protegido pela mãe.

Inspirada por Winnicott, mas também por Michel Fain, Denise Braunshweig e outros autores, Joyce aponta como, a partir das características dos cuidados maternos, as marcas mais primitivas de indistinção entre dois corpos apresentam prolongamentos imaginários, acompanhando o processo de diferenciação da matriz somatopsíquica individual, rumo à constituição de um corpo e uma psique próprios, autônomos. Perturbações no exercício da função materna, ou ameaças intensas às capacidades de elaboração e de proteção do sujeito, mobilizam a fantasia de um corpo para dois como forma de proteção frente a fantasias ou ameaças de desintegração ou, mesmo, de sobrevivência.

Desde seus primeiros artigos sobre a perversão e sobre a criatividade, Joyce buscou articular as dinâmicas resultantes do encontro traumático com a sexualidade com as origens e as condições do desenvolvimento dos processos de diferenciação do psicossoma. Em sintonia com muitos psicanalistas da época, como W. Bion, A. Green, P. Aulagnier, P. Marty, entre muitos, ela dedicou-se à reflexão sobre as origens dos processos de pensamento, sobre o desenvolvimento do psiquismo e do universo representativo a partir dos registros somáticos, e sobre as contingências patológicas desses processos. Ela afirma, por exemplo, que a criatividade nasce com o corpo erógeno, refletindo a forma como esse corpo se representa psiquicamente e como as funções somáticas foram estruturadas na infância (McDougall, 1996).

É justamente em sua própria infância que ela reconhece suas primeiras intuições a respeito dessas articulações: "Eu tinha cinco anos quando descobri que meu corpo tinha uma linguagem própria", relata Joyce, inaugurando Teatros do corpo (1989)8. Inicialmente, como a maioria dos psicanalistas em seus primeiros contatos com essa questão, também ela, marcada pelo paradigma da histeria (e, cabe dizer, também pelas ideias de G. Groddeck), enveredou por hipóteses que buscavam atribuir um significado aos sintomas. Porém, o trabalho com as perversões, com os antianalisandos, com os pacientes desafetados e normopatas rapidamente promoveu sua compreensão de que as manifestações ditas psicossomáticas colocavam em jogo dinâmicas bem mais primitivas e desorganizadas que as da histeria, da neurose e mesmo da psicose, fazendo-a questionar a natureza dessa simbolização.

Foi em torno dessa cena que ocorreu o encontro de Joyce com outros psicanalistas, americanos, ingleses e, principalmente, franceses, buscando compreender o teatro psicossomático.

 

Os dramas do corpo

Nos anos 1960 e 1970, Pierre Marty, Michel de M'Uzan, Michel Fain, Christian David e Léon Kreisler, psicanalistas da SPP, entre outros, dedicavam-se à clínica de pacientes com manifestações somáticas não conversivas, desenvolvendo um olhar, uma escuta e uma teo-rização metapsicológica específica para lidar com as manifestações primitivas observadas nesses pacientes. Dessa perspectiva, desenvolveram conceitos como pensamento operatorio, depressão essencial, desorganização progressiva, mentalização, que descrevem a precariedade do universo representativo, fantasmático e onírico dessas pessoas, bem como a pobreza de suas manifestações afetivas e de seu mundo objetal (Marty, 1990).

Joyce McDougall reconheceu a proximidade de suas próprias intuições com o pensamento desses autores9 e sentiu-se "bastante estimulada" por ele. Passou a participar das consultas e discussões clínicas realizadas por Marty e seu colegas no Instituto de Psicossomática10 e "começou a escutar [seus] pacientes com muito mais interesse" (Moro, 2001). Apesar de concordar com a leitura de Marty, Fain e Kreisler dos primórdios do desenvolvimento psicossomático e com a importância atribuída à função materna como determinante dos destinos da economia psicossomática, Joyce se contrapôs a muitas de suas hipóteses sobre os processos de somatização.

Destacando a indiferenciação "bebê-mãe universo" e a indistinção psiquesoma, características do início da vida, Joyce aponta que as fontes do psíquico encontram-se no somático, da mesma forma que, em um movimento oposto, existe uma potencialidade regressiva da psique a retornar a suas fontes somáticas. É em meio a essa dinâmica que o ser humano oscila entre o desejo de fundir-se ao corpo materno e o desejo de independência total desse corpo (McDougall, 1989). A condição de prematuração do bebê para lidar com os estímulos do meio e de seu próprio corpo constitui a natureza potencialmente traumática que determina o desfecho de tais movimentos e, eventualmente, os processos de somatização. Esta se constitui, então, como um modo de defesa arcaico, anterior à constituição da linguagem. Ela resulta de falhas no exercício da função materna que comprometem processo de internalização, a partir do qual se forma a identidade subjetiva. Assim como nas adicções e nas descargas dos actings, um episódio somático sinaliza o transbordamento dos recursos psíquicos de defesa contra a excitação. A função da somatização seria, portanto, preencher os vazios criados pela tensão entre o desejo de fusão e o de individuação e apropriação psíquica do seu próprio corpo.

Essa leitura evidencia a importância da dimensão econômica do afeto no desenvolvimento do sujeito e nos processos de somatização. Manifestando-se como descarga direta ou explosão somática da excitação, o sintoma corporal corresponderia a um agir arcaico, expulsando do psiquismo em direção ao corpo percepções, fantasias e pensamentos que desencadeiam afetos insuportáveis, associados a vivências traumáticas e precoces do desenvolvimento infantil. Decorrem dessas dinâmicas a desafetação e a normopatia, duas manifestações clínicas descritas por Joyce.

A primeira, próxima da depressão essencial de Marty (1966), resulta da carência, do esvaziamento ou do curto-circuito dos recursos psíquicos para representar e conter as vivências emocionais, presentes ou passadas, em função da intensidade traumática e desorganizadora de certas experiências. Porém, se por um lado a desafetação pode proteger contra as angústias primitivas, por outro, ela aumenta a vulnerabilidade psicossomática. Quanto à normopatia, ela corresponde a uma dimensão particular do pensamento operatório, seu caráter hiperadaptado à realidade exterior, sem contato com a vida subjetiva, com um mundo interno depauperado. Ambas as manifestações constituem dificuldades evidentes ao processo analítico clássico, manifestando-se pela relação branca e indiferenciada, descrita por Marty como característica da transferência desses pacientes (Marty & M'Uzan, 1963), e também nas experiências de vazio, sensações corporais e angústias contratransferenciais vividas pelo analista, já assinaladas por Joyce em suas descrições do "analisando robô", o antianali-sando (McDougall, 1978/1983).

A principal divergência entre as concepções de Joyce McDougall e as dos psicanalistas do IPSO dizem respeito ao sentido simbólico dos sintomas somáticos. Marty, Fain e seus colegas consideram a carência representativa, onírica e fantasmática, bem como a pobreza das expressões afetivas, do mundo objetal dos mecanismos de defesas psíquicos, características dos pacientes descritos como mal mentalizados, marcas patognomônicas dos pacientes ditos psicossomáticos ou propensos à somatização (Marty, 1990/1994). Joyce sustenta que mesmo nos funcionamentos mais primitivos é possível, em alguns casos, reconhecer uma dimensão simbólica. Segundo ela, uma dor psíquica, indizível, pode se traduzir por uma manifestação somática, da mesma forma que um funcionamento psicótico também pode apresentar somatizações11.

Cheguei à conclusão que o transtorno psicossomático pode ser associado a fantasias ... De certa forma, o corpo fala e é preciso decodificar essa linguagem. Existe um sentido a ser encontrado em todas as somatizações, nas alergias, em todo o resto. Todo mundo somatiza. O que já é uma indicação de que o corpo fala, quando a alma não tem palavras suficientes ou quando o sujeito não consegue reconhecer seus afetos (Moro, 2001).

Nessas formulações, mesmo sem explicitá-lo, Joyce parece manter vivas dentro de si as concepções de G. Groddeck (1923/1997), que praticamente preconizava uma espécie de "teoria da significação generalizada"12, sustentando que tanto a doença, mental ou corporal, como todos os processos humanos como a arte, o pensamento, as emoções e mesmo os acidentes são criações do Isso, carregadas de sentido, finalidade e de função expressiva. Por outro lado, por meio de tais formulações, ela também se aproxima de autores contemporâneos, como Christophe Dejours (1989), que sustenta a existência de somatizações simbolizantes, nas quais mesmo as manifestações primitivas como as da doença orgânica podem ser tentativas de significação de algo que, na história do sujeito, ficou excluído da subversão libidinal e da cadeia representativa, possuindo mesmo uma dimensão relacional, endereçada ao outro (Dejours, 1998).

Para nomear especificamente a natureza das dinâmicas em jogo, em sua leitura dos processos de somatização, Joyce McDougall (1989) formula os conceitos de privação psíquica, histeria arcaica e de psicose atual. A primeira diz respeito aos estados em que uma representação, ao ser ejetada do consciente, por mecanismos projetivos ou pela identificação projetiva, perde qualquer possibilidade de ser recuperada sob a forma de sintomas ou de sublimação. O afeto é congelado, ficando a psique em estado de privação, de morte interior. Para lidar com o vazio resultante dessa condição, a psique tentará utilizar, como na infância, mensagens primitivas, de ordem somatopsíquica, infraverbais, para salvar o eu da morte psíquica. Nesse nível de funcionamento primitivo, a histeria arcaica se manifesta em episódios esporádicos de somatização em função de conflitos em torno da própria possibilidade de existência do sujeito, o temor de perda de sua identidade subjetiva ou, mesmo, da vida, e não de conflitos ligados à possibilidade de satisfação de desejos (como na histeria neurótica). Por paradoxal que possa parecer, a histeria arcaica busca, pelo sintoma somático, preservar a integridade do corpo como um todo. Finalmente, também referida a modos de funcionamento primitivos, a psicose atual revela a existência de núcleos psicóticos que, ao invés de se manifestarem por meio de alucinações e delírios, se manifestam por meio de sintomas corporais e doenças equivalentes ao delírio. Por analogia às neuroses atuais, a psicose atual também é marcada por angústias primitivas que, diante da impossibilidade de encontrarem vias de expressão psíquica, são descarregadas no corpo. A descarga pela via curta do psicossoma pode produzir respostas "delirantes" do funcionamento fisiológico.

 

Cenas clínicas

Ao longo de sua vida, Joyce nos apresentou os protagonistas de seus teatros, suas cenas, seus enredos, seus autores. Compartilhou conosco relatos de sua própria história, suas aventuras, iniciadas na longínqua Oceania e transladadas para outros palcos do mundo. Permitiu-nos acompanhar suas dúvidas e descobertas no contato com seus pacientes, colegas e instituições. Convidou-nos a trilhar com ela os incertos caminhos do prazer e do sofrimento humanos, enfrentando o medo e o desconhecido, quando se arriscou a seguir por aqueles mais sombrios e silenciosos. Enfrentou preconceitos como mulher, como estrangeira, como psicanalista, sem renunciar à liberdade de manifestar o que pensava.

Ensinou-nos a dar voz à clínica, apresentando-nos Georgette, Christophe, Isaac, Honorine, Paul, Tim, Peter, Sammy e muitos outros que inspiraram suas descobertas e seus conceitos. Eram eles que, com suas palavras, silêncios, sintomas, fantasias, convocavam as réplicas inevitavelmente improvisadas de Joyce, por nunca antes terem sido escritas, ou pensadas. Com eles, ela aprendeu a escutar os "múltiplos dialetos" do soma, a linguagem do desvario, a traduzir suas próprias sensações corporais, a interpretar com atos.

Não por acaso, Joyce foi uma das primeiras a insistir na importância da elaboração das experiências contratransferenciais do analista, inclusive corporais, sobretudo diante dos pacientes com manifestações mais primitivas, como as somatizações e as adicções. Não por acaso, alertou para impossibilidade de alguns pacientes de receber o que quer que seja do analista, e para a necessidade deste de suportar durante muito tempo a transferência desvitalizante, e às vezes mortífera, do paciente, antes de conseguir ressuscitar esses "surdos-mudos do afeto" (McDougall, 1989). Não por acaso, como muitos outros psicanalistas, ela insistiu na importância do manejo do enquadre clássico da psicanálise para o tratamento desses pacientes, uma vez que eles não possuem recursos para suportar as condições regressivas e frustrantes do divã e da neutralidade do analista, podendo, em razão disso, desorganizar-se ainda mais em suas vivências primitivas.

Joyce convidava-nos também, como psicanalistas, a refletir sobre os valores inconscientes, os compromissos institucionais e os ideais sociais que podem atravessar nossa escuta do paciente. Lembrava que não existem "pacientes difíceis", mas "encontros difíceis" entre analista e analisando. Convidava-nos a pensar sobre nossa atitude frente a colegas ou grupos psicanalíticos que sustentam teorias ou posições clínicas diferentes das nossas. Ela alertava contra o risco das instituições psicanalíticas investirem religiosamente seus pensadores, mestres e conceitos13. Ressaltava que

... nossas teorias nos ajudam a enfrentar as incógnitas da situação clínica e a nos precaver contra nossa solidão nessa situação a dois. Ao nos filiarmos a uma escola teórica, fazemos parte de uma família, ficamos menos sós face às incertezas que nos afligem a cada dia. O ideal seria termos para com a teoria dos outros o mesmo respeito que temos pela nossa; isso nos permitiria perceber melhor os limites de nossos próprios modelos e sua influência sobre nós (McDougall, 1988, p. 606).

Por mais de cinquenta anos Joyce McDougall ofereceu sua presença, sua sensibilidade e sua liberdade de espírito à escuta de seus semelhantes. Apesar de reconhecida internacionalmente, pela criatividade de seu pensamento, pela riqueza de sua clínica, por sua obra, nunca criou um grupo, uma "escola", mas sempre continuou encontrando, trocando e discutindo com colegas das mais diversas orientações teóricas. Conseguiu cruzar todos os mares, superou turbulências, encantou-se com milhares de relatos de viagens. Clinicou em Paris até 2008 e, em 2009, voltou para Londres. Dali, em agosto de 2011, partiu para sua última viagem.

 

Referências

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Correspondência:
Rubens Marcelo Volich
Av. Washington Luis, 1527/122-B
04662-002 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3862-7743
volichrm@dialdata.com.br

Recebido em 1.9.2013
Aceito em 9.9.2013

 

 

1 Em razão de uma proposta de trabalho da Unesco recebida por seu marido.
2 Segundo a própria Joyce, "no momento da cisão, eu pedi uma entrevista a Jacques Lacan e a Nacht. Queria compreender suas divergências teóricas e clínicas .. Nem um nem outro falou da psicanálise! Os dois tinham razão: Lacan tornou-se mundialmente conhecido por suas ideias e Sacha Nacht desenvolveu a clínica e conseguiu que [a psicanálise] fosse reembolsada pela Seguridade Social. Lacan era intelectualmente mais brilhante, mas a personalidade de Nacht era talvez mais estável" (Moro, 2001).
3 Marc Schlumberger, analisado por Laforgue e Nacht, foi também analista de Wladimir Grannoff e de Mous-tapha Saphouan. É interessante refletir sobre prováveis experiências transferenciais e contratransferenciais de Joyce com ele, à luz da descrição de E. Roudinesco: "Órfão de mãe inglesa, [Schlumberger] não suportava a homossexualidade de seu pai e afirmava tranquilamente que o futuro da psicanálise pertencia às mulheres não médicas. Esse esteta sedutor admira a feminilidade, mas sofre de uma certa inibição para escrever, que não consegue superar" (Roudinesco, 1986, p. 168). Da perspectiva da história de Joyce McDougall, como veremos, essas características de seu analista ganham um colorido especial.
4 "Gosto de trabalhar com pessoas de diferentes grupos. Sou contra as igrejas que impedem as pessoas de pensar. Creio que podemos aprender com todos" (Moro, 2001).
5 Joyce McDougall veio pela primeira vez ao Brasil em 1987, e em seguida em 1996, 1999 e 2004, ministrando conferências e trabalhando com grupos de supervisão na Sociedade Brasileira de Psicanálise, em instituições universitárias e outros grupos de pesquisa e de formação psicanalítica.
6 Em uma sessão, não descrita no livro, Sammy disse a Joyce: "Quero ver tua bunda, Douggie". Ela respondeu: "Sammy, você não verá minha bunda, mas você pode desenhar o que você imagina ver". Sammy retruca, "Ah, mas desenhar não é a mesma coisa que ver.", ao que ela responde: "Eu sei, mas por que você quer ver minha bunda?". "Escute, Douggie, você não gostaria de ver coisas que você nunca viu? Eu nunca vi a bunda de uma psicanalista." (Moro, 2001).
7 Segundo Philippe Porret (2006), foi através do Livro d'Isso que Joyce descobriu a psicanálise e decidiu seguir seus estudos de psicologia.
8 No livro, ela descreve como, na Nova Zelândia, ela passava suas férias na fazenda dos avós paternos e ali, sistematicamente, era acometida por intensas crises de urticária. Uma vez, antes de partir para as férias de Natal, preocupada e irritada com a repetição dessas crises, sua mãe a proibiu de tomar o leite da fazenda, imaginando ser ele a causa desse sintoma, dizendo-lhe: "Escute-me bem, estamos todos cheios de teus dodói de pele. Na fazenda você não vai beber nem mais uma gota de leite!". Sem pestanejar, Joyce respondeu, imediatamente: "Não é o leite que me faz dodói na pele, é Mater" (McDougall, 1989, p. 26). Mater era sua avó, "idêntica à rainha Vitória" (sic), que reinava despótica e autoritária sobre Pater, sobre toda a família e sobre os funcionários da fazenda. Joyce a detestava pela maneira bruta como era tratada por ela. Na sequência do livro, ela relata outro episódio de sintomas somáticos graves (uma angina) de sua avó, e, retrospectivamente, os atribuiu à cólera e ao sentimento de ela ter sido traída por seu filho. Mesmo se tratando de uma cena infantil e de uma interpretação feita muitos anos depois, podemos imaginar a importância daquela vivência, que acompanhou Joyce por toda a vida até seus encontros com sintomas somáticos de seus próprios pacientes.
9 Esses autores são geralmente identificados como pertencentes a uma "Escola de Psicossomática de Paris", que formalmente nunca existiu. Na verdade, podemos reconhecê-la como uma escola original de pensamento sobre o que geralmente se considera como sendo o campo da psicossomática, mas que apresenta conceitos que também permitem articular toda a gama de manifestações do humano, das mais organizadas psiquicamente, como as neuroses, às menos organizadas, como as doenças orgânicas, incluindo em sua passagem descargas compor-tamentais, como as toxicomanias, transtornos alimentares e muitos outros (Marty, 1990/1994; Volich, 2000).
10 IPSO, atualmente Instituto de Psicossomática Pierre Marty.
11 Contrariamente a uma conhecida afirmação de que "os psicóticos adoecem pouco", por serem bem mentalizados.
12 Parafraseando a teoria da sedução generalizada, de J. Laplanche.
13 "... uma teoria não é um artigo de fé, mas apenas uma série de postulados a serem demonstrados. Se assim não fosse, os modelos conceituais não seriam mais teorias, mas leis ... A canonização dos conceitos teóricos e clínicos, a idealização ou o denegrimento dos mestres são sequelas de afetos transferenciais não resolvidos. Os alunos, tornados discípulos, não mais questionam seus modelos teóricos e clínicos e não prosseguem sua pesquisa pessoal" (McDougall, 1988, p. 604).

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