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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.3 São Paulo jul./set. 2013

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: LEGADOS

 

Betty Joseph em contexto

 

Betty Joseph in context

 

Betty Joseph en contexto

 

 

Elizabeth Lima da Rocha Barros; Elias M. da Rocha Barros

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 


RESUMO

A contribuição de Betty Joseph é examinada à luz do conceito de intertextualidade (Octavio Paz) e dentro do contexto dos desenvolvimentos clínicos da cultura psicanalítica da Sociedade Britânica de Psicanálise. Os autores buscam relacionar dialeticamente as ideias dela com as contribuições de Klein, Balint, Rycroft, Bion, Rosenfeld, Segal e outros. Betty Joseph focava sua abordagem no que estava ocorrendo no aqui e agora da sessão, e procurava discernir os convites inconscientes que o paciente fazia ao analista (por meio de identificações projetivas) para atuar certos papéis ou sentir certos sentimentos, com vistas a manter seu equilíbrio psíquico inalterado e dessa forma impedir qualquer mudança psíquica de ocorrer. Estas projeções e a resposta do analista a elas podem ou não produzir uma mudança psíquica que desafia seu estado atual de equilíbrio psíquico, o que por sua vez nos permite observar como o passado é vivido no presente, reafirmando o caráter imediato da verdade psíquica. As primeiras contribuições publicadas de Betty Joseph datam do fim dos anos de 1950, mas pensamos que ela atinge o pico de sua singularidade na década de 1970.

Palavras-chave: intertextualidade; Klein; Balint; Rycroft; Bion; Rosenfeld; Segal.


ABSTRACT

The contribution of Betty Joseph is examined in light of the concept of intertextuality (Octavio Paz) and within the context of the clinical developments of the psychoanalytic culture of the British Psychoanalytical Society. The authors try to dialectically relate her ideas to the contributions of Klein, Balint, Rycroft, Bion, Rosenfeld and Segal, among others. Betty Joseph would focus her approach on what was happening in the here and now of the session and would seek to identify the unconscious invitations which the patient would offer the analyst (through projective identifications) to play certain parts or feel certain feelings, in view of maintaining its psychic balance unaltered, therefore stopping any psychic change from occurring. These projections, and the analyst's response to them, may or may not produce a psychic change that challenges its current state of mental balance, which, in turn, allows us to observe how the past is lived in the present, reaffirming the immediacy of psychic truth. The first published contributions of Betty Joseph date from the late 1950s, but we believe that she reaches the peak of her singularity in the 1970s.

Keywords: intertextuality; Klein; Balint; Rycroft; Bion; Rosenfeld; Segal.


RESUMEN

La contribución de Betty Joseph se examina a la luz del concepto de intertextualidad (Octavio Paz) y dentro del contexto de los desarrollos clínicos de la cultura psicoanalítica de la Sociedad Psicoanalítica Británica. Los autores tratan de relacionar dialécticamente las ideas de ella con las contribuciones de Klein, Balint, Rycroft, Bion, Rosenfeld, Segal y otros. Betty Joseph se basaba en lo que estaba ocurriendo en el aquí y ahora de la sesión e intentaba identificar las invitaciones inconscientes que el paciente hacía al analista (a través de las identificaciones proyectivas) para actuar ciertos papeles o sentir ciertos sentimientos, con el objetivo de mantener su equilibrio psíquico inalterado y de esa forma impedir cualquier cambio psíquico. Estas proyecciones y la respuesta del analista a ellas pueden o no producir un cambio psíquico que desafía a su actual estado de equilibrio mental, lo que a su vez nos permite observar cómo el pasado es vivido en el presente, reafirmando la inmediatez de la verdad psíquica. Las primeras contribuciones publicadas de Betty Joseph datan de finales de los cincuenta, pero sus ideas llegan a la cumbre de su singularidad en los años setenta.

Palabras clave: intertextualidad; Klein; Balint; Rycroft; Bion; Rosenfeld; Segal.


 

 

Nos últimos anos muitos analistas escreveram sobre a obra de Betty Joseph; dentre estes, gostaríamos de destacar Blass (2011), Bush (2011), Aguayo (2011) e Feldman (2013). A estes artigos poderíamos acrescentar os comentários sobre o pensamento de Joseph contidos nos dois volumes do livro Melanie Klein hoje, editado por Elizabeth Spillius (1990, 1991). Não pretendemos repetir o que já foi dito por estes autores, que destacaram os principais pontos de sua contribuição à psicanálise. Nosso objetivo aqui será o de situar suas ideias centrais no clima vigente, na época, na cultura psicanalítica da Sociedade Britânica. Naturalmente não tencionamos esgotar o assunto, mas apenas traçar suas linhas gerais.

É importante levar em conta que mesmo os textos considerados clássicos adquiriram novas conotações à medida que foram lidos ao longo dos anos. É frequente que um texto recente lance uma nova luz sobre os artigos clássicos. Textos sofrem transformações e interagem entre si, produzindo novos sentidos, apagando outros, ressaltando novas problemáticas etc, através daquilo que Octavio Paz (1993) chamou de intertextualidade. E assim foi com os trabalhos de Melanie Klein, Herbert Rosenfeld, Balint, Winnicott, Rycroft, Rickman, Money-Kyrle, Donald Meltzer e tantos outros.

O conceito de intertextualidade nos defronta com a questão de como podemos identificar nos textos clássicos aspectos que não podem ser encontrados em sua mera leitura. Quentin Skinner sugere: "A resposta, em termos genéricos, penso, é que ele [o procedimento de análise de textos] nos permite definir o que seus autores estavam fazendo quando os escreveram" (1969, p. 17). E acrescentaríamos, seguindo Julia Kristeva, que "todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo o texto é absorção e transformação de outro texto" (1978, p. 72). Se olharmos desse ponto de vista, podemos ver, por exemplo, que um conceito tão contemporâneo como o de revêrie já estava presente na obra de Freud sob a noção de atenção igualmente flutuante, ou que a ideia da transferência como situação total já tinha sido mencionada por Klein antes do trabalho de Betty Joseph sobre o assunto. Estes exemplos têm por única finalidade apontar como é complexa a trama de conceitos gerados por uma cultura.

Os parágrafos anteriores apontam que o novo é produto de um reexame das tradições em confronto dialético com a atualidade. Textos, aqui, não são apenas os escritos. Incluem também as discussões e suas reverberações no seio de uma determinada cultura, no caso, institucional ou não. Quando Kristeva se refere às "citações", ela não inclui dentre estas somente aquelas que vêm entre aspas, já que englobam igualmente as ideias em curso que circulam - algumas bem elaboradas, outras apenas esboçadas ou, ainda, manifestas somente em forma de temáticas mencionadas mas não desenvolvidas.

André Green, em uma entrevista para a revista Ide, afirmou: "sou obrigado a reconhecer que a psicanálise inglesa desenvolveu a dimensão clínica a um ponto, no meu modo de ver, sem igual no mundo" (1986, p. 8). A cultura psicanalítica da Sociedade Britânica é eminentemente clínica, e as contribuições teóricas que lá surgiram foram inspiradas diretamente pela prática clínica.

Este desenvolvimento do que hoje Green chamaria de pensamento clínico (uma forma particular e única de racionalidade aplicada à clínica psicanalítica) foi paulatino, e muitos foram os artífices dele. Dentre estes se destaca Betty Joseph.

Ao falarmos de Betty Joseph, especificamente procuraremos ligá-la à temática clínica que pairava no ar nessa particular cultura psicanalítica da Sociedade Britânica entre meados dos anos de 1930 até o fim dos anos de 1980. A vida científica da Sociedade Britânica não se dava apenas através de publicações ou por meio das apresentações de trabalhos nas reuniões científicas de quarta-feira; ela ocorria também nos encontros dos seus diversos grupos componentes e, ao mesmo tempo, circulava pelo canal das relações pessoais, além de muito provavelmente ser filtrada ao longo das diversas análises pessoais em curso.

Reiteramos que o presente artigo não aspira a ter uma precisão acadêmica e não resultou de uma investigação exaustiva de arquivos. É, antes de mais nada, um primeiro esboço de uma problemática que, no futuro, poderá vir a ser objeto de uma história fundamentada em uma extensa pesquisa acadêmica.

É difícil dizer qual seria a contribuição mais importante de Betty Joseph porque todas as suas ideias estão interligadas. Joseph focava sua abordagem no que estava ocorrendo no aqui e agora da sessão e procurava discernir os convites inconscientes que o paciente fazia ao analista (através de identificações projetivas) para atuar certos papéis ou sentir certos sentimentos, com vistas a manter seu equilíbrio psíquico inalterado, e dessa forma impedir qualquer mudança psíquica de ocorrer. Estas projeções e a resposta do analista a elas podem ou não produzir uma mudança psíquica que desafia seu estado atual de equilíbrio psíquico, o que por sua vez nos permite observar como o passado é vivido no presente, reafirmando o caráter imediato da verdade psíquica. As primeiras contribuições publicadas de Betty Joseph datam do fim dos anos de 1950, mas pensamos que ela atinge o pico de sua singularidade na década de 1970.

Betty Joseph se inspirou - consciente ou inconscientemente, não importa - em vários temas presentes nas reuniões científicas, nos cursos ministrados no instituto de formação, além de, provavelmente, nas trocas pessoais, para desenvolver suas ideias e produzir seus trabalhos.

É difícil escolher um ponto de partida para situar a problemática à qual Betty Joseph responde com seus escritos e através da técnica que desenvolveu e que lhe é muito particular.

Poderíamos, por exemplo, caracterizar sua contribuição afirmando que ela enfatizou, mais do que qualquer outro kleiniano, que o trabalho interno do analista diante do impacto do paciente é o aspecto de maior centralidade do trabalho analítico. É nesse quadro que as interpretações do analista são elaboradas. Para ela a interpretação não se resumia a um evento singular; constituía-se em um processo. Cada insight eventualmente conseguido resultava em uma estrutura mental mais complexa que demandava, por sua vez, uma nova observação microscópica dos movimentos emocionais na sessão. Para ela, o trabalho clínico estava principalmente focado em observar os diminutos movimentos emocionais que estavam ocorrendo no contexto relacional. Só uma experiência emocional produzia mudanças psíquicas, ou seja, se transformava em aprendizado incorporado. Aqui podemos vê-la corroborando as ideias de Bion. As vivências transformadoras assim internalizadas alteravam o equilíbrio psíquico. Joseph dava uma enorme importância a observar como a interpretação estava sendo ouvida pelo paciente; ela prestava atenção a sua resposta - tanto a verbal como aquela que poderia aparecer nos sonhos ou através das fantasias inconscientes. Correndo o risco de sermos reducionistas, diríamos que sua obra se concentra em destrinchar a natureza da experiência emocional presente de forma mais viva na sessão tanto no mundo interno do paciente quanto no do analista.

Neste processo de dissecação minuciosa desta experiência emocional, Joseph buscava elementos para entender quais fatores impediam e quais facilitavam a produção de uma mudança psíquica. Esta preocupação a levou a tratar de vários temas correlatos ou diretamente implicados nesta questão. É impossível não ver em suas reflexões sua inspiração na teoria do narcisismo destrutivo, proposta com abundantes ilustrações clínicas por Rosenfeld desde a década de quarenta, ou nas concepções de Bion (algumas já formuladas por escrito, outras não ainda) sobre o ataque aos elos entre redes afetivas expressas na relação do analista com seu paciente e, mais do que tudo, da questão da natureza da experiência emocional que levava a um aprendizado que promovia mudanças qualitativas na vida mental do paciente. Naturalmente o conceito que permeava todos estes constructos era o de identificação projetiva introduzido por Klein em 1946, e cujo uso clínico estava sendo abundantemente ilustrado por Rosenfeld, Segal e Bion.

Progressos na teoria e na clínica psicanalítica resultaram muito mais de reflexões sobre pacientes que apresentavam dificuldade de se beneficiar da análise do que do estudo de casos que foram considerados um sucesso. Betty Joseph se tornou uma especialista nos obstáculos à mudança psíquica. Seus trabalhos acerca do assunto foram objeto de uma série de equívocos, sobretudo daqueles que passaram a considerá-la como uma analista que estava sempre focada nos ataques ao processo analítico. Na verdade Joseph estava dedicada a encontrar formas de se comunicar com a parte do paciente que ainda podia escutar o analista sem perverter a compreensão transmitida. Para este aspecto do self suas intervenções poderiam trazer uma luz na forma de uma experiência emocional que se constituísse na, ou propiciasse a, mudança psíquica.

Como dissemos inicialmente, Betty Joseph passou a observar pormenorizadamente as reações contratransferenciais e todo o trabalho interno que estas exigiam para se transformar em uma intepretação que tivesse chances de promover uma mudança psíquica. Desde o estudo de Paula Heimann sobre a contratransferência, publicado em 1950 - mas mesmo antes, através da exploração clínica dos efeitos da identificação projetiva na mente do analista -, seu foco de interesse estava centrado na questão de como tocar o paciente por meio de um comentário interpretativo baseado em uma compreensão minuciosa de como o paciente estava funcionando. Money-Kyrle, nessa altura, já comentava em suas intervenções clínicas (e depois em trabalhos publicados) como as identificações projetivas dirigidas à mente do analista interagiam com seus objetos internos. Podemos ver nesta postura um momento de avanço na problemática da contratransferência que influenciou Betty Joseph.

Aqui julgamos útil interromper por um momento a referência ao pensamento de Joseph para fazermos um apanhado sumário das ideias e temas em exame na Sociedade Britânica, com foco nos principais assuntos em curso nas discussões daquela particular cultura analítica.

Dentre as grandes figuras do período de formação analítica e de constituição do pensamento de Betty Joseph - que, acreditamos, tiveram influência direta ou indireta sobre ela -, vale mencionar que lá estava naturalmente Melanie Klein, tanto como autora singular quanto em suas controvérsias com Anna Freud e seu grupo. Edward Glover, que inicialmente apoiou o pensamento de Klein, merece menção, a nosso ver, por algumas de suas ideias que marcaram o debate sobre a contratransferência. Glover desde o início dos anos trinta insistia que aquilo que pesa sobre a vida mental do paciente também pesa sobre a vida mental do analista. Ele ainda se refere a como o paciente pressiona seu analista em uma tentativa de recrutá-lo para atuar alguns papéis neuróticos. Não estamos sugerindo que Glover influenciou diretamente Joseph, e sim que a temática do convite para a ação flutuava no ar da cultura analítica daquela época. Alice e Michel Balint enfatizavam que tudo aquilo que cerca o analista em seu consultório revela algo singular sobre sua personalidade, e estas percepções afetam a natureza da relação que o paciente estabelece com ele e os papéis que, assim, o paciente atribuiria ao analista na sessão. Michel Balint foi o primeiro analista de Joseph a partir dos anos quarenta. Depois ela se analisou com Paula Heimann. Betty Joseph (2001) diz, entretanto, que não se recorda de qualquer possível uso que Heimann pudesse sugerir do conceito de contratransferência em sua análise pessoal.

Betty Joseph foi colega de Bion e de Money-Kyrle durante o período de sua formação. Ambos eram mais velhos e participavam da formação tanto como candidatos (sobretudo durante os seminários clínicos) quanto como professores e lá estavam devido a uma prévia interrupção de suas formações durante a guerra. Nesse período Betty Joseph se aproximou bastante de Bion, em uma relação de amizade que cresceu ao longo de suas vidas e se estendeu a sua família. Neste ambiente conviviam também Paula Heimann (segunda analista de Betty Joseph), Ella Sharpe (com quem teve algumas supervisões), Joan Riviere (que conhecia pouco, mas com quem também teve algumas supervisões), Hanna Segal (também sua supervisora), Herbert Rosenfeld, Donald e Clare Winnicott (com quem trabalhou certo tempo) e alguns outros. John Rickman (primeiro analista de Bion), Fairbanks e Charles Rycroft eram presenças mais distantes, embora seguramente colorissem o clima intelectual da Sociedade Britânica. Charles Rycroft é um analista pouco mencionado na literatura, ainda que tenha tido um impacto no pensamento psicanalítico de seu tempo. Seu artigo, apresentado em 1956, "The Nature and Function of the Analyst's Communication to the Patient" constituiu um marco na época. Neste trabalho Rycroft acentua claramente seu ponto de vista de que a inter-relação entre paciente e analista, marcada pelos meios de comunicação que lhe estão disponíveis (identificação projetiva, dentre outros), influencia a estrutura mental de ambos. Afirma claramente, a seguir, que afeto não é só descarga, mas principalmente comunicação, e chega muito perto de dizer que o afeto projetado no analista é uma representação do inconsciente do paciente. Também foi provavelmente um dos responsáveis pelo destaque que se passou a dar à natureza da experiência emocional em curso na sessão tanto no que tange ao paciente quanto ao analista.

Bion, Rosenfeld e posteriormente Hanna Segal foram figuras centrais na criação deste ambiente intelectual vigente na instituição durantes os anos cinquenta e sessenta, anos nos quais Joseph formou progressivamente seu pensamento. Estes três analistas se interessaram pela análise de psicóticos, que tinha se tornado possível graças à ampliação dos instrumentos de observação da vida psíquica do paciente, fruto da introdução do conceito de identificação projetiva. Rosenfeld e Segal, a partir dessas análises, se dedicaram a aprofundar e redefinir a importância do narcisismo e suas defesas como conceito básico para a clínica. Dessa forma, o foco sobre a experiência emocional vivida na sessão se acentuou ainda mais.

Tanto Rosenfeld quanto Bion ampliaram muito o conceito de identificação projetiva, destacando seu caráter de comunicação, além de indicar que este poderia colocar tal mecanismo a serviço de diversas patologias. Rosenfeld, com seus trabalhos sobre identificação projetiva e sobre os aspectos destrutivos do narcisismo, nos parece instrumental no forjar do pensamento de Betty Joseph, que mais do que qualquer outro analista depois dele, nos demonstra clinicamente (e teoriza a respeito) o quanto as relações de objeto narcísicas são deletérias para o desenvolvimento da maturidade emocional. Relações de objeto narcísicas contribuem para criar um estado de espírito congelado, através de uma atuação quase invisível do instinto de morte que impede qualquer mudança psíquica. A relação de objeto narcísica abafa a capacidade da pessoa de vivenciar afetos. Segal e Rosenfeld descrevem clinicamente (e depois teoricamente) como o narcisismo e a inveja são as duas faces de uma mesma moeda. Relações de objeto narcísicas são uma defesa contra a inveja. Esta constatação vai modificar todo o foco da clínica kleiniana, que passa então a dirigir suas intepretações para as formas assumidas pelas defesas contra a inveja - isto pelas mais diversas formas de manifestações narcísicas. Bion, por sua vez, comenta em várias reuniões clínicas (e depois descreve essa concepção em um artigo, em 1962) que o objeto parcial não deve ser visto apenas como algo análogo a uma estrutura anatômica, e sim como algo análogo a uma função, "não com a anatomia, mas com a fisiologia, não com o seio, mas com a alimentação, o envenenamento com o amor e o ódio produzido por estes"1. Este pequeno trecho teve repercussões imediatas na técnica interpretativa kleiniana, sobretudo na linguagem na qual a intepretação era formulada. Os analistas abandonaram aos poucos os termos referentes a partes do corpo como representativos de objetos parciais, e passaram a descrever a experiência emocional do paciente em uma linguagem coloquial e adulta para se referir às funções parciais exercidas por estes objetos. É preciso também enfatizar que estas novas ideias, cuja semente foi a noção da identificação projetiva e seu modo de operar, produziram ainda uma importante mudança na maneira como a transferência era concebida e interpretada. As intepretações passaram a versar não sobre a descrição da dinâmica intrapsíquica do paciente em si mesma, mas sobre a dinâmica da interação entre o analista e o paciente em um nível interpsíquico, com foco na vivência emocional em curso.

É neste clima que o trabalho de Betty Joseph se forja - clima que, ao mesmo tempo, em uma interação dialética, o trabalho dela ajuda a forjar!

Na cerimônia fúnebre de Betty Joseph, Anne Alvarez (2013) falou algo que a caracteriza de maneira viva:

Georgia O'Keef disse que decidiu pintar flores em suas telas em escalas imensas porque nos tempos atuais (referia-se à pujante e agitada Nova Iorque dos anos 20), dominados pela excitação e pela velocidade, ninguém se dignaria a olhar para uma pequena flor, ainda que fosse belíssima. Betty era diferente: ela simplesmente pedia às pessoas que a olhassem mais de perto. E concluía: se todos considerarmos os efeitos desta postura e de suas apresentações e conferências nos diversos cantos do mundo, as pessoas estão seguindo este ensinamento.

Como este artigo pretende centrar-se na exposição da obra de Betty Joseph, ele conterá um número grande de citações retiradas de seus escritos e comentadas por nós. Não nos preocuparemos em seguir uma ordem cronológica, já que nosso objetivo é o de explicitar alguns de seus pontos de vista considerados essenciais para sua clínica.

Talvez devéssemos começar com uma advertência. Como todo autor criativo, Betty desenvolve um sistema clínico que não abarca tudo aquilo envolvido em uma prática clínica. Este naturalmente permeia sua maneira de observar o que está ocorrendo na sessão e, em alguns momentos, pode deformar a descrição dos mecanismos, mas, por outro lado, esta postura propicia uma visão inigualavelmente profunda dos múltiplos mecanismos microscópicos que atuam na constituição de uma experiência emocional.

Uma de suas afirmações que mais influenciaram nosso trabalho analítico (e também nossa postura frente à vida, no universo relacional em que vivemos) foi a seguinte:

Se nossos pacientes estão operando em grande parte com mecanismos de defesa arcaicos - e até certo ponto todo paciente está -, então podemos esperar que nossa técnica tenha que lidar com dois fatores: um, o de que o paciente que acredita que vem para ser compreendido na verdade vem para usar o analista e a situação analítica para manter seu equilíbrio em curso, numa miríade de maneiras complexas e únicas; que a comunicação verbal, portanto, precisa ser escutada não apenas ou mesmo principalmente em relação ao seu conteúdo, mas em termos do que está sendo atuado na transferência (Joseph, 1983/1989, pp. 146-147).

Mais à frente neste mesmo artigo, Joseph ressalta com grande ênfase: "Isso ilumina o ponto, que em certo sentido é apenas óbvio demais, de que a análise para ser útil deve ser uma experiência, em contraste, por exemplo, com o fornecimento de compreensão ou explicação" (p. 147, itálico da autora).

Estas duas citações resumem muito de seu pensamento. O que importa para ela é o que o paciente está sendo em sua relação com o analista, e não o que ele é. De nada adianta contar ao paciente como ele é, se ele não tiver a experiência vivida de como está sendo. Só a experiência emocional no contexto da relação é que promove um insight existencial, e não apenas intelectual. É a experiência vivida que promove as mudanças e dessa forma altera o equilíbrio psíquico. Esta alteração, por sua vez, promove em um primeiro momento um alívio, acompanhado no mais das vezes por uma tentativa do ego de restabelecer o equilíbrio defensivo anterior. Daí advém sua preocupação em seguir o efeito da interpretação (observação, comentário) no paciente. Ela está interessada em procurar reconstruir como o paciente ouviu o analista, o que ouviu e com que consequências para sua vida de fantasias. Interpretar, para ela, é um processo, e não estaríamos exagerando em dizer que começa com a primeira intervenção do analista e continua por todo o período de análise!

Diversas outras implicações estão presentes nas afirmações acima. Joseph acreditava em certa neutralidade do analista; pensava que em nenhum momento poderia procurar se constituir em um novo objeto, mais compreensivo do que aqueles que acompanharam o paciente ao longo da vida. Sua disponibilidade e calidez se expressavam através de uma dedicação extrema a escutar seu paciente, buscando em sua contratransferência recriar, da forma mais próxima, aquilo que poderia ter sido a vivência do paciente no passado ou fora da sessão em sua vida corrente. Ela encarava suas interpretações, que expressavam sua compreensão do funcionamento mental do paciente naquele instante, como uma forma de apoio e encorajamento (sem nunca explicitá-lo com estas palavras) para o paciente enfrentar com firmeza os imensos obstáculos propostos por sua vida e o consequente sofrimento emocional que os acompanhava. Seu calor humano se manifestava através da acuidade de sua observação.

Betty acreditava na importância da transferência para promover a mudança psíquica por achar que a verdade psíquica é algo construído na vivência imediata em uma relação, não existindo fora desta. Verdade psíquica não é uma noção concreta e intelectual que tenha um espaço autônomo de existência. Ela mostra aqui a relação de seu pensamento clínico com o de Bion, de quem talvez difira apenas no quesito que a leva a acentuar explicitamente a importância da vivência transferencial, dado que a experiência emocional para ela é necessariamente relacional. Nesta linha o tornar-se é fruto de um contato com conhecimento (K); mas de que tipo? Não se trata de conhecimento como sinônimo de acúmulo de informações, mas de conhecimento como experiência emocional que propicia a transformação. Freud, ao propor que o objetivo do processo analítico era o de tornar o inconsciente consciente, não se restringia, em nenhum momento, à concepção de que a simples promoção do conhecimento sobre como o paciente é era o objetivo central da psicanálise. Freud se interessava, desde o início, assim como Melanie Klein (e Green), pelas resistências ao conhecimento. Neste contexto esses autores enfatizavam o processo através do qual o paciente vinha a se conhecer (Rocha Barros, 2013).

Em outras passagens também fica clara a relação de suas ideias com as de Bion. Em um artigo publicado em 1966, Joseph refere-se à teoria do continente/contido de Bion dizendo que "[o analista aparece] na sessão como um objeto materno compreensivo e meta-bolizador" (Joseph, 1966, pp. 187-188).

Queremos enfatizar a ideia de objeto metabolizador, isto é, de um objeto capaz de pensar tal qual um aparelho digestivo, que separa os elementos tóxicos dos nutrientes.

Na entrevista concedida em 2001 a Daniel Pick e Jane Milton, Betty Joseph fez um importante comentário que nos ajuda a entender o desenvolvimento de seu pensamento a partir da década de setenta. Ela diz:

Meu trabalho se desenvolveu a partir de uma profunda insatisfação com a descoberta de que eu estava propondo interpretações que me pareciam perfeitamente corretas, mas que não conseguiam tocar os pacientes - seguramente uma falha importante de minha parte. A partir de então procurei centrar-me na questão de onde encontrar o paciente - ou pelo menos uma parte do paciente que estivesse disposta a me ouvir.

Esta constatação resulta na publicação de alguns trabalhos, dos quais os principais são "O paciente de difícil acesso" (1975) e "Vício à quase morte" (1982). São muitas suas teses nestes artigos. Do ponto de vista técnico, Joseph acentua a necessidade de acompanhar como o paciente ouve a interpretação, como esta é internalizada e a qual forças ela é submetida. Em consequência, a autora destaca a importância da cisão, indicando que o paciente se divide em duas partes: uma interessada em escutar o que o analista aponta, e outra dedicada a observá-lo ativamente, de forma a silenciá-lo, a congelar aquilo que lhe é apontado. Trata-se de um aspecto cindido dominado pela promoção da passividade, profundamente narcísica e viciada, em um estado próximo ao da morte. Claro está que, dessa forma, o paciente mantém sua parte necessitada longe do tratamento. Aqui podemos reconhecer a presença de um diálogo com os trabalhos de Rosenfeld sobre os aspectos destrutivos do narcisismo: a submissão do paciente a uma espécie de máfia interna que, em troca de proteção, promove um corte da parte necessitada das fontes de alimentação. Joseph expande os pontos de vista de Rosenfeld através da proposta de observação microscópica do que está ocorrendo na transferência, focando em seus diminutos movimentos, visando a construir um clima de triunfo sobre qualquer aspecto ativo na mente do paciente. Vemos aqui ela concordando com o papel que Rosenfeld atribui ao instinto de morte na promoção de uma passividade altamente destrutiva, e ao mesmo tempo discordando dele no que tange à presença de um aspecto libidinal (ligado à vida) fusionado com o instinto de morte.

Nestes trabalhos ela expande sua concepção da perversão. Perversão, para ela, é resultado de uma atitude ativa por parte de um aspecto cindido do paciente objetivando afastar-se de qualquer contato com a experiência da verdade psíquica. Na descrição de seus casos clínicos Joseph procurava mostrar como, de forma muito sutil, o paciente transformava alimento para o pensamento em um dejeto a ser expelido e, com isto, evitava qualquer contato vivo com o objeto nutridor.

O paciente que ela denomina "E", apresentado em seu artigo sobre o "Vício à quase morte" (1982), exemplifica o funcionamento de uma pessoa cruel, fria, distante, carreirista, desabitada de sentimentos amorosos, embora inteligente e possivelmente competente. Suas sessões eram marcadas por uma reviravolta que "E" produzia naquilo que, por um instante, poderia ser vivido como uma interpretação útil que alimentaria seu desejo de mudança. Através de sutis movimentos em seu mundo interno, expressos por diminutas torções (twists) na maneira como escutava sua analista, transformava o que lhe tinha sido apontado em uma tentativa desta última de dominá-lo mediante uma atitude sedutora, perversa, para finalmente triunfar sobre ele.

Esses pacientes poderiam ser descritos como vivendo permanentemente no presente contínuo (present tense), isto é, em um espaço temporal que poderia englobar toda sua existência - do primeiro dia de suas vidas até o último -, que, por conseguinte, seria vivida como ocorrendo num único dia, numa única hora.

O tópico acima discutido nos leva a outro aspecto da abordagem de Betty Joseph que tem sido caracterizado como sendo sua marca característica, qual seja, seu foco naquilo que nos habituamos a chamar de "aqui e agora". É preciso dizer que a maior parte dos psicanalistas acredita na importância da intepretação no aqui e agora da sessão, mas também é preciso enfatizar que são muitas as formas de conceber o que seria o aqui e agora. Para uma revisão bastante completa desse tema sugerimos a leitura do artigo de Rachel Blass, "On the imediacy of unconscious truth" (2011).

Duas citações de uma publicação recente (2013) de Betty Joseph caracterizam o que há de mais essencial em sua concepção do aqui e agora. Na primeira citação ela diz:

A noção de um aqui traz implícito que existe um mundo externo [lá] e eu gosto de manter esta conexão no pano de fundo de minha mente de maneira que outros elos ocorrerão, ou precisarão ser feitos, entre o que está sendo compreendido no consultório e suas implicações para a vida cotidiana do paciente (2013, p. 2, itálico nosso).

Na segunda, afirma:

O agora de quando falamos do aqui e agora implica uma sensação de tempo, não somente do passado ou do futuro, mas uma consciência [awareness] da situação do paciente naquele momento, uma que é dinâmica, nunca estática, e que muda de momento para momento (p. 2, itálico nosso).

Estas afirmações apontam para o fato de que, ao contrário do que alguns de seus críticos dizem, Joseph está consciente tanto das variáveis externas quando da temporalidade envolvida - tanto de um passado quanto de um futuro sempre cambiantes, cujo sentido se transforma continuamente. Sendo assim, tanto o passado quanto o futuro podem ser permanentemente reescritos e ressituados. Sua posição frente ao material do paciente define, portanto, uma postura metodológica: Joseph propõe que os analistas estejam atentos ao que está realmente ocorrendo, ou seja, sendo sentido_(being felt). Dentro desta perspectiva podemos desenvolver uma noção não apenas do que pode ter acontecido, mas, de forma mais importante, lançar hipótese sobre como o passado foi construído e como ele poderá repetir-se no futuro se o presente não for alterado.

Do ponto de vista de sua técnica analítica, esta atenção ao passado enquanto ele se reconstrói no presente permitirá ao paciente, através de sua vivência, examinar e eventualmente perceber como foram produzidas as armadilhas emocionais nas quais ele ficou preso e que interferiram em seu desenvolvimento.

Mais uma vez vemos Joseph explicitar sua concepção de que o que produz modificações na estrutura psíquica do paciente são experiências afetivas, e não basicamente o conhecimento racional de por que ele é ou se comporta de uma determinada forma. Contudo, ela acredita que a experiência afetiva é complementada pelo insight cognitivo favorecido pela interpretação verbalizada, pois este, além de cimentar a vivência afetiva, oferece uma perspectiva de continuidade para a história do paciente ou, pelo menos, de uma das histórias possíveis que comporá sua noção de História com H maiúsculo. O ângulo da continuidade permite ao paciente adotar certo distanciamento da experiência vivida, atitude que é necessária para uma reflexão efetiva e mais profunda sobre sua biografia emocional. Este aprofundamento só é possível se baseado em uma vivência sentida (felt) de sua vida, que permite que o instante seja percebido como parte de um processo.

Aqui provavelmente cabe a citação de um pensamento de um de nossos grandes historiadores contemporâneos. Lucien Febvre diz: "Fazer história, sim, na medida em que a história, e somente a história, pode nos permitir viver num mundo em permanente instabilidade com reações outras que não somente as de medo" (1953). Decifrar nossa história do ponto de vista psicanalítico tem a função de libertar nosso futuro.

Associado à sua concepção do "aqui e agora" existe um esboço de uma teoria sobre a mudança psíquica e sobre a técnica que facilitaria sua promoção.

À primeira vista parece que Betty Joseph acredita que apenas a vivência do aqui e agora, acompanhada de uma interpretação que faça sentido para o paciente, promoveria uma mudança. Pensamos que, ao descrever em pormenores para o paciente a vivência que ele está tendo e seus efeitos sobre ele e o analista, Joseph também está comunicando ao paciente uma sintonia fina com seus sentimentos. Sentir-se compreendido é uma experiência única de grande poder transformador. Sendo assim, sugerimos que a autora acredita que para haver mudança psíquica também é necessário que o analista seja internalizado como um objeto continente, isto é, que observa, recebe a projeção e a transforma (digere) em algo passível de ser pensado pelo paciente. Dentro da perspectiva que temos usado em nossos trabalhos, diríamos que a intervenção do analista promove uma transmutação de base simbólica (Rocha Barros & Rocha Barros, 2013). O analista, ao descrever o mais precisamente possível o que o paciente está sentindo e convidando o analista a sentir ou atuar, sugerindo o papel que este modo de funcionar desempenha na estrutura psíquica do paciente, está implicitamente propondo que o paciente transponha (altere) a base simbólica que dá suporte a sua visão e adote outra mais clara e significativa. Esta mudança de suporte para a observação de si mesmo modifica a percepção que o paciente tem de si e concomitantemente propicia a possibilidade de que este internalize um analista pensante e metabolizante.

Joseph está interessada na captação e na descrição dinâmica da mudança psíquica, e não em avaliá-la como regressiva, negativa ou positiva.

Ela não quer simplesmente apontar as atuações (acting out or in) ou dramatizações (enactments) do paciente. A descrição detalhada do funcionamento do paciente permite que este tenha a experiência de um objeto finamente sintonizado com ele. Ele não está sozinho, mas acompanhado de um objeto pensante e transformador. Esta experiência permite que o paciente desenvolva a capacidade de estar sozinho sem se sentir solitário. Nada mais equivocado do que dizer que Joseph estava interessada unicamente em apontar os aspectos negativos do paciente, expressos pelas suas atuações e enactments. Seu interesse estava centrado em como elos que conectavam cadeias afetivas se rompiam através destes mecanismos, subtraíam do paciente um contato com parte de sua vida e, desta forma, privavam-no da possibilidade de viver relações afetivas íntimas e profundas.

Dois autores, Rosenfeld e Bion, parecem ter tido uma influência fundamental no pensamento de Betty Joseph tanto através de seus escritos quanto por meio de contatos pessoais. Betty Joseph às vezes ampliou, às vezes ilustrou clinicamente algumas das ideias desses analistas. A noção de narcisismo destrutivo e, sobretudo, as descrições dos usos que os pacientes que dele sofrem fazem da identificação projetiva está na base de muitas reflexões clínicas dela. Rosenfeld, em um artigo publicado logo depois de Klein introduzir a noção de identificação projetiva, faz uma importante distinção entre identificação projetiva massiva e menos massiva, que a seguir, noutro trabalho, ele liga ao pensamento concreto descrito por Segal como obstáculo à simbolização. Esta conexão parece ter inspirado diversos trabalhos clínicos de Joseph a respeito da dificuldade encontrada por pacientes para mudar. As influências diretas e indiretas de Bion foram numerosas e difíceis de serem mapeadas isoladamente. Contudo, um conceito clínico deste parece permear todos os trabalhos de Joseph sobre o sofrimento psíquico. Bion (1977/2005) descreve um estado de sofrimento mental que caracteriza como terror "hipotalâmico" sem nome, referindo-se a protoemoções que não podem ser sentidas e, portanto, não são processadas (metabolizadas) pelo aparelho psíquico, sendo transformadas em dor psíquica genuína. Embora estes seminários só tenham sido publicados tardiamente, esta ideia sempre esteve presente nos trabalhos e comentários feitos por Bion na Sociedade Britânica. Outra versão deste tipo de experiência aparece em um trabalho de Bion (1963) citado por Betty Joseph, no qual ele menciona que a capacidade analítica amplia a capacidade do paciente para sofrer (dor e prazer) e faz referência a uma expressão médica - dores de crescimento - para ilustrar seu ponto de vista. Esta noção de um tipo especial de sofrimento é objeto de um trabalho de Betty Joseph (1976/1989). Neste ela descreve pacientes que sentem dor mas não a sofrem, ou que a manifestam em um estado mental de transição entre o sentir e o sofrer. Os pacientes a descrevem como indefinível; não se trata de culpa em relação a impulso nem de preocupações em relação ao estado de seus objetos ou diante de sua perda; é mais próximo de um estado de vazio ou de um sentimento de repulsa a um mal-estar indefinível. Vem associado a uma enorme dificuldade de manter relações emocionais verdadeiramente íntimas, pois o relacionar-se com outros produz uma gama de sofrimentos a serem evitados. Estes pacientes desenvolvem uma espécie de falsa intimidade que pode passar desapercebida socialmente, mas que não pode ser ignorada pelo analista, dado que este tipo de sofrimento é um empecilho ao desenvolvimento e um propiciador de estados de paralisia e congelamento emocional.

Acreditamos que este trabalho seja um esboço de um estudo que nos permita refletir sobre as fontes do pensamento de Betty Joseph.

 

Referências

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Correspondência:
Elizabeth Lima da Rocha Barros
Rua Dr. Homem de Mello, 644/42
05007-001 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3862-3049
elizabethlrochabarros@gmail.com

Elias Mallet da Rocha Barros
Rua Dr. Homem de Mello, 644/42
05007-001 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3865-8675
erbarro@terra.com.br

Recebido em 15.8.2013
Aceito em 29.8.2013

 

 

1 Tradução nossa, assim como nas demais citações de obras consultadas em outros idiomas que não o português.

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