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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.3 São Paulo July/Sept. 2013

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: LEGADOS

 

Betty Joseph: expandindo a técnica clínica

 

Betty Joseph: evolving clinical technique

 

Betty Joseph: expandiendo la técnica clínica

 

 

Michael FeldmanI; Tradução Gil Henrique Lima Cotrim

IAnalista didata da Sociedade Britânica de Psicanálise (SBP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho o autor faz uma pequena biografia de Betty Joseph, seguida pelas principais contribuições teórico-clínicas de sua obra. Atenta aos pacientes de difícil acesso, buscou constantemente uma forma de tornar compreensível, aos pacientes, as interpretações. Sublinha a ocorrência da mudança psíquica pela ênfase nas interpretações baseadas no que o paciente experimenta nas sessões na interação com o analista, e não nas formulações explanatórias ou nas construções históricas. Enfatiza a contratransferência como norteadora da situação transferencial e dos enactments vividos pela dupla como a possibilidade de observação dos aspectos perversos do paciente.

Palavras-chave: Betty Joseph; contratransferência; enactement; mudanças psíquicas.


ABSTRACT

In this paper, the author writes a short biography on Betty Joseph, followed by the main theoretical- clinical contributions of her work. Regardful of patients of difficult access, she constantly sought a way to make the interpretations understandable to the patients. She underlines the occurrence of psychic change through the emphasis on the interpretations based on what the patient experiences in the interaction with the analyst during the sessions, and not on explanatory formulations or on historical constructions. Joseph emphasizes countertransference as a guide of the transferential situation and of the enactments experienced by the pair as the possibility of observation of the perverse aspects of the patient.

Keywords: Betty Joseph; countertransference; enactment; psychic changes.


RESUMEN

En este trabajo el autor hace una pequeña biografía de Betty Joseph, seguida por las principales contribuciones teórico – clínicas relevantes de su obra. Atenta a los pacientes de difícil acceso buscó constantemente una forma de tornar comprensible, para los pacientes, las interpretaciones. Destaca la existencia de cambio psíquico por el énfasis en las interpretaciones basadas en lo que el paciente experimenta en las sesiones en la interacción con el analista y no en las formulaciones explicativas o en las construcciones históricas. Enfatiza la contratransferencia como orientadora de la situación de transferencia y de los enactments vividos por el par como la posibilidad de observación de los aspectos perversos del paciente.

Palabras clave: Betty Joseph; contratransferencia; enactement; cambios psíquicos.


 

 

Betty Joseph, falecida aos 96 anos em abril de 2013, despontou como uma das mais influentes psicanalistas de sua geração, que além de contribuição ímpar à pesquisa e à prática clínica da psicanálise, teve um profundo impacto em seus muitos alunos e colegas na Grã-Bretanha e em muitos outros países.

Segunda de três filhos de uma família anglo-judia que chegara à Inglaterra no começo do século XVIII oriunda da Alsácia, Betty cresceu perto de Birmingham e, inicialmente, se formou em Serviço Social, trabalhando durante as férias em uma clínica pioneira de orientação infantil fundada por Emmanuel Miller no East End de Londres. Nessa época, conheceu o trabalho de Melanie Klein e iniciou a formação como Assistente Social em Psiquiatria na London School of Economics.

Mudou-se, posteriormente, para Salford, perto de Manchester, onde ajudou a estabelecer uma clínica de orientação infantil. Seu interesse pela psicanálise já era maior na época (1940), e depois de Londres, Manchester era o único lugar onde havia psicanálise. Por indicação de Esther Bick, que trabalhava em Manchester, começou a fazer análise com Michael Balint, que fora analista de Esther Bick e havia chegado recentemente da Hungria como refugiado.

Alguns anos depois, Balint mencionou que alguns colegas vinham de Londres para entrevistar potenciais candidatos. Depois da entrevista com Susan Isaacs e Marjorie Brierley, Betty Joseph foi aceita no curso. Balint decidiu mudar-se para Londres e sugeriu que Betty Joseph fizesse o mesmo, o que aconteceu em 1945.

Durante sua formação, ela comumente tinha dúvidas sobre sua vocação para a psicanálise e foi preciso persuadi-la a não desistir. Contudo, como preenchera todos os requisitos, a Comissão de Formação lhe enviou uma carta informando que ela se qualificara para o curso. Sua resposta foi pedir que revogassem sua qualificação, pois sabia não estar preparada. Passados seis meses ela ainda não se sentia pronta, entretanto, a Comissão decidiu qualificá-la mesmo assim.

Betty Joseph buscou a supervisão de Hanna Segal e, posteriormente, de Melanie Klein e Paula Heimann, recebendo uma análise mais profunda de Paula Heimann. Ela achava que era "lenta no aprendizado" e que demorou a engrenar, ao contrário de seus amigos e colegas mais próximos Hanna Segal, Wilfred Bion e Herbert Rosenfeld, que ela considerava "analistas de nascença". À medida que seu trabalho avançava, no entanto, desenvolveu sua própria voz analítica característica, ganhando confiança na importância de sua contribuição e seu impacto para a psicanálise.

Era muito exigente consigo mesma e com os demais. Sentia sobretudo a necessidade de manter o ímpeto e a qualidade do pensamento e trabalho psicanalíticos de Klein, a busca pelo real e verdadeiro, de forma a evitar concessões e soluções fáceis e mais cômodas.

Seu objetivo era alcançar a mais profunda e verdadeira compreensão do funcionamento mental e de sua relação com os mundos interior e exterior. Demonstrou grande coragem e perseverança na exploração de processos psicológicos difíceis e intratáveis em pacientes muito refratários à mudança. Criou uma abordagem clínica diferente para os pacientes, um modelo de técnica analítica e uma teoria de mudança psíquica. Estudou como os pacientes mobilizam sistemas de defesa para manter um estado de equilíbrio existente e resistir à mudança que os ameaça com ansiedade. Sua observação detalhada e precisa da forma como a transferência e a contratransferência se manifestavam na interação entre o analista e o paciente possibilitou a interpretação detalhada das mudanças minuto a minuto durante a sessão. Usou a expressão "no ar"1 para capturar essa idéia.

Afirmava que as opiniões do analista sobre a história do paciente, suas formulações teóricas ou ambições terapêuticas devem estar em segundo plano e não devem impedir que o analista considere o que realmente está presente, vivo, durante a sessão. Requer muita coragem manter-se consciente e em contato com as ansiedades, a incerteza e a confusão evocadas pelo contato próximo e sensível com o paciente. Betty pôde usar essa abordagem de trabalho porque realmente dispunha da coragem e do profundo fascínio e compromisso com o trabalho. Estava convencida de que era preciso reconhecer e interpretar o que estava "no ar" entre o paciente e o analista, o que parecia verdadeiro, real e imediato para poder chegar a uma mudança psíquica duradoura. Isso também envolvia estar ciente da atração sedutora da concessão e das muitas formas de escapar da verdade, que é sempre difícil de enfrentar e às vezes assustadora.

Em sua primeira publicação em 1948, discutiu os problemas de lidar com bebês e crianças pequenas. Produziu vários outros trabalhos relacionados com pacientes adultos e infantis, que seguiam de perto a abordagem clínica e teórica de Klein, Segal e outros. Foi só na década de 70, entretanto, que encontrou sua própria voz inconfundível e começou a desenvolver suas próprias ideias sobre a técnica e sobre a mudança psíquica, que foram tão influentes. Foi particularmente durante o trabalho com um paciente aparentemente "normal" (1971) que começou a se concentrar no problema de como conseguir acesso ao paciente com suas interpretações. A interpretação pode parecer "correta" e perspicaz, mas ter pouco ou nenhum efeito sobre o paciente. Percebeu que era preciso encontrar a parte do paciente com a qual poderia se envolver e que poderia responder às suas intervenções. Essa abordagem, também descrita em seu importante trabalho "O paciente de difícil acesso" (1975), fez com que se concentrasse cada vez mais na interação paciente-analista no consultório, tentando acompanhar os movimentos que ocorrem minuto a minuto. Descreveu, por exemplo, como observava de perto a reação do paciente a uma interpretação, como a ouvia, compreendia e usava, se havia aliviado ou aumentado a ansiedade etc.

Acreditava que a real mudança psíquica se dava por meio do trabalho interpretativo baseado nas experiências do paciente durante a sessão, em sua interação com o analista, e não por formulações explicativas ou reconstruções históricas. Assim, por exemplo, no tratamento de pacientes perversos, estudava como notar a perversão sendo criada na transferência, frequentemente de maneira imperceptível e sutil. Além disso, seguindo os momentos em que a perversão surgia, era possível ter uma idéia da função dos mecanismos perversos usados para preservar o precário equilíbrio do paciente.

Sua hipótese era de que qualquer problema ou aspecto significativo da personalidade do paciente, inclusive a presença e influência persistente de sua história, encontraria expressão na transferência - se o analista os conseguisse reconhecer e tolerar. Freud salientou que nada poderia realmente ser analisado "in absentia" Betty Joseph concordava e acrescentava que graças à nossa crescente compreensão técnica, reconhecemos cada vez mais o que surge na relação paciente-analista, possibilitando a descoberta do que realmente está presente e ativo no paciente.

Dizia que um dos mecanismos mais importantes para que o analista perceba o que está acontecendo na transferência é a contratransferência. Sua sugestão era prestar muita atenção ao que realmente está sendo vivenciado pelo analista, a forma como ele está sendo cutucado, inconscientemente manipulado, provocado etc, em algum tipo de enactement que o paciente necessita, e da qual ele também pode conseguir satisfação.

Betty Joseph dava muita ênfase ao que ocorria no presente no consultório, considerando, assim, que a história do paciente sempre estava presente e fazia parte do trabalho; entretanto, como Bion, acreditava que o trabalho analítico era mais eficaz quando essa história se encontrava em um segundo plano na mente do analista e não era usada para organizar o material. Afirmava que o analista alcança uma compreensão e mudança psíquica adequadas quando consegue acompanhar a história sendo vivenciada, ainda que sutilmente, durante a sessão, ou mesmo quando os fragmentos da história voltam à mente do analista depois do vivenciado ou falado no consultório. Enfatizava a diferença entre começar com o presente e redescobrir a história, e começar com a história e basear sua própria compreensão na opinião do analista sobre a história.

A compreensão técnica e abordagem clínica que desenvolveu ao longo dos últimos trinta e cinco anos se tornaram gradualmente mais influentes e importantes para o pensamento e a prática da psicanálise. Foi amplamente aclamada como professora e clínica, não só no Reino Unido, mas em muitos centros europeus e na América do Sul e do Norte. Gozava de uma notável capacidade de se concentrar de maneira interessada, inteligente e contemplativa sobre o material clínico que com ela se discutia, sobre o que estava acontecendo com paciente e analista e sobre o impacto de um sobre o outro. Usando a expressão de Klein, conseguia não só prestar atenção aos pequenos detalhes do material, mas também enfatizava a necessidade de considerar a "situação total", toda a complexa interação paciente-analista que ocorria no consultório. Essa forma cuidadosa e precisa de compreender, pensar e trabalhar exigia muito do analista, porém tornava sempre o trabalho mais vivo, mais relevante, fascinante e cheio de esperança.

Essa maneira de pensar e trabalhar também incorpora os dois aspectos da psicanálise originalmente reconhecidos por Freud, isto é, a função de pesquisa - expandir nossa compreensão das questões psicológicas difíceis e complexas - e a função de tratamento - aplacar a ansiedade, a dor e os sentimentos de desesperança nos pacientes.

Em 1995, Betty Joseph recebeu o prestigioso Prêmio Sigourney em Nova York, em reconhecimento por sua contribuição. Manteve-se muito ativa e lúcida, sensivelmente atenta às necessidades e sentimentos dos demais, até o fim de sua vida.

Publicou uma grande quantidade de importantes trabalhos, alguns dos quais foram reunidos em Equilíbrio psíquico e mudança psíquica (1989). A partir de1962 também realizou oficinas clínicas, que constituíam um fórum importante para o desenvolvimento e compartilhamento de ideias. Alguns dos mais recentes participantes dessa oficina homenagearam essa instituição com a publicação de uma coletânea de seus próprios trabalhos e os de alguns colegas com o título In pursuit of psychic change (2004). Contribuíram, entre outros, Michael Feldman, John Steiner, Ignes Sodre, Ronald Britton, Priscilla Roth, Patricia Daniel, Gigliola Fornari Spoto, David Taylor, Athol Hughes, Edna O'Shaughnessy, Martha Papadakis, e os redatores Edith Hargreaves e Arturo Varchevker.

 

Referências

Feldman, M. (2004). Supporting psychic change. In Hargreaves, E. & Varchevker, A. (Eds.), In pursuit of psychic change (New Library of Psychoanalysis). London: Routledge.         [ Links ]

Joseph, B. (1975). The patient who is difficult to reach. In P.L. Giovaccini (Ed.), Tactics and techniques in psychoanalytic therapy (Vol. 2, Counter-transference, pp. 205-210). New York: Jason Aronson. [Reprinted in Joseph, B. (1989). Psychic equilibrium and psychic change. In M. Feldman & B. Spillius (Eds.), Selected papers of Betty Joseph (New Library of Psycho-Analysis, pp. 75-88). London: Routledge]         [ Links ].

Joseph, B. (1982). Addiction to near-death. Int. J. Psycho-Analysis, 63, 449-56. [Reprinted in Joseph, B. (1989). Psychic equilibrium and psychic change. In M. Feldman & B. Spillius (Eds.), Selected papers of Betty Joseph (New Library of Psycho-Analysis, pp. 127-139). London: Routledge]         [ Links ].

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Joseph, B. (1987). Projective identification: some clinical aspects. In J. Sandler (Ed.), Projection, identification, projective identification (pp. 65-76). Madison, CT: International Universities Press. [Reprinted in Joseph, B. (1989). Psychic equilibrium and psychic change. In M. Feldman & B. Spillius (Eds.), Selected papers of Betty Joseph (New Library of Psycho-Analysis, pp. 168-181). London: Routledge]         [ Links ].

Joseph, B. (1988). Object relations in clinical practice. The Psychoanalytic Quarterly, 57,626-642. [Reprinted in Joseph, B. (1989). Psychic equilibrium and psychic change. In M. Feldman & B. Spillius (Eds.), Selected papers of Betty Joseph (New Library of Psycho-Analysis, pp. 75-88). London: Routledge]         [ Links ].

Joseph, B. (1989). Psychic change and the psychoanalytic process. In B. Joseph, Psychic equilibrium and psychic change, in M. Feldman & B. Spillius (Eds.), Selected papers of Betty Joseph (New Library of Psycho-Analysis, pp. 192-203). London: Routledge]         [ Links ].

Joseph, B. (2013) Here and now. My perspective. Int. J. Psycho-Analysis 94,1-5.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Michael Feldman
32 Southwood Avenue
N6 5rz Londres, Reino Unido
mmf@mmfeldman.co.uk

Recebido em 27.8.2013
Aceito em 10.9.2013

 

 

1 "On the wing" no original, é uma expressão da língua inglesa que dá o sentido de algo em movimento.

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