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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.4 São Paulo out./dez. 2013

 

EDITORIAL

Editorial

 

 

Bernardo Tanis

Editor

 

 

Trabalhos Premiados: XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise

O encerramento de um ciclo anuncia o trânsito e a abertura para o novo, movimento criativo que se volta para frentes menos exploradas. Assim, neste número, vocês, caros leitores que nos acompanharam ao longo de 2013, encontrarão dois movimentos concomitantes.

O primeiro, que dá nome a este volume, culmina com a publicação dos trabalhos premiados no XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, cujo tema - Ser contemporâneo: medo e paixão - foi o escolhido pelo Conselho Científico da Febrapsi, e que se desdobrou na reflexão psicanalítica e filosófica em torno das propostas de Giorgio Agamben sobre o contemporâneo e nas instigantes considerações sobre medo e paixão a partir das implicações derivadas de "Totem e tabu", comemorando assim os cem anos de sua publicação. O tema do contemporâneo e seu impacto nas transformações na clínica atual já tinha sido objeto de reflexão em dois números da Revista Brasileira de Psicanálise em 2012, Passagens I e II, que tratavam dos desafios colocados para a subjetividade no turbulento movimento do Moderno ao Contemporâneo, suas tensões, conflitos e opacidade. Além disso, no número O pensamento clínico e o contemporâneo, publicado em 2013, procuramos aprofundar e estimular os debates em torno do tema de nosso congresso. Aproveitamos este retrospecto para congratular a comissão organizadora do Congresso Brasileiro de Psicanálise pela competente organização, cálida acolhida em Campo Grande e alto nível dos debates e trabalhos apresentados.

Cumprimentamos a ganhadora da primeira edição do Prêmio Revista Brasileira de Psicanálise, Vera Lúcia Colussi Lamanno Adamo, autora do artigo "Considerações sobre o trabalho do negativo a partir de uma experiência clínica". Queremos parabenizar também a todos os ganhadores dos prêmios pela qualidade dos trabalhos e pela disponibilidade de compartilhar através da escrita as reflexões sobre a clínica e a teoria psicanalítica. São eles e seus trabalhos: "O Amor como elemento estruturante da continência na situação edípica", de Gisèle de Mattos Brito (Prêmio Durval Marcondes), "Uma paixão entre duas mentes: a função narrativa", de Maria Cecília Pereira da Silva (Prêmio Fabio Leite Lobo), "Realidade sensorial e realidade psíquica: trânsito e turbulência", de Cláudia Aparecida Carneiro (Prêmio Mário Martins), e "Por que ainda ler Freud?", de Berta Hoffmann Azevedo (Prêmio João Bosco Calábria).

Um segundo movimento neste número se anuncia a partir da sensível e generosa entrevista concedida pelo consagrado escritor moçambicano Mia Couto. Seguem a ela os comentários de nossos colegas Juarez Guedes Cruz, Ney Marinho e Carlos de Almeida Vieira, que direcionam nossa atenção para as diferentes e infinitas sendas que a literatura de Mia Couto convida a trilhar: seu universo imaginário e cultural, a infância, o tempo, a dura realidade da guerra civil em Moçambique, o vértice psicanalítico e tantos outros. Embora seja frequente o diálogo entre literatura e psicanálise, nem sempre aprofundamos os elementos que constituem esta afinidade. O lugar central da linguagem na experiência clínica, a metaforização e a transformação dos afetos nas diferentes formas de representação, o mundo onírico e as formas de simbolização guardam com a prosa e a poesia um parentesco indiscutível, sem falar na dimensão ficcional da teoria psicanalítica, destacada por vários analistas.

A delicadeza da presença de Mia Couto contrasta com a força poética que sua fala e escrita revelam:

Quando se faz um romance, não é possível escrevê-lo em poesia, mas a linguagem pode ser poética ... É como se estivesse sempre na posição daquele que escuta ... É como se eu autorizasse que vozes me ocupem e me contem uma história.

Assim, Mia, nome que adotou para si na infância e como gosta de ser chamado, realiza o que Michel Collot aponta como sua perspectiva do sujeito lírico:

Fazendo a experiência de seu pertencimento ao outro - ao tempo, ao mundo ou à linguagem -, o sujeito lírico cessa de pertencer a si. Longe de ser o sujeito soberano da palavra, ele se encontra sujeito a ela e a tudo o que o inspira. Há uma passividade fundamental na posição lírica, que pode ser similar a uma submissão (Collot, 2004, p. 166).

O trabalho da professora de teoria literária Viviana Bosi, convidada para escrever neste número "O sujeito lírico e o sujeito pedra", nos fornece mais elementos para a compreensão da posição do sujeito lírico e os modos como este foi apreendido ao longo dos tempos. Ainda que não se trate de um texto monográfico, assinala indícios que atiçam nossa curiosidade e, acima de tudo, coloca em perspectiva as transformações do eu lírico que acompanham as transformações da subjetividade no movimento que vai do Romantismo à atualidade - transformações que podem auxiliar o analista a reconhecer as múltiplas vozes que se deixam ouvir na sessão junto ao nosso analisando. Viviana mergulha, mais especificamente, na poesia brasileira contemporânea, e nela identifica uma mudança de posição da voz poética, um sujeito que não se reconhece como tal.

Se dissemos anteriormente que este segundo movimento anuncia algo novo, é porque por ele queremos adentrar e estimular as reflexões em torno de dois eixos que estarão em debate no cenário psicanalítico internacional: (a) o apaixonante e dialético território de Realidades e ficções, que será tematizado no próximo Congresso da FEPAL, em 2014; e (b) Um mundo em mutação: formas e uso das ferramentas psicanalíticas na atualidade, tema proposto para o Congresso da IPA em Boston, 2015.

Na seção Intercâmbio, publicamos um trabalho do psicanalista argentino Leandro Stitzman, que partindo da teoria das transformações de Bion, foca seus argumentos na interpretação e no assinalamento da importância da sua dimensão de continente no saturado. Destacamos os ricos trabalhos dos colegas Lia Fátima Christovão Falsarella, Dora Tognolli, Marli Claudete Braga, Paulo de Tarso Ubinha e Helio Honda, que abordam tanto temas da clínica atual como aspectos da metapsicologia psicanalítica. Recomendamos a leitura de nossas resenhas e comentários cuidadosamente elaborados pela equipe sobre os lançamentos mais recentes.

Para finalizar, gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram com a produção da Revista Brasileira de Psicanálise ao longo de 2013: aos nossos autores e assinantes; a toda a equipe editorial, em suas diversas comissões (temática, avaliação, interface, intercâmbio, entrevistas, resenhas e lançamentos); aos editores e coeditores regionais; aos pareceristas de todos os estados do Brasil; à nossa dedicada secretária Nubia; aos nossos revisores e diagramadores. Também agradecemos à Presidente da Febrapsi, Gleda Brandão de Araújo, a todos os integrantes do Conselho Diretor da Febrapsi que encerrou sua gestão (2012-13) e à Assembleia de Delegados e Presidentes das Sociedades e Grupos de Estudos, componentes da Febrapsi, de quem sempre recebemos estímulo e apoio para nossas iniciativas.

A todos, uma boa leitura!

 

Referências

Collot, M. (2004). O sujeito lírico fora de si. Terceira Margem: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura, 11,165-177.         [ Links ]

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