SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.47 número4O Amor como elemento estruturante da continência na situação edípicaRealidade sensorial e realidade psíquica: trânsito e turbulência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.4 São Paulo out./dez. 2013

 

TRABALHOS PREMIADOS

 

Uma paixão entre duas mentes: a função narrativa1

 

A passion between two minds: the narrative function

 

Una pasión entre dos mentes: la función narrativa

 

 

Maria Cecília Pereira da Silva

Psicanalista. Membro efetivo, analista de criança e adolescente e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Pós-doutoranda e doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro e Professora do Departamento de Psicanálise de Criança do Instituto Sedes Sapientiae

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo descreve uma função psíquica do analista que foi se definindo a partir da experiência clínica com crianças. Trata-se de uma qualidade psíquica derivada da função α, que envolve a capacidade de rêverie, como uma paixão entre duas mentes: a função narrativa do analista. Apresenta-se uma situação clínica em que essa função foi se constituindo no campo analítico, diante da dificuldade do paciente em simbolizar. Descreve-se como a função narrativa busca uma conexão com o isolamento em que vive uma criança com transtorno do espectro autista, na qual a possibilidade de representação ainda não se estabelecera. Oferecem-se significados para o brincar repetitivo e estereotipado, tecendo-se a subjetividade e apresentando-se gradativamente a noção de alteridade. Procura-se mostrar como a função narrativa do analista na construção das temáticas das sessões permitiu a constituição do tecido psíquico, em que as emoções puderam ser compartilhadas em um encontro entre duas mentes.

Palavras-chave: função; narração; paixão; representação; autismo; psicanálise.


ABSTRACT

This paper describes a psychic function of the analyst which has been defined through clinical experience with children. It is a psychic quality derived from the α function, which involves the capacity of reverie, as a passion between two minds: the analyst's narrative function. I present a clinical situation in which this function was constituted in the analytical field due to the patient's dificulty to symbolize. I describe how the narrative function seeks a connection with the isolation in which a child with autistic disorder lives, in whom the possibility of representation has not been established yet. It gives meaning to the repetitive and stereotyped play, weaving subjectivity and gradually introducing the notion of otherness. My attempt is to show how the analyst's narrative function in the construction of the sessions' themes allowed for the constitution of the psychic fabric in which the emotions were able to be shared in a meeting between two minds.

Keywords: function; narrative; passion; representation; autism; psychoanalysis.


RESUMEN

Este artículo describe una función psíquica del analista que se fue definiendo a partir de la experiencia clínica con niños. Se trata de una cualidad psíquica derivada de la función alfa, que involucra la capacidad de rêverie, como una pasión entre dos mentes: la función narrativa del analista. Presento una situación clínica en que la función narrativa del analista se fue constituyendo en el campo analítico ante la dificultad del paciente en simbolizar. En este caso, la función narrativa busca una conexión con el aislamiento en que vive un niño con trastorno autista, cuando la posibilidad de representación aún no se estableció. Ofrece significados para el juego repetitivo y estereotipado, tejiendo la subjetividad y presentando gradualmente la noción de alteridad. Trato de mostrar como la función narrativa del analista en la construcción de los temas en las sesiones permitió la constitución del tejido psíquico donde las emociones fueran compartidas en un encuentro entre dos mentes.

Palabras clave: función; narración; pasión; representación; autismo; psicoanálisis.


 

 

Os elementos da psicanálise são as ideias e os sentimentos ... Os objetos psicanalíticos são as associações e as interpretações com seus prolongamentos nos domínios dos sentidos, dos mitos e das paixões
(Bion, 1963/1991, pp. 210-11).

Neste trabalho, desejo compartilhar uma experiência clínica com crianças com transtornos do espectro autista, em que a possibilidade de representação ainda não se estabelecera. Em artigo anterior, procurei descrever como a interpretação, na forma de uma construção narrativa (Silva, 2012), como um recurso técnico, permitiu a reconstituição do tecido psíquico esgarçado por uma situação traumática. Agora, apresento uma ampliação dessa ideia para além de uma técnica interpretativa - ou seja, a função narrativa, que se delineou para mim como uma qualidade psíquica do analista derivada da função α, envolvendo a capacidade de rêverie e que, como na paixão, evidencia um encontro entre duas mentes (Bion,1963/1991), uma emoção compartilhada.

Encontramos em Freud (1909/1976) uma narrativa da história de vida de Hans, com a descrição de seus medos, jogos lúdicos, sonhos e associações (Silva et al., 2011), e na análise do Homem dos Lobos (Freud, 1918/1976), quando, pela primeira vez, elabora uma construção narrativa de certas experiências psíquicas que não foram rememoradas pelo paciente. Mais tarde, em Construções na análise, Freud (1937/1976) define que o sentido de uma construção envolve a presença de aspectos simultaneamente reais e fantasmáticos de uma parte da história infantil do indivíduo: o paciente não consegue rememorar toda situação traumática, então o analista propõe uma associação que "constrói" o que falta.

Assim, aprendemos com Freud (1937/1976) como as relações e inscrições precoces têm um peso fundamental na construção da subjetividade, indicando a necessidade de compreender e avançar tecnicamente na direção de uma intervenção que permita modificar e ajudar o paciente a integrar uma parte importante dele mesmo que se constituiu antes da linguagem verbal - portanto, antes da instalação das funções de narratividade, de síntese e de integração que se organizam com o advento da fala. Trata-se, nesse cenário, muito mais de construção do que de interpretação - construção essa necessariamente inserida no contexto da relação transferencial (Aragão & Zornig, 2009).

Já Bion (1963/1991) defende que a interpretação ou formulação do analista tenha uma extensão no campo do mito, da paixão, de uma emoção compartilhada e também do sentido. Portanto, é necessário interpretar algo que o paciente possa tocar, ver, que deve estar ali, no aqui e agora da sessão. A formulação do analista, captando o clima emocional da dupla, via intuição, oferece uma linguagem afetiva e de êxito. Além da oscilação PS↔PD e ♂♀, também é fundamental a contínua oscilação que existe entre a capacidade negativa do analista e o nascimento do fato selecionado.

Nesse sentido, Bion (1963/1991) propõe que a dimensão das paixões abarca tudo o que é derivado e está compreendido entre amor (L), ódio (H) e conhecimento (K). O termo paixão representa uma emoção experimentada com intensidade e calidez, ainda que sem nenhuma sugestão de violência (o sentido de violência não deve ser expresso pelo termo paixão, a menos que esta esteja associada com o sentimento de voracidade). Bion, (1963/1991) afirma: "a paixão evidencia que duas mentes se ligaram e que, para haver paixão, não se poderá talvez contar com menos que duas mentes" (p. 48).

A construção narrativa como uma maneira de o analista encontrar, junto com o paciente, um significado de forma dialógica, sem muitas cesuras interpretativas, foi proposta por Antonino Ferro (1995). Este assinala que o analista deve acolher e vivenciar em si as experiências - às vezes inconscientes - que o analisando não consegue comunicar, embora consiga ativá-las no analista por meio de identificações projetivas.

Ou seja, o analista deve estar disponível para encarnar um papel que é desconhecido do analisando, e que não poderá adquirir uma forma e um sentido a não ser quando é trazido pelo outro (Ferro, 2000). Para este autor, as interpretações narrativas ou interpretações fracas procuram não saturar a comunicação do paciente, e como se fossem o jogo "Lego", oferecem ao paciente um daqueles bloquinhos com múltiplas possibilidades. As interpretações fracas, por meio de sua instauração, não promovem um fechamento de sentido, elas se apresentam de tal forma que o paciente possa assimilá-las favorecendo desenvolvimentos narrativos imprevisíveis. Então, "a transformação conarrativa, ou mesmo a conarração transformativa, toma o lugar da interpretação" (Ferro, 2000, pp. 17-18).

Tomando emprestadas as ideias de Bion e Ferro, a função narrativa do analista foi se configurando em minha experiência clínica como uma paixão, uma emoção compartilhada, exercitada no seio das sessões, no campo analítico (Baranger & Baranger, 1969), e a partir da elaboração de minhas vivências transferenciais e contratransferenciais. A paixão se destaca na função analítica como uma ampliação da curiosidade, como um componente não só indispensável como primordial (Mello Franco Filho, 1992, p. 15). A função de rêverie, digerindo as identificações adesivas (Bick, 1968; Meltzer, 1975/1986) e projetivas (Klein, 1946/1978), emergia na forma de uma narrativa, especialmente nesses casos em que houve situações traumáticas precoces inacessíveis e não representadas ou nos transtornos do espectro autista.

Diante da dificuldade do paciente em simbolizar, e diante de áreas de defesas não neuróticas, oferecia um significado, uma representação, não a partir de um acontecimento, mas a partir do que estava excindido ou nunca existira. Assim, ao construir e ao reconstruir a narrativa da sessão, junto com o paciente, procurava oferecer uma representação, um contorno, um continente emocional e sonoro, no aqui e agora da sessão, como uma possibilidade de ter acesso ao não representado por meio da linguagem envolta em emoções, ampliando o conhecimento sobre si mesmo. Observava que essa função proporcionava uma experiência organizadora de sentido restaurador às experiências precoces traumáticas ou insuficientemente boas, um espaço transicional/potencial2, um encontro entre duas mentes.

A seguir, ilustro essa função no trabalho com uma criança com transtorno do espectro autista.

Guilherme3 é um garotinho que me foi encaminhado aos dois anos e dez meses com um diagnóstico de transtorno do espectro autista, "embora com muitas portas abertas", disse-me sua mãe.

Quando chegou, não falava, não interagia, não me dirigia o olhar4, ficando em um estado encapsulado, isolado, com alguns rituais, e diante da ruptura desses rituais, ficava desesperado. Mostrava-se mais interessado pelos objetos, estabelecia uma relação fusional com os pais, e só quando precisava pedia ajuda a eles. Parecia que não me percebia - muitas vezes, não aceitava qualquer contribuição de minha parte.

No trabalho com Guilherme, descobri a função narrativa como uma maneira de buscar uma conexão com seu isolamento, a concha autística em que vivia, oferecendo significados para o brincar repetitivo e estereotipado, povoando seu mundo interno e apresentando gradativamente a noção de subjetividade e alteridade.

Do meu ponto de vista, a função narrativa do analista na análise de crianças com transtornos globais de desenvolvimento considera como fundamentais, para a evolução do trabalho analítico, o investimento desejante (Mendes de Almeida, 2008) e subjetivante do analista (Silva et al., 2011). Além disso, apoia-se no conceito de reclamação e, também, na ideia cultivada e conquistada de uma postura ativa e pensante, informada pelas emoções, sensibilidade e percepções do analista, propostas por Anne Alvarez (1994, 1985).

Nesse sentido, Ferro (1998) também assinala que a imagem visual que o analista usa, fruto de rêverie em sessão, é a contribuição mais significativa e mais transformadora que se possa dar à construção da sessão, operando na fileira C da grade, realizando plenamente junto com a extensão no terreno do mito e da paixão, de que nos fala Bion em Elementos de psicanálise (1963/1991). Além disso, alerta que já não é possível pensar o analista como alguém que decodifica o texto do paciente, fornecendo às escondidas uma conta paralela sobre os significados, mas como um coautor do terceiro narrativo, que é construído em sessão com a contribuição de ambos (p. 207).

Desse modo, acredito que a função narrativa nasce de um campo que envia missões diplomáticas, que reclamam e investem as partes sadias do paciente, como "um objeto humano vivo, consistente, uma companhia viva, um objeto animado" (Alvarez, 1994, p. 88), convocando-o a se conectar com a realidade e, assim, vai construindo um continente para seus conteúdos e a capacidade de pensar. A imagem - fruto de rêverie em sessão -, portanto, torna-se o fato por excelência, o organizador que permite definir uma nova "Gestalt, delinear uma nova configuração do campo rumo, a uma extensão do mesmo, com uma contínua possibilidade de ressignificação" (Ferro, 1998, p. 207).

Ilustro essas facetas da função narrativa do analista com alguns trechos da análise de Guilherme.

Nas primeiras sessões, ponho-me a observar e narrar para ele como ele ia reencontrando as coisas que havíamos feito no dia anterior: "Você está vendo o carrinho que tem coisas dentro e você quer olhar o que tem dentro e guardar coisas dentro"

Ao ajudá-lo a colocar uma massinha vermelha no porta-malas (em outras sessões ele irá reencontrar essa massinha), esboço a possibilidade de, a cada sessão, explorar e incorporar o que vou oferecendo, de modo que, aceitando minhas contribuições, ele passa a construir uma interação cada vez mais lúdica (com um dentro e uma fora, um esboço de um continente e de uma mente).

Procurava construir uma narrativa a partir de seus movimentos na sessão, como no início, quando era comum ele se recolher e começar a desenhar em um bloco de papel grande e, de repente, ir se encolhendo de costas para mim, com o rostinho e os braços colados no papel, rabiscando, totalmente absorto (concha autística, encapsulado, necessidade de alternância de turnos na relação com o objeto?). Naqueles momentos, pegava outro lápis e ia fazendo um caminho no papel, até chegar próximo ao lápis dele - e meu lápis conversava com o dele, "reclamava-o", iniciando um diálogo entre os lápis e, depois, com ele: "Ei, Guilherme, onde está você?". Ele, então, olhava para mim, ria; nossos lápis começavam a correr um do outro; Guilherme se divertia. Assim, com essa função narrativa, procurava resgatá-lo e possibilitar um novo encontro. (Desenho 1).

 

 

Em outra ocasião, Guilherme se dirige para sua caixa e encontra a cola. Pega o papel, passa a cola no papel, e diz: "" (azul). Essa é uma brincadeira que também se repete nas sessões, em que, às vezes, desenhamos e colamos pedaços de papel de seda rasgados por mim e colados por ele. Ele novamente passa a cola e me pede: "" (azul). Então, rasgo um pedaço de papel azul e lhe dou, e ele cuidadosamente o coloca sobre a cola. Depois, a brincadeira se repete: ele me olha e pede: "Aelo" (amarelo). "Melo" (vermelho). "Ede" (verde). Vou aguardando seu pedido e amplificando sua demanda a cada cor. Ele fica muito feliz em perceber que eu o compreendo.

Em dado momento, percebo que ele desenha com a cola um carrinho (o pai me ensinou a ver isso). Ele me pede o papel azul e cola três pedaços de papel sobre o carro. Digo que o carro ficou azul e, com uma caneta preta, replico o carro sobre o papel azul. Ele me olha e diz: " Táxi... ". "É", digo, "como o táxi que você pega com a mamãe e com o papai". Lembro também que estamos juntando as cores no papel: os pedacinhos do Guilherme com o papel da Cecília. (Desenho 2).

 

 

Durante muitas sessões, Guilherme vinha acompanhado de seu trem Thomas5: eu percebia que aquele trem era uma continuidade dele e não tinha um destino lúdico. Em uma dessas ocasiões, fui povoando os arredores de um trilho que eu havia desenhado em uma cartolina com signos de seu repertório: sua casa, o prédio de meu consultório, sua escola, a casa de sua babá e filho, a casa do primo etc. E ele me pede - com uma verbalização ainda incipiente, mas que compreendo - para completar com a estação do trem. Então, passamos a brincar com o trem Thomaz em um "trilho/continente" inserido em um cenário com uma narrativa (temporal e espacial). (Desenho 3). Assim, colocando o trem Thomaz no trilho/continente, coloco-os em relação, e aquilo que não possuía um destino lúdico passa a ter um sentido, uma narrativa.

 

 

Houve um dia em que ele chegou chorando muito, era um choro desesperado. Ele não queria se separar de sua mãe. Ele entrou na sala, ainda muito agoniado (Winnicott, 1963/1994) e desmantelado (Meltzer, 1979), acompanhado de seu trem Thomaz. Aos poucos, começou a brincar com o trem e me pediu o trilho/continente e, ainda soluçando, explorou esse cenário. Fui apresentando a estação e para onde o seu Thomas poderia ir. E a sessão prosseguiu.

Ao final, tomada ainda pela percepção de sua angústia de aniquilação e de fragmentação diante da separação no início de nosso encontro, construo uma história em quadrinhos, narrando seus sentimentos, como fomos lidando com eles utilizando o trilho/continente e conversamos sobre como era difícil ficar comigo e deixar a mamãe lá fora. (Desenho 4).

 

 

Era comum ele entremear os rabiscos sobre a mesa com olhadas pela janela, dizendo: "Vermelho, verde", referindo-se ao farol da rua, mas sem muita relação com o que via ou com alguma comunicação que pudesse produzir algum sentido em mim. Aproveitando esse repertório, com outra caneta, inseria em seus rabiscos um farol ou utilizava canetas coloridas para representar as fases do farol. Esse farol passou a fazer parte de cenas com o trem Thomaz, Clarabel e Anne, e o carro McQueen6, ou como neste jogo dialógico e lúdico que descrevo a seguir7, que como diria Ferro, foi uma conarração transformativa em verdadeira cooperação dialógica de nós dois, "enquanto filha de nossas mentes, gerando significados novos e abertos", sem colocar à prova as partes ou os funcionamentos de Guilherme ainda incapazes de "plena receptividade e dependência" (Ferro, 2000, p. 18).

G. - "Vamo fazê o faol?"

Fico surpresa ao pensar que esse pedido pode conter algo que ilumine e organize seu trânsito emocional.

Ele me pede para esperar perto do shopping/casinha, com o farol, utilizando as canetas coloridas.

G. - "Faol vemelho! Tem queficá parado, McQueen!". Pega o carro de polícia e diz: "Polícia fica feio...". Faz som de sirene. "Polícia vai ficá feio... Não pooode, McQueen! Não pode!".

Ele pega o carro de polícia e faz uma colisão com o McQuen, que passou no farol vermelho.

G. - "Eu vou bater você. Pouh! Polícia quebô".

Ele me olha com ar de interrogação.

M. C. - "Você está me contando como você já sabe as coisas que podem, que não podem, o que organiza e desorganiza... o que deixa bravo/feio, sozinho/triste."

G. - "Ué! Ué!" Faz som de sirene. "O bombêro vem"

M. C. - "Bombeiro-Cecília ajuda".

G. - "Quebô teto!"

Guilherme pega as ferramentas e faz os reparos. Aponto como ele está podendo usar muitas ferramentas e pedir ajuda quando precisa.

Esse jogo dialógico mostra como os elementos utilizados na função narrativa foram de fato transformados em aprendizado, na medida em que, agora, Guilherme reutiliza o trilho/continente e o farol de uma forma nova e criativa, como pista/curvas, inventando/ criando novas narrativas.

Em sessão de quando Guilherme estava com cinco anos, ele propôs um brincar espontâneo e criativo, com elementos próprios, como se ele tivesse se apropriando da capacidade narrativa para brincar de faz de conta de forma intersubjetiva, indicando uma ampliação de seu mundo interno. Guilherme transformou meu consultório em uma padaria onde pode-riam ser confeccionados/criados pãezinhos/bebês/filhinhos, fruto de possíveis encontros entre nossas mentes.

Guilherme pega a máquina de fazer bola de sabão, testa a máquina, observa e faz bolas. Vou descrevendo seus movimentos. Então ele me diz:

G. - "Vamo fazê comida? Tô peparando, hein... Tô peparando suco de uva... Suco de uovou! Já acabou suco de limão... Qué mais, qué mais...?"

Pede mais água e pega a garrafinha com sabão.

G. - "Vai pepará queme de ovo!".

M. C. - "Mexe, mexe, mexe. Creme de ovo!". Vou amplificando seus movimentos. "Ah, agora virou creme de ovo." Um tanto emocionada, digo: "Quantas transformações que você está conseguindo, hein...".

G. - "Não é sabão, é queme de ovo".

M. C. - "Junta o sabão da Cecília com o dedo do Guilherme e a gente faz uma outra coisa... Fizemos limonada, suco de limão, suco de ovo, suco de uva e creme de ovo, agora".

G. - "Tá misturando, hein... Depois vai pôr um sal". Guilherme vai mexendo a água e o sabão com o dedinho e conversando. "Ó, queme... Você qué suco?... Péra está misturando, ó... Isso chama panela".

Ofereço uma panela e ele vai colocando o bolo.

G. - "Tá caindo. Bigado, Cecília"

M. C. - "De nada, Guilherme".

G. - "Pepará queme de limão. Hum, agora vai ser queme de limão. Pronto! Agora vamos pôr no pato... Vai misturá o sal! Esse aqui é sal: tchuc, tchuc, tchuc". Usa um brinquedo como saleiro. "Olha tá misturando... O bolo!".

G. - "Aqui não chama de médico. Aqui é uma padaria".

M. C. - "Ah! Uma padaria. Que transforma as coisas, que faz pão, que faz creme de ovo... Estou vendo como você é capaz de preparar uma comida nova... Um pouquinho de Cecília, um pouquinho de Guilherme, faz uma coisa nova...".

Nessa sessão, Guilherme dirige a cena do brincar. Eu posso acompanhá-lo e não preciso reclamá-lo: é ele quem me convoca. Além disso, as brincadeiras indicam que ele está constituindo um continente psíquico que contém suas criações (panela, sala de análise...) - e sentimentos.

Quando ele transforma meu consultório em uma padaria, encontra um alimento psíquico e vai sinalizando que tem a noção de tempo internalizada. É possível ver Guilherme se relacionando comigo ao apresentar seu creme de ovo "misturado" - em uma padaria, com minha coparticipação, com a presença de trocas comunicativas ("Obrigado, Cecília") e com troca de olhares, indicando um brincar intersubjetivo e de faz de conta em que, de fato, é possível haver um encontro emocional entre duas mentes.

Ao exercer a função narrativa na análise de Guilherme, ofereço com minha prosódia, em forma de mamanhês8 (Parlato-Oliveira, 2011), uma linguagem banhada de afeto, um envelope sonoro (Anzieu, 1995), um sentido às manobras autísticas e estereotipadas - e, a partir daí, junto com Guilherme, vamos tecendo a constituição de seu psiquismo, o nascimento de um sujeito e a ligação com o outro. Essa prosódia dá vida aos seus comportamentos repetitivos e sem sentido, caracterizados como uma descarga emocional sem possibilidade de representação. Assim, emprestando minha capacidade inventiva e lúdica, e juntamente com meu mundo emocional, vou irrigando o universo psíquico de Guilherme, que no início era só deserto.

 

Sobre a função narrativa

Quando o universo psíquico do paciente está impedido de construir uma narrativa, acredito que o trabalho clínico vai incluir e priorizar as experiências traumáticas dos primeiros anos, não simbolizadas, mas que se reapresentam na relação transferencial, levando o analista a simbolizar o que até então não havia sido ligado pelos processos secundários do analisando. Dessa forma, é papel do analista favorecer a capacidade do paciente de criar imagens e transcrevê-las em narrativas, como um instrumento que permite que as emoções sejam expressas. É o objetivo por excelência da função narrativa criar um campo em que emoções sejam compartilhadas como uma paixão entre mentes que se encontram.

Auxiliada por essa função, construí múltiplas histórias com Guilherme, o que tem favorecido o estabelecimento de novos vínculos e relações entre os fatos e as lacunas do desenvolvimento, criando um espaço psíquico, um caminho para a sobrevivência psíquica, ameaçada até então. Procurei dar voz às emoções que Guilherme desejava exprimir ou desejava que fossem expressas com minha ajuda, muitas vezes captadas a partir do jogo intersubjetivo das identificações projetivas, adesivas ou da elaboração dos ecos contratransferenciais, trabalhando "nos domínios dos sentidos, dos mitos e das paixões" (Bion, 1963/1991, p. 210).

Esta forma de trabalhar, utilizando-me da função narrativa, tem possibilitado que pacientes como Guilherme ampliem cada vez mais a sua capacidade de pensar e nomear suas emoções, permitindo que a análise possa ser, de fato, aquela sonda que amplia o campo que está explorando, e permitindo aos pacientes estarem na linha de frente nessa exploração. Através da função narrativa, respeitando a comunicação manifesta do paciente e aguardando que ele possa, aos poucos, ir aprofundando a sua capacidade de pensar, observo que vou movendo-me na fileira C da grade, em direção a C3, C4, C5, tomando em consideração o que o paciente trouxe e encenou na sala de análise: "fazendo sobretudo um jogo de luzes, renunciando a explicar todos os possíveis significados relacionais", como assinalou Ferro (1998), citado por França e Petricciani (1998, p. 121), embora procure pensá-los como comunicações afetivas no campo relacional e busque uma intervenção narrativa que aproxime estados emocionais do paciente.

O paciente não é tanto uma questão de conteúdo ou de verdade, mas uma questão de estar no mesmo comprimento de onda afetiva, de estar não em K mas em O, revelando a paixão. Podemos pensar que quando uma verdade nasce apenas de uma mente, é, para o paciente, sempre um -K. Trabalhando com a função narrativa, no entanto, o analista vai funcionando como uma enzima, que favorece as transformações na sala de análise: podemos ver como Guilherme pôde ir chegando, aos poucos, a uma verdade compartilhada, favorecendo o desenvolvimento emocional, sem necessariamente desvendar significados, como aponta Ferro (1998), citado por França e Petricciani (1998).

A partir dessas reflexões teórico-clínicas, proponho então que a função narrativa, derivada da função α e da capacidade de rêverie, envolve uma postura ativa e convocadora (reclamadora/investidora) do analista, no sentido de oferecer ao paciente continência emocional e sonora; emprestar emoções, pensamentos, significados, representação, proporcionando-lhe uma nova experiência emocional organizadora de sentido e favorecedora de conhecimento. Essa função implica uma qualidade psíquica do analista de elaborar as identificações projetivas e/ou adesivas e processá-las utilizando os ecos transferenciais e contratransferenciais experienciados no campo analítico, trabalhando com os pensamentos oníricos, com imagens visuais, como nos sonhos e nos devaneios. O que tenho observado na clínica, mesmo com pacientes adultos, é que a função narrativa amplia a rede associativa, oferece contorno e continência ao mundo mental, assim como a capacidade de pensar os sentimentos e de tornar-se si próprio.

Por fim, gostaria de apontar que a paixão como componente da formação e da função psicanalítica (Silva, 1992) e a compreensão da sintomatologia, das lacunas na constituição do psiquismo, revelam-se em minha escuta analítica e se refletem em meu exercício clínico, levando-me a tomar em consideração a condição humana em sua historicidade, eventualmente com seus aspectos transgeracionais e intergeracionais (Silva, 2003, 2007). Pois a subjetividade não se constrói de uma só vez, mas ao longo de um processo, cujo elemento fundamental é a experiência partilhada com o outro, e convida o analista a priorizar no processo analítico a ideia de um encontro emocional entre duas mentes.

Assim, como uma paixão que evidencia que duas mentes se ligaram, a função narrativa vai ao encontro dessa perspectiva, oferecendo ao paciente a possibilidade de confronto com a passagem do tempo, o conhecimento e a elaboração de estados emocionais de suas distintas experiências, criando espaço para estrear o brincar, o pensar e o sonhar.

 

Referências

Alvarez, A. (1985). The problem of neutrality: some reflections on the psychoanalytic attitude in the treatment of borderline and psychotic children. Journal of Child Psychotherapy, 2(1),87-103.         [ Links ]

Alvarez, A. (1994). Companhia viva: psicoterapia psicanalítica com crianças autistas, borderline, carentes e maltratadas (M. A. V. Veronese, trad.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Anzieu, D. (1995). Le moi-peau. Paris: Dunod.         [ Links ]

Aragão, R. O. & Zornig, S. A. (2009). Clínica da relação pais/bebê: novos paradigmas para a psicanálise? Pulsional Revista de Psicanálise, 22(4).         [ Links ]

Baranger, W. & Baranger, M. (1969). Problemas del campo psicoanalítico. Buenos Aires: Kargiema.         [ Links ]

Bick, E. (1968). The experience of skin in early object relations. International Journal of Psychoanalysis, (49),484-86.         [ Links ]

Bion, W. R. (1990). Una teoría del pensamiento. In W. R. Bion, Volviendo a pensar (pp.151-164). Buenos Aires: Horme. (Trabalho original publicado em 1962).         [ Links ]

Bion, W. R. (1991). Aprendiendo de la experiencia. México: Paidós. (Trabalho original publicado em 1962).         [ Links ]

Bion, W R (1991). Elementos de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1963).         [ Links ]

Bion, W. R. (2004). Elementos de psicanálise (2ª ed.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1963).         [ Links ]

Bion, W R. (2004). Transformações. Do aprendizado ao crescimento (2ª ed.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1965).         [ Links ]

Dupoux, E. & Mehler, J. (1990). Nascer humano. Lisboa: Instituto Piaget.         [ Links ]

Ferro, A. (1995). A técnica na psicanálise infantil. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Ferro, A. (1997). Os quadrantes do setting (pp. 181-207). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Ferro, A. (1998). Apêndice - Os quadrantes do setting. In A. Ferro, Na sala de análise: emoções, relatos, transformações (M. Justum, trad.). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Ferro, A. (2000). Narrações e interpretações. In A. Ferro, A psicanálise como literatura e terapia. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Ferro, A. (2001). Psicanálise e narração. Alter - Jornal de Estudos Psicanalíticos, 20(1),7-20.         [ Links ]

França, M. O. & Petricciani, M. (Orgs.) (1998). Antonino Ferro em São Paulo - Seminários (Cap. 5). São Paulo: SBPSP.         [ Links ]

Freud, S. (1976). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 10, pp. 13-154). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1909).         [ Links ]

Freud, S. (1976). História de uma neurose infantil. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad., Vol. 17, pp. 13-153). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1918[1914]         [ Links ]).

Freud, S. (1976). Construções na análise. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 23, pp. 289-304). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1937).         [ Links ]

Green, A. (2000). Le temps éclaté. Paris: Minuit.         [ Links ]

Green, A. (2005). Enjeux de interprétation: conjectures sur la construction. Psychanalyse en Europe, (47),82-99.         [ Links ]

Klein, M. (1978). Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. In M. Klein, P. Heimann, S. Isaacs & J. Riviere, Os progressos da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1946).         [ Links ]

Lasseter, J. (Dir.) (2006). Carros [dvd]. Estados Unidos: Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios.         [ Links ]

Mello Franco Filho, O. (1992). O que vem a ser um psicanalista? Jornal de Psicanálise, 25(49),9-22.         [ Links ]

Meltzer, D. (1979). La psicologia de los estados autistas y de la mentalidad postautista. In D. Meltzer, J. Bremner, S. Hoxter, D. Weddell & I. Wittenberg, Exploración del autismo: un estudio psicoanalítico (pp. 21-39). Buenos Aires: Paidós.         [ Links ]

Meltzer, D. (1986). Identificação adesiva. Jornal de Psicanálise, 19(38),40-52. (Trabalho original publicado em 1975).         [ Links ]

Mendes de Almeida, M. (2008). O investimento desejante do analista frente a movimentos de afastamento e aproximação no trabalho com os transtornos autísticos: impasses e nuances. Revista Latinoamericana de Psicanálise, (8),169-184.         [ Links ]

Muratori F. & Maestro S. (2007). Early signs of autism in the first year of life. In S. Acquarone, Signs of autism in infants: recognition and early intervention (pp. 46-61). London: Karnac.         [ Links ]

Ogden, T. H. (2010). Essa arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados egritos interrompidos (D. Bueno, trad.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Parlato-Oliveira, E. (2011). A clínica de linguagem de bebê: um trabalho transdisciplinar. In M. C. Laznik & D. Cohen (Orgs.), O bebê e seus intérpretes: clínica epesquisa (E. Parlato-Oliveira, R. Ecleide, O. Gomes-Kelly, G. Araújo, S. A. S. Carvalho, trads.). São Paulo: Instituto Langage.         [ Links ]

Silva, M. C. P. (1992). Nada e paixão - Acerca do que vem a ser o psicanalista. Jornal de Psicanálise, 25(49),71-81.         [ Links ]

Silva, M.C.P. (1999). Introjeção da função analítica: um esboço a partir da clínica. Revista Brasileira de Psicanálise, 33(2),267-282.         [ Links ]

Silva, M. C. P. (2003). A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo/Fapesp.         [ Links ]

Silva, M. C. P. (2007). Identificação mórbida: comunicação transgeracional traumatizante. Revista de Psicanálise, SBPPA, 14(1),137-165.         [ Links ]

Silva, M. C. P. (2012). A construção narrativa: O processo interpretativo diante de uma situação traumática. Revista de Psicanálise, SBPPA, 19(3),505-518.         [ Links ]

Silva, M. C. P., Mendes de Almeida, M. & Barros, I. G. (2011). O investimento subjetivante do analista na clínica dos transtornos autísticos - Cenas filmadas de uma intervenção conjunta pais-criança. In M. C. Lasnik & D. Cohen (Orgs.), O bebê e seus intérpretes: clínica e pesquisa (E. Parlato-Oliveira, R. Ecleide, O. Gomes-Kelly, G. Araújo, S. A. S. Carvalho, trads.). São Paulo: Instituto Langage.         [ Links ]

Silva, M. C. P., Callia, M. M. & Mendes de Almeida, M. (2011). Infantis em psicanálise: o pequeno Hans e os primórdios da intervenção nas relações iniciais pais-bebê/criança. Trieb, 10(1/2), 101-112.         [ Links ]

Thomas e seus amigos. (2000). [Filme-vídeo]. Reino Unido: hit Entertainment. (Discovery Kids Brasil, vários episódios).         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1988). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In D. W Winnicott, Textos selecionados. Da pediatria à psicanálise (Cap. 18, pp. 389-408). Rio de Janeiro: Francisco Alves. (Trabalho original publicado em 1951).         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1994). Medo do colapso. In D. W Winnicott, R. Shepherd & M. Davis, Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1963).         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Maria Cecília Pereira da Silva
R. Joaquim Antunes, 490/94, Pinheiros
05415-001 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3081-9159

Recebido em 30.9.2013
Aceito em 15.10.2013

 

 

1 Texto vencedor do Prêmio Fabio Leite Lobo, conferido durante o XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado em Campo Grande, MS, de 25 a 28 de setembro de 2013.
2 Conforme definiu Winnicott (1951/1988).
3 Guilherme nasceu em setembro de 2007.
4 Nos filmes caseiros, é possível identificar os sinais precoces de autismo descritos por Muratori e Maestro (2007), especialmente aqueles relacionados a um déficit essencial na intersubjetividade e a atenção dirigida preferencialmente a objetos.
5 Thomas e seus amigos é uma série para crianças exibida pelo canal Discovery Kids (2000). Thomas é um trem azul que vive várias aventuras; os seres humanos são meros coadjuvantes.
6 McQueen é um carro de corridas jovem e bem-sucedido, personagem do filme Carros (Disney, 2006). Com seus amigos, aprende os verdadeiros valores da vida e descobre o amor. São personagens não humanos, embora com uma mensagem humanista.
7 Essa sessão ocorreu após um ano e nove meses de trabalho analítico.
8 Segundo Dupoux e Mehler (1990), manhês é "o dialeto de todas as mães do mundo, quando elas falam com seus bebês, no qual a voz é mais aguda e a entonação exagerada" (p. 221).

Creative Commons License