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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.47 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2013

 

ARTIGOS

 

Algumas considerações sobre o papel da Verleugnung na situação clínica1

 

Some considerations on the role of Verleugnung in the clinical setting

 

Algunas consideraciones sobre el papel de la Verleugnung en la situación clínica

 

 

Helio Honda

Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UME)

Correspondência

 

 


RESUMO

Por meio da retomada do conceito freudiano de Verleugnung (renegação), o autor propõe uma leitura das intervenções em excesso, na forma de conselhos e conforto, feitas pelo analista na situação clínica. Examina o papel dos conselhos e conforto nas intervenções clínicas, recupera o conceito de Verleugnung e a problemática que o envolve na obra de Freud, a fim de propor uma elaboração conceitual daquelas ocorrências contratransferenciais. Ao final, levanta a hipótese de que tais intervenções em excesso, invariavelmente de motivação inconsciente, seriam impulsionadas por angústias suscitadas na situação clínica. Portanto, como um fetiche, poderiam estar a serviço do encobrimento de uma realidade insuportável.

Palavras-chave: Verleugnung; renegação; fetichismo; contratransferência.


ABSTRACT

By resuming the Freudian concept of Verleugnung (disavowal), the author proposes a reading of excess interventions, like advice and comfort, made by the analyst in the clinical situation. He examines the role of advice and comfort in clinical interventions, reincorporates the concept of Verleugnung, and the problem that involves it in Freud's work, in order to propose a conceptual elaboration of those countertransferential occurrences. Finally, the author raises the hypothesis that such excess interventions, invariably unconsciously motivated, could be driven by anxieties evoked in the clinical situation. Therefore, as a fetish, they could be covering up an unbearable reality.

Keywords: Verleugnung; disavowal; fetishism; countertransference,


RESUMEN

Al retomar el concepto freudiano de Verleugnung (negación), el autor propone una lectura sobre las intervenciones excesivas, en forma de consejo y consuelo, hechas por el analista en la situación clínica. Analiza el papel de los consejos y el consuelo en las intervenciones clínicas, retoma el concepto de Verleugnung y la problemática que lo involucra en la teoría de Freud, para proponer una elaboración conceptual de los acontecimientos de la contratransferencia. Al final, se plantea la hipótesis de que tales intervenciones excesivas, cuya motivación es siempre inconsciente, serían impulsadas por las angustias planteadas por la situación clínica. Por lo tanto, como un fetiche, podrían estar al servicio del encubrimiento de una realidad insoportable.

Palabras clave: Verleugnung; negación; fetiche; contratransferencia.


 

 

1. Introdução

Este artigo resulta de um trabalho elaborado para subsidiar uma discussão em seminário teórico-clínico em um grupo de formação em psicanálise, coordenado pelo Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise, do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Trata-se de uma tentativa de elaboração conceitual de um aspecto da técnica psicanalítica concernente à postura do analista, a saber, certo gênero de intervenções em excesso, particularmente verificadas na prática do iniciante. Este fenômeno não deixou de chamar a atenção, uma vez que, das lições extraídas do estudo da história do movimento psicanalítico, sabe-se que a constituição da psicanálise como terapêutica e disciplina científica se dá justamente com o abandono, por parte de Freud, de intervenções excessivamente ativas, como a sugestão pós-hipnótica e a técnica da concentração, em favor da livre associação (Freud, 1895/1992; 1914/2006). Os textos de Freud nos ensinam que, correlativamente ao advento da regra fundamental, pela qual se espera que o paciente produza suas associações, é igualmente esperada, da parte do analista, uma atitude que visaria à preservação das condições para uma recepção ótima das associações produzidas por aquele. Essa atitude, esclarece-nos Freud (1913/2007), caracteriza-se pela manutenção de uma atenção livremente flutuante e certa neutralidade analítica.

Desde sua formulação por Freud em A interpretação dos sonhos (Freud, 1900/1991), a técnica do desvelamento de motivações inconscientes mediante a interpretação passara a constituir-se no procedimento principal adotado pelo analista no tratamento. No entanto, ao longo da história do movimento psicanalítico, devido ao uso exagerado da interpretação por parte dos analistas, algumas das prescrições técnicas estabelecidas por Freud tornaram-se alvo de duras críticas. Na medida em que psicanalistas do círculo íntimo de Freud, como Sándor Ferenczi e Otto Rank, p. ex., começam a questionar-se a respeito da ineficácia dos resultados da terapia analítica da época, entre outros problemas identificados, é o próprio manejo da técnica da interpretação que se vê posto em xeque. Em sua apreciação sobre o estado da técnica analítica da época, Ferenczi e Rank (1924/1994) avaliam que uma das faltas mais graves por parte dos analistas era cair em uma espécie de fanatismo pela interpretação - que, no limite, buscava interpretar cada conteúdo fornecido pelo paciente em suas associações. Para eles, a interpretação consistiria em um meio para se alcançar uma compreensão geral do estado do paciente, não se resumindo a análise à interpretação, como se verificava na prática analítica da época.

O exemplo de Ferenczi e Rank parece indicar como a questão da postura do analista na situação clínica tornou-se, muito cedo, objeto de questionamento por parte dos próprios analistas. Paralelamente ao trabalho conjunto com Rank, imbuído do esforço em tentar obter resultados mais eficazes com o método analítico, ao longo de quase uma década, Ferenczi ensaia modalidades alternativas de intervenção ativa no tratamento (cf. Stanton, 1990; Bokanowski, 1997/2001; Prado de Oliveira, 2011). Embora um dos aprendizados de Ferenczi com os experimentos técnicos consista no reconhecimento da importância, em certos casos, de intervenções analíticas não interpretativas, ele termina por admitir o fracasso de seus experimentos, e conclui pela necessidade de tato por parte do analista, o que não diferiria substancialmente da mencionada neutralidade analítica; daí a exigência de uma sólida formação, considerada por ele a segunda regra fundamental da psicanálise (Ferenczi, 1928/1982).

Assim, embora as prescrições técnicas estabelecidas desde Freud tenham recebido certos prolongamentos em um ou outro aspecto - sobretudo, a partir da contribuição de outros autores -, a regra analítica básica em relação à postura cabível ao clínico em uma prática psicanaliticamente orientada exclui, como mostraram os experimentos de Ferenczi, intervenções em excesso por parte do analista.

Destarte, ao meditar sobre o sentido de certa modalidade de intervenção, invariavelmente em forma de conselhos e conforto, conforme exemplifica Balint (1957/1988), levantei a hipótese de que essas ocorrências, em particular no iniciante, pudessem estar a serviço de algum tipo de defesa contra angústias nele suscitadas na situação clínica. A partir daí, tentei construir uma explicação metapsicológica sobre essa ocorrência apoiado no conceito freudiano de Verleugnung (renegação). Trata-se, portanto, de uma tentativa de elaboração conceitual de um fenômeno contratransferencial. É essa hipótese que procuro desenvolver neste artigo.

Para tanto, faço de início uma exposição sobre as questões relacionadas às perturbações da escuta e intervenções em excesso por parte do analista; em seguida, retomo o conceito de Verleugnung e os processos nele implicados a fim de mostrar como esse conceito freudiano pode lançar luz sobre a questão e, assim, servir para começar a explicar metapsicologicamente ocorrências desse tipo na situação clínica, em particular no iniciante; ao final, faço algumas considerações sobre a noção de suposto-saber e sua relação com o possível caráter fetichista dessas intervenções.

 

2. Armadilhas ao aprendiz de analista: conselhos e conforto

Balint (1957/1988) considera uma ocorrência comum ao que se inicia como analista2 cair na armadilha que consiste em dar conselhos ou confortar o paciente. Pode ser compreensível e até mesmo justificável, ao menos do ponto de vista do senso comum e da expectativa dos pacientes, que o analista atue desse modo, uma vez que um efeito imediatamente perceptível poderia ser a elevação de ânimo ou mesmo melhoras temporárias no estado geral do paciente. Mas o mesmo autor mostra, mediante exemplos de situações clínicas, que recursos como esses são de pouca valia, já que "aplicação de métodos empíricos aprendidos na vida cotidiana são de tão limitado valor na psicoterapia profissional como as ferramentas de carpintaria na cirurgia" (p. 97).

Do ponto de vista do psicanalista, porém, é imprescindível tentar alcançar alguma compreensão metapsicológica acerca das razões dessa atitude e dos processos psíquicos que a podem estar sustentando. Desnecessário dizer que a situação analítica é, por natureza, uma situação permeada por afeto. Cedo Freud teria percebido esse fato, denominando-o transferência. Nela, o paciente tenderia a transferir, para a figura do analista, afetos (amor e/ou ódio) originariamente ligados a outras figuras constitutivas da história de sua experiência emocional (Freud, 1912a/2007; 1915/2007). Além disso - e é esta a questão que interessa aqui -, também do lado do analista ocorrem naturalmente certas emanações de afeto ou mesmo reações afetivas intensas frente ao paciente. Embora a situação analítica consista em um campo em sua essência "envolvido" por afetos, aqueles oriundos do lado do analista -contratransferência3 - podem desempenhar papel negativo, turbando a escuta.

Parece compreensível, portanto, que dada a profusão de emoções que caracteriza a situação analítica, angústias sejam suscitadas no analista, e sem que ele o perceba, acabe deixando perturbar sua escuta, sucumbindo a velhos hábitos, como o do furor curandi, p. ex. Esse tipo de recaída pode ser metapsicologicamente compreendido à luz de hipóteses cedo levantadas por Freud e que permanecem nos fundamentos da técnica da psicanálise, como a da regressão (Freud, 1891; 1900/2007). Frente a situações de intensa angústia, o aparelho psíquico pode sofrer regressões em seu funcionamento, de modo que sistemas de associações recentes e mais complexas acabam sofrendo dissoluções, acarretando uma espécie de involução funcional para formas associativas mais simples e primitivas. O costume é o destino, poder-se-ia dizer com Freud. Em outras palavras, sem perceber, o aprendiz de analista acaba fiando-se nos recursos que comumente lhe estiveram à mão, recursos empíricos aprendidos pela via comum da experiência e que formam o lastro de seu caráter, conforme aponta Balint, que analisa uma intervenção desse tipo. Escreve ele:

O doutor S, apesar das graves críticas do seminário, não ultrapassou os limites tradicionais da medicina: redigiu uma história clínica, efetuou o exame físico quando achou necessário, "tranquilizou" o paciente e forneceu conselhos de "senso comum" no estilo paternal que é próprio a seu caráter (1957/1988, p. 97).

Embora possam ser utilizadas com frequência em psicoterapias não analíticas, e embora possam ser tidas como cabíveis em circunstâncias especiais no curso de um tratamento analítico, atitudes tranquilizadoras como as acima descritas por Balint ou formas de aconselhamento que se confundem com sugestão, em geral, não chegam a roçar as motivações presentes na base do sofrimento do paciente. O maior problema, porém, deve-se ao fato de que, nos raros casos em que alcançam algum efeito positivo, persiste a ignorância em relação aos processos subjacentes; um "tiro no escuro", enfim, como conclui Balint, uma vez que se trata de "uma imagem superficial, que não nos diz o que e por que aconteceu" (p. 102). Daí, portanto, o sentido da exigência de uma modificação na personalidade do analista, mesmo que limitada e de difícil empreendimento, como defende Balint (p. 108). Do contrário, permanece a tendência do antigo imiscuir-se junto ao novo. Se há razão de ser nessa exigência é porque é justamente dessa modificação que se pode ter não uma garantia, mas ao menos a esperança de alguma efetividade no exercício de uma escuta propriamente analítica, atenta a recaídas, às vezes inevitáveis, a formas pouco analíticas de atuação clínica.

Parece, assim, que a formação em psicanálise supõe um processo contínuo e inaca-bável, que, entre outras coisas, deve nutrir-se da elaboração dos próprios erros, como sugere Cassement (2002/2004). A compreensão a posteriori desses "erros" revela que, mesmo nos casos em que o analista se encontra cognitivamente consciente de certos conceitos teóricos e prescrições técnicas, as motivações da consciência cognitiva podem sucumbir frente a motivações outras, então encobertas, despertadas ao longo das entrevistas. Retomando nesse ponto outra das teses gerais de Freud, segundo a qual "as associações superficiais são apenas um substituto de deslocamento para associações suprimidas mais profundas" (1900/2007, p. 525), poder-se-ia compreender as intervenções em excesso, especialmente aquelas em forma de conselhos e confortos, como deformações manifestas resultantes de motivações inconscientes, despertadas em uma atmosfera clínica geradora de angústia. Em termos mais precisos, segundo as próprias elaborações teóricas dos fatos clínicos posteriormente alcançadas por Freud, seria possível supor que as intervenções excessivas por parte do analista iniciante desempenhariam a função de "encobrir" uma realidade angustiante. Vejamos, então, na sequência do trabalho, qual poderia ser uma explicação metapsicológica para esse processo e a que estaria respondendo a angústia aí dominante.

 

3. Verleugnung e realidade clínica

O conceito de Verleugnung foi proposto por Freud no contexto do complexo de castração para designar o mecanismo psíquico de defesa por meio do qual o indivíduo renega a realidade da castração, isto é, renega a realidade da ausência do pênis na mulher. Segundo a definição de Laplanche e Pontalis (1967/2001, p. 436), trata-se de um "modo de defesa que consiste em uma recusa, pelo sujeito, de reconhecer a realidade de uma percepção traumatizante, essencialmente a da ausência do pênis na mulher".

Dada a vinculação desse mecanismo com o complexo de castração, é no texto de 1923, "A organização genital infantil", em que se encontram menções explícitas à Verleugnung. Segundo Freud, a maior diferença entre a organização genital infantil e a da vida adulta, caracterizada pela diferença entre os sexos, é que, na primeira, meninos e meninas têm como única referência o genital masculino. Isso não quer dizer, porém, que se possa falar de uma referência propriamente genital, já que não se trata aí de função genital do pênis. Trata-se, antes, do valor fálico atribuído ao membro, portanto, uma referência fálica, não genital. Convém aqui ler as palavras do próprio Freud:

O caráter principal dessa "organização genital infantil" é, ao mesmo tempo, sua diferença em relação à organização genital definitiva do adulto. Reside em que, para ambos os sexos, só um genital desempenha um papel, o masculino. Portanto, não há um primado genital, senão um primado do falo (1923/2007, p. 146, itálicos do autor).

Nesse texto, Freud desenvolve suas hipóteses apenas para o caso do menino, uma vez que diz carecer de dados em relação à menina. Em suas investigações sexuais, o menino incidentalmente - ao visualizar os genitais femininos em brincadeiras com outras crianças do sexo oposto, ao assistir aos cuidados higiênicos dispensados pela mãe a uma irmã etc - acabaria por descobrir que nem todos os seres humanos possuem órgão sexual idêntico ao seu. Frente às primeiras impressões relacionadas à falta do pênis, o menino tende a renegar essa falta. Diz Freud: "Desconhecem [leugnen] essa falta; acreditam ver um membro apesar de tudo" (1923/2007, p. 147). A partir das experiências iniciais com a percepção da falta, teria origem um esforço por parte da criança em manter tal desconhecimento ou renegação daquela realidade, o que se daria por meio da argumentação em defesa da existência do membro, afirmando, p. ex., que ainda é pequeno, mas que crescerá.

Paralelamente ao desencadeamento do mecanismo da renegação como tal, têm lugar esforços que objetivam resgatar a realidade das coisas sexuais como antes concebida. Contudo, a partir dos indícios contrários, evidenciados de forma crescente ao longo da pesquisa sexual - seja por meio da constatação paulatina de que a mulher realmente carece de pênis, seja por meio de ameaças provenientes da parte do pai ou outros adultos frente ao interesse do menino pela mãe4 -, é que, pouco a pouco, intensifica-se o sentimento de angústia ligado à possibilidade de que também nele pode vir a faltar seu próprio órgão. Em outras palavras, intensifica-se no menino a angústia de castração.

Em 1925, em "Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos", Freud volta a escrever: "quando o menininho vê pela primeira vez a região genital da menina ele se mostra irresoluto, a princípio pouco interessado, não vê nada, ou desmente [verleugnet] sua percepção, abafa-a, busca subterfúgios para torná-la de acordo com sua expectativa" (1925/2007, p. 271; itálico meu). Se o menino busca tornar a realidade do percebido de acordo com sua expectativa, isto quer dizer que o mecanismo da Verleugnung deve seu desencadeamento a um esforço por parte do eu em readequar a realidade relativa à castração a uma concepção sobre a sexualidade previamente dominante. E em que consistiría essa expectativa ou concepção prévia, senão naquela de que nos fala Freud, a saber, uma "teoria" infantil a respeito da sexualidade baseada no primado do falo, segundo a qual todos os seres humanos possuem pênis.

Concernente ao fato de a Verleugnung incidir sobre a forma com que o indivíduo percebe a realidade, autores como Laplanche e Pontalis (1967/2001), Bourguignon (1980/1991) e Kaufmann (1993/1996) estão de acordo. Mas sobre o que efetivamente incidiria esse tipo de defesa: sobre o "dado perceptivo" da ausência do pênis ou sobre a própria concepção alternativa de sexualidade, que implica a possibilidade da castração, a "realidade" da castração? Acerca dessa questão, Laplanche e Pontalis (1967/2001) consideram que a incidência da renegação não deve ser direta nem unicamente sobre a percepção da falta do pênis da mulher, na medida em que uma falta, uma ausência, só pode ser compreendida como tal se relacionada a uma concepção sobre a realidade na qual esteja implicada a possibilidade da presença correspondente. A sugestão dos autores é a de que a renegação não deve incidir sobre um mero dado perceptivo, no caso, a "percepção" da ausência do pênis, mas sobre a "realidade" implicada por essa percepção, a realidade da castração. A esse respeito, lembram-nos também que "Freud referiu constantemente o complexo ou a angústia de castração não à percepção de uma realidade pura e simples, mas à conjunção de dois dados: verificação da diferença anatômica entre os sexos e ameaça de castração pelo pai" (p. 437).

De fato, parece que a Verleugnung entra em ação no contexto de um conflito emergente entre duas concepções sobre a realidade sexual, aquela até então dominante, a realidade construída a partir da teoria sexual infantil, e a realidade da castração, ou seja, a da diferença anatômica dos sexos. Poder-se-ia dizer que, analogamente aos demais mecanismos defensivos de que o eu pode lançar mão frente à angústia suscitada por um conflito psíquico, a Verleugnung entra em ação com a finalidade de renegar a realidade da castração, dirimindo, desse modo, o conflito entre o eu e aquela realidade e amenizando a angústia dele decorrente.

Convém deter-nos um pouco em torno de um dos polos do conflito, o da concepção prévia relativa à teoria sexual infantil. Trata-se aqui de uma preconcepção, quer dizer, de uma concepção acerca da realidade formada antes mesmo do próprio contato com ela. Cabe perguntar, portanto, se se trataria de uma concepção da realidade formada por um raciocínio indutivo, isto é, não a partir da generalização para todas as outras pessoas de uma mera constatação no próprio corpo, mas da generalização de uma referência de valor considerada própria ao humano - porque tal generalização é efetuada pelo menino que constata a presença do pênis em si mesmo, mas é igualmente efetuada pela menina em quem o membro é tido como ainda em crescimento. Enfim, uma espécie de proton pseudos, uma mentira ao modo da histérica? Dito de outro modo, seria esta concepção prévia, à qual o indivíduo "busca subterfúgios para torná-la [a percepção que confirma a realidade da castração] de acordo" (Freud, 1925/2007, p. 271), já um elemento constitutivo do processo da Verleugnung? Incidir sobre a própria realidade da castração - quer isto dizer que a própria teoria sexual infantil, a do primado do falo, já seria ela própria um sintoma, um efeito desse tipo de ação defensiva? Se for assim, parece pertinente a questão levantada por Laplanche e Pontalis: "perguntar se a recusa [Verleugnung], cujas conseqüências na realidade são tão evidentes, não incidirá fundamentalmente em um elemento básico da realidade humana, mais do que em um hipotético 'fato perceptivo'" (1967/2001, p. 437, itálicos dos autores). Enfim, a renegação teria como objetivo "salvar", na medida do possível, a teoria infantil.

Também Bourguignon (1980/1991), que discute o conceito de Verleugnung em sua relação com a alucinação negativa e a escotomização, considera que no ponto de partida de todos esses processos, não apenas no da Verleugnung, deve haver uma posição prévia tomada pelo indivíduo, frente à qual uma percepção desagradável é rechaçada. Escreve ele:

Dada esta [posição prévia], sobrevém uma estimulação externa que é prontamente percebida como insuportável, por diversas razões: por ter despertado uma lembrança insuportável, transmitido uma informação desagradável de ouvir - por exemplo, uma interpretação, no caso do tratamento psicanalítico -, imposto uma exigência inaceitável, ativado uma pulsão cuja satisfação é julgada perigosa, ou por qualquer outra razão (p. 63).

No caso da Verleugnung, portanto, frente à concepção prévia - a teoria sexual infantil baseada na universalidade do falo -, uma percepção desagradável é renegada, o que não significa que ela se torna inconsciente, como no caso de uma alucinação negativa. Ao contrário, a percepção renegada, ou melhor, a realidade implicada por essa percepção, permanece consciente.

Bourguignon detalha o processo e distingue nele quatro etapas, sendo a exigência de uma concepção prévia a primeira delas, e a constatação de perigo iminente frente à percepção - que poderiamos considerar como geradora de angústia - a segunda. A terceira etapa, quase contemporânea da segunda, diz ele, seria aquela em que o eu busca defender-se da percepção hostil (e/ou da realidade por ela implicada), sendo um dos meios mais simples "a retirada do investimento do sistema percepção-consciência (PC-CS)" (p. 63). Essas três etapas seriam comuns a todas as três formas defensivas estudadas - alucinação negativa, escotomização e renegação -, pois de todas resultaria algum tipo de desconhecimento acerca da realidade.

É somente em uma quarta etapa que se pode conhecer melhor a especificidade da Verleugnung, sobretudo quando comparada com a alucinação negativa. Nesta, a reação de não reconhecimento por parte do eu seria unívoca, enquanto na Verleugnung o eu se divide, "parte reconhecendo a realidade, enquanto outra parte a renega" (p. 64). Por essa razão, a Verleugnung deve ser compreendida como um mecanismo de defesa muito diferente do mecanismo da Verdrüngung (repressão), já que este é acionado no confronto do eu (Ich) com as demandas insuportáveis provenientes do isso (Es), enquanto o primeiro entraria em ação no confronto do eu com a realidade. Ao contrário da Verdrüngung, que atua sobre conteúdos representativos, tornando-os inconscientes e trabalhando para conservá-los nesse estado, o mecanismo da Verleugnung promoveria certa deformação da realidade percebida pelo indivíduo. Por essa razão, Freud considera que a Verleugnung não é um mecanismo nem raro nem muito perigoso na vida anímica infantil, "mas que no adulto levará a uma psicose" (1925/2007, p. 272).

Se for correto enfatizar esta especificidade do mecanismo da Verleugnung, então poder-se-ia considerar a situação clínica como a realidade, o campo perceptivo com o qual o analista encontra-se confrontado, além de inserido. Nesse sentido, parece plausível levantar a hipótese de que, salvo circunstâncias excepcionais em que conselhos e confortos possam ser tidos como pertinentes e deliberados, deve ser a angústia gerada pela situação clínica a fonte da perturbação da escuta e da entrada em operação de ações defensivas, na forma de intervenções pouco analíticas como as assinaladas. Em apoio a esta hipótese, Bourguignon faz-nos compreender melhor como certas tendências defensivas podem ser acionadas na contratransferência por parte do analista. Por exemplo, afirma ele,

... através da alucinação negativa das palavras - especialmente as agressivas, mas justificadas - de seu paciente. Nesse caso, quando este último não a denuncia, a alucinação negativa lhe continua permanentemente desconhecida. Quanto a sua renegação de certas realidades desagradáveis, o analista tem consciência delas [recorde-se que, devido à especificidade da renegação, que instala uma clivagem no interior do próprio eu, o conteúdo renegado permanece acessível à consciência], o que lhe permite dar prosseguimento à sua autoanálise (1980/1991, p. 69, itálico meu).

A fim de tornar mais claras as afirmações de Bourguignon, convém lembrar que desde os esforços iniciais de Freud, ao longo dos anos de 1890, para isolar os primeiros mecanismos psíquicos de defesa, como o da repressão (Verdrängung), o da projeção (Projektion) e o da rejeição da realidade (Verwerfung), compartilhados na correspondência com Fliess (Freud, 1985/1986), ele nunca deixou de considerar esses mecanismos como presentes e operantes igualmente no funcionamento mental normal, embora eles tenham sido observados e distinguidos a partir de casos patológicos, isto é, a partir do tratamento das neuroses. No caso da Verleugnung, seu abuso ou predominância estaria na base dos quadros de perversão e explicaria os casos de fetichismo, p. ex. Contudo, em medida considerada normal, o mecanismo da renegação não deixa de ser constitutivo de todo funcionamento mental. Trata-se, como se sabe, de uma questão de grau. Daí a pertinência da observação de Bourguignon em relação à possibilidade de a renegação, além de outros mecanismos de defesa, operar no analista durante o trabalho clínico.

Na direção das considerações de Bourguignon e da hipótese discutida neste artigo, pode-se ler em Ribeiro (2006) uma tentativa análoga de conceituação de fatos clínicos. Em seu artigo, a fim de esclarecer um fenômeno clínico aparentemente afastado da patologia grave, ou seja, mais próximo do que se considera a normalidade, o autor lança mão do mesmo conceito freudiano aqui considerado, que designa o mecanismo de defesa da Verleugnung. Em uma perspectiva bioniana, Ribeiro procura mostrar como, em certos momentos da análise em que o paciente põe-se a produzir uma profusão de pensamentos, estes podem desempenhar o papel de fetiche, como se com isso o paciente renegasse a realidade da situação clínica em tela e tentasse evitar o contato com as emoções nela suscitadas.

 

4. A cisão do eu no processo da Verleugnung e o fetichismo

Para prosseguirmos é necessário conhecer melhor como se daria a divisão do eu no processo da Verleugnung, a fim de que consigamos ampliar um pouco mais nosso entendimento sobre o sentido metapsicológico que pode ser atribuído às intervenções em excesso por parte do analista.

Como é possível, pois, que uma parte da realidade possa resultar deformada? Como é possível que, após a percepção da realidade da falta do pênis na mulher, o menino mantenha o desconhecimento a respeito dessa realidade? Em outras palavras, é preciso que nos perguntemos pelo sentido desse desconhecimento. Porque, afinal de contas, desde o "Projeto de uma psicologia", esboçado em 1895, Freud (1950/2003) considerou permanente o registro mnêmico de uma percepção, ou seja, tomou como pressuposto que de toda percepção restaria inevitavelmente um registro permanente no aparelho psíquico. E cerca de trinta anos depois, no texto sobre o fetichismo, dirá ele "que a percepção permaneceu e que uma ação bastante enérgica foi realizada para sustentar a recusa [Verleugnung]" (1927/1997, p. 367).

Se for assim, então, na relação do eu com a realidade, o mecanismo da Verleugnung é desencadeado depois que uma realidade - a da castração - foi percebida - uma e/ou repetidas vezes - e registrada nos sistemas mnêmicos. Daí todo o sentido em se conceber esse tipo de defesa como incidindo em primeiro lugar sobre o sistema representacional do indivíduo, a saber, sobre a concepção que a criança constrói sobre a realidade sexual, tornando opacas precisamente as representações relativas à percepção da castração. "Conservou esta crença [a de que a mulher tem um falo], mas também a abandonou. No conflito entre o peso da percepção indesejada e a força do desejo contrário chegou a um compromisso" (Freud, 1927/1997, p. 367).

Outra consequência lógica, esse mecanismo de defesa não deve estar a serviço do eu como um todo, mas ser governado por apenas uma parcela do eu que, embora saiba e reconheça a existência dessa realidade desagradável, por isso mesmo, a renega. (Pode-se perguntar, com razão, a quem essa parcela do eu pretende enganar e se o consegue. Obviamente, para desenvolver essa questão seria necessário retomar a concepção freudiana sobre o narcisismo e analisar as formas pelas quais a libido tenderia a concentrar-se sobre o próprio eu e sustentaria a manutenção de processos primários). Conclui-se, então, que nessa operação o eu resta dividido, ao menos em dois: uma parcela que reconhece o registro perceptivo, e outra parcela que, por meio do mecanismo da Verleugnung, o renega. Nos termos de Freud, coexistem lado a lado "a atitude conforme ao desejo e a atitude conforme à realidade" (1927/1997, p. 369) - posição que, reafirma ele no mesmo texto, talvez fosse permitida à criança, mas que é danosa para o psiquismo adulto. A clivagem do eu seria, portanto, um processo metapsi-cológico comum ao fetichismo e à psicose. Nesta última, "uma dessas correntes, aquela conforme à realidade, estaria mesmo ausente" (p. 369).

Ao analisar casos de fetichismo, Freud teria encontrado uma solução comum a ambas correntes presentes no eu dividido, segundo a qual o fetiche deve ser considerado um substituto do pênis; não, porém, de um pênis qualquer, mas de um específico e de importância incomparável na infância, que, apesar disso, depois é perdido. Cito as palavras de Freud:

Isto é: normalmente seria abandonado, mas o fetiche se destina exatamente a preservá-lo. Colocando isso de maneira mais clara, o fetiche é o substituto para o falo da mulher (da mãe), no qual o menino acreditou e ao qual - sabemos por quê - não deseja renunciar (1927/1997, p. 366).

O fetiche tem como função, pois, encobrir inicialmente uma falta, substituindo-a e tomando seu lugar; mas, com isso, alcança o objetivo maior, a saber, renegar a realidade da castração. Desse modo, no âmbito psíquico, complementa Freud, "a mulher continua a ter um pênis, mas este pênis já não é o mesmo de antes" (p. 367). A partir disso é fácil compreender por que o fetiche é tão valorizado, encontrando-se no centro do interesse do fetichista, pois nele está concentrado o mesmo interesse primitivamente dirigido ao falo, e por isso mesmo, capaz de constituir-se como objeto do prazer narcísico ao qual foi incapaz de renunciar.

Como seria instaurado o fetiche? Segundo Freud, além de serem eleitos os órgãos ou objetos que simbolizam o pênis,

... a instauração do fetiche parece obedecer a um processo que lembra a detenção da memória na amnésia traumática. De modo semelhante o interesse como que se detém no caminho - a última impressão antes do que foi traumático, inquietante, seria conservada como fetiche (p. 368).

Por isso, exemplifica ele, peças íntimas do vestuário são muitas vezes eleitas como fetiche, pois representam o último instante em que, no ato do desnudamento, a mulher podia ainda ser tida como portadora de um falo, uma mulher fálica. De acordo com Freud, portanto, no fetichismo atualizam-se as mesmas forças primitivas da infância, forças sobreviventes e contrapostas ao horror da castração. Assim, conclui Freud: "Agora vemos o que o fetiche faz e de que modo é mantido. Ele subsiste como signo de triunfo sobre a ameaça de castração e como proteção contra ela" (p. 367).

 

5. Considerações finais

Em relação à nossa questão, o que o fetiche teria a ver com o analista? Seria legítimo tentar fazer alguma relação desse tipo? Faz sentido supor que conselhos e confortos verbais, como no exemplo de Balint (1957/1988), podem chegar a desempenhar uma função análoga à de um fetiche, conforme definido por Freud (1927/1997)? Em outras palavras, seria plausível tomar as formas excessivas de intervenção na situação clínica como uma espécie de fetiche, no sentido de que aquelas podem desempenhar, como este, a função de encobrir uma realidade angustiante, insuportável? Ensina Freud que a angústia em jogo no fetichismo é a angústia de castração, frente à qual, pela ação da Verleugnung, resultaria uma clivagem no interior do eu e a instauração do fetiche. Se o recurso ao fetiche visa a tornar opaca a realidade anunciada pela percepção da ausência do pênis materno, quais faltas visariam a encobrir as intervenções em excesso na situação clínica?

Como se sabe, na base da transferência e no começo efetivo de uma análise encontra-se a crença ou suposição, por parte daquele que procura análise, de um saber ao analista. Saber apenas suposto, porque decorrente da atribuição, fundada em uma ilusão por parte do paciente, de que o analista detém algum saber sobre o sofrimento que lhe afeta. Suposição de saber esta, em última instância, tributária da própria ontogênese individual, na medida em que teria no desamparo (Hilflosigkeit) originário do ser humano (e na ignorância nele implicada) sua matriz (Freud, 1950/2003). Frente ao estado de desamparo inferido pelas carências implícitas nas reações motoras e choros de uma criança, viria da parte dos cuidados maternos a tentativa de responder a essas primeiras manifestações. Porém, de acordo com Rocha (1991, p. 21), "essa mãe que a oferece [a resposta] em verdade não sabe o que o sujeito necessita, e responde segundo seu próprio desejo". Quer dizer, a mãe responderia com uma verdade por ela apenas suposta, suposição esta que, apesar disso, teria o efeito de verdade para aquele que a aceita. Por essa razão é que se poderia falar de uma ilusão constitutiva, instalada desde sempre naquele que, apesar disso, comumente chamamos indivíduo. É de acordo com o modelo expresso nessa ilusão originária que se veria sustentada a atribuição de um saber ao analista, já que em seu sofrimento o próprio indivíduo constata que algo o atinge, mas algo de que ele nada sabe.

Supor ao analista um saber acerca de seu sofrimento seria a condição necessária para o advento de um processo analítico que, paradoxalmente, deve culminar, para o paciente, no reconhecimento dessa ilusão, o que "equivaleria a levar o sujeito ao reconhecimento da limitação do mundo humano, reconhecimento de que ninguém tem o falo" (Rocha, 1991, p. 21), reconhecimento da castração, portanto. Em outras palavras, parece que a ilusão constitutiva, fundada na realidade do desamparo em que inicialmente se encontra todo ser humano, pode não apenas servir de chave para esclarecer o saber ilusoriamente atribuído ao analista, mas pode, igualmente, ser compreendida como a matriz na qual se nutrem todos os demais modos ilusórios de funcionamento psíquico em que recai o ser humano, em particular aquele que tem a ver com nossa questão, a crença ilusória de toda criança na universalidade do falo.

Quando o analista intervém em excesso, seja por meio de conselhos e confortos ou mediante outras formas de intervenção pouco analíticas - como, talvez, aquelas ensaiadas por Ferenczi e posteriormente reconhecidas como inapropriadas em seus experimentos com a técnica ativa -, ele abre mão de sua escuta e se deixa levar pela ilusão, confundindo seu lugar com o do saber ilusoriamente atribuído a ele pelo paciente. Além de correr o risco de "conceber o fim da análise como a identificação do analisando com ele, analista, com toda conotação narcísica que isso implica" (Rocha, 1991, p. 21), quando é capturado ele próprio pela ilusão narcísica do suposto saber e abandona seu lugar de analista, nele pode encontrarle em operação um mecanismo análogo àquele que opera na base dos casos de fetichismo. Consideradas as ressalvas antes assinaladas entre a atividade tida como normal de um mecanismo de defesa e seu desempenho exagerado na patologia mental, poder-se-ia tratar aqui da entrada em operação, em algum grau, do mecanismo da renegação. Dito de outro modo, como um fetiche, o excesso de intervenções poderia estar a serviço do encobrimento de uma realidade angustiante - a do próprio não saber, talvez -, em cujo prolongamento de origem encontrar-se-ia a realidade angustiante da castração e a do próprio desamparo.

De fato, não é tarefa fácil para o analista manter-se no lugar que lhe seria próprio, isto é, o lugar de reserva, único capaz de favorecer o trabalho analítico e possibilitar algum vislumbre, mesmo que parcial e instantâneo, da verdade de um inconsciente sempre fugidio, cujas frestas deixam-se entreabrir apenas na conjugação entre livres associações e atenção flutuante. No entanto, se em sua poltrona o analista é revolvido por angústias suscitadas ou intensificadas pela situação clínica, angústias estas capazes ainda de obnubilar sua escuta e deslocá-lo do lugar, restaria a sugestão de Bourguignon (1980/1991) frente aos casos de renegação operante no analista, ou seja, dar prosseguimento a sua (auto)análise. Afinal, se analisar não é um know-how, um saber fazer, mas um fazer saber (Rocha, 1991), que caminho pode vir a fazer saber ao analista senão o caminho de sua análise? Não é por acaso que, a partir dos trabalhos do psicanalista contemporâneo de Freud que mais se (pre)ocupou com a eficiência da técnica psicanalítica, conforme indicado na abertura deste trabalho, passou a ser conhecida a segunda regra fundamental da psicanálise. Para Ferenczi, todo aquele que se propõe a analisar os outros deve, antes, ele próprio ter sido analisado (1928/1982); e o que se espera é que essa análise tenha sido "conduzida até o solo mais profundo e que lhe permita controlar suas próprias particularidades caracteriais" (1930/1982, p. 96). Psicanálise, pelo caráter interminável da formação de seus praticantes, profissão impossível? Talvez. Mas se mancar não é pecado, então não haveria por que renegar a realidade disso que é sem fim.

 

Referências

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Correspondência:
Helio Honda
Av. Colombo, 5790, bloco 118
87020-900 Maringá, PR
Tel.: (44) 3011-4291
hhonda@uem.br

Recebido em 6.10.2009
Aceito em 7.6.2013

 

 

1 Trabalho vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes). O autor agradece a todos os membros do Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise (gtep - Sedes Sapientiae), em especial a Fátima Milnitzky, pela inspiração e estímulo na escrita deste trabalho.
2 O termo utilizado por Balint é "psicoterapeuta". Em termos gerais, considero que a terapêutica psicanalítica seja uma forma de psicoterapia, uma vez que se trata de uma terapêutica psíquica do psíquico. Em termos estritos, porém, isso pode ser passível de controvérsias, dada a especificidade reivindicada pela psicanálise em relação ao estudo dos processos inconscientes, aos quais psicoterapias de base puramente psicológica podem ser refratárias. De qualquer forma, para a discussão que nos interessa aqui, essa questão não é relevante.
3 Para uma apresentação geral do conceito de contratransferência, consultar o Vocabulário da psicanálise, de Laplanche e Pontalis (1967/2001), além dos trabalhos técnicos de Freud (1912a/2007, 1912b/2007, 1913/2007, 1915/2007). Ver também a coletânea sobre o tema organizada por Figueira (1994) e o tomo XVII do Livro anual de psicanálise (2001/2003).
4 Em 1924, no texto dedicado à discussão do sepultamento do complexo de Édipo, Freud retomará com mais detalhes a exposição da experiência da castração no menino, agora à luz desse complexo (Freud, 1924/2007).

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