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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.1 São Paulo jan./abr. 2014

 

ARTIGOS

 

Estudo e investigação de traços arcaicos em desenhos: novos métodos

 

Study and investigation of archaic traces in drawings: new methods

 

Estudio e investigación de rasgos arcaicos en los dibujos: nuevos métodos

 

 

Alfredo Menotti ColucciI; Ester WoilerII

IMembro efetivo e didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
IIMembro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 


RESUMO

A reconstrução criativa dos desenhos de uma criança de sete anos permitiu observar que eles correspondiam à expressão de angústias primitivas relacionadas a fantasias arcaicas sobre a concepção, nidação e gestação. Foram três reconstruções: a primeira ocorreu por ocasião da análise, há vinte e nove anos; a segunda foi possível pela digitalização dos desenhos, ampliando a investigação e permitindo o acesso à mente primitiva; a terceira, feita com o reforço dos traços dos desenhos, permitiu alcançar novos níveis de expressão. A capacidade da mente de se inscrever em vários planos, tal qual um palimpsesto, graças à pulsão de vida, presente neste caso, é objeto desta investigação. Os autores sugerem uma leitura em dois níveis: o da realidade presente e o da verdade histórica. Estes vértices possibilitam à mente aproximar-se de sua "verdade", objeto da psicanálise - "verdade" que, por sua vez, permite a construção analítica da identidade do analisando.

Palavras-chave: desenhos infantis; preconcepção edípica; hipótese abdutiva; verdade histórica (historisch).


ABSTRACT

Creative reconstructions of a seven year-old's drawings allowed us to observe that they corresponded to the expression of primitive anxieties related to archaic fantasies about conception, implantation, and pregnancy. There were three reconstructions: the first one took place at the time of the analysis, 29 years ago; the second one was possible by the digitalization of the drawings, which extended the inquiry by granting access to the primitive mind; the third reconstruction, through the strengthening of the drawings' strokes, allowed us to access new levels of expression. The capacity of the mind to inscribe itself on several planes, like a palimpsest, thanks to the pulsion of life, is the object of this inquiry. The authors suggest a two-level reading: the present reality and the historical truth. These points allow the mind to get closer to its "truth", the object of psychoanalysis - a "truth" that allows for the analytical construction of the patient's identity.

Keywords: children's drawings; Oedipal preconception; abductive hypothesis; historical truth (historisch).


RESUMEN

la reconstrucción creativa de dibujos infantiles de una niña de siete años permitió observar que coincidían con la expresión de ansiedades primitivas relacionadas con fantasías arcaicas sobre la concepción, la implantación y el embarazo. Se hicieron tres reconstrucciones: la primera durante el análisis de Clara, hace 29 años; la segunda fue posible debido a la digitalización de los dibujos, lo que amplió la investigación mediante el acceso a la mente primitiva; la tercera, por medio del fortalecimiento de los trazos de los dibujos, permitió alcanzar nuevos niveles de comunicación. La capacidad de la mente de inscribirse en planes diversos, como un palimpsesto, gracias al impulso de la vida, es el objeto de esta investigación. Los autores sugieren una lectura en dos niveles: la realidad presente y la verdad histórica. Estos vértices permiten que la mente se acerque a su "verdad", objeto del psicoanálisis - "verdad" que, a su vez, permite la construcción analítica de la identidad del paciente.

Palabras clave: dibujos infantiles; preconcepción edípica; hipótesis abductiva; verdad histórica (historisch).


 

 

Introdução

Diversamente ocorre com o objeto psíquico cuja história o analista quer estabelecer. Aqui defrontamo-nos regularmente com uma situação que, com o objeto arqueológico, só é possível em circunstâncias raras, tais como as de Pompeia ou da tumba de Tutankamon. Todos os elementos essenciais estão preservados, ainda que pareçam esquecidos completamente; continuam presentes de algum modo e em algum lugar, mas soterrados e inacessíveis ao indivíduo. Como se sabe, épossível duvidar que uma estrutura psíquica possa realmente ser alvo de uma destruição total. É apenas uma questão de técnica analítica conseguir ou não trazer à luz o que está completamente oculto (Freud, 1937/1986, p. 261, grifo nosso)1.

Este trabalho já foi assunto de apresentações anteriores2 e, pela riqueza de seu conteúdo, continua a requerer novas investigações. Por meio dele, buscamos mostrar a capacidade mental de comunicação não verbal de uma criança de sete anos que apresentava comprometimento emocional severo. Ressaltamos que não será o estudo do caso clínico o objeto desta exposição, mas a análise do material gráfico produzido nas sessões da pequena Clara - análise que, de forma criativa e estética, permitiu novas leituras, das quais emergiu a evidência de vivências primitivas do desenvolvimento. Como resultado, pudemos nos aproximar da função narrativa na clínica do infantil e tecer algumas hipóteses a respeito da verdade histórica e das preconcepções inconscientes (Bion, 1962/1988) da pequena Clara dos Ovos.

Freud, em Sobrevisão das neuroses de transferência (1915/1990), investiga e dá continuidade às suas pesquisas em "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância" (1910/1986), "Construções em análise" (1937/1986) e "Moisés e o monoteísmo" (1939[1934-1938]/1975), ampliando o domínio do inconsciente como portador das experiências e vivências do desenvolvimento do Homem (hipótese abdutiva). O estudo dos pictogramas e de sua evolução para a linguagem escrita e falada revela o acervo inconsciente desenvolvido por gerações para pensamentos cada vez mais complexos, como representado no eixo vertical da Grade de Bion, em particular na linha D.

Peirce (1976) classifica três tipos possíveis de raciocínio: a abdução (a hipótese pode ser), a dedução (a hipótese deve ser) e a indução (a hipótese é verdadeira). A abdução é a maneira de propor novas hipóteses, mesmo que especulativas, mas que sejam suficientes para explicar e estimular a investigação.

A articulação do raciocínio abdutivo, elaborando hipóteses possíveis e da dedução, tirando das hipóteses suas conclusões experimentais concebíveis, irá exigir que, pelo processo indutivo, verifiquem-se [sic] experimentalmente, ao longo do tempo, o grau de adequação destas hipóteses aos fenômenos que se pretendem [sic] conhecer. Somente através do processo indutivo os conceitos produzidos irão sendo testados diante da experiência (Silveira, 2011, p. 297).

Com relação à técnica psicanalítica, resgatamos o que Freud propõe em seus estudos (1910/1986, 1915/1990 e 1939[1934-1938]/1975): a verdade histórica deve ser buscada na reconstrução da história do indivíduo, da mesma forma que um povo busca sua história em seus primórdios. A verdade histórica, em complemento à verdade material vivida pelo sujeito - ou seja, a história relatada do sujeito -, permite a construção do Objeto Psicanalí-tico descrito por Bion3. Em Freud (1910/1986, p. 79), lemos:

A despeito de todas as distorções e mal-entendidos, a realidade do passado ainda está representada neles [nas lendas, mitos e interpretações da pré-história]; são o que um povo construiu com a experiência de seus tempos primitivos e sob a influencia de motivos que, poderosos em épocas passadas, ainda são eficazes. Se alguém pudesse desfazer essas distorções - para o que deveria conhecer todas as forças atuantes -, não haveria dificuldade de descobrir a verdade histórica (historisch) que se esconde por detrás desse fabuloso material. O mesmo se aplica às lembranças da infância ou às fantasias dos indivíduos.

Em "A Grade", ao referir-se às investigações arqueológicas no Cemitério Real de Ur, Bion diz:

Esta reconstituição é uma transformação do relatório arqueológico da expedição conjunta, reproduzindo verbalmente duas imagens visuais (separadas por 500 anos): enterro (A) e saque (B). Proponho usar as duas imagens A e B para representar a totalidade do campo em que habitualmente os psicanalistas operam (1973, p. 108).

O espaço entre os dois campos - o espaço em que o psicanalista, como um saqueador, alcança a verdade histórica - foi objeto das hipóteses de Freud, as quais, inicialmente, vistas sob a ótica do lamarckismo, recebem hoje apoio da hipótese indutiva científica da epigenética4.

A pré-história à qual a elaboração onírica nos faz retroceder é de duas espécies - de um lado, a pré-história do indivíduo, sua infância; e, de outro lado, até onde cada indivíduo de alguma maneira recapitula, em forma abreviada, todo o desenvolvimento da espécie humana, também à pré-história filogenética. Conseguiremos distinguir qual parte dos processos mentais latentes deriva do período pré-histórico do indivíduo, e qual a parte proveniente da pré-história filogenética? Penso não ser impossível consegui-lo. A mim, por exemplo, parece-me que as conexões simbólicas que o indivíduo jamais adquiriu por aprendizado podem, com razão, exigir serem consideradas como herança filogenética (Freud, 1915-1916/1987, p. 239).

 

"Clara dos Ovos"5

Os autores já empreenderam várias interpretações dos desenhos de Clara. Apesar de estudos anteriores6 - que buscavam ir além das leituras realizadas durante as sessões psicanalíticas há aproximadamente vinte e nove anos -, verificamos que novas leituras abriam a possibilidade de um olhar semiótico sobre a produção dos traços infantis. Em um primeiro nível, Clara, de forma desorganizada, expressava suas angústias mais primitivas, relacionadas a fantasias arcaicas, sobre sua concepção, nidação e gestação. O vínculo analítico possibilitou o rompimento da barreira que impedia seu desenvolvimento. Entretanto, os desenhos, como expressão inconsciente, revelaram outros níveis (palimpsesto), mostrando a capacidade de Clara de comunicar suas angústias primitivas. Sua habilidade expressiva encantou e encontrou um objeto continente que ofereceu suporte ao seu desenvolvimento emocional.

Utilizaremos, como complemento para a reflexão e discussão, trechos do material clínico de Clara, criança que se caracterizava por um comportamento agitado, instável e desorganizado - embora, como dito antes, privilegiemos, nesta investigação, os traços e desenhos como veículos de acesso à mente primitiva.

No primeiro ano de atendimento, Clara corria pela sala, abria a caixa de brinquedos e os atirava ao chão, sem organizar brincadeira alguma. Ela não desenhava nem pintava. Antes, gritava palavras e frases "desconexas", o que tornava o clima emocional da sessão rápido e oscilante - clima que, não raro, se traduzia em momentos de grande angústia vividos pela dupla, em oposição a momentos em que Clara e a terapeuta olhavam-se e pareciam gostar daquele encontro. Na época, contratransferencialmente, a terapeuta sentia que não a estava ajudando; achava que tinha que interpretá-la de alguma forma. Hoje pensa que sempre houve uma comunicação entre a dupla.

Foi apenas ao final desse primeiro ano, quando se sentiu mais confiante no vínculo transferencial, que Clara começou a desenhar. Os desenhos, por sua vez, conduziram a um caminho que se mostrou terapêutico à medida que surgiam as angústias primitivas que povoavam a mente da criança.

A terapeuta, Ester Woiler, privilegiava então as comunicações de Clara da realidade presente, pois ainda não valorizava as questões pré e perinatais do desenvolvimento mental. Neste sentido, sua escuta analítica não estava preparada para captar e interpretar este material da forma como pensa compreendê-lo atualmente. Porém, tamanho foi o impacto desse tipo de comunicação primitiva na mente sensível da analista que ela registrou e guardou todo o material de Clara desde 1983. Mais: sempre "soube" que um dia estudaria e investigaria esse tipo de comunicação que "Clara dos Ovos" lhe oferecia. Ela acredita que algum tipo de acolhimento, elaboração e transformação também possa ter ocorrido no processo terapêutico. Há pouco tempo, Clara a procurou para se despedir, porque iria para o exterior especializar-se, segundo ela, em "alunos especiais".

 

Primeira leitura

No final do primeiro ano de atendimento, Clara passa a desenhar e propor, por meio de "um quebra-cabeça de imagens e palavras", seu mundo interno cindido e primitivo, permeado de teorias sobre sua origem, sendo uma delas a de que algo teria acontecido já no momento de sua fecundação, visto que o ovo resultante (gerado) não era um "ovo normal". Clara, frequentemente, considera que um "ovo normal" gerou sua única irmã, três anos mais nova que ela, "inteligente", "sabida" e valorizada pela família, enquanto ela teria sido gerada por um "ovo não normal".

O primeiro desenho de Clara em uma sessão dessa época começa com ela pedindo uma folha, desenhando e pintando com guache dois ovos. Diz que são "dois ovos estalados", ao que a terapeuta questiona, sem muito pensar: "estalados ou estatelados?" Ela responde escrevendo seu nome, com um S invertido, parecendo um número 2 (Figura 1)7.

Observando atentamente o desenho, veremos dois ovos e, em volta deles, pintada com guache branco, uma linha sinuosa, semelhante a um S, que impossibilita a união desses ovos, separando-os espacialmente. Clara parece representar pictograficamente a tentativa de integração de duas unidades potencialmente vivas que não podem se juntar para formar um terceiro na tridimensionalidade. Conjecturamos se não haveria aqui uma fantasia de ter a missão impossível de vir ao mundo para "colar", "juntar" os pais separados - por serem ovos estatelados e em estado bidimensional, condição que aponta para um ataque "às matrizes de preconcepções relativas: [1] ao existir fora do útero um seio acolhedor e nutritivo e [2] um casal parental fértil em prevalente harmonia" (Sapienza, 2009).

Cada ovo em si parece estar estatelado, assim como a relação entre ambos. A resposta à pergunta da terapeuta sobre os dois ovos serem estalados ou estatelados - a escrita do nome com um S invertido, que se assemelha ao número 2 - nos faz pensar que, nesta criança, as sensações, fantasias e protoemoções se expressam na figurabilidade do desenho dentro do campo transferencial. A triangulação é negada (Verneinung), ou seja, "Isso é algo que eu preferiria reprimir" (Freud, 1925/1987, p. 297). É possível que o desenho represente a busca da relação materna, impedida de conter a função paterna no mundo psíquico, modelo de relação e de ligação que Bion (1962/1988) chamou de ataques destrutivos à preconcepção.

Vale mencionar que a gravidez de Clara acontece como uma tentativa de reconciliação dos pais, que se separam dois anos após o nascimento de sua irmã. Clara, na sua sensibilidade, intui a terrível "missão impossível" de unir um casal separado, estalado, estatelado. Entendemos que a união do casal é a primeira experiência de ligação afetiva que dá sentido ao terceiro. Se o S invertido parece um 2, mas o 2 de um par que não se junta, a garota nasce aprisionada na patologia dos pais, impossibilitados de exercer as funções materna e paterna. Clara é um ser povoado por objetos bizarros, produto da fragmentação, sem integração do self próprio, sem nome próprio. Se Clara não pode ser a terceira na triangulação edípica, ela não pode ter espaço mental para pensar, representar, simbolizar, aprender.

Bion afirma: "mal-estares primordiais são inacessíveis, jamais foram conscientes, pois livrou-se deles na fonte. Em uma idade muito posterior, estas coisas, antes inacessíveis, que jamais foram inconscientes, que jamais foram conscientes, agora tornaram-se ambos" (1992, p. 219, itálico do autor). Clara mostra o seu mundo interno mediante imagens especulares do mundo externo, em uma configuração bidimensional. Observe-se o tamanho de cada ovo estalado: o menor é a metade do outro. Sabemos que o espaço mental relaciona-se à tridimensionalidade conquistada a partir da experiência bem-sucedida da relação fusional, simbiótica, especular, bidimensional mãe-bebê, com a presença do pai como terceiro (pre-concepção edípica). Por outro lado, na transferência, Clara parece querer construir, a partir do vínculo com a terapeuta, a esperança de vir a ter uma identidade singular.

Na sessão seguinte, dois dias depois, Clara entra e escreve no ar:

C.: Olha o que eu aprendí: o ai, ai, ai, ai, ai!

T.: Clara, então agora você já tem como expressar, escrever, quando alguma coisa dói.

C.: Quero pintar!

Clara mexe nos pincéis, pega uma folha grande e o lápis. Usa o apontador, espalhando sujeira no chão. Ela e a terapeuta conversam sobre limites. Vai desenhando e falando:

C.: Pintei um arco-íris, casa, outro arco-íris e vampiro (Figura 2). Pesadelo (pausa). Pesadelo, ligo para o meu pai pra falar de pesadelo. Sonhei que caí de um avião e morri.

A terapeuta tenta falar sobre coisas muito assustadoras, como o pesadelo e o vampiro, e Clara responde:

C.: Quero outra folha!

Começa a desenhar com caneta rosa uma menina e vai falando:

C.: Viver é triste! (começa a cantar). Vi... vi... vi... viver é triste! (repete, cantando, ao mesmo tempo em que desenha).

C.: Estou desenhando o osso, a cabeça da menina quebrada!8

Recorta o desenho da menina, cola-o em um pedaço de papel e volta a cortá-lo na altura da barriga, chamando-o de "menina quebrada" (Figura 3). Poderíamos chamá-lo de "menina cortada" - um corte que se assemelha ao cordão que separa os ovos estalados da Figura 1. É o grafo do não. Trata-se do corte que revela separação - corte que separa pelo recalque e que, pelo reverso (espelho), permite ser visto. Os traços de Clara, esboçando figuras humanas primitivas, pertencem, como os sonhos, ao insconsciente e podem ser conceituados como Grafos Existenciais9. Estes se revelam sobre a folha branca ou sobre as paredes de pedra, como nas figuras rupestres, e portanto, são asserções, sejam elas afirmativas ou negativas; denotam o princípio do pensamento. Segundo Peirce, os grafos são a arqueologia dos pensamentos10, possuem o poder do ícone11 e podem ser vistos como retratos da mente em suas diferentes camadas, ou - utilizando o modelo do microcosmo - como os rastros das partículas subatômicas, que revelam sua existência. São signos que contêm a potencialidade afirmativa por se constituírem no inconsciente; fornecem a forma e não há restrição à sua expressão. Isto se infere de um texto de Peirce sobre os signos em geral e, explicitamente, sobre os Grafos Existenciais, no qual sugerimos ao leitor que substitua "Objeto" por "mente" e "interpretante" por "mente interpretante":

 

 

Para o propósito desta investigação, um Signo pode ser definido como um meio para a comunicação de uma Forma ... Como um meio, o Signo está essencialmente numa relação triádica com o Objeto, que o determina, e com seu interpretante, que ele determina. Em sua relação com o Objeto, o Signo é passivo; isto é, sua correspondência com o Objeto é pensada como um efeito sobre o Signo, o Objeto permanecendo não afetado. Por outro lado, em sua relação com o interpretante, o Signo é ativo, determinando o interpretante sem ser ele mesmo afetado por isto ... Aquilo que é comunicado desde o Objeto, através do Signo, ao Interpretante é uma Forma; isto é, em nada se assemelha a um existente, mas é uma Forma, sendo o fato de que alguma coisa aconteceria sob certas condições. Esta Forma está realmente incorporada ao Objeto, significando que as relações condicionais que a constituem são verdadeiras quanto à Forma tal como esta se encontra no Objeto, mas somente num sentido representativo, significando que seja em virtude de alguma modificação do Signo, ou por alguma outra razão, que o Signo torna-se dotado do poder de transmiti-la a um interpretante . Nos Grafos Existenciais o interpretante é afetado pelo Objeto, representativamente (Peirce, 1976, parágrafos 533-538).

Clara se mostra envolvida e, de forma ativa, procura comunicar com firmeza suas emoções através dos traços e desenhos, produto de seu mundo interno. A relação está prenhe de vivências transferenciais.

C.: Não, não é nada disso! (grita). São ovos! (pega o desenho grande e desenha um ovo no verso da folha e outro acima do vampiro).

C.: É, o vampiro que veio de noite e quebrou a cabeça, a tua cabeça (fixa seus olhos nos da terapeuta). O vampiro quebrou a cabeça dela e te trouxe até aí!

Clara introduz um pictograma - o vampiro, figura viva-morta - em busca de fusões, como sugere o fato de desenhar no verso da folha e fundir a menina da cabeça quebrada e a terapeuta. É preciso ver que, na figura do vampiro, existe uma linha espiralada, que nos lembra tanto uma dupla hélice como um cordão umbilical (Figura 2, lado esquerdo)12.

Sabemos que as crianças se sentem atraídas por vampiros, homem-morcego (Batman), dinossauros, e outras figuras semelhantes, pois, pelo lúdico, podem reviver e atualizar momentos primitivos de seu desenvolvimento. Pensamos que, dentro do desenvolvimento intrauterino, os estágios iniciais se relacionam com a figura do vampiro - como apresentada na lenda que cria um personagem que suga de maneira parasitária, superando o tempo e o espaço - e/ou com a figura do dinossauro, que, por analogia com a vivência do crescimento intrauterino do feto nos primeiros meses de gestação, pela multiplicação exponencial, produz uma angústia catastrófica13.

Clara inicia trazendo o "ai-ai" que a terapeuta escuta e interpreta como um apelo significativo e não apenas como uma evacuação de elementos beta. Faz sujeira como um ataque, mas o limite colocado significa dizer-lhe que seu narcisismo destrutivo não é tão poderoso. A terapeuta não será destruída pelos ataques de Clara. Esta continência, a nosso ver, permite a Clara expressar, através do desenho, os estados primitivos de sua mente. Ela prossegue com o desenho de uma casa bastante primitiva e dois arco-íris em seu interior, podendo ser entendido como o registro que ela tem de sua própria potencialidade (Figura 2, lado direito). Embora no momento os arco-íris sejam completamente desorganizados, monocromáticos, num futuro talvez possam vir a ser plenos de cores e esperança. Clara, por meio de seus traços toscos, desafia constantemente o intérprete a produzir o interpretante de seu mundo interno.

Clara está lidando com fases extremamente primitivas do seu desenvolvimento quando recorre à figura mítica do vampiro. Poderia ser esta uma vivência fetal, que se configura como o pesadelo mortífero de um indivíduo (mente) que sobrevive às fantasias abortivas, terrores sem nome, da parte psicótica da personalidade. O desenho é muito primitivo: todo disforme, assimétrico, com dois olhos diferentes um do outro, uma estrutura de orelha esquisita, tocos (pedaços) de perna, sem braços, como se fosse uma figura bizarra ainda em formação. Podemos também notar um duplo contorno do lado direito, como se formasse uma segunda pele defensiva - "a segunda pele de estupidez" (Monmayrant & Lacroix, 1997).

Chama-nos especialmente a atenção a brutal diferença entre a primeira figura, a do "vampiro", e a segunda, a da "menina quebrada", que apresenta formas muito mais evoluídas e diferenciadas de cabeça, tronco, braços, pernas e pés - ainda que, se cortarmos esta figura ao meio com um eixo vertical, possamos verificar que o lado direito é mais desenvolvido que o esquerdo. Clara corta a menina na altura da barriga, para surpresa da terapeuta, que esperava que fosse cortá-la na cabeça - embora, no nível de equação simbólica, a cabeça e o ventre possam ambos representar a sede de tesouros e criatividade no corpo.

Na sequência, Clara desenha ovos estranhos, disformes, arco-íris e nomes. Durante os cinco anos de terapia, a terapeuta constata que não há ovo algum desenhado por Clara que não seja "estalado", "estatelado". Apesar disso, percebemos a tentativa da criança de desenhar uma figura estruturada, com letras do nome da terapeuta e de seu próprio nome. O S parece ser o elo do "Sim", a sua vida ressignificada no processo transferencial (Figura 4).

 

 

Segunda leitura

Os autores entendem que um dos vértices da psicanálise é o estético, o qual permite acessar áreas desconhecidas da mente. A partir desse olhar, trabalharam os desenhos de Clara de distintas maneiras, abrindo caminho por meio da arte, atingindo uma comunicação mais próxima do mundo interno. Por esse motivo, as falas ficaram ocupando um lugar ao fundo. É de conhecimento que Freud, Bion e Meltzer valorizaram a arte e a estética como veículos de aproximação ao conhecimento da mente. Com base nessa perspectiva, os desenhos foram objeto de vários olhares em um ateliê: o de um grupo de analistas e o de um artista plástico. A presença da filosofia nesse processo - principalmente da teoria do Como se, de Vaihinger, e da ideia fundamental de ilusão - permitiu criar novas imagens. Em consequência, várias propostas se apresentaram, e uma delas foi sobrepor os desenhos digitalizados. Outras ideias ampliaram a visão dos desenhos, como o reforço dos traços (respeitando sua originalidade), o que criou novas configurações e novas leituras.

Detenhamo-nos agora na Figura 4a, resultante da impressão do desenho da Figura 4 em folha de celulose transparente. Superpondo a figura ao seu verso, observamos um novo desenho, no qual se destacam uma cloaca e um canal vaginal obstruído pelos arco-íris, que impedem o nascimento/desenvolvimento. Ao utilizarmos a figura em seu verso, superpondo-a à original, criamos um duplo corte, uma dupla negação, a imagem do avesso, que vai formar o sim, que expressa o escondido, o recalque (Verdrängung); criamos uma nova figura na qual se visualiza uma imagem total, pela soma das imagens parciais; criamos um fotograma que impressiona pelo inesperado.

 

 

Nossa investigação considerou o inconsciente sempre afirmativo, pois nele não há restrições nem negação. O negativo, expressão do recalque, ocupa o consciente. O desenho, como expressão do recalque e superposto ao seu verso (negativo), permite transformá-lo em positivo - o negativo do negativo expressa o positivo, ou seja, o inconsciente. Em Freud, encontramos o seguinte: "A negativa constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido; com efeito, já é uma suspensão da repressão, embora não, naturalmente, uma aceitação do que está reprimido" (1925/1987, p. 296).

 

Terceira leitura

A técnica de fazer transparências e digitalizar os desenhos permitiu que eles fossem estudados sob diversos ângulos. Outra forma livre, criativa, de manipular o material foi o reforço das linhas principais, técnica desenvolvida pelos autores com a participação do artista plástico Sérgio Doreto.

A reconstrução feita com a Figura 1 mostrou que a linha sinuosa que envolve os dois ovos encontra-se solta na parte superior do ovo maior. A ideia inicial dos autores era de que as duas extremidades estariam fundidas, formando um nó impeditivo da dissolução, mas, na terceira leitura, pudemos observar que elas estavam soltas, o que comunicava a existência de uma possibilidade de abertura. A princípio, parecia que Clara queria representar pictograficamente a tentativa de integração de duas unidades potencialmente vivas que, na aparência, não podiam se juntar para formar um terceiro; porém, com a nova leitura, apareceu que a relação triangular não estava totalmente negada (Figura 1a).

A seguir, como dito antes, Clara pediu uma única folha grande e a dividiu em duas metades. Por entre os fragmentos de sua história, Clara parece estar em busca de ser, em busca de existir, como se pode ver com nitidez nas linhas da segunda pele, que dá continência ao seu self, e no cordão espiralado, que funciona como uma dupla hélice que organiza sua identidade (Figura 2a).

 

 

Do lado direito, Clara desenhou uma casa e um arco-íris, nomeando-os - desenho que, quando fizemos o sublinhado, interpretamos como "A Arca de Noé", pela semelhança com o masculino e o feminino, como nos sugerem os desenhos dos dois seios e o espermatozoide. Entendemos o arco-íris como o seu desejo de "nascer", em oposição ao bloqueio, revelado no impedimento do traçado das linhas para o seu "nascimento". No lado esquerdo da página, está o vampiro com a segunda pele, uma dupla hélice que nasce de sua face e, ainda, na parte inferior, uma pequena casa que mais se assemelha a um túmulo. Clara parece estar representando, assim, graficamente, o contraste entre vida e morte, por meio do que denominamos de "A Arca de Noé", o arco-íris de um lado (Figura 2b), em oposição ao vampiro, do outro. Para efeito de melhor visualização, separamos o desenho do vampiro com seus membros toscos e o da Arca com os dois arco-íris.

 

 

A proposta desta investigação, bem como a ideia da Arca de Noé, se apoiam nos objetivos da arqueologia: a partir de pequenos restos, ir reconstruindo o cenário original, valendo-se de hipóteses, do Como se (Vaihinger, 1911/1922, citado por Freud, 1927/1976, pp. 28-29; e por Bion, 1973, p. 123; na p. 125, Bion complementa: "Segundo Freud, embora a fé em Deus seja uma ilusão, não há dúvida sobre a realidade da ilusão. A ilusão deve ser levada a sério pelos psicanalistas").

Podemos dizer que o Como se é semelhante à ilusão. Desta forma, aproximamos os planos do real e do imaginário. A ilusão (ou o Como se) não é falsa(o); antes, como nos diz Bion, é uma necessidade. Peirce disse, em algum momento, que Deus é, mas não existe. Entendemos o binômio proposto por Winnicott (1994) de ilusão-desilusão como sendo, na ilusão, o encontro do ícono, expressão original do inconsciente, e na desilusão, a possibilidade do encontro de signos. No terreno do ícono, estamos também no terreno da arte e da poesia - os desenhos e os traços de Clara estão no domínio mitopoético e, portanto, na condição de alcançar o indizível.

Ao desenhar e colar a menina quebrada, na terceira leitura, realçou-se um ponto de ligação entre as partes, como vemos na Figura 3a.

 

 

Observa-se, pelo realce dos traços, que o corte da figura da menina quebrada não atravessa a menina: permanece um pedaço não cortado que mantém a figura ligada, ao mesmo tempo que ela é colocada sobre outro papel para preservá-la.

A Figura 4, da primeira leitura, com os traços realçados, foi nomeada de Figura 4b. Esta, por sua vez, pela superposição de seu verso sobre ela mesma, originou a Figura 4c.

 

 

 

De tal forma, pensamos que a análise realizada dos desenhos poderia apontar na direção da capacidade de expressão e comunicação da sexualidade inconsciente de Clara através da sua impossibilidade de "nascer". Quando os desenhos foram digitalizados, superpostos e sublinhados apareceram uma figura humana primitiva, a presença de dois ovos e o bloqueio do canal do "nascimento". Nesta nova apresentação, o desenho pôde ser observado e estudado publicamente, o que abriu espaço para outras ideias.

Estes desenhos permitem aventar a hipótese que, na história de Clara, o par que a gerou não se constituiu como um casal. Propomos que a preconcepção do complexo de Édipo ganhou possibilidade de se exprimir por meio da representação gráfica do desenho. Os traços primitivos, representados pelo círculo e pela linha reta, são variações da preconcepção do masculino e feminino que expressam a boca, a vagina e o pênis. A preconcepção edípica, impedida de realização, mas não destruída, busca continência na relação analítica para a sua realização.

Sugere-se, a partir desta pesquisa, que os desenhos, de forma expressiva, poderiam revelar fantasias primitivas que quase sempre se reportam às origens das fantasias universais (mitologia), presentes no inconsciente. Pensamos que, com criatividade, os desenhos infantis adquirem leitura mais consistente, e usá-los na transferência e no working-through da sessão clínica pode se transformar em uma valiosa proposta para a psicanálise - especialmente, quando se pretende alcançar a comunicação dos estágios mais primitivos da criança. Caso essas comunicações sejam elaboradas, elas podem promover o desenvolvimento da mente na análise e transformar-se em fonte de criatividade para o indivíduo.

Finalmente, podemos dizer que, longe de fecharmos a discussão sobre um tema tão polêmico e complexo, deixamos o trabalho em aberto para futuras contribuições. Enfatizamos que a coragem dos nossos pacientes em se aventurar conosco no trabalho analítico estimula e serve como fonte de inspiração e comprometimento com a clínica e a pesquisa psicanalítica.

 

Referências

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Correspondência:
Alfredo Menotti Colucci
R. Caiçara, 49, Senador Salgado Filho
17502-274 Marília, SP
Tel.: (14) 3413-9343
acolucci@terra.com.br

Ester Woiler
R. Padre João Manoel, 1212/102, Jd. América
01411-020 São Paulo, SP
Tel.: (11) 3088-1477
esterwoiler@uol.com.br

Recebido em 15.2.2013
Aceito em 1.11.2013

 

 

1 Tradução dos autores. Todas as citações das obras de Freud consultadas em espanhol foram traduzidas pelos autores.
2 IPA 47th Congress (2011) e 29º Congresso Fepal (2012).
3 {± Y φ (ξ)(
), onde Y = crescimento; φ = constante, e representa uma preconcepção inata; ξ = elemento não saturado; = caráter inato da personalidade (Bion, 1980, p. 101).
4 O termo "epigenética" refere-se a todas as mudanças reversíveis e herdáveis no genoma funcional que não alteram a sequência de nucleotídeos do dna. Inclui o estudo de como os padrões de expressão são passados para os descendentes, como ocorre a mudança de expressão espaçotemporal de genes durante a diferenciação de um tipo de célula e como fatores ambientais podem mudar a maneira como os genes são expressos (Salvato, 2007).
5 Material clínico de Ester Woiler - psicóloga e terapeuta, hoje psicanalista. O sigilo do nome no desenho foi preservado encobrindo-se letras.
6 Os autores deste artigo fizeram um recorte e ampliaram, pelo vértice semiótico, o caso clínico Clara do trabalho Reflexões sobre os estados primitivos da mente, apresentado por Alfredo Menotti Colucci, Alicia Beatriz Dorado de Lisondo, Chaim José Hanner, Ester Woiler, Maria Cecília Andreucci Pereira Gomes e Therezinha Gomes de Souza Dias no XVIII Congresso Brasileiro de Psicanálise (setembro de 2001).
7 Os desenhos de Clara foram reproduzidos pelo artista plástico Sérgio Doreto, Marília-sp, com o objetivo de permitir a digitalização.
8 "Pois metade de mim é a lembrança do que fui,/ a outra metade não sei" (Montenegro, 1977).
9 Os Grafos Existenciais constituem uma lógica proposta e amplamente elaborada por Peirce, em que predominam formas icônicas das relações entre os elementos componentes das proposições e das proposições entre si (Peirce, 1976, parágrafos 533-538).
10 Este caráter arqueológico da mente, presente nos Grafos Existenciais, parece-nos poder ser deduzido de considerações feitas por seu autor, em textos como o seguinte: "a folha onde os grafos são inscritos coletivamente em todos os seus estados, conjuntamente com as leis de suas transformações, corresponde à Mente e a ela representa em sua relação com seus pensamentos, considerados como signos ... Os grafos inscritos são determinações da folha, do mesmo modo que os pensamentos são determinações da Mente; e a própria Mente é um pensamento compreensivo, do mesmo modo que a folha, considerados todos os seus estados atuais de transformação e suas transformações, de maneira coletiva, é uma instância gráfica, e, consideradas todas as transformações que lhe são permitidas, é um grafo. Deste modo, o sistema dos Grafos Existenciais é um diagrama tosco e generalizado da Mente, e fornece uma melhor ideia do que é a Mente, desde um ponto de vista lógico do que poderia ser fornecido por qualquer tratamento abstrato" (Peirce, 1976, parágrafo 532; todas as citações de Pierce foram traduzidas pelo professor Lauro Frederico Barbosa da Silveira).
11 Quanto ao caráter eminentemente icônico dos Grafos Existenciais, cf. Roberts (1973, p. 123ss) e Shin (2002).
12 André Green, em "Mente primordial e o trabalho do negativo" (2000), refere que Bion percebe a mente primordial como a presença dos ancestrais no ser humano, da mesma forma que a fissura branquial é sinal de algo da anatomia do peixe. Bion relaciona a mente primordial a uma espécie de embriologia imaginária da mente, e afirma que os traços deixados pela filogênese e pela ontogênese na estrutura da mente podem desempenhar um papel significativo nos estágios posteriores de desenvolvimento: "O homem conhece o universo no útero da mãe, e o esquece ao nascer" (Bion, 1977, citado por Green, 2000, p. 134).
13 Freud (1915-1916/1987) diz: "Conseguiremos distinguir qual parte dos processos mentais latentes deriva do período pré-histórico do indivíduo, e qual a parte proveniente da pré-história filogenética? Penso não ser impossível" (p. 239).

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