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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.2 São Paulo abr./jun. 2014

 

CARTA-CONVITE

 

Carta-convite

 

 

Toda relação humana, quer se trate do conhecer ou do agir, do acesso à arte ou às pessoas, do saber histórico e da meditação filosófica, tem sempre um caráter interpretativo.
Luigi Pareyson1

Os modos de interpretar são historicamente determinados e, portanto, variados, obedecendo a uma complexidade de pressupostos intrínsecos ao processo de significação.

A Deutung freudiana e suas transformações são a resultante da operação do método analítico e referem a uma singular emergência da função interpretativa inerente à condição pulsional e simbólica do humano.

Os psicanalistas e os pensadores têm reconhecido que a função interpretativa e suas variáveis permitem a elucidação de complexas tramas de sentido na cultura, nas redes institucionais, nos vínculos familiares e profissionais - campos que comportam intervenções do analista.

São várias as situações clínicas nas quais uma interpretação não seria eficaz. Muitas vezes é preciso que o analista faça intervenções que permitam a aquisição de representações, para então criar condições para diferentes níveis de interpretação. Na clínica com crianças, no trabalho com pacientes psicóticos ou em situações de crise variadas, isto se apresenta com frequência.

Na clínica extensa, certas ações culturais funcionam como intervenções que têm efeitos promotores de saúde psíquica, em função psicoprofilática, pois permitem a criação de campos em que os indivíduos encontram ferramentas que os auxiliam a expressar, nomear, narrar, organizar seus pensamentos, assim como melhor se comunicar e lidar com aspectos da vida interna e externa.

São situações que se localizam fora do setting clássico. Estas práticas mostram-nos que a intervenção do analista pode ocorrer em diferentes contextos e variações do enquadre, sem que se perca aquilo que é próprio do método.

O mundo contemporâneo vive novas configurações, que são engendradas e engendram novas maneiras de ser. Isso leva a rever a nossa prática clínica e exige de nós que pensemos sobre as possibilidades da psicanálise na compreensão dos fenômenos contemporâneos.

Assim, em tempos de vertiginosas mutações, convidamos à reflexão, a partir da experiência de cada um, sobre a diversidade de contextos em que o analista atua e sobre as suas variadas formas de intervenção. Convidamos ainda a uma indagação sobre a especificidade do aspecto interpretativo da nossa prática, assim como do potencial transformador dessas intervenções, que podem ser utilizadas como ferramenta psicanalítica para tais desafios -afinal, uma mesma ferramenta pode ter diferentes funções, de acordo com aquilo que a situação solicita.

Tendo em vista essas questões, o tema do próximo número da Revista será "Intervenções em psicanálise". A abrangência desse assunto pareceu-nos de suma importância para pensarmos o lugar da psicanálise no momento atual, em que o mundo exige de nós, psicanalistas, novos posicionamentos.

Atenciosamente,

Equipe Editorial
fevereiro de 2014

 

 

1 Pareyson, L. (2005). Verdade e interpretação (M. H. N. Garcez & S. N. Abdo, trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1972). p. 51.

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