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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.2 São Paulo abr./jun. 2014

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: INTERVENÇÕES EM PSICANÁLISE

 

Em defesa de uma certa heterodoxia: sobre a frequência de sessões em psicanálise

 

In defence of a measure of heterodoxy: on the frequency of sessions in psychoanalysis

 

En defensa de una cierta heterodoxia: sobre la frecuencia de sesiones en psicoanálisis

 

 

Bernard Miodownik

Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ)

Correspondência

 

 


RESUMO

Tratamentos com menor número de sessões, de duas até uma sessão semanal, considerados de baixa frequência, não são incomuns na clínica atual dos psicanalistas. Questões socioculturais da contemporaneidade e aspectos da clínica psicanalítica que remontam às origens do debate sobre psicanálise e psicoterapia analítica, e que vieram desembocar no período denominado de "crise da psicanálise", são desenvolvidos para contextualizar o fenômeno da diminuição da frequência. A partir dessas referências, são apresentados argumentos que procuram demonstrar como, em certos casos e sob certas condições, um trabalho psicanalítico, não uma psicoterapia, pode se estruturar na baixa frequência. Ilustrações clínicas são apresentadas. Enfatizam-se as características que instrumentam o psicanalista para a prática do tratamento psicanalítico em baixa frequência. Possíveis conflitos em relação à formação de psicanalistas são discutidos.

Palavras-chave: frequência de sessões; psicanálise e psicoterapia analítica; clínica contemporânea; enquadre; escuta analítica.


ABSTRACT

Treatments with fewer sessions than twice a week to a weekly session, considered to be of low frequency, are not uncommon in the current psychoanalytic clinic. In order to contextualize the phenomenon of decreased frequency, sociocultural issues of contemporaneity and aspects of the psychoanalytic clinic dating back to the origins of the debate about psychoanalysis and analytic psychotherapy, and which came into the period known as "crisis in psychoanalysis", are developed. From these references, arguments are presented to demonstrate how, in certain cases and under certain conditions, a psychoanalytic work, not a psychotherapy, can structure itself in low frequency. Clinical illustrations are presented. The features that instrument the psychoanalyst for the practice of psychoanalytic treatment in low frequency are emphasized. Possible conflicts regarding the training of psychoanalysts are discussed.

Keywords: frequency of sessions; psychoanalysis and analytic psychotherapy; contemporary clinic; frame; analytical listening.


RESUMEN

Tratamientos con menor número de sesiones, de una o dos sesiones semanales, considerados de baja frecuencia, no son poco comunes en la clínica actual de los psicoanalistas. A fin de contextualizar el fenómeno de la disminución de la frecuencia, se analizan en este trabajo cuestiones socioculturales de la contemporaneidad y aspectos de la clínica psicoanalítica que remontan a los orígenes del debate sobre psicoanálisis y psicoterapia analítica, y que han desembocado en el período denominado "crisis del psicoanálisis". A partir de dichas referencias se presentan argumentos que pretenden demonstrar cómo, en ciertos casos y bajo ciertas condiciones, un trabajo psicoanalítico, no una psicoterapia, se puede estructurar en la baja frecuencia. Ilustraciones clínicas son presentadas. Se ponen de relieve las características que instrumentan al psicoanalista para la práctica del tratamiento psicoanalítico en baja frecuencia. Igualmente, se discuten posibles conflictos en relación con la formación de psicoanalistas.

Palabras clave: frecuencia de sesiones; psicoanálisis y psicoterapia analítica; clínica contemporánea; encuadre; escucha analítica.


 

 

A diminuição na frequência de sessões semanais há muito ronda a psicanálise. Na esfera oficial das instituições vinculadas à Associação Psicanalítica Internacional (IPA), a definição de um modelo clássico de psicanálise varia do formato anglo-saxão de cinco sessões, com tolerância de quatro, ao formato francês, de três sessões semanais, ambas consideradas de alta frequência. Já na prática cotidiana do psicanalista, atender na baixa frequência de duas até uma sessão semanal não é mais incomum. Essa mudança costuma ter suas causas atribuídas a vários fatores: sociais (finanças, caos urbano, compressão do tempo cronológico), culturais (imediatismo da subjetividade contemporânea), clínicos (psiquismos não acessíveis pelo enquadre clássico) e até dificuldades internas dos próprios psicanalistas com o método.

A frequência de sessões se tornou uma questão em meados do século passado, a partir do debate sobre psicanálise e psicoterapia analítica iniciado à época. A psicanálise passou a abarcar um número maior de pacientes, um espectro mais abrangente de quadros clínicos e diversificou as teorias e práticas clínicas. Discussões importantes se seguiram sobre o que seria psicanálise, para quem e como (Wallerstein, 1989). Os atendimentos de baixa frequência foram agrupados como psicoterapias analíticas, já que pelos critérios clássicos o menor número de sessões não possibilitaria a constituição de um processo analítico. Mais recentemente, diversos autores ampliaram o debate para além da divisão entre o modelo clássico de psicanálise em alta frequência e a psicoterapia analítica de baixa frequência, com aportes contemporâneos tais como: relação psicanalítica com enquadre reformulado (Green, 2008); psicanálise com complicadores (Aisenstein, 2001); variáveis demarcatórias das formas de expressão do inconsciente (Marucco, 2006); setting flutuante (Giovanetti, 2012).

Enquetes e a troca de experiências entre psicanalistas confirmam a expressiva parcela de casos de baixa frequência na clínica atual. Essa constatação motivou a publicação de dois importantes debates (Aron, 2009; Goldberg, 2009; Stern, 2009; Wallerstein, 2009; Conrotto, 2011; Ferraro, 2011; Monari & Resele, 2011). Entre nós, nas páginas da Revista Brasileira de Psicanálise, uma voz solitária (Kehdy, 1995) discutiu a baixa frequência como um possível desenvolvimento da técnica psicanalítica, sem deixar de apontar as dificuldades. A ausência de uma ressonância posterior ao trabalho de Kehdy talvez mostre, mais que um consenso contrário, o fato de ainda ser tabu uma discussão franca e embasada sobre essa prática, geralmente limitada ao contexto das normas institucionais e aos preceitos consagrados. Normas são necessárias e preceitos estruturam uma identidade, porém são passíveis de reavaliações e mudanças. Ao se reproduzirem sem reflexão, podem se tornar práticas rígidas e automáticas sem consideração às subjetividades individuais, das duplas analíticas e dos momentos históricos. Daí, a defesa de uma certa heterodoxia que, é bom esclarecer, passa ao largo do tema, da importância e da qualidade do trabalho cujo título original quase copia (McDougall, 1983), e também não pretende servir de elogio a um experimentalismo transgressor ou exibir um vanguardismo libertário.

Nas conversas de corredor (na verdade, agora, no salão principal) não são poucos os colegas que veem determinados trabalhos que fazem em baixa frequência como processos psicanalíticos. Neste artigo abordarei aspectos da cultura e da clínica que possibilitam, em certos casos e sob certas condições, o desenvolvimento de uma psicanálise em baixa frequência. Os problemas concernentes também serão examinados. Exemplos clínicos ilustram a proposta de um trabalho aberto, que proporcione reflexão e debate.

 

Baixa frequência de sessões: desafios socioculturais

As dificuldades oriundas do ambiente sociocultural contemporâneo para um processo analítico de alta frequência são inequívocas. Seriam entraves objetivos ou fazem parte do rol das tradicionais resistências que sempre acompanham a psicanálise? Alta ou baixa frequência de sessões é tão somente um problema de resistência à psicanálise?

Inicialmente, a questão do dinheiro. Psicanálise sempre foi um investimento financeiro considerável relativo à diversidade de capacidade econômica dos clientes. À medida que a psicanálise frustrava expectativas antes idealizadas, aumentaram os questionamentos à sua prática e efetividade, o que se refletiu na demanda de pacientes. Um número restrito de pacientes se mostrou disposto a aceitar uma frequência alta, o que implicava um investimento maior, e, a par e passo, mais profissionais foram se adequando às novas exigências do mercado. Não há dados de pesquisa sistemática para o universo de psicanalistas, mas é factível acreditar que o valor médio de uma sessão diminuiu ao longo do tempo, e a profissão, hoje, não tem mais o apelo de sucesso financeiro de outras épocas.

A chamada subjetividade contemporânea também teria caminhado no sentido contrário da psicanálise. Imediatismo, celeridade crescente em progressão geométrica, excitação contínua, ênfase no sensorial, dependência só de si mesmo, necessidade de perfeição e de completude física e mental são algumas das facetas desta subjetividade. Nada que uma psicanálise possa oferecer. Como tamanha exigência é impossível de ser satisfeita, a modernidade coloca à disposição formas de alívio às frustrações através de informações em pacotes, imagens pulsantes, terabytes, conexões rápidas e globais, remédios e procedimentos vários. Soluções que trouxeram benefícios para todos e têm utilidade prática no cotidiano, na economia de tempo e na ampliação de horizontes e de novas formas de interação social. A partir de um determinado ponto, porém, padecem dos mesmos males daquilo que procuram curar (ou, às vezes, tamponar), como a superficialidade, o excesso e a busca de resultados que diminuam as dores psíquicas de forma rápida e pouco reflexiva.

Há pelo menos três décadas, os psicanalistas se veem às voltas com um mundo em transformações rápidas e dramáticas, para o melhor e para o pior, afetando diretamente a sua clínica, inclusive no padrão da clientela que procura ajuda (Green, 2008, 2012; Kristeva, 2002; Marucco, 2006). São pacientes com representação psíquica precária ou ausente, em parte devido às mudanças culturais que, pelas características citadas, levariam a vivências de vazios interiores.1 As questões socioculturais e clínicas desembocaram no que se convencionou chamar a "crise da psicanálise". Como toda crise, desorganizou convenções estabelecidas, mas, por outro lado, obrigou-nos a uma grande reflexão sobre a psicanálise como teoria, como técnica e como prática institucional. Penso, talvez com algum exagero, que a psicanálise contemporânea é um grande debate sobre o que se seguiu ao período da "crise da psicanálise". Neste debate houve de tudo, de pretensas soluções iluminadas e messiânicas a angústias contratransferenciais travestidas em novos procedimentos técnicos, conforme descreveu e bem criticou Jay Greenberg (2001). Conclamações ao retorno da tradição caminharam lado a lado com a concepção de novas teorias que buscaram dar conta, por exemplo, da mudança do enfoque na repressão sexual, do período freudiano, para o enfoque na dificuldade com vínculos afetivos, mais presente na psicanálise de hoje. Uma perspectiva atual é a diferenciação na clínica entre pacientes acessíveis a um trabalho no enquadre clássico, calcado no modelo do sonho, de outros que se comunicam principalmente através da ação, que não teriam capacidades egoicas suficientes para suportar o caráter regressivo do enquadre tradicional. Para estes pacientes seria necessária alguma flexibilidade, inclusive na frequência de sessões semanais (Kernberg, Yeomans, Clarkin, & Levy, 2008; Marucco, 2006; Urribarri, 2012). A prática clínica, no entanto, mostra que até os pacientes acessíveis ao enquadre clássico procuram as terapias de baixa frequência.

A elaboração da "crise da psicanálise" implicou a integração de novas realidades clínicas (teorias e técnicas) e socioculturais (estilos de relacionamentos) no trabalho psicanalítico com o mundo interno e com a relação analítica. Uma postura que levou também a mudanças nas concepções de resistência e de atuação, vistas como expressão de aspectos mais regressivos da história individual que se manifestam nas quebras do enquadre e na transferência - ou seja, como algo até desejável e necessário ao processo analítico.

Na relação interno-externo, percebe-se que uma das dificuldades com a frequência alta tem relação com uma representação cultural internalizada da psicanálise bastante diversa da que foi outrora. A dedicação e o investimento do maior número de sessões eram "naturais" à época em que a psicanálise foi um dos motores a desencadear as grandes mudanças do Zeitgeist no século passado. Típico de uma ciência dos paradoxos, se por um lado a psicanálise gerou angústias provocadas pelo novo, por outro, acolheu estas mesmas angústias, entre outros pela alta frequência de sessões. As mudanças na subjetividade levaram a uma demanda diversa, mas não somente a procura por uma psicanálise superficial, intelectualizada e pouco intimista como pode, muitas vezes, parecer regra geral quando se fala da clínica contemporânea.

Da parte dos psicanalistas, atender em baixa frequência costuma ser visto como uma adaptação conformista à realidade. Considerar tratamentos em baixa frequência como psicanalíticos somente expressaria o desejo de manter a identidade de psicanalista, em vez de psicoterapeuta. Menor frequência, menor abstinência, menos transferência, a reação em cadeia que levaria a uma psicanálise light (Widlöcher, 2010). A clínica é que poderá mostrar como - em certos casos e sob certas condições, repito - na baixa frequência uma psicanálise se desenvolve com todos os elementos que a caracterizam.

 

Baixa frequência de sessões: desafios clínicos

Mas o cinema de que estamos falando aqui [...] já quase desapareceu de verdade. Ele foi dominado por um cinema de imagens que vêm na sua direção o tempo inteiro e absolutamente por toda a parte, ainda mais rápido do que as visões que vêm até o astronauta de Kubrick. E não temos escolha senão tratar todas essas imagens em movimento que vêm até nós como uma linguagem. Precisamos ser capazes de entender o que estamos vendo e encontrar as ferramentas para lidar com elas. (Scorcese, 2013/2014, p. 34)

Na discussão sobre frequência do número de sessões não há como fugir do debate psicanálise e psicoterapia analítica. Nas descrições clássicas, a frequência se inclui nos critérios extrínsecos junto com o uso do divã, horários, pagamentos e outros detalhes do contrato. Formam a estrutura geográfica do enquadre, constituindo a metáfora do espaço psíquico em que se processará a análise, a qual se desenvolverá através dos critérios intrínsecos: associação livre, atenção flutuante, transferência, contratransferência, interpretação, relação intersubjetiva. Sobre os métodos de psicanálise e de psicoterapia analítica há uma divisão entre duas correntes. Os que consideram haver um contínuo entre um método e outro, com diferenças que seriam quantitativas, tendem a colocar os fatores extrínsecos como secundários. Os que veem uma diferença qualitativa, ainda que possam reconhecer o contínuo entre ambos, avaliam o extrínseco como essencial para que o intrínseco se configure num processo analítico (Wallerstein, 1989).

Kernberg (1999) e Wallerstein (1989), entre outros, procuraram definir as especificidades de psicanálise, psicoterapia analítica e psicoterapia de apoio. Concordam quanto a não haver processos em estado puro, já que os instrumentos técnicos de cada formato estão presentes nos outros em algum grau. A predominância do tipo de instrumental técnico empregado é que faz a marca registrada de um método. Isto requer um exame cuidadoso, caso a caso, das técnicas com que se trabalha e seus efeitos.

Diante de um paciente, um psicanalista sempre pensará psicanaliticamente. Acredito ser experiência comum utilizar recursos da psicanálise em instituições psiquiátricas, em hospitais gerais, em instituições fora do sistema de saúde, em tratamentos breves, em consultas e entrevistas psicanalíticas, sempre com intervenções pontuais bem-sucedidas. A continuidade depende das condições e do objetivo do atendimento, da capacidade egoica do paciente e da percepção, através da transferência e da contratransferência, de como a relação estabelecida no encontro inicial poderá se desenvolver, o que, muitas vezes, somente ocorre após algum tempo de um processo psicanalítico ou psicoterápico. Portanto, a primeira condição para se constituir um processo analítico em baixa frequência é a presença de um contato contínuo e constante por um longo prazo.2,3

Dito assim pode dar a entender que, no longo prazo, tanto a alta quanto a baixa frequência se equivaleriam em termos de trabalho psicanalítico. Confesso que é um pensamento tentador, mas há que ser cuidadoso. Generalizações e simetrizações são lógicas de processos primários e não ajudam no debate. O que cria uma confusão conceitual é o fato de, no término de uma psicoterapia, áreas circunscritas mostrarem uma evolução psicanalítica. Como no caso de Jennifer com o Dr. X.

Acompanhei Jennifer como psiquiatra a pedido do seu psicanalista, o Dr. X., que por longos anos a tratou de um grave quadro psicótico em um enquadre psicoterápico complementado por técnicas de apoio. O Dr. X. faleceu subitamente e ela quis continuar somente o atendimento psiquiátrico. Nessa época, o seu quadro tivera importante melhora, utilizando medicação de manutenção em doses mínimas. Alguns meses após o falecimento do Dr. X., de quem sempre falava nas consultas mensais, conta que sonhara com ele: "Eu ia para a sessão, mas na portaria tinha um obstáculo que não deixava as pessoas subirem e eu não conseguia chegar no consultório". Então eu falo que era de se lamentar que o verdadeiro obstáculo não tenha sido na portaria, porque seria removido e ela subiria ao consultório para a sessão com o Dr. X. Jennifer se emociona e passa a relembrar dele, do quanto ele acompanhara a sua história, da preocupação constante com ela. Diz que também sonhou que plantava umas flores que depois murchavam: "Uma coisa que ele sempre me disse foi para eu nunca deixar de cuidar do meu pomar. Agora mesmo eu plantei uma amoreira. Vamos ver se vai em frente". Digo que se ela não podia mais ter sessão com o Dr. X., então esperava que ele continuasse com ela no seu pomar, uma forma de não ir embora para sempre.

Entendo que sonhar, fazer do sonho uma parte do processo de luto e conseguir um psicanalista (o que existia no psiquiatra dela) para contar o sonho representam áreas da mente que alcançaram capacidades psicanalíticas. É importante ressaltar que nos seus episódios psicóticos ela ficava insone, com interpretações delirantes sobre os ruídos, reais ou alucinados, que vinham da rua. Agora, podia sonhar. Em outras áreas, não apresentou evolução psicanalítica, como na sua necessidade de manter o Dr. X. idealizado, temendo que fosse destruído (as flores murchas) por decepção e raiva (e por isso ainda precisava do psicanalista para contar o sonho). Durante o tratamento conjunto, as brigas de Jennifer eram comigo, por conta de medicações ou do contato com familiares nos episódios agudos, mas desconheço se o Dr. X. tratou com ela a respeito dessa cisão. A minha intervenção a partir dos sonhos foi psicoterápica, talvez até de apoio, no sentido de reassegurar o vínculo de amor-eira com o Dr. X. Cabe perguntar se o trabalho com Jennifer seria diferente se ela fosse tratada em uma frequência mais alta. Dificilmente, em termos de técnica, a opção do Dr. X. seria outra por conta da gravidade da doença dela. Independentemente disso, o Dr. X. psicanalista também esteve presente e, no longo prazo da terapia, ajudou-a num crescimento psicanalítico, ainda que parcial.

Para Kernberg, é difícil diferenciar psicanálise de psicoterapia analítica pelo relato de uma sessão, já que na psicoterapia se utilizam intensamente técnicas psicanalíticas (Kernberg et al., 2008). O que conta é o processo como um todo e o seu resultado final, no sentido de transformação psíquica e qualidade psicanalítica da cura. Busch afirma que somente uma psicanálise de alta frequência atinge resistências arraigadas e desenvolve a capacidade de autoanálise. Cita poucas pesquisas realizadas para confirmar sua posição (Busch, 2010). Widlöcher destaca o tipo de escuta como marca registrada da psicanálise e o caminho real para entrar em contato com os processos inconscientes, sugerindo, não com a mesma ênfase de Busch, a necessidade de alta frequência para este fim. A psicoterapia teria um objetivo mais terapêutico. Reconhece que as propostas de investigação do inconsciente e de terapia se confundem nos métodos. No entanto, a resolução da psicanálise levaria à capacidade psicanalítica de pensar através da introjeção da forma de escuta do psicanalista, enquanto que na psicoterapia o paciente adquire os benefícios da atenção do psicanalista dirigida à cura do seu sofrimento mental (Widlöcher, 2010).4

No caso de Jennifer, as interpenetrações dos métodos e as respectivas resoluções ficam bem delimitadas, assim como o "produto final" que caracteriza uma psicoterapia bem-sucedida. Mas os objetivos apontados por Busch e Widlöcher somente se realizarão na alta frequência? Novamente nos encontramos com separações e diferenças em que as subjetividades têm um peso. As pesquisas não costumam avaliar características prévias à análise, e entendo que a capacidade de autoanálise e de pensar psicanaliticamente também depende de aspectos cognitivos anteriores, no sentido da quantidade e qualidade dos aspectos não psicóticos preservados, mesmo em pacientes com manifestações mais graves. Essa é mais uma das condições para que, mesmo em baixa frequência, os objetivos apontados pelos dois autores se estabeleçam no longo prazo, e que será desenvolvida por todo o processo. As experiências dos psicanalistas se inserem na menção de Ferraro sobre a crença interna do analista, que o faz achar os pacientes adaptáveis à sua visão de frequência de sessões (Ferraro, 2011). Apesar de a autora dirigir o comentário aos que atendem em baixa frequência, creio que é condizente com os que atendem em alta frequência quando esta é indicada somente como preceito arraigado.

Aliás, é importante deixar claro que não me afasto aqui da visão consagrada de que o atendimento em alta frequência é mais apropriado ao desenvolvimento de um processo psicanalítico. Em termos de psicanálise, é difícil falar de característica facilitadora, mas certamente na alta frequência se transita melhor pelas dificuldades do complexo processo psicanalítico. O problema é que estamos diante de um Zeitgeist que, mais do que sempre, não está disposto a facilitar a vida dos psicanalistas. Numa analogia à citação de Scorcese acima, o método clássico não já quase desapareceu de verdade, mas precisamos ser capazes de entender a linguagem do que estamos vendo e encontrar as ferramentas para lidar com ela. Então, entramos no terreno da experiência e da sua fundamentação.

 

Baixa frequência de sessões: prática clínica

O modelo psicanalítico clássico tem duas premissas: a associação livre do analisando e a escuta analítica através da atenção livremente flutuante do analista. Como diminuir a frequência de sessões sem afetar esses parâmetros?

O modelo clássico não é exercido de maneira uniforme por todos os psicanalistas. Em relação à associação livre, há quem se centre no discurso verbal e suas interrupções, investigando o inconsciente nas oscilações entre palavra e silêncio. Outros ampliam esse escopo incluindo o gestual, o corporal e o comportamental dentro e fora da sessão. Tem quem rejeite a expressão "livre" que adjetiva a associação, entendendo que esta é sempre determinada pela percepção que o analisando tem do analista. Sobre a escuta analítica, há analistas silenciosos, outros muito mais silenciosos, há os que fazem perguntas, pontuam, levantam hipóteses, os que interpretam continuamente, os que chegam à interpretação por etapas através de esclarecimentos e confrontações sobre o material manifesto. Escuta-se de acordo com a teoria e a técnica. São formas de diálogo analítico - aliás, motivos de querelas constantes sobre o que seria uma psicanálise.

O que é comum a todas as versões é a presença de um ritmo. Um ritmo próprio a cada uma, mas um ritmo. Utilizando uma metáfora (outras são possíveis) para reproduzir o que seria esse ritmo, compara-se à mãe e seu bebê, que vão se ajustando na periodicidade das mamadas, do sono, da entrada do mundo externo. O ajuste emocional será possível por meio de um contato frequente e próximo. Tal qual o ritmo, as quebras do ritmo, como a separação entre sessões, férias, faltas ou ausência psíquica durante as sessões, fazem parte do mesmo ajuste, gerando angústia. Aí entramos em outra premissa do modelo clássico: a neutralidade e abstinência do analista. Assim como na escuta analítica, existem variantes sobre como um analista deve se colocar na sessão, mas há um invariante que é não procurar resolver, a partir das suas próprias convicções, seja mediante uma técnica de apoio ou de uma interpretação transferencial, o problema que o paciente apresenta, incluindo-se aí um anseio de que ele deva melhorar logo ou não sofrer a dor psíquica. E na psicanálise a dor psíquica aparece de forma veemente, incisiva e crua nas quebras de ritmo. Uma das bases da alta frequência é fornecer uma zona de segurança em que as separações, por não serem tão espaçadas, diminuem a necessidade de expelir a angústia através de atuações entre as sessões, concentrando-as na transferência durante as sessões. Para o analista, protege-o da atuação da sua própria angústia causada pelo sofrimento não aliviado do paciente na sessão. Este resumo sobre o método, simplificado e incompleto, não traz novidades, mas o apresento aqui pela sua importância em contextualizar a diminuição da frequência de sessões.

Alguns impasses sobre a manutenção da alta frequência surgiram com a expansão da psicanálise. Os pacientes mais graves (psicóticos e borderlines) eram sensíveis a rupturas mínimas do ritmo durante a sessão - por exemplo, uma leve desatenção do psicanalista. Apresentavam reações intensas, furiosas muitas vezes, e alguns autores passaram a contraindicar a alta frequência devido ao potencial ansiogênico provocado por um analista vivenciado como não responsivo.5 Concomitantemente, aumentaram os casos que só poderiam ser atendidos em baixa frequência por injunções sociais e institucionais.

O que nos interessa mais de perto é a indicação desses casos para psicoterapia analítica. Nada de mais, se representar o reconhecimento de um limite que a clínica demonstrou ou que a realidade social impôs. A questão é a ideologia que passou a permear essas situações, conforme menciona André Green, citando Lacan, de que a psicoterapia analítica seria o campo em que todos os golpes são válidos (Green, 2008). Na psicoterapia, se utilizariam técnicas de apoio, técnicas condutivas, interpretações sugestivas, enquadre frouxo, e o terapeuta se apresentaria como um objeto real tolerante ou limitador, segundo a necessidade do paciente. Logo, a ideia que floresceu foi que, na baixa frequência, o analista transitaria por todo tipo de técnica sem a preocupação com a escuta analítica e com a sua neutralidade e abstinência. Da mesma forma que se diz que o analista aceita as recusas dos pacientes à alta frequência por defesa (conformismo ou uma psicanálise mais "fácil"), renunciar às premissas psicanalíticas por atender na baixa frequência pode ser também um mecanismo defensivo.

Francesca chega ansiosa para uma das suas duas sessões semanais. Houve um conflito com os pais no dia anterior; a partir disso, revela-me, o que guardara no ano e meio em que estávamos trabalhando, que a separação deles ocorreu depois de ela ter presenciado uma cena romântica do pai com uma amiga da mãe e contado para ela. "Mas quando é para falar dos meus problemas e me criticar, eles ficam logo juntos" Fala sem parar da briga que teve com eles. Não deixa espaço para alguma intervenção e, também, fico sem o que dizer diante da enxurrada que vem após a revelação. Começo a ficar ansioso, porque está próximo do final da sessão e eu nada disse até o momento, além de ficar preocupado com a carga de ansiedade dela, já que a outra sessão seria somente dali a quatro dias. Penso em estender o horário até que me ocorra algo a dizer, mas me contenho e encerro na hora.

Na sessão seguinte, o assunto retorna e Francesca já fornece espaços para que eu fale. Foco no que entendo ser a angústia maior, o aspecto edipiano de o quanto ela gostaria que os pais não ficassem juntos relembrando o papel dela na separação. Na outra sessão, dois dias depois, ela diz: "Os assuntos estavam muito pesados nas últimas sessões, hoje quero aliviar um pouco". Digo, então, que ela precisava nos aliviar do peso das últimas sessões porque imaginava que não saberíamos o que fazer com isso, como até hoje ela não sabia o que fazer com toda a história da separação dos pais. Francesca diz: "Fico me sentindo responsável pela minha mãe e que preciso consolar ela das tristezas, mas agora me sinto aprisionada".

Retrospectivamente, vi que passei pelo mesmo impacto que afetou a eles naquela ocasião. Ao não estender a sessão, evitei ficar aprisionado no vínculo fusional e culposo que se apossou da família, na medida em que fui capaz de suportar a angústia da nossa separação no final da sessão. Aguardar dentro do enquadre possibilitou que Francesca também tivesse um vislumbre da sua angústia de separação com a mãe, no que foi ajudada por suportarmos as separações entre as sessões.

Independentemente do número de sessões, manter o enquadre é manter o ritmo, e essa é mais uma das condições para que um processo analítico se desenvolva. Com um número menor de sessões não é fácil.6 Cada sessão que se perde, qualquer atraso é proporcionalmente um grande tempo de contato que se vai, ainda que digamos para nós mesmos que o inconsciente funciona em outro tempo. Na atualidade, dificuldades objetivas como trânsito caótico, jornadas de trabalho sem horário fixo em algumas atividades, profissões com deslocamentos globais e acúmulo de tarefas laborativas e de outras áreas mobilizam a regularidade do horário fixo das sessões. Lidar com esses aspectos traz conflitos específicos na baixa frequência.

O trabalho com Tomé se faz em duas sessões semanais há dois anos (ele usa o divã). Na primeira sessão da semana, ele fala sobre sentir-se exposto devido aos últimos acontecimentos na sua família e no seu trabalho, situações em que reagiu com "atitudes descontroladas", que imaginava fazerem parte do seu passado. Tomé está em um momento de decisões importantes a serem tomadas e diz que "me achava mais centrado para decidir". Falamos sobre essa comunicação em que ele transmitia uma sensação de que a psicanálise é que o deixava mais exposto ao que vinha de dentro dele. Reconhece que a sua expectativa era de um psicanalista que controlasse e centrasse mais o que ocorria com ele, "principalmente o quanto fico irritado com a preguiça dos outros" Mas diz ter gostado quando falei sobre o assunto porque não me viu passivo, desatento, "deixando o barco correr como esse pessoal que fica jogando a responsabilidade nas minhas costas" No dia seguinte, envia uma mensagem no celular informando que o seu chefe marcara uma reunião no horário da segunda sessão e pergunta se não poderia antecipá-la para um dia antes. Não seria essa uma forma de Tomé dizer que em momentos mais regressivos uma sessão a mais faz falta? No caso, pensando nas angústias de Tomé e o que poderia significar a perda de uma sessão naquele momento, antecipei o horário. Na sessão falamos sobre a antecipação, o que se relacionou com a angústia da sessão anterior, e surgiu a satisfação que ele teve de passar a responsabilidade de ter ou não a sessão para mim e saber como eu reagiria.7 E, mais adiante, o prazer que ele tem de deixar os outros sem saber o que fazer, precisando recorrer a ele. Apesar de falarmos sobre como a situação se apresentou na transferência, teria sido uma alteração adequada, mesmo levando em conta os aspectos objetivos da atividade profissional de Tomé? Não teria sido mais psicanalítico que ele vivenciasse a falta e tudo o que representava? Trago essas questões porque entendo que com Tomé se estabelece a possibilidade de um tratamento psicanalítico com menor frequência de sessões. Fosse uma psicoterapia, esses aspectos não teriam tamanha relevância.

Num processo longo, como uma psicanálise, não há como evitar os ruídos na escuta e as perdas de referência momentâneas no enquadre, inclusive na alta frequência. Faz parte do dinamismo do processo, ou de sua dialética (Faimberg, 2012), que aspectos antes silenciados do paciente surjam em contraposição ao enquadre proposto pelo analista. O que se questiona em relação à baixa frequência é se estes aspectos silenciados do paciente surgiriam em maior grau ou ficariam "descontrolados" por conta do espaço mais largo entre as sessões, a ponto de inviabilizar o enquadre do analista. No caso de Tomé, por exemplo, se a partir daquela sessão tudo passasse a girar em torno de ceder ou não ceder diante de pedidos objetivos. Entendo que se o analista se mantém no ritmo do enquadre, sempre é possível recuperá-lo. Como exemplo, as situações em que se estrutura alguma trama transferencial-contratransferencial inconsciente que emperra o andamento do trabalho, configurando um enactment crônico. Este precisa se tornar agudo e ser compreendido para se retomar o passo (Cassorla, 2013).

Devido a um compromisso familiar, cancelei uma das duas sessões semanais no terceiro ano e meio de trabalho analítico com Gertrude (que também utiliza o divã). No dia, quando estou saindo para o compromisso, ela chega para a sessão. Falo que havia cancelado a sessão e Gertrude mostra-se perplexa. No mesmo momento, me vejo tomado pela dúvida atroz se eu teria mesmo combinado isso com ela, dúvida que não consegui sanar. Ela vem à sessão seguinte e fala pouco, diferente do seu habitual. Menciono o desencontro que houve. Ela mostra raiva: "Só não fui embora de uma vez porque fiquei em dúvida se você tinha ou não falado que não teria a sessão. Não é a primeira vez que quero ir embora pelas coisas que acontecem aqui". Criada pelos avós, Gertrude tinha uma história de abandonos importantes, os quais sempre evocava para cobrar das pessoas uma atenção especial por conta dos sofrimentos passados. Através de leituras, ela soube de um psicanalista que teria segurado a mão de uma paciente para confortá-la de uma perda dolorosa. Exigia que eu fizesse o mesmo e me acusava de ser frio e indiferente. Aos poucos essa situação se desfez, ela foi se "enquadrando". Naquele momento da sessão, percebi que eu também me "enquadrei", evitando maiores conflitos ou a possibilidade de trazer à tona a transferência erótica latente. Com o meu distanciamento, devo ter "cancelado" muitas sessões sem que soubéssemos. Ou melhor, ela "sabia", mas não falava talvez pelo medo de que eu não tolerasse suas críticas e a expulsasse, repetindo parte de sua história. Então eu digo para Gertrude que, depois do ocorrido no horário da sessão anterior, ela estava conseguindo me comunicar que há tempos vinha batendo com a cara na porta. A partir daí, ela mostra toda a sua mágoa, antes silenciosa, e também acha que eu estaria confirmando que não a avisara. Não contestei, claro, pois era certo que não estávamos em sintonia. O mais importante é que esse foi o primeiro passo para retomarmos um novo ajuste para o nosso ritmo.

Os relatos dos trabalhos psicanalíticos com Francesca, Tomé e Gertrude trazem situações que ocorrem também na alta frequência de sessões. Algumas questões se apresentam.

Toda psicanálise que faça jus ao nome precisa chegar aos aspectos mais regressivos ou aos aspectos psicóticos do paciente. Haveria segurança para lidar com esses aspectos na baixa frequência? A chegada a esses aspectos é sempre dramática, com quebras de ritmo, perdas de referência do enquadre. O paciente pode apresentar somatizações, atuações externas de risco. Sempre existe a possibilidade de aumento, mesmo que provisório, no número de sessões, mas em termos de continuidade ou abandono do trabalho analítico não tenho percebido uma diferença significativa entre altas e baixas frequências. Isso, claro, se a indicação for correta. E a partir de quais critérios se pode fazer essa indicação de trabalho psicanalítico em baixa frequência com alguma margem de segurança?

Em princípio, a indicação de baixa frequência se faz por exclusão. O paciente não aceita a alta frequência por questões financeiras, por dificuldades reais de horário e, principalmente, porque não tem uma representação psíquica que valorize o número maior de sessões. Como já foi visto, também há casos que, por conta da clínica, não têm indicação para a alta frequência. O que precisa ser avaliado em relação à baixa frequência é se o trabalho será psicoterápico ou psicanalítico, e o melhor instrumental técnico é a boa e velha entrevista inicial. O analista pode vislumbrar os aspectos preservados do paciente, o tipo de defesa que predomina e se demonstra alguma capacidade de introspecção sobre si mesmo a partir do seu discurso e de como responde às intervenções do analista. Há pacientes que buscam soluções cosméticas intelectualizadas; há os que não têm condições psíquicas de suportar a abstinência do analista; outros que têm foco exclusivo na diminuição da dor psíquica, sem desejo de investigar as motivações inconscientes. São indicações para psicoterapia com suas gradações no uso de mais ou menos técnicas psicanalíticas. Sempre há um quantum de incerteza nessas avaliações e espaço para a subjetividade da relação no seguimento do trabalho. Este pode vir a mostrar que a possibilidade de um trabalho analítico estava super ou subestimada, o que não é diferente na alta frequência.

A partir da entrevista inicial, o analista percebe se poderá, passo a passo, realizar o trabalho de colocar o tratamento no paciente (Francischelli, 2007). Se a indicação foi adequada, o próprio paciente toma gosto pela tarefa e oferece pistas para o trabalho psicanalítico. A insônia na noite anterior à sessão ou posterior à sessão passada. A falta ou o atraso, não estes em si, porque podem ser objetivos, mas o enredo em torno. Comunicações: "Recebi aquele telefonema depois da sessão e, para não falar na rua, fiquei um tempo grande aí embaixo falando com ela". A mobilização contratransferencial. E por aí vai, como em todo trabalho analítico - situações como essas que efetivamente ocorreram em tratamentos de baixa frequência.

Não é um trabalho sem riscos, como toda a psicanálise. O maior é o paciente utilizar o menor número de sessões para criar obstáculos e emperrar o processo, pelo medo à fragilidade e dependência da regressão, através de um enactment crônico que não se torna agudo, como se utilizasse o intervalo maior entre as sessões para superficializar o trabalho. São os pacientes que parecem contar sempre a mesma história sem variações. Como é tarde demais para retornar a uma psicoterapia, podem se tornar tratamentos intermináveis.

A psicanálise de hoje tem instrumentos específicos para levar adiante um trabalho em baixa frequência? Acredito que os de sempre, porém mais aperfeiçoados. Análises dos analistas mais extensas, uma gama de teorias que permitem a investigação de áreas mais amplas da mente e da relação analítica, e um maior intercâmbio de experiências entre colegas. Tudo isso possibilita que a indicação de psicanálise, seja de alta ou de baixa frequência, leve em conta as subjetividades presentes e capacite o analista a utilizar a escuta, a manter a neutralidade e a abstinência, e a lidar melhor com a transferência e a contratransferência.

 

À guisa de conclusão

Ao longo do artigo, denominei o atendimento em baixa frequência ora como tratamento psicanalítico, ora como trabalho psicanalítico, ora como psicanálise. Deixei de lado o termo "processo psicanalítico" para que fique mais associado ao modelo clássico. Tenho dúvidas se o faço por opção conceitual ou por injunção institucional. Provavelmente, um misto das duas.

O modelo clássico em alta frequência - cinco, quatro ou três sessões - é a marca registrada da formação psicanalítica nas sociedades filiadas à IPA. Dentro da minha concepção de trabalho psicanalítico em baixa frequência, uma questão se torna evidente. Por que, em certos casos e sob certas condições, a análise de um analista não poderia se processar em duas ou até em uma sessão semanal? Num dos debates sobre frequência de sessões citados no início, um dos autores se apoia em uma citação de Winnicott segundo a qual a diferença entre psicanálise e psicoterapia é a formação do psicanalista (Stern, 2009). Para Stern, um analista com formação rigorosa em alta frequência sempre levaria o tratamento a ser psicanalítico, mesmo em frequência baixa. Outro debatedor (Aron, 2009) contesta a ideia de Stern e entende que deveríamos renunciar a esse tipo de diferença. Se o candidato a psicanalista tem um análise consistente em baixa frequência não há por que impor regras institucionais. Menciono esses autores como contraponto para definir o que penso, caso não tenha ficado claro no exposto até aqui.

Em relação à formação psicanalítica é importante lembrar que o modelo clássico de alta frequência não foi revogado e continua a ser um excelente método terapêutico. O trabalho em baixa frequência exige condições que não o tornam acessível psicanaliticamente a mais pacientes.8 À maioria dos casos será aplicado o método psicoterápico, que tem alcance psicanalítico em graus variados e que trará grandes benefícios aos pacientes. Diversamente de Stern, entendo que há diferenças entre psicanálise e psicoterapia analítica, inclusive quando esta é conduzida por um psicanalista. Concordo com Green (2008) e Widlöcher (2010), que preconizam o ensino da psicoterapia nas instituições psicanalíticas para que os analistas saibam diferenciar as técnicas e sistematizar a sua forma de trabalhar. Até para reconhecer se podem estar fazendo psicoterapia mesmo quando trabalham em cinco sessões semanais.

A análise do candidato a psicanalista deve ser feita no método consagrado não somente para seguir uma tradição como também pela responsabilidade ética. O método clássico é, no momento, o que propicia maior certeza, pela quantidade de casos, de que a análise atingirá os níveis mais regressivos e os aspectos psicóticos dos candidatos. O método clássico formará o enquadre interno do analista (Green, 2012), que será o referencial que o norteará diante da diversidade que compõe a clínica atual.

Existe uma diferença importante do tratamento psicanalítico que torna o sujeito capaz de sonhar para o tratamento que capacita o sujeito a - utilizando um dos inúmeros indicadores possíveis para caracterizar a transformação emocional de uma psicanálise - ajudar o outro a ser capaz de sonhar a partir dos sonhos que sonham conjuntamente (Ogden, 2004). O tratamento e a investigação do inconsciente nesse patamar formarão um psicanalista mais preparado para enfrentar os desafios habituais de um processo analítico, assim como para os novos desafios que os tempos mutáveis não cessam de nos apresentar.

 

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Correspondência:
Bernard Miodownik
Rua Figueiredo de Magalhães, 219/408 22031-000 Rio de Janeiro, RJ
Tel: 21 2549-8734
betchkov@uol.com.br

Recebido em 29.5.2014
Aceito em 10.6.2014

 

 

1 Apesar de perceber uma presença maior destes quadros na clínica atual, prefiro relativizar a sua relação direta com o ambiente peculiar contemporâneo. Talvez estejamos mais preparados para reconhecer e lidar com aspectos mais regredidos e psicóticos antes encobertos pelas camadas neuróticas. Surpreende como os traços esquizoides descritos por Fairbairn (1940/2001), por exemplo, se encaixam nessas categorias hoje vistas como plenas de vazios psíquicos. Outros autores de meados do século passado já referiam características emocionais semelhantes nos pacientes.
2 Neste trabalho, discuto essa possibilidade somente dentro do enquadre de um consultório (privado ou institucional) psicanalítico. Questões da modernidade inseriram a possibilidade de psicanálise pelo telefone e pela internet (Skype) e a relação destes formatos com o encontro presencial (Scharff, 2012), mas esta situação aponta para outras variantes da transferência e da contratransferência.
3 Apesar da pressão cultural por resultados rápidos, o fato de não haver um prazo para o término da terapia cria menores resistências que um maior número de sessões. A menor frequência seria uma defesa à intimidade ou à erotização? Seria o longo prazo uma aceitação tácita do investimento emocional necessário para uma psicanálise, porém dentro de um novo paradigma cultural?
4 Como se verá mais à frente, é um ponto importante porque há uma tendência a se afirmar que a menor frequência implica uma renúncia da escuta analítica e, no efeito dominó, abstinência, transferência etc. etc.
5 Existe toda uma controvérsia sobre a necessidade de se modificar ou não o setting para estes pacientes, discussão que não cabe no objetivo deste trabalho. Os artigos de Kernberg citados (1999, 2008) trazem boas descrições e debates sobre o tema.
6 Alguns autores sugerem que, para certos pacientes, a frequência menor com intervalos maiores pode ser benéfica para criar uma representação psíquica de separação (Marucco, 2006). Não era o caso de Francesca, mas a observação é válida para situações mais regressivas.
7 A associação se fez pelo que surgiu na sessão. Esta observação é pertinente porque, mais do que a ideia generalizada de que um intervalo maior entre sessões tira a continuidade, existe o risco de o analista puxar pela memória no afã de cobrir esse hiato. Na psicoterapia, a memória e o desejo estão mais presentes.
8 Entre as situações elegíveis à baixa frequência incluem-se reanálises nas quais existe uma capacidade analítica adquirida no tratamento anterior.

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