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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.2 São Paulo abr./jun. 2014

 

ARTIGOS TEMÁTICOS: INTERVENÇÕES EM PSICANÁLISE

 

A roupa nova da interpretação

 

The new style of interpretation

 

Los trajes nuevos de la interpretación

 

 

Régine PratI; Tradução Claudia Berliner

IPsicóloga e psicanalista, membro da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)

Correspondência

 

 


RESUMO

A autora interroga a pertinência da distinção entre Interpretação e Construção, em particular na análise de crianças. Propõe definir o estatuto de interpretação não a partir de sua forma, mas a partir de seu efeito, tanto sobre o psiquismo quanto sobre o processo analítico. A forma da interpretação será considerada como uma ferramenta que facilita a comunicação com o paciente e constitui um vocabulário específico, que se harmoniza com seu nível de simbolização. Exemplos clínicos propõem, como vias de reflexão, diferentes modalidades de interpretação, da linguagem do corpo e do ato até a da dramatização, bem como um trabalho com os espaços e limites identitários, em particular com os pais.

Palavras-chave: atos; copensamento; interpretação; dramatização; linguagem não verbal; trabalho com os pais; distúrbios identitários; distúrbios da simbolização.


ABSTRACT

The author examines the relevance of the distinction between interpretation and construction, specifically in child analysis. She suggests defining the statute of interpretation not by its form but by its effect on both the psychic apparatus and the analytic process. The form of interpretation will be considered as a tool for facilitating communication with the patient, constituting a specific vocabulary that corresponds to his level of symbolization. Clinical examples suggest, as channels of reflection, different modes of interpretation, from body language and the language of actions to that of role play, as well as working on the spaces and limits of identity, in particular with parents.

Keywords: actions; co-thought; interpretAction; role play; non-verbal language; work with parents; identity disorders; disturbances of symbolization.


RESUMEN

La autora se interroga sobre la pertinencia de la distinción, entre Interpretación y Construcción, específicamente en el análisis de niños. Propone definir el estatuto de interpretación no a partir de su forma, sino a partir de su efecto, tanto sobre el psiquismo como sobre el proceso analítico. La forma de la interpretación será considerada como una herramienta que facilita la comunicación con el paciente y constituye un vocabulario específico, que está en harmonía con su nivel de simbolización. Ejemplos clínicos proponen, como vías de reflexión, diferentes modalidades de interpretación del lenguaje del cuerpo y del acto hasta la dramatización, así como un trabajo con los espacios y los límites identitarios, peculiarmente con los padres.

Palabras clave: actos; co-pensamiento; interpretación; dramatización; lenguaje no verbal; trabajo con los padres; trastornos identitarios; trastornos de la simbolización.


 

 

É tão leve quanto uma teia de aranha; tem-se quase a impressão de não ter nada sobre o corpo, mas é aí que está toda a beleza da coisa.
H. C. Andersen

Até seu enésimo ano de vida, você se considerava o único e inconteste dono de sua mãe, então outro bebê chegou, o que lhe causou uma grave desilusão. Sua mãe o deixou por algum tempo [...]. Seus sentimentos em relação a ela tornaram-se ambivalentes, você começou a dar importância a seu pai (Freud, 1937/2010).

Essa formulação também poderia ser proposta em análise de crianças. Freud a utiliza como exemplo do que chama de Construção: "Quando se expõe ao sujeito analisado um fragmento de sua pré-história esquecida" (Freud, 1937/2010). Ele a diferencia da Interpretação, que "se aplica ao modo como lidamos com um elemento isolado do material, como uma associação, um ato falho" (Freud, 1937/2010). Em 1937, Freud considera o termo "construção" mais conveniente para caracterizar a técnica psicanalítica. Haverá uma especificidade da análise de crianças quanto ao estatuto e às características da interpretação? Será que a distinção construção/interpretação/intervenção é válida quando nos referimos aos objetivos e aos efeitos buscados da interpretação?

Vou propor uma reflexão sobre as diferentes modalidades interpretativas, sua forma e sua utilidade, e pensar quais as implicações clínicas das diferentes formulações possíveis de um mesmo conteúdo interpretativo.

 

Estatuto e características da interpretação em análise de crianças

Em análise (tanto de crianças quanto de adultos), segundo Laplanche e Pontalis, "a interpretação comunicada ao paciente é o modo, por excelência, de ação da psicanálise"; trata-se de extrair "o sentido latente no dizer e nas condutas de um sujeito [...]". A formulação é um quase paradoxo: "A interpretação não abrange o conjunto das intervenções do analista no tratamento [...]. Embora todas elas possam, na situação analítica, adquirir valor interpretativo" (Laplanche & Pontalis, 1967, p. 207).

 

Intervenção com valor interpretativo ou interpretação

A forma passaria a ser o fator que determina o estatuto: encontramos a distinção feita por Freud entre "a maneira" como lidamos com um elemento isolado numa "interpretação" e a "construção", que seria uma "exposição" feita ao paciente.

O próprio termo "exposição" exprime a densidade do conteúdo bem como sua forma e sua temporalidade: trata-se de falar de um conjunto, de um todo da neurose ou do funcionamento do aparelho psíquico, e de fazê-lo de um lugar de saber claramente posto como exterior ao paciente.

A expressão interpretação saturada (Bion, 1979) precisa o sentido de "construção", na ideia de uma saturação por elementos de significação "pesados" concernentes ao conteúdo, ao sentido latente, inconsciente.

Para Bion, as interpretações não saturadas "possibilitam a formação contínua (e não mais o deciframento) de um sentido novo e da consciência que é preciso ter das passagens e das transformações" (Ferro, 1997, p. 39). Para traduzir a mudança de vértex, A. Ferro estima que a interpretação já não é

considerada como algo que, segundo um código dado, permitiria extrair uma significação [...], mas como a proposição de um sentido sempre não exaustivo, em devir, ou, como diria Bion, insaturado, que encontra nas emoções do par o impulso para novas significações, mais complexas e mais articuladas, aptas a veicular os afetos (Ferro, 1997, p. 36).

A partir da confrontação com os dados desenvolvimentais fornecidos pelos trabalhos sobre o estabelecimento dos primeiros vínculos e dos primeiros processos de pensamento e, em particular, a partir do conceito de accordage [sintonia, harmonização] (Stern, 1989), o trabalho analítico se ancora no inter-relacional. "A interpretação terá de descobrir que tem corpo, terá de descobrir que é capaz de ação", diz R. Roussillon (2008, p. 62). Os trabalhos que desenvolvemos nos últimos anos, a partir do conceito de interpretação proposto por Paul Israël, situam-se nessa linha (Israël & Prat, comunicação pessoal, 2007). Vai se tratar, então, de outra forma de construção, que já não é uma exposição ex-cathedra, mas uma construção a duas vozes, a dois psiquismos, a duas cabeças: "quimera" para de M'Uzan (1994, p. 91), "Construção interpretativa" para A. Ferruta (2002, p. 64), "conversa psicanalítica" para R. Roussillon (2005, p. 365-382), "copensamento" para Widlocher (1998), "discussão analítica" ainda para A. Ferro... trata-se de um trabalho a dois. Ocorreu, portanto, um deslizamento para modalidades interpretativas resultantes de um copensamento. Podemos notar, em Freud mesmo, que as "construções" estavam longe de representar o conjunto de suas comunicações ao paciente. H. Racker (1979/1997) o qualifica de "franco diálogo", lembra que o silêncio do analista também é um agir e nota, não sem humor:

Aqueles que vinculam o conceito de 'técnica clássica' a uma predominância do monólogo por parte do analisando e a poucas e, geralmente, curtas interpretações por parte do analista, deverão concluir [...] que, sob esse aspecto, Freud não era um analista 'clássico' (Racker, 1979/1997).

Se a interpretação participa da construção do sujeito (Ferruta, 2002), isso é particularmente verdadeiro em análise de crianças, pois o trabalho analítico vai participar diretamente, quase em tempo real, da construção psíquica da criança, da sua personalidade, do seu vínculo com a realidade e com suas figuras de apego.

Após uma terapia na sua primeira infância devido a distúrbios do sono, Clémence pede para vir me ver de novo aos cinco anos de idade, devido a pesadelos que o fazem acordar durante a noite. No seu jogo, aparecem acidentes, que logo adotam a forma de um caminhão assustador, que faz barulho à noite e quebra tudo na casa. Minha interpretação na base de um caminhão-papai que quebra tudo na casa-mamãe ("construção" no sentido freudiano, "interpretação saturada" no sentido bioniano) é acolhida com um olhar maroto e uma associação, na forma de uma precisão fornecida ao seu jogo: é um caminhão de lixo que quebrou toda a parte inferior da casa. Voltamos a encontrar os antigos ciúmes e a vontade de jogar os bebês no lixo, com o temor de um retorno vingativo desses bebês, a inveja da capacidade procriativa da mãe, a fantasia de um coito sádico e destruidor, os ciúmes edipianos etc. Ao receber os pais, revela-se um trauma atual que veio reavivar os conflitos pulsionais antigos: o caminhão de lixo da cidade perdeu a direção na curva e destruiu toda a parte térrea da casa dos vizinhos. A realidade supera a fantasia! Mas a única prova disso é o olhar maroto de Clémence e sua associação na brincadeira: esclarecimento do caminhão de lixo e do lugar do acidente na parte de baixo da casa.

A terapia anterior participou de sua construção psíquica e de seu modo de pensar. O trabalho de elucidação do vínculo entre a realidade do acontecimento e os movimentos pulsionais vai se tornar constitutivo de seu psiquismo e um apoio para seu desenvolvimento.

 

Características

Didier Anzieu, no seu apanhado histórico sobre a interpretação (1970), retoma a bipolaridade constante na maioria dos autores, chamando de "investigação" e de "interpretação" os dois componentes e os dois tempos do trabalho analítico. Mas, embora a interpretação seja o agente do processo analítico, sua finalidade e seu efeito também serão os de instaurar esse processo.

Ele destaca a função de ligação e de articulação da interpretação, entre sintoma e recalcado, consciente e inconsciente, o antes e o a posteriori. Mas a interpretação "só dá ao paciente uma representação de palavra, ao passo que a representação patogênica, recalcada e inconsciente, é uma representação de coisa. Resta ao paciente fazer coincidir essas duas representações" (Anzieu, 1970, p. 783). Esse trabalho de "perlaboração" do paciente permite à interpretação ser mutativa. É precisamente para os pacientes que não dispõem dessa capacidade de perlaboração para fazer os dois sistemas se comunicarem que a interpretação precisa de "roupas novas".

Anzieu recorda palavras de uma criança inquieta no escuro, citadas por Freud: a criança se dirige à tia que está num cômodo ao lado:

- Tia, fala comigo, estou com medo.
- Para quê, se você não me vê?
- Fica mais claro quando a gente fala.

Isso supõe levar mais em conta a voz e o corpo, do que o sentido das palavras. "A palavra expressa ou escutada só pode ser libertadora se carregar seu peso de carne [...]. Uma palavra verdadeira é uma palavra que fala a partir de um lugar corporal", nos diz D. Anzieu (1970, p. 809). A interpretação chama a atenção para a vivência corporal e, de modo mais geral, para a ligação entre a vivência corporal e as emoções, as relações com os outros, os acontecimentos afetivos do presente e do passado... Proponho deslocar a linha de separação entre os dois polos distinguidos investigação/interpretação, interpretação/construção, a fim de dar um estatuto de interpretação às formas insaturadas, às formas que utilizam o não verbal, reintroduzindo o corpo nas modalidades interpretativas.

A questão será, então, não considerar o estatuto da interpretação em função de sua forma, mas em função de seu efeito sobre o psiquismo e sobre o processo: a forma torna-se, a partir daí, o meio de alcançar o objetivo transformacional e não mais um critério de diferenciação pertinente. É em função desses critérios que vou analisar brevemente os diversos registros de exemplos propostos.

 

A interpretação como nos livros

Como preâmbulo, gostaria de expor algumas ideias sobre o reforço artificial do modelo, amiúde prevalente, das interpretações saturadas.

Os perigos da interpretação intelectualista são bem conhecidos e foram muitas vezes sublinhados. James Gammill (1986) relata os conselhos de Melanie Klein: "na hora das sessões com a criança, esqueça tudo o que eu lhe disse. Nunca se deve aplicar os dizeres de outra pessoa numa interpretação. A criança pode perdoar nossos erros de compreensão, mas não uma falta de autenticidade" (p. 39). Florence Guignard (2002) considera as "interpretações tampão" como "um dos indicadores mais certeiros de um movimento defensivo na nossa contratransferência, de um ponto cego no nível de nosso próprio infantil" (Guignard, 1998, p. 42).

Quanto a mim, gostaria de sublinhar três fatores que reforçam a forma saturada dada à interpretação: a função de modelo, a função identitária, a função terceira.

O modelo: os casos de escola, dos livros e dos artigos que são objeto de apresentações clínicas ou, com mais razão ainda, aqueles utilizados de maneira muito condensada como "vinhetas clínicas", sofrem todos do viés decorrente da forma escolhida e organizada da verbalização. O que adotamos como "modelo" de formação contém obrigatoriamente uma deformação: a forma dada ao relato escrito soma-se àquela efetuada pelo próprio processo de memorização. James Gammill (comunicação pessoal) considerava este um viés importante na última obra de Melanie Klein (1973), muitas vezes criticada pela extrema saturação de suas interpretações. A vontade de transmitir de modo cabal seu ensino não refletia, segundo ele, sua real maneira de trabalhar. Isso pode ter levado a esquecer sua criatividade e "sua qualidade de paciência", que a faziam dizer: "Em geral, temos de pensar intuitivamente: se eu fosse esta criança neste momento, como eu escutaria a interpretação" (Gammill, 2004). A necessidade de obter reconhecimento no debate sobre a legitimidade da análise de crianças reforçou obrigatoriamente o modelo das interpretações saturadas.

O identitário: quando eu era uma terapeuta iniciante, um pacientezinho recebia regularmente minhas interpretações com raiva, exclamando: "Mas para de repetir tudo o que eu digo!" Apesar da rejeição, vivamente expressa, eu via nisso o reconhecimento da relação entre o conteúdo latente que constituía a trama da minha interpretação e o conteúdo manifesto: confirmação, portanto, do estatuto de interpretação de minha formulação... e, por conseguinte, de meu estatuto de analista. Depois de alguns anos de prática, confrontada com a mesma reação de um outro pequeno paciente, pude ouvir a rejeição da relação entre esses dois níveis: não tinha havido perlaboração, a interpretação tinha ficado externa, até mesmo alimentando a resistência. Christopher Bollas considera que

quando se trata de praticar a análise de pacientes gravemente perturbados [...], todos os analistas que, em sua prática, não se deixam guiar pelas exigências tranquilizadoras de uma doutrina específica [...] acabam, periodicamente, ficando sem saber o que é, de fato, a psicanálise. (Bollas, 1996, p. 86).

O mesmo acontece em análise de crianças. Quando nos vemos confrontados com patologias identitárias... duvidamos de nossa própria identidade de analista e corremos o risco de nos agarrar a formulações que tenham uma forma que caracterize a interpretação. A bela interpretação, interpretação "como nos livros", torna-se, então, um mantra que temos de recitar para nos agarrarmos a uma crença, precisamente quando estamos vivendo uma vacilação identitária: a interpretação faz o analista assim como o hábito faz o monge! O recurso defensivo a uma forma identificável de interpretação é uma maneira de tomar para si a problemática identitária do paciente.

A terceiridade: D. Widlöcher (1981) chamou de "interpretações entre aspas" as formulações que marcam a diferença de planos entre manifesto e latente, entre analista e paciente (por exemplo, através da utilização do condicional).

A partir dessa noção, podemos precisar que identificar e receber uma interpretação supõe uma operação complexa, tanto no plano afetivo quanto cognitivo: ouvir uma colocação dita por um outro exterior a si, mas que concerne ao interior de si. Isso pressupõe capacidades de introjeção vinculadas ao reconhecimento do estatuto de alteridade do outro e seu corolário, a capacidade de suportar essa separação. A interpretação, na sua posição terceira, desperta ao mesmo tempo as angústias persecutórias de intrusão e as angústias de separação. Isso exige que o sujeito que a recebe tenha um psiquismo de contornos suficientemente delimitados, uma identidade relativamente estável. "Para de repetir tudo o que eu digo!" traduzia ao mesmo tempo uma vivência de intrusão e de roubo dos conteúdos internos e uma recusa a que lhe impusessem uma nova concepção: ou seja, um aumento das resistências.

A questão da forma torna-se, então, determinante: quanto mais ela for "terceirizada", secundarizada, linguageira, menos será pertinente nas problemáticas identitárias ou nos momentos de vacilação identitária. Teremos de criar uma maneira de nos comunicar com o paciente que se ajuste a seu próprio modo de expressão e de funcionamento psíquico, ou seja, utilizando suas modalidades próprias de simbolização.

René Diatkine dizia: "Com as crianças no período de latência, eu faço elas fazerem sua lição de casa!" Inspirando-me nessa formulação, diria que quando temos de lidar com "psiquismos em latência", trata-se de "fazer", de se situar antes das palavras, no local mesmo da capacidade psíquica que a criança tem de representar o mundo e a si mesma.

 

Vocabulário da interpretação

Alguns registros de formulação ocupam, a meu ver, um lugar intermediário entre fazer e dizer: teremos de construir um vocabulário adaptado às capacidades de simbolizar este ou aquele aspecto da problemática do paciente. Com efeito, "existem no mesmo sujeito, e durante uma mesma sessão, aspectos do funcionamento psíquico complexos e passíveis de transformações simbólicas adequadas e aspectos que indicam um estado de mente primitivo, dominado por mecanismos brutos e não comunicáveis" (Ferruta, 2002, p. 51).

 

Scallywag: interpretação "entra dentro"

"Um scallywag [patife] é alguém que quer se aproximar dos outros, mas tem medo demais" (McDougall & Lebovici, 1984). É isso o que Joyce McDougall responde a Sammy, que acabou de bater violentamente na sua cabeça com um pedaço de pau. Ela transformou sua primeira reação - estar sob o efeito da dor e a ponto de bater nele - nesse insulto, associado a fazer de conta que lhe dá uma palmada.

Vou propor dois modos de intervenção utilizando a linguagem do corpo quando o paciente não tem "as palavras para dizer" e atua concretamente tudo o que concerne a "entrar em contato", de maneira bruta (tanto do lado do desejo quanto do medo).

Ludwig, aos dezoito meses, não tem linguagem e chega como um animal selvagem na primeira consulta. Está dormindo no carrinho. A mãe me avisa: "Você não vai se decepcionar, ele é uma gracinha quando acorda!" Ela o desperta de forma abrupta e mantendo-se à distância. Ele desce do carrinho emitindo uma espécie de urro. Digo-lhe bom dia, me apresento e resumo a situação. Ele olha para mim com cara de mau, costas encurvadas, cabeça baixa. Balança-se para frente e para trás olhando-me com ódio, como se hesitasse quanto a se lançar sobre mim.

A mãe ri: "Viu?", diz ela. Ele, então, investe contra mim emitindo um rugido, breca para lançar uma olhadela para a mãe e se prepara para me dar um pontapé. Como Ludwig retém seu movimento, posso aproximar meu pé e dizer: "Talvez são os pés que gostariam de dizer bom dia um para o outro!" Deslizo, então, meu pé na sua direção, simulando tocar seu sapato com a ponta do meu: "Bom dia, pezinhos! Bom dia, Ludwig!" Outro grunhido, mas é para mim que Ludwig olha, como que espantado, reproduzindo o esboço de pontapé e sua suspensão. Continuo e digo que para a mamãe eu dei a mão, "assim [dou novamente a mão para a mãe]... como os grandes fazem quando dizem bom dia, mas que a gente poderia se dar bom dia com os pés".

No sentido teatral do termo, interpreto um papel, uma cena em que os pés são personificados. O desejo de encontro deles é explicitado, bem como a necessidade de um modo e de uma linguagem específica para Ludwig e para os "pequenos", a fim de lhes poupar o sofrimento e a raiva da angústia ligada à impotência infantil. Na problemática central do contato com o outro, o modo violento e agressivo de entrar fisicamente no objeto é desarmado e transformado em entrada em contato relacional e socializada. A parada do movimento e o espanto manifesto de Ludwig ante essa resposta imprevista indicam uma modificação de seu modo de pensar, e o acesso à explicitação de um novo sentido desconhecido: ou seja, o efeito de uma interpretação mutativa, que vincula o sentido inconsciente e o sentido manifesto.

Aqui, falar de interpretação supõe levar em consideração a dimensão de interpretAção (Israël, 1993), que condensa o que pertence ao registro do ato e à função interpretante que ele realiza, pondo os aspectos gestuais e ativos a serviço da capacidade de representação falha.

Tudo o que Noëlle (sete anos) mostra parece desencarnado, falso. A inibição domina as sessões, mas, em casa e na escola, o que predomina são os ataques de raiva explosivos e sem motivo. Não consegue dizer nada sobre isso nas sessões bastante tediosas, cuja parte mais viva é ocupada por jogos de bola. Nessa colocação em "jogo" dos modos de entrada em contato comigo, predomina a dimensão agressiva: ela joga a bola para mim de tal modo que ela me toque-bata (trata-se de uma bola de material mole, sem risco de machucar). "Desarmo" a violência e proponho outras modalidades de contato personificando a bola e atribuindo a ela sentimentos: ela está com raiva de mim, tem a intenção de me machucar, de se esconder debaixo do divã para vigiar o que acontece ou a intenção de ficar escondida assim durante as férias... Na minha vez, sempre devolvo a bola suavemente, não saio da minha poltrona e não faço nenhum esforço para pegá-la quando Noëlle a joga para fazer eu "perder". Em contrapartida, quando é ela que não consegue pegá-la, peço desculpas, comento a maneira como a joguei (forte demais, ou não forte o suficiente, muito à direita etc.), bem como nossas realizações desse ajustamento mútuo. O jogo dela vai evoluir paralelamente no sentido de explorar suas nuanças e variações: tenta pegar a bola de costas, de lado, com os olhos fechados, em cima de um banquinho, variando a distância entre nós...

Como no exemplo anterior, o modo agressivo é desviado, num jogo que põe outras significações em evidência na ação. O modo binário do ganhar/perder é desarmado, passando para as nuanças das modalidades de ajuste. Noëlle não tem representação possível para sua agressividade e sua raiva de não conseguir entrar em contato, e menos ainda representação de palavra; criar com ela essa linguagem comum de trocas e de gestos, como um "ato que fala" (Israël & Prat, comunicação pessoal, 2007), vai adquirir um valor mutativo e permitir uma passagem para as representações de linguagem. Segundo Piera Aulagnier, os "atos de fala [...] estão muito próximos das representações pictográficas, muito perto das primeiras representações de coisas corporais" (Aulagnier, 1986, p. 343). Mais tarde, Noëlle fabrica uma bola de papel que vai colorir desenhando "traits de couleur [traços coloridos]" marrons e pretos, que ela pronuncia "traits de colère [traços de raiva]". Comento, no jogo, essa raiva de não conseguir fazer o que se quer fazer, nem termos certeza de nos encontrar. Irá, então, acrescentar um novo invólucro de papel no qual se dedicará a pôr todas as cores juntas, criando, assim, uma nova paleta para emoções diferenciadas e nuançadas.

 

"Crac", "bum", "ai": interpretação "sem nome"

Damien, seis anos, não presta nenhuma atenção ao que ocorre à sua volta e manipula a casinha de bonecas de maneira pouco organizada, deslocando os móveis como se fosse ao acaso. Ao acaso também, o bebê cai da mesinha baixa sobre a qual está instalada a casa. Até ali observadora silenciosa do seu brincar, eu digo "bum". Ele não manifesta nada e continua com sua atividade de deslocamento sem objetivo dos personagens. Outro personagem, instalado em pé, cai. Novamente, eu pontuo: "bum" Ele me dá uma olhadinha intrigada. O personagem seguinte também cai da mesa, ao lado do bebê. Eu digo: "ui, ui, ui, ui, a mamãe também caiu, bum". Então, ele vai e instala o personagem do pai em cima do teto da casa e faz ele cair dessa altura. Novamente, comentário onomatopeico da minha parte: "Bum... caiu de cabeça"

Aí, ele bota a casa de ponta-cabeça e faz todos os personagens caírem, manifestamente, intencionalmente de cabeça, na bagunça dos móveis. A cada vez, eu pontuo com "bing" "crac" e, no fim do que é manifestamente uma série, digo: "Caíram todos de cabeça! Tudo está virado para baixo! É a casa de cabeça para baixo"

Isso o deixa manifestamente muito interessado. Continua a organizar a desorganização pegando os personagens de novo para fazê-los cair em várias posições, tomando para si meu comentário: "É a casa de cabeça para baixo" O bebê ficou no chão, como que esquecido, desde o começo, diversos objetos caem em cima dele. Digo: "Ui, ui, ui, coitadinho do bebê" Faço notar que ninguém está se ocupando desse bebê. "Como vamos ajudá-lo nessa casa de cabeça para baixo?"

Damien se vira para mim... e cai de seu banquinho. Retomo exatamente nos mesmos termos, com a mesma entonação: "Ui, ui, ui, como a gente vai ajudá-lo?" Agora é ele que está na posição do bebê abandonado depois do nascimento desse bebê que era preciso evacuar e esquecer na primeira parte da sequência de jogo.

Damien não me parecia capaz de suportar uma interpretação externa, que teria reforçado sua vivência de abandono. Mas o encadeamento progressivo desses comentários-onomatopeias permitiu abrir uma conscientização de sua vivência de desamparo, ligando cair e deixar cair1: é ele o bebê deixado pra lá que tem de ser ajudado nesse começo de psicoterapia. É também um começo de reconstrução histórica, que põe em cena o abandono sentido quando do nascimento da irmãzinha.

Os "bum", "crac" etc. criam uma espécie de trilha sonora que acompanha, numa grande proximidade, a ação que se desenrola. O efeito de separação, assim como o de intrusão, ficam reduzidos: trata-se de estar quase no interior da ação, com as palavras vindo propor uma forma linguageira num segundo tempo. Essas interpretações-onomatopeias falam de angústias muito primitivas (quebra, arrancamento, queda...) e propõem uma criação intermediária entre som e palavra. No tratamento das "angústias sem nome", o objetivo terapêutico parece um paradoxo: como falar delas, nomeá-las, se, por definição, elas não têm nome? "Onomatopéia", na sua etimologia grega, significa "criação de palavras", esse som da palavra cria, imita o da coisa e vai ocupar um lugar intermediário entre representação de palavra e representação de coisa. Os "ui", "ai", "ó", "snif "... marcam uma progressão, introduzindo uma tonalidade afetiva: dão uma forma sonora a uma vivência que já constitui um esboço de sentimento.

A utilização de etapas intermediárias na forma da interpretação vai acompanhar o trabalho de transformação das "sensações-sentimentos", essencialmente num modo corporal, em "percepções mais diferenciadas" e, depois, em "pensamento emocional" (refiro-me às diferenciações propostas por Matte Blanco, citado por CarvalhoGinzburg, Lombardi & Sanchez-Cardenas, 2009). A meu ver, elas têm um estatuto de interpretação pleno, tanto na instauração do processo analítico e da relação transferencial, quanto na de um sentido novo que emerge da ligação efetuada entre latente e manifesto.

 

"A gente": interpretação "pele comum"

A forma "a gente" formula um universal e diminui a vivência de separação. Por exemplo, "quando um novo bebê chega, a gente se sente deixado de lado". Ou "a gente fica com raiva quando tem a impressão de não poder mais contar com ninguém". Gramaticalmente, "a gente" é uma terceira pessoa do singular, com a concordância verbal sendo feita no singular; mas o sentido indica claramente que "a gente somos muitos": é a ilustração gramatical da formulação da pele comum.

A interpretação em "a gente" é a forma que adota a empatia e a identificação: "a gente" somos muitos que sentimos a mesma coisa, não só o terapeuta e o paciente, mas também um referente mais amplo, uma qualidade do humano que liga todo o mundo numa comunidade de sentimentos, portanto, compartilháveis.

 

"Sim, chefe": interpretação "teatro"

Théo tem cinco anos e emerge de uma problemática autística; constrói limites externos, explora diferentes modos de continentes para diferentes tipos de materiais. A linguagem que aparece conta essa mesma problemática nas relações: o que segura, o que aperta demais, o que prende ou solta na relação transferencial? Que participação Théo pode ter como sujeito autônomo?

Quando ele retorna à sala de terapia depois de uma ida ao banheiro, sua terapeuta lhe pede para fechar a porta. Ele responde num tom novo e seguro: "Fecha você!" A terapeuta reprime uma resposta educativa, que ela acaba finalmente transformando em submissão ao que ele pede. O mal-estar dela indica a defesa contra uma tomada de controle por Théo e um protesto contra o fato de ser utilizada dessa forma e anulada em sua alteridade.

Uma interpretação da posição de onipotência de Théo seria inapropriada e, simplesmente, ineficaz; em contrapartida, considerar o mal-estar da terapeuta de se sentir utilizada como algo fundamental e fazer esse sentido ser incluído de modo psicodramático teria um efeito de elucidação da posição ditatorial assumida por Théo naquele momento. Por isso, ir fechar a porta dizendo "sim, chefe" transformará o fato de se sujeitar numa dramatização: num "como se", o ato se tornará interpretação.

A surpresa que a criança geralmente manifesta nesse tipo de situação marca a abertura para um pensamento novo e, portanto, uma via mutativa no conflito subjacente. (Neste caso, a saída da desorganização pela clivagem e pelo controle.) Isso liberta o analista de uma posição educativa ou superegoica e explicita o conteúdo latente.

 

Interpretação no desenho

Marc tem dez anos e apresenta sequelas de um provável estado autístico na mais tenra infância. Na volta das férias de seu primeiro ano de terapia, ele desenha uma cena, que ele consegue contar, de um menino com sua bicicleta colhendo maçãs no jardim. O desenho é vivo e colorido, alegre, a história que ele conta também. Olho muito atentamente esse desenho e comento os detalhes à medida que os observo: "Puxa, é estranho, os raios das rodas não tocam no aro, eles não estão presos na roda". Marc também fica espantado e estudamos cuidadosamente o desenho: noto, então, que as rodas não estão presas no quadro; Marc, por sua vez, percebe com surpresa que o guidão não está preso ao quadro, nem os pedais. Todos os elementos aparecem soltos uns dos outros.

Vou reparar, em seguida, que os galhos não estão presos na árvore e que as maçãs e as folhas não estão presas aos galhos! Marc constatará que os pés e as mãos do personagem não estão ligados ao corpo e concluirá: "Esse desenho é mesmo o país do mal amarrado!". ''Esse "país do mal amarrado", inaugurado antes de uma longa interrupção, inscreve-se na relação transferencial. Continuará sendo, ao longo da terapia, uma fórmula condensada cada vez que nos virmos confrontados com uma problemática de fragilidade do vínculo, tanto com os outros quanto com partes de si.

O trabalho do desenho numa ótica de atenção ao detalhe e de comentários trocados com a criança ocupa um lugar de interpretação coconstruída, para a qual a formulação será encontrada com a criança. Solicitar o interesse da criança para os pequenos detalhes de sua produção abre uma possibilidade de insight e uma confrontação entre o conteúdo manifesto (a cena bucólica contada pelo desenho) e o conteúdo latente (a angústia de desmantelamento). O desenho, nesses casos, não é tratado como um sonho, cujo conteúdo final é interpretado, mas como uma narrativa em construção.

Trata-se de uma interpretação no desenho e não de uma interpretação do desenho.

Quando as capacidades de representação são limitadas ou a vivência de isolamento predomina, pode ser preferível comentar enquanto a criança está fazendo o desenho: os enriquecimentos, na sequência de um comentário do analista que destaca algum aspecto, ou uma ligação que propõe um começo de narratividade, vão adquirir valor de associação, nos moldes do squiggle de Winnicott.

 

Interpretação com os pais

Bem mais que nas problemáticas neuróticas, o trabalho com os pais parece ser uma necessidade absoluta; o que é trazido nessas entrevistas pode até, em certos casos, constituir parte essencial do que será trabalhado com a criança: estou defendendo, aqui, a proposta de James Gammill (1978; 1982/2000) de um trabalho feito pelo analista da criança, em encontros regulares com os pais e sem a presença da criança (posição que está longe de ser consensual entre analistas de crianças e é até motivo de frequentes conflitos em nossos debates). Esse enquadre permite propor esclarecimentos sobre a experiência emocional dos pais sem confrontá-los com um papel educativo devido à presença da criança. Isso possibilita um trabalho interpretativo direto com os pais: com as situações limites, em particular, lidamos com "pais com um 'branco de representação', que não conseguirão preencher esse branco sem ajuda. É o todo de suas capacidades de representação, ao menos na parte que concerne à representação do filho, que temos de ajudá-los a reconstruir" (Prat, 2006). O analista relata alguns aspectos à criança, mas cumpre um papel de filtro e de interface para protegê-la dos conteúdos fantasísticos eventualmente violentos, relativos ao mundo interno dos pais ou à história real.

Nesse tipo de trabalho, os pais de Marc, a pedido meu, trouxeram fotos: uma série incrível, abrangendo uma mesma sequência, como um filme de animação. Marc, aos nove meses, está no seu cadeirão, tendo, na mesinha à sua frente, uma maçã vermelha de madeira brilhante. Está manifestamente numa grande excitação, aproxima a cabeça, abre a boca, afasta as mãos, os braços, arregala os olhos... e em momento nenhum pegará essa maçã nas mãos. Pensando no "país do mal amarrado", comento com os pais como é pouco habitual e incompreensível que ele não a tenha pego. Eles poderão, então, explorar comigo o que aparece a posteriori como distúrbios precoces do vínculo, bem como a parcela de drama pessoal e familiar que eles mesmos estavam vivendo naquela época. Falarei com Marc dessas fotos e de uma parte do que me foi dito pelos pais. Na forma de "isso me fez pensar no país do mal amarrado", eu lhe transmitirei uma hipótese de reconstrução histórica: sua vida de bebê parecia ser "o país do mal amarrado".

Trabalhar assim pressupõe se descentrar do problema do sigilo e da confidencialidade, para trabalhar com a identidade através da questão dos espaços de cada um. O próprio enquadre irá colocar a ênfase num trabalho interpretativo sobre os limites: os espaços e temas que o analista partilha com os pais, aqueles que a criança partilha com eles, aqueles que são partilháveis entre nós, aqueles que são íntimos e não comunicáveis e pertencem ao campo da sessão e/ou ao espaço privado de cada um. Isso também vai levar a trabalhar a distinção entre espaço interno e externo: tanto com a criança quanto com os pais, faço sistematicamente distinções em termos geográficos. Esclareço para a criança e para seus pais que o que digo a estes é o que penso e não o que a criança me disse; quando, ao contrário, se trata de comunicar algo dito pela criança, esclareço que esse ponto foi conversado com ela e que ela deseja que eu lhes conte; faço esse mesmo trabalho sobre os limites com a criança na (ou nas) sessão(ões) que precede(m) e se segue(m) a entrevista com os pais.2

 

Para concluir: forma, ritmo e território

Todos sabemos que, se não utilizarmos uma linguagem compreensível em nossas interpretações, elas correm o risco de permanecer como língua estrangeira, letra morta, para nosso paciente. Os exemplos que propus nos incitam a precisar, como linguagem da interpretação, uma gradação nas formas simbolizadas adotadas que vão da linguagem corporal, num acompanhamento muito próximo do experimentado, vivido, atuado... até as formas linguageiras da comunicação secundarizada. Elas devem, portanto, se ajustar à possibilidade de simbolização do paciente para uma determinada problemática, para que possam ser integradas, assimiladas por ele, e cumprir seu papel de fator mutativo na organização, ou reorganização, do psiquismo. A questão da forma é, portanto, central não para determinar se têm ou não estatuto de interpretação, mas para que cumpram sua função, simultaneamente ação sobre o psiquismo e sobre o processo analítico.

Os instrumentos do jogo e do ato são mais familiares para os analistas de crianças e irão, portanto, constituir uma ferramenta eletiva na reflexão teórico-técnica sobre o trabalho com os estados-limite com que nos defrontamos nos tratamentos com os adultos. Assim como com as crianças, é mais fácil entrar no território psíquico do outro como aliado aceitável do que como invasor guerreiro. Mas será que isso dá roupas novas à interpretação? Poderíamos responder que, tal como no famoso conto, na verdade não há roupa nenhuma! O que é do estilo de cada analista sempre foi determinante. Sacha Nacht dizia que o que o analista é conta mais do que o que ele diz. Ora, "o que ele é" se traduz precisamente por esse modo de linguagem infraverbal, corporal intuitiva, que articula rupturas e aproximações num ritmo específico e do qual, em grande parte, não temos consciência; equivale a uma assinatura pessoal, verdadeira carteira de identidade rítmica, que infiltra todo nosso modo de ser e nosso modo de relação (ao modo das "mensagens enigmáticas" descritas por Jean Laplanche). Pode-se, portanto, pensar que isso sempre acompanhou as interpretações clas-sicamente verbais de cada analista e sempre foi um modo de interpretação ativo e, talvez, fundamental do processo analítico. (O acompanhamento que denomino de trilha sonora, por exemplo, ou um acompanhamento gestual, postural, podem constituir um modo de ser "natural" do analista ao se dirigir à criança e, por isso, não ser nem notado nem relatado.)

Portanto, não são as roupas que são novas, mas, antes, a consideração delas. Trata-se de nomear o que sempre se fez sem saber, e de fazê-lo sabendo, para, a partir de seu efeito, dar um estatuto pleno de interpretação às intervenções e manifestações do analista. Essas modalidades de expressão se endereçam a um setor ainda insuficientemente desenvolvido do aparelho psíquico do paciente: os exemplos dados remetem a problemáticas regressivas, autísticas, a angústias arcaicas...

A reflexão que propus visa chamar nossa atenção para a importância dessas comunicações no limite entre o verbal e o não verbal. Trabalhá-las e aprofundá-las para lhes dar um lugar de ferramenta de trabalho clínico é particularmente útil no tratamento das patologias, interdependentes, da identidade e da simbolização, tanto na criança quanto no adulto. Isso torna caduca a bipolaridade do tipo interpretação/construção. Dessas interpretações homeopáticas, poderiamos dizer, como no conto: "É tão leve quanto uma teia de aranha; tem-se quase a impressão de não ter nada sobre o corpo, mas é aí que está toda a beleza da coisa" (Andersen, 1837).

 

Referências

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Correspondência:
Régine Prat
28, chemin de la Creuse-Voie
91570 Bièvres, Paris, France
Tel: 03321-01 60 19 16 38
pratregine@orange.fr

Recebido em 28.4.2014
Aceito em 20.5.2014

 

 

1 Em francês, "laisser tomber", que também é usado no sentido de "deixar pra lá", (N.T.)
2 Por falta de espaço, não posso desenvolver essa abordagem específica, que mereceria todo um artigo só para ela.

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