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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.2 São Paulo abr./jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Reflexão em torno da adesão ao tratamento em pacientes recebidos através do Centro de Atendimento Psicanalítico da SBPdePA1

 

Reflection about the adhesion to treatment in patients received via the Center of Psychoanalytical Treatment of the SBPdePA

 

Reflexión sobre la adhesión al tratamiento en pacientes recibidos a través de la Clínica de Tratamiento Psicoanalítico de la SBPdePA

 

 

Ane Marlise Port RodriguesI; Carmen Saile WillrichII; Fernanda BortoliII; Kellen Gurgel AnchietaII; Mara Horta BarbosaII; Rosa Aizemberg AvritchirII; Ângela Beatriz SchwerzII; Christiane Vecchi da PaixãoII; Ivone Cordeiro SoaresII; Magda Beatriz Martins CostaII; Maria Isabel Ribas PachecoII; Tamara Barcellos Jansen FerreiraII

ICoordenadora do Centro de Atendimento Psicanalítico (CAP) da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA), 2012-2013, membro titular
IIParticipantes do CAP - SBPdePA, membros do instituto

Correspondência

 

 


RESUMO

Os analistas participantes do Centro de Atendimento Psicanalítico da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre deparam-se, frequentemente, com a questão de por que alguns pacientes aderem ao tratamento psicanalítico e muitos outros, não. Neste trabalho, é feita uma reflexão em torno de alguns fatores do paciente e do analista que possam estar implicados nessa questão, envolvendo vicissitudes da transferência e da contratransferência. Os dados levantados em relação à adesão ao tratamento referem-se ao período de janeiro de 2012 a janeiro de 2013.

Palavras-chave: adesão ao tratamento; Centro de Atendimento Psicanalítico; transferência; contra-transferência.


ABSTRACT

The analysts participating in the Center of Psychoanalytical Treatment of the Brazilian Society of Psychoanalysis of Porto Alegre frequently face the problem of why some patients adhere to the psychoanalytical treatment and many do not. In this paper, a reflection is made about some factors regarding both the patient and the analyst; these factors may be implicated in this matter, involving vicissitudes of transference and countertransference. The data collected in relation to the adhesion to the treatment refers to the period from January 2012 to January 2013.

Keywords: adhesion to the treatment; Center of Psychoanalytical Treatment; transference; countertransference.


RESUMEN

Los analistas participantes en la Clínica de Tratamiento Psicoanalítico de la Sociedad Brasilera de Psicoanálisis de Porto Alegre enfrentan la cuestión de por qué algunos pacientes adhieren al tratamiento psicoanalítico y muchos, en cambio, no. En este trabajo, se hace una reflexión sobre algunos factores del paciente y del analista que puedan estar relacionados a esta cuestión, involucrando vicisitudes de la transferencia y de la contratransferencia. Los datos obtenidos en relación a la adhesión al tratamiento se refieren al período de enero de 2012 a enero de 2013.

Palabras clave: adhesión al tratamiento; Clínica de Tratamiento Psicoanalítico; transferencia; contratransferencia.


 

 

Introdução

O Centro de Atendimento Psicanalítico (CAP) da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA) foi criado em 1997 com o objetivo de propiciar à comunidade tratamento analítico a preços acessíveis e contemplar a demanda de pacientes de análise para supervisão durante a formação. Segue, dessa forma, o modelo da Policlínica de Berlim, que, fundada por Eitingon em 1920, foi o primeiro centro de atendimento de pacientes pelo método freudiano. A partir da Policlínica, foi criado o primeiro instituto de formação de novos analistas - o Instituto Psicanalítico de Berlim -, onde foi desenvolvido o tripé da formação analítica: seminários teóricos, análise pessoal e supervisão clínica (Ricaud, 2005).

Se pensarmos a psicanálise como fenômeno cultural (Mezan, 2002), surgido a partir de Viena e de Freud, a Policlínica de Berlim representaria na época uma expansão da psicanálise. Também o atendimento psicanalítico nas instituições poderia ser visto como um fenômeno produzido pela cultura naquele momento histórico (Kohara, 2009). Pensamos que o crescente número de centros de atendimento psicanalítico criados a partir de 1920 demonstra o reconhecimento da importância desse tipo de tratamento e a expansão do espaço conquistado pela psicanálise na cultura ocidental.

De 1920 para os tempos atuais, algumas mudanças ocorreram, dentre elas uma maior consolidação teórica e prática da psicanálise, bem como outros desenvolvimentos culturais e tecnológicos que trouxeram alterações em nossa prática clínica.

Atualmente, aqueles que procuram o atendimento do CAP da SBPdePA chegam pela divulgação feita pelo site institucional ou encaminhados por pacientes, amigos, familiares ou outros profissionais. O primeiro contato é feito com a secretária, que coleta alguns dados básicos, tais como: o primeiro nome, a idade e o telefone. Além disso, informa ao demandante que um analista da instituição entrará em contato para marcar uma primeira entrevista.

Gradativamente vem sendo organizado um banco de dados sobre os pacientes que procuram o CAP. Em pesquisa realizada com dados de 2008, Milman e Squeff (2009) referem que, da totalidade de pessoas que buscaram o CAP naquele ano, 25% permaneceram em tratamento. Desses, 24% eram homens e 76% eram mulheres, com idade entre 20 e 62 anos. A maior concentração estava entre 25 e 45 anos, sendo que a maioria chegou através do site.

A partir de discussões mensais, o grupo de analistas ligados ao CAP vem debatendo questões relativas à prática analítica, como encaminhamento, valor da consulta, frequência, primeiras entrevistas, ritmo, transferência e contratransferência, entre outros aspectos envolvidos no desenvolvimento do processo analítico. Os indicativos obtidos através do banco de dados vêm sendo utilizados para melhor aprendizagem e desenvolvimento dos preceitos teórico-clínicos da psicanálise, servindo também de base para pesquisa.

Neste trabalho, movidos pela inquietação em relação aos fatores implicados na adesão ou não do paciente ao tratamento, fazemos uma reflexão inicial a partir de dados colhidos no período de janeiro de 2012 a janeiro de 2013.

 

Dados relativos aos pacientes do CAP - janeiro de 2012 a janeiro de 2013

Conforme informações obtidas no banco de dados do CAP, no período de janeiro de 2012 a janeiro de 2013, do total dos encaminhamentos recebidos 51% procuraram tratamento e acessaram o site da SBPdePA e 49% chegaram por indicações mais personalizadas, de amigos, profissionais ou familiares. Comparando com os dados de 2008, quando a grande maioria vinha por meio do site, observa-se um aumento considerável (49%) de indicações mais personalizadas. Podemos inferir que o CAP tornou-se mais reconhecido como um centro de tratamento analítico confiável.

Quanto ao sexo, 73% eram do sexo feminino e 27% do sexo masculino. Em relação à idade, 58% estavam entre 21 e 35 anos; 22% estavam entre 36 e 50 anos, os 20% 20% distribuíam-se nas demais faixas etárias, configurando que a maioria dos que procuraram atendimento foi de mulheres adultas jovens. Verificou-se que, da totalidade dos pacientes recebidos pelo CAP no período mencionado, 22% aderiram ao tratamento e 18% mantiveram-se por um período de até três meses e não seguiram.

Tomando por base o levantamento de dados antes mencionado, colocamos a seguir algumas reflexões sobre as peculiaridades que poderiam interferir na adesão do paciente a um tratamento que se inicia atravessado pelo colorido institucional.

 

Encaminhamento

Segundo o levantamento de dados, 51% daqueles que procuraram tratamento fizeram o primeiro contato com o CAP através do site e os 49% restantes chegaram a partir de encaminhamento de amigos, familiares ou outros profissionais. Cabe assinalar que essa procura foi direcionada ao CAP e não a um analista específico, o que nos leva à questão de como chegam esses pacientes que inicialmente procuram o atendimento pela via institucional e não encaminhados diretamente a um analista.

Sabedores de que ocorre uma incipiente transferência desde a indicação do nome do analista e do primeiro contato telefônico, perguntamo-nos como ficaria essa transferência inicial mediada por uma instituição e não por um analista escolhido pelo paciente.

O encaminhamento e suas repercussões são abordados em interessante artigo de Kunzler e Trachtenberg (2001), no qual referem que o encaminhamento tem relação com diferentes desenlaces do processo analítico. Consideram que todo encaminhamento implica algum grau de pressão sobre o próprio encaminhador e, em especial, sobre o analista que recebe o paciente. Apontam que um dos elementos fundamentais dessa pressão são as fantasias de dívidas e expectativas de retribuição consciente ou inconscientemente presentes em ambos. Seguem:

Quando o encaminhamento é feito para 'ajudar' o analista (necessidade de trabalho, supervisões didáticas etc.), as fantasias e expectativas citadas também aumentam consideravelmente. O paciente como 'moeda de troca' gera, muitas vezes, uma vivência de culpa nem sempre de fácil elaboração. (Kunzler & Trachtenberg, 2001, p. 103).

Para esses autores, o encaminhamento é um processo que se articula com as diferentes etapas do processo analítico. A primeira ocorreria a partir dos movimentos iniciais em busca de análise e iria até a chegada do paciente ao consultório do analista; a segunda coincidiria com as entrevistas iniciais; e a terceira abrangeria um período variável, desde as primeiras sessões até o início da última etapa, que denominam de "desencaminhamento". Nesta última, o paciente assumiria sua "função encaminhante" e realizaria, pela primeira vez, a sua verdadeira escolha de analista.

Acrescentam que a verdadeira chegada à análise pode levar muitos anos para ser efetivada e, dialeticamente, também cria as condições de seu final. Se a verdadeira chegada à análise não for confundida com a chegada formal, consideram que "estaremos em melhores condições de promover a própria analisabilidade dos nossos analisandos. A chegada, assim considerada, marca um momento de passagem de um espaço público para um espaço privado" (Kunzler & Trachtenberg, 2001, p. 106).

Podemos considerar que, quando o paciente constrói o desejo de ser atendido pelo analista específico, movimenta a transferência da instituição para o analista, criando condições para a evolução do processo analítico. Da mesma maneira, para que o processo se desenvolva, é necessário que o desejo do analista de atender aquele paciente específico tenha se configurado.

Para exemplificar as multifacetadas formas que um primeiro contato com o CAP pode assumir, colocamos a seguinte vinheta: uma das analistas recebe o e-mail de João, no qual escreve que um amigo havia indicado o nome dela para que marcasse uma consulta pelo CAP da SBPdePA. Referia estar disposto a esperar o tempo que fosse necessário para ser atendido por ela. A analista procurou fazer um contato mais pessoal, por telefone. Conversaram sobre horários e localização do consultório. Apesar de ter conhecimento do telefone da analista, João continuou a comunicar-se via e-mail, perguntando sobre o valor da consulta, dizendo querer organizar-se e verificar se o valor seria compatível com suas condições.

Mesmo que João tenha enfatizado a questão do valor da consulta como possível obstáculo ao tratamento, percebe-se no exemplo a importância de que o encaminhamento via institucional venha a transformar-se no encaminhamento a uma determinada analista e que, além disso, chegue o momento em que o paciente sinta que ele próprio escolheu a analista.

 

Valor da consulta

A vinheta acima evoca igualmente questões de valorização: valor da análise, do paciente, do analista e do CAP.

A análise realizada via CAP é diferente de outras análises? Quais seriam essas diferenças? O valor da sessão seria uma delas? A que valor nos referimos? A que valor refere-se João?

Concordamos com Antunes, Enck e Heller (2004) quando dizem que, no encontro de dois sujeitos, existe, no discurso de cada participante, um sentido manifesto e um sentido latente. Seguem:

Em seu sentido manifesto, o valor da consulta para o analista pode representar o reconhecimento de sua capacidade como analista. Para o paciente, o quanto ele se dispõe a investir em um tratamento que dê conta de seu sofrimento psíquico (Antunes; Enck & Heller, 2004, p. 20; itálico nosso).

Desde sua criação, o CAP tem como proposta oferecer à comunidade tratamento analítico a preços acessíveis, ou seja, com valor menor do que é habitualmente cobrado por outros profissionais, até mesmo diferenciado daquele cobrado pelo próprio analista, pertencente ao CAP, em sua clínica particular. O fato de trabalhar com um valor menor teria repercussões no reconhecimento de sua capacidade de analista? Isso afetaria sua contratransferência e abertura ao paciente? Sabe-se que a instituição garante uma localização, mas não uma autoridade, a qual terá de ser construída internamente.

Da questão do custo econômico até o alívio do sofrimento psíquico, há um longo processo a ser trilhado pela dupla analítica na busca dos significados do enigma do valor da consulta. Como destacam os autores já citados:

Existe aí uma metáfora a ser compreendida e decifrada, que implica um longo caminho em que muitos 'valores' precisarão ser contemplados, 'contados', 'contabilizados', num contexto em que o 'valor da consulta' dito em seu conteúdo manifesto, é a fantasia do personagem que clama por ser descoberto e reconhecido (Antunes; Enck & Heller, 2004, p. 26; itálicos nossos).

Assim, fatores contratransferenciais relativos a como o analista percebe o seu valor podem interferir na possibilidade de ir além do manifesto que aparece como valor da consulta e requerem seu exame na própria análise.

Nesse sentido, conforme afirma Francischelli (2007; itálico nosso), o trabalho de colocar a análise no paciente implica a necessidade da análise pessoal do analista como imperativo ético, sendo que ser ou não ser analista diz respeito ao compromisso que cada um assume frente à sua própria verdade enquanto ser. Ademais, o trabalho de colocar a análise no analista (Paixão, 2011; itálico nosso), vencendo as renovadas resistências em ocupar o seu lugar desde a primeira entrevista, encontra eco em Nasio (1999) quando lembra que o primeiro objeto transferencial do paciente não é o analista, mas a relação do psicanalista com a psicanálise.

Podemos acrescentar que, além da transferência com a psicanálise, o analista que atende pelo CAP faz transferências com sua instituição de formação, a qual lhe confere autoridade para representá-la nesse atendimento. No entanto, as relações são atravessadas pela ambivalência e sentimentos de valorizar/desvalorizar ou sentir-se valorizado/desvalorizado, que podem interferir de igual modo no acolhimento ao paciente e precisam ser reconhecidos pelo analista como parte de sua contratransferência. Esses sentimentos podem ainda bloquear o trabalho de reajustes ou de aumento do valor da sessão na medida em que o paciente progride financeiramente.

 

Primeiras entrevistas

Além de fatores peculiares ao atendimento através da instituição, como a via de encaminhamento e o valor da sessão, também nos deparamos com questões que dizem respeito ao encontro analítico de forma geral, como a importância das primeiras entrevistas e a percepção do ritmo do paciente. Tanis (2012) relaciona as primeiras entrevistas com um movimento de abertura em direção ao outro, no qual a expectativa frente à alteridade domina a cena. Ele coloca que

nesses primeiros encontros se condensam, tal como nos sonhos, precipitados das mais remotas vivências e inscrições psíquicas, que se insinuam por meio de afetos, silêncios e palavras, matéria-prima viva de um projeto possível, ou não, que se desenhará no campo inédito do encontro inaugural (Tanis, 2012, p. 11).

Poderiamos acrescentar que, juntamente com a expectativa frente à alteridade do paciente, nos deparamos com cenas inconscientes que nos são familiares, tanto na geração de prazer quanto na de dor. Provavelmente, o encontro com a dor de nossa própria história ativada nos encontros com o paciente seja uma das fontes de nossas resistências para analisar o paciente e, paradoxalmente, um dos vetores que nos levam em direção a ele. Nossa vocação para o ofício de analista contém necessidades de elaboração e reparação de nossa própria história, o que pode facilitar ou dificultar a abertura ao paciente desde os primeiros encontros.

Conforme Rocha (2012), a transformação no paciente de uma demanda por mandato (algo exterior ao psíquico) para uma demanda com certo reconhecimento de conflito interno

(retificação subjetiva) é facilitadora da entrada em análise, sendo fundamental o desejo do analista para se engajar no processo analítico com aquele paciente singular.

No encontro inaugural são destacadas: a qualidade da presença do analista com acolhimento e escuta para o sofrimento (Caligiuri, 2012), buscando gerar significado para as vivências (Ogden, 1989/1992); a criação do vínculo analítico antes de se estabelecer uma análise, quando o analista observa a resposta do paciente à sua escuta e sabe que sua subjetividade condiciona a marcha da análise (Gerchmann, 2012); a relativização do diagnóstico, que é considerado um diagnóstico flutuante (Rocha, 2011); a intensidade traumática do primeiro encontro pelo medo do desconhecido recíproco (o inconsciente como o estranho assustador), que provoca defesas e resistências de ambos os lados (Assis, 2012).

Ao mostrar como trabalha nas primeiras entrevistas, Quinodoz (2002) demonstra a responsabilidade do analista em despertar o desejo no paciente de realizar aquilo que ainda não conhece - a análise -, ao se sentir internamente tocado pela fala de um analista, que o escuta profundamente e abre portas para o inconsciente.

O estudo da teoria psicanalítica envolvendo as primeiras entrevistas levou os participantes do CAP a pensar no ritmo da dupla analista-paciente.

 

Ritmo

Outro fator discutido diz respeito ao ritmo do paciente versus o desejo do analista em relação ao número de sessões.

Observa-se no CAP que o paciente que adere ao tratamento mais comumente começa com uma sessão semanal, sendo o aumento da frequência resultante de uma evolução do trabalho analítico. Discussões pontuaram a questão de que, mesmo que o paciente não entre diretamente em análise, deve sempre estar sob análise, numa referência à escuta analítica que lança as bases para o desenvolvimento de um futuro processo analítico.

Winnicott (1954/2000) sempre enfatizou que cada paciente tem seu próprio ritmo e que o analista deveria acompanhá-lo. Além da ideia de um ajuste do ritmo, citamos Gálvez (2002), que sugere a expressão "construir um paciente" quando o analista, já de início, detecta indícios de que, além do alívio do problema que leva à consulta, o paciente pode se comprometer com a própria subjetividade.

Em uma paciente do CAP que começou com frequência quinzenal e evoluiu para duas sessões semanais, destacam-se o trabalho sobre as resistências, o reconhecimento do próprio sofrimento e a capacidade da analista de se adaptar ao ritmo tolerável por essa paciente com características fóbicas. O aumento do número de sessões resultou do trabalho analítico e encontrou sustentação no desejo da analista em trabalhar com essa paciente em alta frequência, vislumbrando no tempo uma terceira sessão semanal.

Noutro caso, a analista percebeu-se tendo o cuidado de que o seu desejo e o encantamento pela riqueza emocional do paciente não tomassem o lugar do desejo dele e de suas possibilidades para aquele momento. Assim, não propôs de saída a alta frequência, pois notou que ele tinha a tendência de assumir desde pequeno o cuidado com as figuras parentais.

Uma paciente dizia querer análise e a analista propôs três sessões semanais já de imediato. Após iniciarem, a mesma começou a faltar e interrompeu após dois meses de tratamento. A analista percebeu, posteriormente, que se aliara ao lado manifesto da paciente.

Após a interrupção, questionou sua conduta, ponderando que talvez um ritmo menos intenso possibilitasse um trabalho mais gradativo nas resistências. Considerou que a paciente repetiu com ela a conduta de agradar e submeter-se ao outro, mas depois a rompeu.

Durante as reuniões, participantes do CAP referiram que muitos pacientes parecem estar em busca de quem os atenda o mais rapidamente possível, não importando quem nem onde. Seria essa uma característica dos tempos atuais, nos quais se percebe a procura de alívio imediato da angústia e de um suporte para o desamparo e a solidão?

 

Discussão

Em seu trabalho "Criando analistas, criando pacientes de análise", Levine (2012) relaciona a criação de um paciente analítico com a possibilidade interna do analista de criar esse estado interno e se manter como analista com e para o paciente específico, seja abordando estruturas neuróticas ou não neuróticas (carentes de representação).

Nesse sentido, Eizirik (2012, abril) considera que os analistas vivem uma oscilação entre estados mentais em que se sentem mais ou menos construídos ou em permanente construção, num processo dinâmico, interminável e sempre incompleto de reafirmar a identidade analítica.

A reflexão em torno de fatores do paciente e do analista implicados na adesão ou não do paciente ao tratamento psicanalítico permitiu ao grupo do CAP avançar na percepção do que vem acontecendo em suas primeiras entrevistas.

Despertar no paciente o desejo de se analisar requer o trabalho, desde a avaliação, em torno das possíveis resistências do paciente e do próprio analista. Percebeu-se, pelos casos avaliados no CAP, que o analista poderia não trabalhar no sentido do aumento da frequência ou precipitar-se, propondo alta frequência para um paciente que não suportaria tal intensidade. Essas variáveis foram consideradas dentro do campo das possíveis resistências do paciente e do próprio analista ao desenvolvimento do processo analítico. A construção do vínculo antes de se estabelecer propriamente a análise e o ajuste de um ritmo próprio à dupla analítica foram apontados como preventivos de interrupções. Também destacamos a importância da percepção do campo transferencial e contratransferencial que vai além do setting propriamente, que pode ser atravessado pelo institucional desde os contatos iniciais.

Outro aspecto discutido diz respeito à transferência inicial dirigir-se à instituição e não a um analista escolhido pelo paciente. O investimento libidinal do paciente no analista específico poderia criar, já de início, uma maior ligação e possibilidade de adesão do que a via institucional? Por outro lado, sabemos que o encaminhamento, mesmo no âmbito privado, não garante a transferência necessária para que o processo analítico se desenvolva.

A confiança e o reconhecimento na autoridade da instituição sustentariam essa área de vácuo ou de dispersão da transferência inicial até chegar ao analista específico?

Para os pacientes que iniciaram o tratamento com uma ou duas sessões semanais e perspectivas de aumentar para três ou quatro, são descritos: o estabelecimento de um bom vínculo entre analista e paciente, no qual há reciprocidade no desejo de seguir trabalhando juntos; o paciente ter uma percepção subjetiva de sua participação nos seus problemas (não projetar demasiadamente); a demanda de análise ser sentida como sua e não do outro; referir vivências de desamparo e sentir-se acompanhado; a possibilidade de o analista, desde a primeira entrevista, através de sua escuta e abordagem, mostrar como funciona uma análise; a necessidade de o analista não impor seu desejo de alta frequência a um paciente cujas resistências não permitem tal intensidade; a capacidade de o analista observar e respeitar o ritmo possível do paciente, acrescida da receptividade ao desconhecido e do desejo de conhecer aquele paciente singular.

Nas situações em que o tratamento não avançou, quando não houve adesão, constatou-se que a demanda de análise surgiu a partir da solicitação de outra pessoa ou visava mero alívio sintomático, não se transformando em desejo próprio. Eram pacientes muito resistentes ou projetivos. Além disso, o ritmo não foi adequadamente avaliado, propondo-se alta frequência quando isto era impraticável para o paciente, causando aumento das resistências. Nesse sentido, o desejo do analista de ter pacientes em análise e, assim, atender suas necessidades de formação, tanto pode favorecer o processo analítico, ao reconhecer a indicação de análise para aquele paciente, como pode trabalhar na direção de abortá-lo, ao desconsiderar as resistências e a estrutura psíquica do paciente.

Em um levantamento complementar, realizado em julho de 2013, sobre pacientes do CAP que foram atendidos em alta frequência, 17 analistas em formação responderam, contabilizando 21 pacientes atendidos em três ou quatro sessões semanais. Desses 21 pacientes, 11 (53%) tornaram-se casos de supervisão. Esses resultados indicam que foi possível atender em parte a demanda de supervisão para alguns colegas através de pacientes recebidos pelo CAP. Perguntamo-nos se essa pequena amostragem de pacientes que acolhem a indicação de análise reflete de igual modo a realidade de outros centros de atendimento das demais sociedades de psicanálise ligadas à Febrapsi. Cabe lembrar Freud (1912/1969), ao referir que a manifestação de uma transferência negativa é acontecimento muito comum nas instituições, favorecendo a resistência. Também temos de lidar com esse fenômeno nos atendimentos via CAP?

Mesmo assim, além de tornar acessível o tratamento analítico a um maior número de pessoas, o CAP pode contribuir para a graduação de alguns analistas em formação, trazendo pacientes para supervisão e, assim, cumprindo com seus objetivos, embora se almeje alcançar melhores resultados.

 

Considerações finais

Os participantes do CAP consideraram relevante a troca de experiências a fim de ampliar a compreensão de algumas variáveis implicadas na avaliação, na indicação de análise e na adesão ao tratamento em pacientes que chegam pela via institucional.

O trabalho do psicanalista mediado por uma instituição exige uma disposição em analisar sua própria condição de pertencimento à mesma e como se sente em estar ocupando esse lugar onde o encaminhamento não é feito diretamente a sua pessoa, em que o valor da sessão já está determinado como menor do que habitualmente cobraria, no qual a expectativa da alta frequência na maioria das vezes não é contemplada de início e a não adesão ao tratamento é elevada. São fatores que afetam a contratransferência e que, muitas vezes, retiram o analista em formação do atendimento pelo CAP. No entanto, contempladas essas questões, muitos inserem-se no CAP, que se configura em mais uma das vias por onde a clínica psicanalítica se desenvolve, e sentem-se gratificados com seu trabalho analítico e social, ao levar os benefícios da psicanálise a um maior número de pessoas.

Ademais, a instituição pode ser o depositário de uma série de representações e funções antes de chegar ao profissional específico, existindo uma complexa relação preestabelecida (Kohara, 2009). Importa trazer para o setting essa transferência inicial para entender melhor a demanda do paciente e situá-lo no contexto de uma instituição psicanalítica e não de outra ordem (busca de medicação, alívio rápido dos sintomas etc.).

A relação do analista com o paciente que chega através do CAP é atravessada por sua relação com a instituição, com o conjunto de pares, com o próprio paciente, com seu próprio analista e com a psicanálise. Assim como a cena transferencial do paciente que chega através da via institucional está de início ampliada e mais dispersa, requerendo tempo e trabalho psíquico até focar-se no analista e no setting, também a cena contratransferencial está ampliada pelo fato de estar atravessada pelo institucional e por sua representação para o analista.

Considera-se importante o reconhecimento das questões envolvidas no fazer do trabalho mediado pela instituição para melhor entendimento de algumas variáveis que podem facilitar ou dificultar a adesão do paciente ao tratamento analítico e a uma maior satisfação do analista que atende pelo CAP.

 

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Correspondência:
Ane Marlise Port Rodrigues
Rua Carvalho Monteiro, 234/606
90470-100 Porto Alegre, RS
Tel: 51 3332-2506
anemprodrigues@gmail.com

Recebido em 16.12.2013
Aceito em 21.3.2014

 

 

1 Trabalho apresentado como tema livre no XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, em Campo Grande, setembro de 2013.

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