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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.48 no.3 São Paulo set. 2014

 

LANÇAMENTOS

 

Becoming Freud: the making of a psychoanalyst

 

 

Adam Phillips
New Haven; London: Yale University Press, 2014, 178p.

Recentemente os leitores do universo psicanalítico foram presenteados com mais um brilhante livro de Adam Phillips (atualmente editor da nova tradução ao inglês das obras de Sigmund Freud, pela Penguin Modern Classics). Trata-se de Becoming Freud, uma biografia de Freud, até seus 50 anos, que incorpora todas as desconfianças de Freud a respeito da arte de fazer biografias. Como é bem sabido, Freud desenvolvera um tratamento de natureza psicológica que tinha como implicação que seus pacientes contassem e revisitassem suas histórias de vida; ele, no entanto, era cético quanto à possibilidade de se escrever sobre tais histórias. O autor claramente enfatiza, embora admita que esta seja inevitavelmente mal documentada, a história de Freud em seus primeiros anos de vida, como o mais velho e favorecido filho de uma família judia de imigrantes da Europa oriental, trazendo a sugestão de que a psicanálise inventada por Freud era, entre outras coisas, uma psicologia de imigrante, ampliada, naturalmente, de modo universal a todos do mundo moderno. Aponta também que a psicanálise seria uma forma de Freud chegar a uma espécie de acordo com a fé dos judeus europeus do fim do século XIX e princípio do XX. Esta biografia procura incorporar os escritos de Freud e de seus contemporâneos; além disso, utiliza os trabalhos de historiadores do judaísmo na Europa neste significativo momento da história em que se gozou de liberdade política sem precedentes, acompanhada, porém, da ascensão da perseguição. De modo bastante curioso, o autor especula no que a psicanálise poderia ter se tornado caso Freud tivesse falecido em 1906, aos 50 anos, quando ainda não havia emergido o movimento psicanalítico que ele iria presidir. Phillips nos conta essa história de Freud, em todos os níveis possíveis, com a graça e clareza que esta merece, mostrando como Freud continua central para as questões da contemporaneidade, em seus aspectos social, político e cultural, mas principalmente em seu âmbito psicológico.

 

Cuidado, saúde e cultura: trabalhos psíquicos e criatividade na situação analisante

 

 

Luís Claudio Figueiredo
São Paulo: Escuta, 2014, 168p.

Neste novo livro, Figueiredo amplia sua vasta obra psicanalítica ao apresentar um texto que aprofunda o que desenvolvera em seu livro anterior - As diversas faces do cuidar: novos ensaios de psicanálise contemporânea -, promovendo uma intensa interlocução entre os temas saúde e cultura e fazendo com que possamos ter deles uma visão integrada. Ao investigar as relações entre os processos de saúde, física e psíquica, e os processos e objetos da cultura, particularmente em seu alcance sociopolítico, põe em destaque a dimensão estética e criativa nas experiências coletivas. A isso se somam temas próprios da teoria e da clínica psicanalíticas, que, por serem revistas sob o crivo da saúde e da cultura, recebem do autor um tratamento bastante inovador. Grande parte dos textos que compõem o livro foi escrita entre 2010 e 2014, sendo agora revisitados, ampliados e modificados para formar uma unidade temática. Dois capítulos são inéditos, talvez justamente aqueles que se destaquem como mais significativos: o segundo, que aborda a “A interpretação psicanalítica: clínica e formações da cultura” e pode ser descrito como central para as ideias apresentadas neste livro; e o último, “Notas sobre trabalhos psíquicos e saúde mental: os suplementos criativos”, que, redigido especialmente para este volume, condensa e organiza as ideias fundamentais presentes nos demais capítulos de modo a edificar uma visão renovada sobre a atividade psicanalítica. O autor consegue promover enriquecimento e ampliação das áreas de interface do pensamento psicanalítico contemporâneo, tanto no que diz respeito às implicações da psicanálise para com as variadas práticas de cuidado, nos campos da educação, da saúde, da ação comunitária e assim por diante, quanto para um entendimento mais complexo dos processos culturais e de suas dimensões terapêuticas, compreendidas aqui em sentido amplo. Aponta-se que saúde e democracia mantêm entre si um vínculo intenso e profundo, muito mais significativo do que pode parecer à primeira vista. No contexto geral desses temas, percebe-se que a condição central da ação psicanalítica, sua fonte e origem pulsante, deve ser revista em suas particularidades, e mesmo em suas ramificações, a fim de preservar sua importância fundamental enquanto atividade voltada para o cuidado do ser humano.

 

Família, parentalidade e época: um estudo psicanalítico

 

 

Daniela Waldman Teperman
São Paulo: Escuta; Fapesp, 2014, 256p.

Voltada ao estudo da família contemporânea, a autora trilha, nos cinco capítulos que compõem este livro, um percurso investigativo original a partir de cuidadosa leitura do texto lacaniano, de 1938, “Os complexos familiares na formação do indivíduo”, esclarecendo as posições de Lacan sobre o lugar do pai e promovendo uma interessante interlocução entre psicanálise e antropologia. Esse caminho lhe permite assumir que, apesar de todas as transformações por que passa a configuração familiar em nossos tempos, a “família” continua fundamental em sua função de resíduo, ou seja, sua capacidade de fornecer os elementos necessários para que o sujeito se constitua. Evitando posições moralistas e idealistas, discrimina a psicanálise de qualquer dispositivo de normalização. Mantendo-se constante em sua postura ética, alerta para as transformações do mal-estar freudiano, estuda as mudanças do contexto histórico e como se configuram as novas organizações familiares. Propõe séria discussão sobre o termo “parentalidade”, que se coloca como verdadeiro sintoma da família em nossos dias, nos quais se verifica a tendência de querer corrigir as imperfeições de nossa civilização pela correção das imperfeições da transmissão familiar. Sabe-se que “parentalidade” é um neologismo que, nos últimos tempos, vem substituindo gradualmente o termo “família”. Estaria estabelecido um impasse caso se entendesse a parentalidade como afirmativamente destruidora da família em sua condição constitutiva do sujeito? A resposta parece estar na ancoragem que as funções materna e paterna oferecem e nos modos como pai e mãe se conformam como semblantes, para continuar funcionando como resíduo, isto é, como algo de ordem estruturante, ainda que contingente, na medida em que é formado pelos traços, posições e valores prevalentes em certa época histórica do laço social e pela posição específica dos sujeitos implicados em cada uma destas funções. Dialogando entre o universal e homogêneo veiculado pelos discursos sobre a parentalidade e a singularidade inerente à família como resíduo, a psicanálise aponta que, diante da impossibilidade de recobrimento da falta - condensada no aforismo lacaniano “Não há relação sexual” -, haverá que se remeter sempre à singularidade de cada família. É aí que se pode encontrar a ética da psicanálise, do bem-dizer e não de dizer onde está o bem, risco sempre presente no horizonte quando se trata da família.

 

Interpretações: crítica literária e psicanálise

 

 

Cleusa Rios P. Passos
Yudith Rosenbaum (Orgs.)
Cotia, SP: Ateliê, 2014, 251p.

Esta obra, na continuidade do livro Escritas do desejo, das mesmas organizadoras, trata das relações entre crítica literária e psicanálise - relações que estabelecem um vasto campo de pesquisas -, enfocando dois movimentos da leitura poética ou ficcional, aqui representados pelas duas partes do livro: “O ato interpretativo” e “Faces da interpretação”, com suas linguagens próprias. Trata-se de doze ensaios em que críticos e psicanalistas se lançam sobre teorias e obras de vários expoentes da cultura, como Freud, Lacan, Vico, Spitzer, Ricoeur, Matisse, Levi, Rilke, Bauchau, Valéry, Pirandello, Cortázar, Borges, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Chico Buarque, desvendando as formações simbólicas do sujeito e da arte. Esta interface ganhou estatuto de saber constituído a partir dos estudos de Freud sobre obras literárias, pictóricas e plásticas, enquanto modos de sistematizar conceitos de uma psicanálise ainda em desenvolvimento. A partir daí, as confluências entre esses dois campos passaram pelas mais diversas vias, nem sempre ex-cludentes, ainda que frequentemente promotoras de polêmicas, o que poderia ser parcialmente resumido nos temas: entender conteúdos temáticos de um texto como uma espécie de deslocamento das noções da metapsicologia psicanalítica; propor as estruturas linguísticas como sendo significantes móveis e multideterminados; tratar do efeito estético da obra na transferência analítica com o leitor; aplicar a psicanálise no autor a partir de suas motivações e conflitos inconscientes; desconstruir o autor propondo o jogo textual como protagonista exclusivo; utilizar os mecanismos do sonho e das formações inconscientes para compreender a criação artística; e usar o conhecimento psicanalítico como um saber a mais, dentre outros, trazido ao jogo verbal esteticamente elaborado. Essa variedade de aproximações, pontos de vista e entendimentos mostra que o mistério em que se envolve a criação artística continua intacto, tal como se observa no conjunto de ensaios que compõem esse livro, muitos deles apresentados no III Colóquio de Crítica Literária realizado na Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 2012.

 

Metapsicologia: um olhar à luz da pulsão de morte

 

 

Ignácio A. Paim Filho
Porto Alegre: Movimento, 2014, 240p.

Este instigante livro coloca em questão a necessidade de promover um diálogo - e, assim sendo, uma revisão - entre postulados metapsicológicos freudianos estabelecidos à luz da pulsão sexual, enunciados em 1914-1915, e o conceito revolucionário da pulsão de morte; com isso, nos convoca a refletir sobre uma possível nova metapsicologia que exija exaustiva investigação do atual exercício da atividade psicanalítica e de sua postura teórico-clínica. Ao apresentar o texto sobre o narcisismo como uma ruptura significativa na teoria freudiana, o autor realiza a interlocução entre pulsão de vida e pulsão de morte, dando a esta última um estatuto metapsicológico particular. Começando pelo trauma primordial e sua função estruturante, mas também potencialmente não integrador, segue pela proposição de uma disposição feminina originária que promoveria maior consistência à constituição do inconsciente recalcado e não recalcado, dando por meio disso maior possibilidade de se investigar aquilo que de arcaico habitaria o ser humano, seus destinos pulsionais narcísicos. Faz emergir dessas postulações a ideia da origem do psiquismo fundada no masoquismo não erógeno. Ao pensar os enredos da relação das pulsões de vida e morte, propõe a irrupção da existência da solidariedade-excitatória-sexual como um conceito metapsicológico, cuja função seria mediar os encontros pulsionais. Dessa forma, revê o conceito de compulsão à repetição e revisita o conceito de temporalidade presente no pensamento freudiano, recolocando as inquietantes questões do nachträglich e do tempo da pulsão. Ao refazer o encontro da clínica com a cultura, descreve a estruturação e a ressignificação dos destinos do recalque, tanto no contexto de excesso quanto no de déficit. Nesses se encontram as patologias em que predomina o irrepresentável, potencial promotor para o analista da condição de pensar em imagens, problematizando-se o tema da contratransferência. Chega a propor que a sublimação seria um facilitador na ampliação dos recursos que permitiriam fazer novas representações a partir de traços e impressões, numa condição em que o desenvolvimento de uma maior capacidade de criação é essencial frente a um mundo ausente de palavras. Modestamente, conclui sua obra convidando a uma nova leitura do legado de Freud, de modo a se produzir uma constante e vívida interrogação sobre o que compreendemos e fazemos em nome da psicanálise.

 

Retratos do mal-estar contemporâneo na educação

 

 

Rinaldo Voltolini (Org.)
São Paulo: Escuta; Fapesp, 2014, 240p.

Este livro, composto por dezesseis textos de diferentes autores, versa com surpreendente unidade sobre o mal-estar civilizatório no campo da educação, tomando como premissa a indissociabilidade entre o estrutural e o contingente. Na obra freudiana “O mal-estar na civilização”, vê-se paralelamente duas construções: a condição inevitável do conflito entre sujeito e cultura, e a interpretação possível da cultura de uma época, obviamente contingente. Lacan postulara que “contingência é o que descompleta a estrutura”; sendo assim, estrutura e contingência são indissociáveis na análise de um fato social, como na investigação da educação enquanto componente cultural. De modo sintético, para fins de apresentação deste livro, podemos acompanhar o caráter dialético, tão presente nesta obra, da relação entre educar, de natureza estrutural, e a educação, contingencial. Fazendo trabalhar esta relação, os diferentes autores desta coletânea percorrem temas como autoridade, inclusão, filiação, vínculo família-escola, transmissão e ensino, constantes na dimensão do educar e atuais na dimensão da educação. Nesse sentido, há sempre o risco de se deixar levar por um sentimento nostálgico, como aquele de uma quimera infantil, que se apresenta no adulto quando, oniricamente, devaneia com um mundo perfeito, concebido regressivamente sobre sua própria infância, que produziria uma dificuldade maior em ver o presente e o futuro, uma vez que este mundo estaria contaminado pelas míticas sombras do passado que se conservou. Na área da educação, a lamúria nostálgica pode se mostrar com frequência, exprimindo-se normalmente na forma de crise, levando a que se viva constantemente em conflito, tensão, incerteza e dúvida. Facilmente se encontram queixas semelhantes em pesquisas realizadas em condições sociais e econômicas diferentes, em distintos lugares do mundo. Questiona-se o valor que a educação teria nos dias atuais; interroga-se pela força da autoridade no mundo contemporâneo; pergunta-se pela postura dos jovens no mundo de hoje e sobre suas atitudes contestadoras e por vezes desinteressadas. Parece que se pode compreender o risco da nostalgia aqui pela repetida aparição do tempo presente, do hoje, em todas essas inquietações. É louvável o risco que os autores deste livro enfrentam para não caírem na nostalgia do passado idealizado e para conseguirem fazer funcionar a escuta psicanalítica em seus interesses nos impasses da área da educação. Pode-se partir da nostalgia enquanto ficção do sujeito para tal enfrentamento, mas nunca acomodar-se nela - muito menos, nela acreditar, como realidade a ser compartilhada.

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