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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.49 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2015

 

EM PAUTA

 

Oi. Q horas mesmo ficou nossa sessão? TKS.

 

Hi. What time will really be our appointment? TKS.

 

Hola. ¿A qué hora habíamos marcado nuestra sesión? TKS.

 

 

Anette Blaya Luz

Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

Correspondência

 

 


RESUMO

A autora apresenta algumas preocupações frente ao impacto que as novas plataformas de comunicação produzem dentro das relações analíticas. Questões como responder e-mails, torpedos ou WhatsApp, ou ainda se o analista deve ter ou não Facebook, são examinadas. Sem oferecer uma posição conclusiva a respeito dessas questões, a autora propõe que os analistas não podem “perder o trem da história”. É preciso que aprendam a usar essas ferramentas, pois recusar-se a isso pode ser menos neutro do que usá-las. Também são abordadas preocupações a respeito da perda do anonimato na web.

Palavras-chave: anonimato; internet; WhatsApp; Facebook; web; rede; psicanálise virtual.


ABSTRACT

The author expresses her concerns about the impact of new communication platforms on analytic relationships. Issues such as answering e-mails, text messages or WhatsApp, and even if the analyst should have a Facebook account or not, are debated. Without providing a conclusive position, the author proposes that analysts can't be “behind the times”. They must learn how to use these tools, because refusing to do so would be less neutral than using the tools. She also poses concerns about the loss of anonymity due to searching the web.

Keywords: anonymity; internet; WhatsApp; Facebook; web; virtual psychoanalysis.


RESUMEN

La autora presenta algunas preocupaciones relacionadas al impacto que las nuevas formas de comunicación pueden tener en las relaciones psicoanalíticas. Temas como correos, torpedos o WhatsApp, así como si debe o no el analista utilizar el Facebook, son examinados. Sin tener una posición definitiva en esas cuestiones la autora defiende la opinión de que el analista que se omite puede “perder el tren de la historia”. El analista necesita aprender a utilizar esas nuevas formas de comunicación pues rechazarlas puede ser menos neutro que usarlas. La preocupación con la pérdida del anonimato en la web es también examinada.

Palabras clave: anonimato; internet; WhatsApp; Facebook; web; red; psicoanálisis virtual.


 

 

Nascida nos anos 50, não sou uma expert no uso das novas tecnologias cibernéticas, embora não seja totalmente analfabeta nessas novas linguagens. Eu as utilizo bastante bem dentro de certos limites, mesmo que o desenvolvimento assustador de novos aplicativos, que surgem dia após dia, faça me sentir cada vez mais limitada. Sou o que muitos consideram uma imigrante da era digital, enquanto filhos e netos de quem tem a mesma idade que eu são considerados os nativos dessa mesma era. É evidente que as novas tecnologias vieram para ficar e alteraram para sempre nossa cultura e, portanto, a psicanálise destes novos tempos. Dito isso, relato uma vinheta que aconteceu recentemente em meu consultório.

Troquei de telefone celular e pedi a um membro da família, nativo da era digital, que configurasse o novo aparelho para as minhas necessidades, já que não sei fazer isso com a mesma habilidade e destreza - afinal, como imigrante, ainda tenho dificuldades com essa nova linguagem. Em poucos minutos, o novo aparelho (da mesma marca que o anterior, para facilitar minha adaptação) fica pronto para o uso. Em menos de 36 horas, recebo de um paciente bastante atuador a seguinte mensagem no WhatsApp: “Estás muito bem na foto do teu perfil”. Demorei um pouco para entender de que se tratava aquela mensagem. Que foto? Onde? Não tenho Facebook nem Instagram; portanto, não deveria ter nenhum perfil na web. Mas não era na web, e sim no meu nome no WhatsApp. Mais um aprendizado naquele terreno virtual e absolutamente presente no nosso cotidiano. Como lidar com isso? Como administrar essa desconfortável sensação de invasão de privacidade que a mensagem de meu paciente no WhatsApp me obrigou a sentir? Eu poderia não possuir um celular ou não usar o WhatsApp, mas me parece que não podemos nem devemos escapar dessa nova dimensão cibernética. Pelo contrário, devemos aprender a usá-la terapeuticamente, já que é inexorável sua presença dentro do setting analítico atual. Mas como usá-la? Lingiardi (2008) faz a importante pergunta: “Afinal, que tipo de objeto analítico é um e-mail?” (p. 112). E eu acrescento: e um torpedo? E um WhatsApp? E um convite para ser amigo no Facebook? Sem dúvida, é uma nova forma de comunicação, mas com frequência não é possível interpretá-la como faríamos com uma associação livre. Um WhatsApp pode ou não ter a característica de uma livre associação. Muitas vezes, o analista opta por aguardar pelo uso da comunicação dentro da sala de análise, mas nem sempre é possível ou adequado. Ou espera o paciente trazer a questão. O importante é que possamos refletir a respeito dessas circunstâncias, pois são situações que vieram para ficar.

Descrevi esse episódio para introduzir algumas ideias a respeito do uso, quer queiramos ou não, dentro do consultório dessas novas tecnologias de comunicação. A primeira ideia que me ocorre é salientar que um analista nativo da era cibernética vai, provavelmente, ter mais familiaridade e espontaneidade na utilização dessas ferramentas de comunicação. Um analista mais antigo, para não dizer mais velho, um imigrante, vai provavelmente ter mais inibições, dificuldades e resistências ao aproveitamento desses instrumentos no setting analítico.

A psicanálise nasceu mais de um século antes do WhatsApp, do Facebook, do Instagram, na época em que uma chamada telefônica, mesmo dentro da própria cidade, era um feito demorado, além de ser um luxo, pois dependia de uma telefonista e o telefone era um objeto caro. Hoje, mais de cem anos depois, cada indivíduo carrega no bolso seu próprio aparelho celular e pode se comunicar gratuitamente com qualquer pessoa, em qualquer parte do planeta, a qualquer hora. Portanto, é fundamental que façamos uma reflexão a respeito do indivíduo que analisamos hoje e do analista que somos atualmente, comparando-os com o paciente e com o analista do passado. Freud publicou seus primeiros e importantes textos psicanalíticos no final do século XIX, entre 1885 e 1899. Estamos no século XXI. Muitas coisas mudaram desde aqueles tempos.

Quando a psicanálise surgiu, a cultura vienense estava apoiada nas ideias do Iluminismo Alemão, em um mundo onde a Razão organizava os saberes e as certezas, determinando que o pensamento crítico prevalecesse sobre a utopia, sempre regido pelas ideias modernistas. O Modernismo calcado no Positivismo foi um movimento de busca da Verdade, uma só verdade, e aconteceu no seio de uma sociedade que privilegiava os valores universais em detrimento dos individuais. (Carlisky & Eskenazi, 2000, p. 23)

Esse cenário serviu como caldo de cultura para que o pensamento psicanalítico florescesse. A razão, a busca da verdade e o pensar sobre as questões humanas encontraram naqueles tempos uma receptividade que hoje em dia não existe mais. Nossa sociedade mudou.

O homem que é fruto da pós-modernidade quer soluções rápidas, indolores, descartáveis e baratas. Segundo Lipovetsky (1986) houve uma troca dos ideais revolucionários por ideais narcisistas. Podemos frente a isto imaginar que a constituição da identidade e da subjetividade do homem atual sofreu algum impacto e processou-se de modo distinto do homem da era moderna.

Seria possível então imaginar que os pacientes daquela época fossem diferentes dos pacientes que atendemos hoje em nossos consultórios? E o contrário: seria cabível pensar que podem ser iguais? Isto é, que nossos pacientes e os que Freud atendia são iguais, sofrem dos mesmos padecimentos? Ou que sejam pelo menos um pouco parecidos? Que podemos e devemos tratá-los da mesma forma que os psicanalistas do passado? Certamente, sendo todos seres humanos, portanto pertencentes à mesma espécie animal, podemos afirmar que, mesmo sofrendo o impacto das mudanças culturais, sociais e políticas que aconteceram ao longo desta passagem do tempo, não poderia haver nada novo na essência do sofrimento humano. Temos inconsciente e sofremos com conflitos psíquicos. Somos homens e mulheres que, a exemplo de Freud, temos pacientes, todos pertencentes à raça humana e, portanto, passíveis de desenvolver neuroses e psicoses, assim como perturbações de personalidade. Mas podemos nos perguntar que forma o sofrimento do viver pode ter assumido em consequência das vicissitudes que a cultura enfrentou. O sofrimento humano faz parte do viver de qualquer indivíduo, seja nos dias de hoje, seja nos tempos em que Freud viveu. Mas, ao nos questionarmos se este sofrimento é o mesmo, hoje em dia, quando comparado àquele dos tempos passados, precisamos também nos indagar sobre as formas de apresentação e de tratamento dos padecimentos que vemos na clínica psicanalítica atual. Se entendermos que é o mesmo, podemos concluir que o tratamento deva ser o mesmo. Do contrário, somos obrigados a buscar novas alternativas de comunicação com esse novo ciber-humano, que precisa, por exemplo, a cada tantas horas, encontrar uma fonte energética para recarregar as baterias de seu telefone celular, pois se não o fizer ficará incapacitado para exercer suas atividades cotidianas.

Minha tese, neste breve texto, é que, apesar de testemunharmos diferentes manifestações deste sofrimento, ele é, em essência, idêntico ao que apresentavam os pacientes do final do século retrasado ou início do século passado, quando Freud desenvolveu suas importantes observações e teorias.

Sustentarei que, mesmo considerando a mudança catastrófica operada pela pós-modernidade e pelas conquistas tecnológicas, os homens e mulheres que deitam em nossos divãs nos dias de hoje são, em sua essência, os mesmos homens e mulheres, meninos e meninas, que deitaram no divã da Viena do início do século passado, e que deitariam em um divã que fosse colocado nos sombrios desvãos do Castelo de Elsinore ou na encruzilhada entre Tebas e Corinto. (Cruz, 2009, p. 93)

Precisamos, como analistas, nos adaptar a essas novas tecnologias sem, no entanto, deixar de ser psicanalistas. Precisamos aprender a utilizá-las dentro do processo analítico, da mesma forma que precisamos aprender a identificar quando estão sendo usadas para atuações como nos invadir e transpor as portas da nossa individualidade, a exemplo da vinheta que descrevi anteriormente.

A cultura em que Freud e seus pacientes estavam imersos é gritantemente diferente da cultura em que estamos mergulhados hoje. E a própria psicanálise pode ser imputada como responsável por muitas das mudanças culturais que sofremos ao longo do século que nos separa da época em que Freud viveu e construiu suas teorias. Para tomar um só exemplo de mudança radical que testemunhamos e que nos faz tão distintos dos pacientes e analistas daquela época, proponho que examinemos brevemente o tema que diz respeito ao tabu da virgindade.

Até as últimas décadas do milênio passado, ser virgem era considerado uma qualidade que as moças deveriam cultivar. A castidade era dos primeiros atributos que um homem iria buscar em uma mulher. Perder a virgindade antes do matrimônio era vivido com muita vergonha e dor tanto pela moça quanto por sua família. A moça “deflorada” era alvo de chacotas e de falatórios muito cáusticos. As coisas mudaram bastante neste terreno, especialmente nas culturas ocidentais. Muito se deve ao advento da pílula anticoncepcional, que passou a frequentar nossos lares a partir dos anos 60, constituindo-se numa verdadeira revolução nos hábitos sexuais. Ela invadiu o mercado transformando o cenário que ainda não privilegiava as vontades femininas. À mulher era vetado ter desejos de qualquer natureza, particularmente sexual. Aqui a teoria freudiana também trouxe sua contribuição ao incluir tanto as mulheres quanto as crianças no rol de seres humanos que têm direito a sentir desejo e prazer sexual. Acontecia então a revolução sexual, em que as cartelas de pílulas contraceptivas foram levantadas como bandeiras símbolo da liberdade sexual feminina.

Hoje vivemos uma situação quase contrária à da época do nascimento da psicanálise em relação à virgindade. As adolescentes e mulheres de nossos tempos têm vergonha de sua virgindade e inexperiência sexual, chegando ao extremo de mentir a respeito, só para não se sentirem alvo de chacotas e falatórios, que agora se denominam “gozações e bullyings”. Mudou a relação das pessoas com a questão da virgindade, mas permaneceu, e permanece ainda hoje, o medo de ser alvo de falatórios ou gozações. O motivo do falatório mudou, mas a necessidade e o prazer do ser humano em falar mal de outrem se mantêm, assim como o desejo sexual. Antes, uma moça poderia ser alvo de chacotas por não ser mais virgem. Hoje, por ainda o ser. Os valores culturais sofreram mudança, mas as pulsões de vida e de morte seguem as mesmas. A agressividade e a destrutividade humanas estão presentes tanto em uma quanto em outra cultura. A necessidade de excluir e segregar um grupo considerado de menor valor, por não se submeter aos padrões morais vigentes, é a mesma nas duas culturas apresentadas. É importante salientar que tanto a agressão quanto a libido seguem as mesmas, embora o desejo sexual seja bem menos reprimido em nossa cultura (Luz, 2012).

Mas é fato que vivemos em outra dimensão cultural. Esta também diz respeito a todo o avanço tecnológico que nos assaltou nas últimas décadas. A exemplo da pílula anticoncepcional, que facilitou a mudança importante da cultura frente à sexualidade, as novas plataformas de comunicação permitem que a informação se transmita instantaneamente a qualquer ponto da Terra. Isso altera a subjetividade, e essa nova subjetivação transforma pacientes e analistas e, portanto, influi no setting analítico.

A globalização de novas tecnologias de informática e de comunicação, a velocidade característica do final do século passado e deste início de século, bem como o consumo generalizado têm evidentes implicações na construção da identidade e da subjetividade humanas. Nesta sociedade de consumo, em que tanto nós, analistas, como nossos pacientes estamos imersos, o desenvolvimento tecnológico vem crescendo em ritmo alucinado, desde a época da Revolução Industrial até nossos dias. É impactante como o homem conquistou um saber tecnológico - saber esse sem precedentes em sua história. Esse avanço tecnológico se traduz na transformação de toda a sociedade e de seus padrões culturais, sociais e morais. Frente à velocidade das novas tecnologias de comunicação, a psicanálise fica parecendo acontecer em câmera lenta. Precisa se adequar aos novos paradigmas socioculturais se não quiser perder o trem da história. Ao mesmo tempo, é fundamental que a psicanálise ofereça uma possibilidade de reflexão a respeito deste desejo de ultrapassar limites de forma quase alucinada. Paula Sibilia (2003) assim descreve este “pacto” entre o homem contemporâneo e a tecnociência:

[o] pacto visa à ultrapassagem das limitações da organicidade, apontando para a construção de um ser híbrido “pós-biológico”, misto de corpo humano e artifício técnico. A informática, as telecomunicações e as biotecnologias alimentam o sonho neognóstico da “pós-evolução”: através delas, o homem “pós-biológico” almeja se desvincular das restrições espaciais e temporais ligadas à sua materialidade orgânica, para atingir a virtualidade e a imortalidade. (Sibilia, 2003, p. 1)

Dito isso não é difícil perceber como somos diariamente invadidos em nossos consultórios por essas novas mídias, e como esse fato altera permanente e inevitavelmente os processos de análises, nossas relações com os pacientes e principalmente nosso setting analítico. Nosso cotidiano fora dos consultórios também está inexoravelmente modificado e transformado por esse extraordinário avanço tecnológico, que nos inunda, nos facilita muito a vida e, ao mesmo tempo, nos ameaça e adultera como seres humanos. Somos humanos e, como tais, temos limites humanos. A possibilidade tão instantânea de comunicação e presentificação virtual cria a ilusão de onipresença e imortalidade. Mesmo ausentes nos fazemos presentes, seja em vida ou na morte. Concordo com Sibilia quando ela descreve que o “homem pós--orgânico tem ideais fáusticos”, isto é, busca exaustivamente a superação da condição humana, construindo seres híbridos - orgânicos e tecnológicos - que almejam consciente ou inconscientemente a superação da condição natural do humano, deixando de ser finito para ser infinito.

Limites da natureza humana já são hoje em dia ultrapassados, quando se pode, por exemplo, falar a qualquer momento, ao vivo e em cores, em tempo real, com qualquer pessoa do planeta. Ou estar ao mesmo tempo em dois ou mais lugares distintos, usando duas plataformas simultaneamente - o celular e o iPad, por exemplo. Ou amanhecer num continente e jantar noutro. A instantaneidade e a simultaneidade são fenômenos que desrespeitam a natureza humana e que são conquistadas através da conectividade virtual.

Esperar - uma qualidade importante, que Freud entendia como uma conquista do desenvolvimento emocional - hoje em dia caiu em desuso. É démodé! Nem mais é preciso esperar os tradicionais nove meses para saber de que sexo é a criança. E a ultrassonografia em 3D permite uma invasão de privacidade total no espaço sagrado do útero gravídico. Antes mesmo de nascer, o feto já posa para fotos e filmagens!!! E pode também aparecer nas páginas web de Instagram, Twitter ou Facebook. O feto antes de nascer pode inclusive ter um blog seu (Luz, 2010)!!!

A relação com o tempo mudou. A velocidade astronômica com que a informação atravessa o planeta é quase chocante para quem tem mais de 40 anos. A relação com a geografia também se alterou. As distâncias não são mais “tão distantes”. Atualmente, nossos filhos transitam por todas as latitudes do planeta Terra com uma naturalidade que nos é estranha. Os jovens circulam entre um continente e outro como nós fazíamos dentro do nosso país ou como Freud fazia quando transitava entre Viena e Berlim ou Roma. Nossos filhos, quando moram fora, falam conosco todos os dias através do Skype, FaceTime, Facebook, Imo, dentre outros. Sentir saudades ou sentir falta de algo ou alguém é fora de moda hoje em dia. Somos semideuses: sabemos antes, sabemos mais, sabemos rápido. Mas, se perdermos nosso telefone celular, não seremos capazes de lembrar quase nenhum número telefônico, talvez nem o nosso próprio! Esse não é o mesmo indivíduo que buscou análise na época do surgimento da psicanálise. Tanto nós quanto nossos pacientes estamos imersos nessa nova sociedade tecnológica.

Tomemos um exemplo bastante banal. Aqueles de nós que têm computador ou smartphone nos consultórios e os consultam entre uma sessão e outra não poderiam estar prejudicando a relação analítica e perturbando o desenvolvimento do processo naquele setting, quando informações oriundas de fora invadem nossas mentes tão facilmente e a nosso convite? Nós também desejamos estar na privacidade dos nossos consultórios e, ao mesmo tempo, desejamos resolver problemas pessoais, familiares, domésticos e institucionais, ou simplesmente saber as notícias do momento em tempo real.

Examinando sob este ângulo, fica evidente que o setting analítico também se modificou. Pacientes podem ter acesso ao que escrevemos, fazemos ou deixamos de fazer através de uma rápida pesquisa na web. Como ficam os aspectos da neutralidade e do anonimato frente a isso? Pode ou deve um analista ter Facebook ou Instagram, por exemplo? Que grau de privacidade pode ser garantido a qualquer informação postada na rede? Sabemos que, apesar de todas as precauções, não há garantias de sigilo e privacidade quando uma informação cai na rede. São questões pertinentes e muito atuais. Gabbard (2012) considera a perda do anonimato como uma das mais significativas e ansiogênicas mudanças que a hipermodernidade trouxe para nós, analistas.

Há inúmeros questionamentos que nos fazemos diariamente a respeito da melhor conduta técnica frente a essa invasão das novas plataformas de comunicação. Devemos ou não nos comunicar com nossos pacientes via Facebook, Skype, e-mail, torpedos ou WhatsApp? São, todas elas, novas mídias de comunicação, mas será que sua utilização tem o mesmo significado? O uso deste tipo de recurso teria o mesmo impacto no setting de um tratamento com paciente adulto do que com um paciente adolescente? Qual a melhor conduta técnica quando um paciente nos encontra em algum ambiente virtual? Ou quando esse paciente nos convida para sermos “amigos” no Face? Ou, ainda, se tivermos algum “amigo” em comum? E quando o celular toca dentro da sessão, ou não toca, mas acende uma luz que chama a atenção tanto do paciente quanto do analista, e o paciente, sem parar de falar o que estava falando, busca com os olhos o conteúdo daquela mensagem? Todas essas mídias permitem uma conectividade permanente do paciente com o mundo fora da sessão. Permitem também uma conectividade permanente desse mesmo paciente com seu analista, mesmo que este não responda e opte por examinar o assunto na sessão. Ainda assim, já aconteceu a invasão. E o mais difícil é que, numa sociedade como a em que vivemos, esse gesto hoje nem é considerado invasão pela maioria das pessoas. Tornou-se tão banal quanto cumprimentar algum conhecido na rua. E nós, analistas, o que podemos ou devemos fazer? Evitar o uso dessas mídias pode ser uma solução, mas pode ser muito menos neutro. É muito esquisito não portar um telefone celular ou não permitir o acesso a ele. Muitos rosters de Sociedades Psicanalíticas contêm números telefônicos, incluindo celular, além de endereços eletrônicos.

A força com que a realidade cibernética permeia a relação transferencial é algo deveras impactante. Pacientes com pouca capacidade psíquica para administrar angústias primitivas podem usar a conectividade virtual como forma de refazer o vínculo com a pessoa do analista durante um intervalo de final de semana, por exemplo. Isso pode até ser útil para aquele processo e auxiliar o paciente a estabelecer de forma mais definitiva a internalização de um objeto bom, cuidador e responsivo, facilitando assim o estabelecimento da constância objetal dentro do indivíduo.

Vidille (1999), valendo-se de três situações clínicas, descreve o uso que uma paciente faz, durante o período de férias, da mensagem gravada na secretária eletrônica de seu consultório: a voz do analista é usada pela paciente como um objeto transicional virtual sensual integrador, que serve para aplacar angústias muito primitivas e, dessa forma, facilitar o pensar. Em um segundo caso, descreve o uso que um paciente faz do telefone celular, como um cordão umbilical tecnológico sem fio. Num terceiro caso, explicita o que chamou de “caixa lúdica moderna”: o uso que ele e seu paciente adolescente fazem do computador dentro do setting, como um instrumento facilitador da comunicação entre ambos.

Levisky e Silva (2010) discutem igualmente o uso do computador dentro da sala de análise com crianças e adolescentes e como este pode funcionar como material lúdico ou como um interessante “instrumento que viabiliza outras formas de comunicação do material reprimido. Pode funcionar também como um espaço potencial entre a realidade concreta e a psíquica” (p. 66).

Na mesma linha, Lingiardi (2008) discute o ganho, na análise de dois pacientes, que a nova tecnologia trouxe para o setting. O primeiro caso, Melania, uma paciente borderline, chegou a construir um setting paralelo, tamanha a quantidade de e-mails que enviou ao seu terapeuta. Foi a maneira que a paciente encontrou, e seu analista aceitou, de manter-se “presente na mente do analista”, já que ela não acreditava ser possível que o analista a mantivesse presente e viva dentro dele durante os intervalos da análise. O outro paciente, Louis, usava o espaço cibernético como um refúgio psíquico, afirmando que o computador seria um melhor psicanalista do que o próprio analista, por ser mais confiável, previsível e infalível. A função do analista, em ambos os casos, seria a de auxiliar esses pacientes a entender como eles usavam a ferramenta cibernética como

uma alternativa à relação analítica e o analista precisaria ajudá-los a evoluir de relações não humanas (internáuticas) para relacionamentos inter-humanos, a fim de poder dar um significado verdadeiramente humano àquilo, facilitando a mudança de um uso compulsivo para um uso transformacional destes objetos. (Lingiardi, 2008, p. 124)

Por outro lado, pacientes com tendência mais perversa podem usar mal essas mídias, invadindo a privacidade do analista durante um final de semana na busca de controlá-lo e mantê-lo refém de alguma angústia vinculada na mensagem. Quem de nós que trata de pacientes do tipo borderline e usa telefone celular nunca recebeu um comunicado desse tipo de paciente em pleno final de semana? São situações que jamais aconteceriam há dez ou vinte anos atrás. O cibertexto entra na vida privada do portador de celular a qualquer hora do dia ou da noite. Essa é a regra. Exceção é não ter celular, WhatsApp ou Facebook. Mas cabe ressaltar que não entendo o texto teclado como semelhante a uma associação livre.

Kowacs (2014), em interessante artigo publicado na Revista de Psicanálise da SPPA, salienta como as velhas resistências podem se transvestir em trajes hipermoder-nos e como isso pode confundir os analistas ainda não habituados a eles. Enfatiza ainda o fenômeno constituído pelas telea-nálises e a formação de analistas em países até recentemente fora do circuito analítico, como China, Rússia, Japão, Panamá e Cazaquistão. São mudanças que podem muito bem ser de utilidade para o desenvolvimento da psicanálise, mas fica patente o quanto analistas e pacientes do século XXI precisam absorver esses modernismos tecnológicos e refletir teórica e tecnicamente a respeito deles nos settings analíticos.

Apesar dos benefícios inquestionáveis que essa nova tecnologia cibernética nos proporciona, é fundamental que nos lembremos de que a psicanálise

busca a verdade sobre o indivíduo. Trata da retirada das nossas máscaras. Numa era de comunicação instantânea e de perda da contemplação e reflexão, a psicanálise desempenha um papel muito importante - oferece a possibilidade de uma sensação mais profunda de autenticidade baseada no conhecimento dos conflitos inconscientes e num diálogo íntimo com uma pessoa treinada para compreender como a mente funciona. (Gabbard, 2012, on-line)

Portanto, podemos no momento concluir que ainda não estamos adequadamente preparados para essa nova era da cultura, a era da realidade cibernética, virtual, ou era do on-line. Sabemos que são tecnologias cujas plataformas de comunicação apresentam-se repletas de possibilidades que nos seduzem a cada novo aplicativo lançado no mercado. Mas também sabemos os perigos que essas formas tão tecnológicas representam, pois há uma evidente perda de contato humano profundo, íntimo e verdadeiro. O prejuízo para as relações humanas me parece bem significativo. Há um número bem maior de “amigos”, mas muito menos amizades são construídas. O título de um livro de Sherry Turkle (2011), Alone together: why we expect more from technology and less from each other, caracteriza com clareza essa questão. Estamos sempre conectados, mas somos solitários. Máquinas ainda não substituem humanos, mas estão a caminho de. As fronteiras entre nós e nossas smart máquinas estão se dissolvendo. Por isso mesmo, os smartphones, tablets, e-mails e WhatsApp fazem parte dos consultórios cada vez mais.

Kowacs (2014) comenta que cada vez mais o humano perde na fantasia as características humanas e passa a crer que é possível ultrapassar os limites do corpo original. Assim o “indivíduo transforma-se num ser virtual, sem vísceras, secreções ou odores, que com um click faz desaparecer o que frustra ou surgir o que gratifica: o leite virtual jorra no instante em que é desejado” (p. 634). São fantasias com apelo sedutor muito poderoso. Por outro lado, os smartphones são cada vez mais tratados como humanos: têm capinhas protetoras com olhos e orelhinhas, são smart e podem pegar vírus ou bugs.

Para finalizar, gostaria de salientar que, mesmo que ainda não tenhamos compreensões melhores e mais profundas sobre os processos virtuais que invadem nossos consultórios a cada dia, ainda assim não podemos nos furtar de aprender a usá-los, pois é um progresso tecnológico sem retorno. A atenção e o exame dos sentimentos contratransferenciais sempre foi uma ferramenta útil para cada analista em seu dia a dia no consultório. Isto é específico para cada dupla analista-paciente. A utilização dessas novas formas de comunicação poderá ser compreendida da mesma forma: uso específico, com significados específicos para cada nova dupla analítica. Quem sabe nossas análises também possam ser mais efetivas se lograrem unir afetos e smart conexões. O tempo dirá.

 

Referências

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Correspondência:
Anette Blaya Luz
Rua Álvares Machado, 44/505
90630-010 Porto Alegre, RS
Tel: 51 3330-4823
anettebluz@gmail.com

Recebido em 23.02.2015
Aceito em 09.03.2015

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