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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.49 no.3 São Paulo jul./set. 2015

 

EM PAUTA

 

Do trabalho suplementar na constituição subjetiva de gêmeos1,2

 

About further work on the subjective constitution of twins

 

Sobre el trabajo adicional en la constitución subjetiva de mellizos

 

 

Ada MorgensternI; Adela J. Stoppel de GuellerII

IPsicanalista, membro do Departamento de Psicanálise com Crianças, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo
IIPsicanalista, membro do Departamento de Psicanálise com Crianças, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo

Correspondência

 

 


RESUMO

Temos recebido em nossa clínica, cada vez mais frequentemente, crianças e adolescentes gêmeos. Ainda que as queixas e os sintomas sejam próprios da idade e similares aos de qualquer sujeito, deparamo-nos com características particulares no percurso de sua subjetivação, tais como: dificuldades específicas para conquistar uma singularização, para separar-se desse outro tão próximo que se confunde com um duplo ou para constituir o narcisismo e alcançar o lugar de falo imaginário. Todas essas operações parecem requerer um trabalho suplementar na constituição subjetiva dos gêmeos e dos pais. Nossa proposta aqui é refletir sobre esse labor suplementar, que pode fazer necessária a intervenção de um psicanalista. Para isso, caminharemos na companhia do trabalho pioneiro - e inédito em português -da psicanalista Dorothy Burlingham, que dedicou décadas a esse campo de estudos.

Palavras-chave: gemelaridade; função fraterna; falo; duplo; Burlingham.


ABSTRACT

We have received child and adolescent twins in our practice more and more frequently. Although complaints and symptoms are typical of the age and similar to anyone else's, we come across particular features in their subjectification path, such as: specific difficulties in acquiring a singularity, in detaching themselves from someone that is so close that muddles up with a double, or in forming narcissism and reaching the place of imaginary phallus. All these operations seem to require further work on the subjective constitution of twins and parents. In this paper, we intend to think about this additional work, which may need a psychoanalyst's intervention. To that end, we will follow the pioneering work of Dorothy Burlingham, a psychoanalyst who dedicated decades to this field of study. Her work has not been published in Portuguese yet.

Keywords: twinship; fraternal function/ brotherly function; phallus; double; Burlingham.


RESUMEN

Recibimos en nuestros consultorios, cada vez con más frecuencia, a niños y adolescentes mellizos. Aunque las quejas y los síntomas sean característicos de la edad y parecidos a los de cualquier sujeto, encontramos características particulares en el recorrido de la subjetivación, tales como: dificultades específicas para conquistar la singularidad, para separarse de ese otro tan próximo que se confunde con un doble o para constituir el narcisismo y alcanzar el lugar de completitud imaginaria. Todas esas operaciones parecen necesitar un trabajo adicional en la constitución subjetiva de los mellizos y sus padres. Nuestra propuesta es reflexionar sobre ese trabajo adicional, que puede tornar necesaria la intervención de un psicoanalista. Para eso, caminaremos acompañando el trabajo pionero de Dorothy Burlingham que dedicó décadas a ese campo de estudios.

Palabras clave: gemelar; función fraterna; completitud; doble; Burlingham.


 

 

O universo da gemelaridade ocupa o imaginário dos homens desde os tempos mais antigos, remetendo à ideia de duplo, de completude e de Unheimliche, como se observa em mitos e regras de diversas culturas, na literatura etc. Mas, nas últimas décadas, ele se expande visivelmente, na medida em que a porcentagem de nascimentos gemelares se vê "transbordada" pela intervenção de avanços tecnológicos da biomedicina. Ao fazer proliferarem gestações gemelares, as novas técnicas de reprodução assistida introduzem uma nova proporção de múltiplos na sociedade. Consequentemente, a chegada de crianças e adolescentes gêmeos a consultórios de psicanalistas tem sido mais frequente, o que nos levou a perguntar por suas peculiaridades. Encontramos pais fascinados e horrorizados com seus múltiplos, que não raro se veem em dificuldades significativas para exercer suas funções e chegam a nós pedindo ajuda.

As crianças que recebemos tinham nascido como resultado da medicina da reprodução. Nenhuma delas era gêmea idêntica, ou gêmea "verdadeira". A princípio, as queixas e os sintomas pelos quais foram trazidas nos pareceram semelhantes aos de outras crianças, mas, aos poucos, foram surgindo singularidades que nos fizeram pensar que a gemelaridade merecia ser estudada, sem, no entanto, torná-la uma categoria clínica.

Consideramos que a gemelaridade permite ver numa lente de aumento as relações fraternas e mostra algumas particularidades nas quais nos detemos. Em outros trabalhos, discutimos reprodução assistida e parentalidade (Morgenstern & Gueller, 2012, no prelo; Morgenstern, Gueller & Ferreira, 2010). Aqui, nos concentramos na relação fraterna, destacando o trabalho pioneiro de Dorothy Burlingham sobre a gemelaridade (1945, 1946, 1949a, 1949b, 1952; Burlingham & Barron, 1963).

A produção psicanalítica sobre a complexidade resultante das filiações gemelares é escassa. Freud (1920/1996) só tratou do assunto numa única oportunidade: ao falar sobre a jovem homossexual, numa nota de rodapé, ele cita o caso de dois irmãos gêmeos, um que fazia muito sucesso com as mulheres e o outro que havia "se retirado em benefício do primeiro", fazendo uma escolha homossexual de objeto. Freud sublinhou que essa retirada obedecia a condições psíquicas muito complexas e que intervinha tanto na escolha amorosa quanto na profissional. Um exemplo semelhante é dado por George Sand (1953), em seu romance Os gêmeos: o pai arruma uma vaga para que um dos gêmeos trabalhe, mas não consegue decidir qual dos dois. Um deveria se sacrificar. Nesse caso, foi o irmão de saúde mais debilitada que o fez em benefício do outro. Anos mais tarde, o gêmeo que tinha saído para trabalhar se apaixona por uma moça. Surpreendendo a todos, o outro, frágil e doente, decide servir o exército, pois se havia apaixonado pela mesma moça. Como no caso descrito por Freud, um dos gêmeos se retira em benefício do outro.

A via aberta por Freud nos leva a pensar que não é raro que um dos gêmeos encontre uma saída de tipo melancólico, renunciando à competição, à disputa ou à conquista de um lugar fálico, seja com o irmão, seja com um dos genitores.

Um caso apresentado por Kancyper (2003) também se enquadra nessa alternativa. Hernán, um adolescente, odiava sua própria imagem, sobreinvestida de onipotência negativa. Segundo suas palavras, ele era uma "metade" e um "nada" (p. 979), enquanto seu irmão, investido como eu ideal positivo, era maravilhoso.

Atribuir ao irmão o lugar de eu ideal enquanto quem faz essa atribuição se apaga pode aparecer também entre irmãos não gêmeos, sobretudo se a diferença de idade for pequena. Um deles assume o lugar fálico, enquanto o outro se apaga, funcionando como objeto a (Bergès & Balbo, 1997, pp. 135-139).

Um dos primeiros psicanalistas que dedicou um trabalho especificamente à gemelaridade foi Heinz Hartmann. Seu estudo sobre dez pares de gêmeos idênticos foi publicado nos números 50 (1934) e 51 (1935) dos Jahrbücher für Psychiatrie und Neurologie (Hartmann, 1969). Fundador da chamada psicologia do ego, Hartmann tentou nessa pesquisa identificar o peso das influências ambientais na formação do caráter de gêmeos, partindo da suposição de que os fatores genéticos seriam os mesmos (por serem gêmeos idênticos).

Seguindo a trilha dos pioneiros, encontramos os trabalhos de Dorothy Burlingham, parceira e colaboradora de Anna Freud. Seu primeiro trabalho sobre o tema é "Fantasy of having a twin" (Burlingham, 1945), em que descreve a fantasia de ter um irmão gêmeo. Presente em muitos sujeitos, tal fantasia se integra ao romance familiar e serve para compensar sentimentos de solidão. É uma fantasia de completude que nega a separação. Burlingham a associa às fantasias com animais de estimação: ambas sustentam a possibilidade de comunicação sem palavras com o outro.

Nessa mesma direção, diz Arlette Bernos (1993, p. 63): "a experiência analítica nos ensinou, há muito tempo, que não é necessário haver um gêmeo real para tê-lo fantasmaticamente".

Burlingham comenta que, no período de latência, as crianças são dominadas por sentimentos de solidão e isolamento quando são desapontadas pelos pais no estágio edípico do desenvolvimento. Algumas imaginam um gêmeo como uma companhia inseparável, que lhes dará a compreensão e o amor que desejam e de que sentem falta. Outras, dominadas por suas limitações e pela impotência - devido ao complexo de castração -, imaginam um gêmeo como um complemento de si mesmas, que lhes proporcionará o dobro de força e coragem de que precisam para superar sua inferioridade.

Para todas as crianças que imaginam um outro como sendo seu gêmeo ou fantasiam um para superar sua solidão, a visão de gêmeos reais aparece como o protótipo do que desejam: uma relação superior, em todos os sentidos, à que construíram cuidadosamente e criaram artificialmente para si mesmas. Assim, conclui Burlingham (1946), os gêmeos devem sentir que têm algo que é mais atraente e interessante para as outras crianças, de certo modo superior às amizades comuns, e que são invejados por sua gemelaridade. O que nossa clínica mostra é que, para sustentar essa superioridade frente aos outros, eles precisam se apresentar como uma dupla inseparável, de modo a encobrir os sentimentos de dependência de um em relação ao outro. Tudo vai bem se estão juntos, mas, se devem prestar contas separadamente, manifestase a fragilidade.

No romance Christopher and Columbus (Arnim, 1919), as protagonistas são duas gêmeas de 17 anos, a princípio descritas como muito semelhantes e frequentemente confundidas, mas, mais tarde, caracterizadas como muito diferentes. Uma é eficiente e saudável e se sente responsável pela outra, que é bonita, delicada e desamparada. A história começa quando elas perdem a mãe e vivem essa morte de forma culposa, por seu mau comportamento. O feliz companheirismo das irmãs permanece imperturbado até que uma delas se apaixona. Nesse momento, uma gêmea entra em completo desespero com a ideia de perder a outra. Recria-se, portanto, a situação emocional da perda de um objeto de amor, e, como saída, o autor reúne oportunamente as gêmeas. A força motivadora por trás da história é a busca da companheira inseparável, baseada num sentimento de perda e solidão (Burlingham, 1945).

Burlingham assinala que há ainda outro uso para as fantasias de gêmeos, que é expressar grande força e invencibilidade. Na mesma perspectiva, Otto Rank (1932, p. 65) já havia sugerido que, "no começo, os gêmeos não podiam executar suas ações heroicas se não permanecessem juntos, porque é precisamente a gemelaridade que lhes assegura a imortalidade". Esse elemento é encontrado nas histórias de aventura em que o "herói" usual é substituído por um par de gêmeos. Dois são capazes de fazer o que um não poderia fazer sozinho, devido à combinação de suas forças e poderes. Há aí alguma semelhança entre essas histórias e a fantasia de duplicar ou multiplicar partes do corpo, o que acontece com crianças, especialmente meninos, quando passam por uma fase de ansiedade de castração. Em seu medo de perder o pênis, ou um braço, ou uma perna etc., eles se dotam de excedentes desses atributos valiosos. A fantasia do herói gêmeo expressa a ideia: "sou pequeno e fraco frente ao perigo, mas, se eu fosse duas vezes maior, duas vezes mais forte, duas vezes mais esperto, não há nada que eu não seria capaz de fazer" (Burlingham, 1945, p. 210).

Em alguns casos, como assinala Burlingham (1945), a multiplicação ou a fusão são respostas à ansiedade de castração, mas observamos que, em outros, pode tratar-se de defesas mais arcaicas, que remetem ao corpo fragmentado ou à perda de limites corporais. Nesses casos, o irmão é primeiramente uma parte do corpo materno, e estar colado a ele é como estar colado à mãe. O irmão simboliza o cordão umbilical, primeira representação da série de transposições do objeto parcial, primeiro símbolo do risco mortal incluído na vida (Kaës, 2011, p. 66). "Tudo se condensa sem geração, sem nexo, não se trata de engendramento, mas de reprodução por cissiparidade, seriação, levantamento holográfico prévio, clonagem" (Kaës, 2011, p. 67). Nesse magma condensado, não há filhos nem pais - todos são irmão ou irmã, sem diferenças de geração ou de sexo.

Essa angústia apareceu no sonho de um menino de 8 anos, um dos casos de gêmeos que atendemos. Numa sessão, aludindo a um sonho repetitivo, ele desenha uma lesma gigante. Dessa lesma "monstruosa", saíam muitas pessoinhas que viravam uma gosma. O sonho parecia figurar uma cena de reprodução assexuada: a lesma soltava um ácido que produzia réplicas indefinidamente, e todas as pessoinhas viravam novamente uma gosma. Uma matriz, uma placenta que excreta pessoinhas que voltam a ficar indiferenciadas numa gosma. A lesma é um ser assexuado que produz infinitos múltiplos. A diferenciação se perde rapidamente virando gosma. O fantasma da lesma monstruosa encena a confusão aglutinante temida. Em outra sessão, ele comentou: "Eu nunca vou me casar ou, se eu casar, só se for comigo mesmo".

Seguindo a trilha de Hartmann (1969), Burlingham (1946) trabalhou sobre as influências ambientais na gemelaridade, mostrando que a atitude da mãe para com os gêmeos, a reação de irmãos e irmãs frente a essa relação gemelar e o comportamento peculiar das pessoas que têm contato com gêmeos têm influência direta nas crianças. Por exemplo, uma mãe escreve sobre seu filho de 3 anos, percebendo o sofrimento dele por causa da atenção que os gêmeos, 15 meses mais novos, recebiam.

No interesse de Bob, dei a eles atenção mínima. Sempre que eu saía com eles, o carrinho era rodeado de admiradores, todos admirando os gêmeos, é claro; poucas pessoas tinham o senso de dizer uma única palavra a Bob. Então, eu normalmente voltava pra casa furiosa! [...] Ele parecia uma criatura tão desesperada, eu sempre fazia questão de falar com ele e fazer estardalhaço. (Burlingham, 1946, p. 63)

O fato de haver gêmeos criou uma ocorrência incomum: eles eram dois, e a criança mais velha, apenas uma. Isso concorreu para aumentar as reações emocionais no mais velho, além de deixar a mãe insegura e tendendo a compensá-lo. Nesse movimento, ela acabou reduzindo seu investimento nos gêmeos.

Finalmente, Burlingham (1949a, 1949b, 1952; Burlingham & Barron, 1963) começa a dedicar artigos às relações entre gêmeos, a partir da observação de quatro duplas e um conjunto de trigêmeos que ficaram internados no berçário de Hampstead, durante a Segunda Guerra, entre o primeiro e o quarto ano de idade.

Durante os primeiros meses, os gêmeos não pareciam registrar seus irmãos. Rolland percebeu seu irmão Jill no oitavo mês de vida. Bill começou a sorrir para Bert aos 7 meses. Com Jessie e Bessie, o fenômeno aconteceu aos 10 meses (Burlingham, 1949a, p. 58).

Essa observação permite situar a identificação do irmão gêmeo como um semelhante no estádio do espelho. Ou seja, é no momento em que o eu se constitui como unidade a partir do reconhecimento da imagem especular que o gêmeo identifica seu irmão como tal. Mas pode ser que eles se confundam, como aconteceu com Bert e Bill, aos 17 e aos 27 meses de idade. Nesse caso, em vez de encontrar uma imagem, o gêmeo encontra um outro real, um duplo de si mesmo.

Para que se constitua a ilusão necessária de ser uma pessoa total, precisamos de um semelhante ou de um espelho que represente o sujeito a partir de um vazio. A mãe, o Outro primordial, precisa ser o espelho em que o bebê se poderá olhar. Os gêmeos podem ter dificuldades para atravessar esse momento constituinte porque, em vez de encontrar um vazio, o irmão pode preencher essa falta. Pode ocorrer então que o estádio do espelho se converta num espelhismo: "não há outro lugar senão o do duplo, sem abertura ao simbólico" (Salzberg, 2000, p. 192).

Os pais de João, de 8 anos, levaram-no a uma consulta porque ele se queixava de "aperto": todas as roupas ficavam apertadas; ele tinha que usar sapatos e blusas muito maiores que seu tamanho e, mesmo assim, reclamava. O irmão gêmeo tinha um sintoma oposto: queria tudo bem apertado, até que "os sapatos o machucassem". No discurso dos pais, um era sempre comparado ao outro. Os sintomas complementares dos meninos imaginarizavam uma diferença simbólica que não acabava de se constituir. Nenhum dos dois se encaixava bem na roupa. João queria proximidade dos pais, sobretudo da mãe, e distância do irmão. O incômodo com a roupa aparecia como o que ele conseguia nomear e transformar em queixa. Mas algo excedia a nomeação e aparecia como real pulsional, fazendo com que ele ficasse inquieto o tempo inteiro, como se tivesse formigas andando pelo corpo: algo do real do corpo impedia a unificação do eu como superfície corporal, por uma falha na identificação simbólica. Seu corpo o estorvava permanentemente e ele não conseguia sair dessa captura imaginária.

Burlingham (1949a) assinalou também que, por volta dos 10 meses, os gêmeos começaram a disputar a atenção da mãe. Uns choravam, outros ficavam tristes. As reações eram mais intensas que nas outras crianças. Assim, podemos supor que a disputa entre gêmeos seja uma tentativa de tirar o irmão do lugar do outro especular para ocupar o lugar de falo imaginário para a mãe, pois, para ser o falo materno, a criança precisa ser para a mãe um objeto sem equivalente, já que o falo é necessariamente único e incomparável. O bebê pode se identificar com essa imagem fálica - que Lacan define como i(a), imagem real - por amor, para preencher a falta do Outro (ou seja, sua castração). Essa identificação permite soldar o corpo ao falo, dando-lhe unidade e constituindo a encarnação imaginária do sujeito. Sem essa identificação (do corpo ao falo) que constitui a substância do eu ideal, o corpo mergulha numa ausência despedaçante. Uma vez unificado, o sujeito pode vir a se nomear eu, distinguindo-se dos semelhantes e caminhando em direção a sua singularidade. Seria esse - ser único - um dos impossíveis da gemelaridade?

A competição pela atenção materna assinala a dificuldade de ocupar um lugar único e incomparável, mas permite viabilizar distinções na dupla, já que cada um reage de um modo, forçando a mãe a reconhecer as diferenças entre ambos.

Bessie simplesmente recusava ser alimentada em segundo lugar. A mãe tinha se convencido a ser sempre justa com as gêmeas e sempre tratá-las igualmente. Mas, quando Jessie era pega no colo primeiro, Bessie gritava e chegava a tal estado que a mãe era forçada a pegá-la. (Burlingham, 1949a, p. 59)

Vemos assim que, quando se estabelece uma competição permanente, fica dificultada a identificação do eu com o eu ideal. Isso nos leva a perguntar o que acontece com a constituição do objeto e do eu, uma vez que é essa identificação que reafirma o sujeito em sua singularidade, garantindo-lhe futura eficácia (Lacan, 1938/1977).

Burlingham (1949a) diz que o maior número de reações emocionais foi observado durante a alimentação, ou seja, no estabelecimento do circuito pulsional. Se pensarmos que Freud propunha que as pulsões sexuais derivam anacliticamente das pulsões de autoconservação e que por isso precisam destacar-se do objeto externo original para encontrar seu funcionamento autoerótico, o que acontece quando há uma disputa permanente que pode impedir esse recolhimento necessário ao autoerotismo? Poderá a criança viver a experiência de "estar a sós na presença do outro" (Winnicott, 1958/1981, p. 33)?

"Aos 17 meses, Bill e Bert já conseguiam comer sozinhos, mas, quando Bill notava que uma enfermeira alimentava seu irmão, ficava furioso e jogava o prato no chão" (Burlingham, 1949a, p. 60). Assim, Bill mostrava querer estar no lugar do outro gêmeo e receber o que ele estava recebendo. Bill parecia ter dificuldade de se recolher numa satisfação autoerótica como continuidade fantasmática da experiência de satisfação. A visão da dupla cuidadora-irmão lhe despertava sentimentos insuportáveis de inveja e ciúme, que impediam um recolhimento sobre si. O desejo de ser alimentado se choca com uma dupla espera: a espera pela mãe e a espera de que o outro-si-mesmo seja alimentado para então chegar a sua vez. Nessa situação, o irmão se torna um rival odiado, e a mãe, como complemento do outro, tomando o lugar ocupado habitualmente pelo irmão, também se torna objeto de ódio.

Burlingham (1949a) aponta outra característica importante: a diferenciação que estabelecem os gêmeos entre si, tendendo a ficar um no papel passivo e outro no papel ativo. Jill tirava os brinquedos de Rolland, que a olhava desconcertado e só resmungava. Bill pegava as coisas do irmão, o empurrava e se sentava em cima dele. Aos 14 meses, Bessie descobriu o prazer de provocar Jessie puxando-lhe os cabelos. Jessie tentava evitá-la. Se elas ganhavam biscoitos, Jessie comia rapidamente os seus, enquanto Bessie beliscava os dela e ficava observando os olhos ávidos da irmã. Então lhe oferecia um pedacinho e o retirava quando Jessie estendia a mão. Aos 15 meses, Jessie começou a revidar, e a partir de então trocaram as posições ativa e passiva. Bill era mais ativo que Bert e foi o primeiro a engatinhar e a ficar de pé. Aos 8 meses, ele já tirava coisas do irmão; aos 12, não só lhe tirava as coisas como o lançava no chão e se sentava nele, enquanto Bert simplesmente chorava, mostrando-se desamparado. Aos 13 meses, às vezes, Bert conseguia ficar com um brinquedo. Aos 15, eles se mordiam, mas Bill atacava mais frequente e violentamente, e Bert tinha de ser protegido dele (Burlingham, 1949a).

Burlingham (1949a) assinala ainda que os gêmeos passivos não ficam satisfeitos com seu papel de subordinados e que, por esse motivo, quando a atividade do gêmeo ativo fica reduzida, imediatamente o passivo tira vantagem da situação. Foi o que aconteceu com Jessie quando sua irmã adoeceu - elas inverteram as posições. Mas essa inversão nem sempre ocorre, fixando-se as posições passiva e ativa. Eis aí outro impossível da gemelaridade: a singularização demanda uma diferenciação, mas, muitas vezes, essa diferenciação está atrelada a uma complementaridade, que em si não permite uma singularização.

Burlingham (1949a) também observou as conquistas dos gêmeos: sentar, engatinhar, andar etc. Aquele que ainda não a atingira ficava triste ou irritado. Sabemos que, quando têm menos de dois anos de diferença, os irmãos menores tentam imitar o mais velho. Nos gêmeos, essa situação se vê antecipada e reforçada pela relação com a mãe ou a babá, porque eles observam não só a felicidade do irmão com as conquistas como também a da mãe ou da cuidadora, que reconhecem prazerosamente esse progresso. Nessa configuração, pode acontecer de os pais começarem a falar de um filho - aquele que identificam como problemático - e, lentamente, passarem a falar do outro - o bem-sucedido. Um filho é falicizado, enquanto o outro é colocado como resto. O que aparece no discurso dos pais repercute de alguma maneira na posição adotada pelos filhos.

Uma última constatação importante de Burlingham se refere à imitação. Ela observou que, embora normalmente as crianças comecem a imitar os outros por volta dos 9 meses, os gêmeos começavam a fazê-lo perto dos 12:

Aos 12 meses, Jill notou que Rolland estava bebendo numa caneca. Ela pegou sua própria caneca e bebeu também. Aos 12 meses, Bert balançou a cabeça, e Bill o copiou. Aos 13 meses, Bert notou que Bill cantava e cantou também. Aos 15 meses, quando Jessie deixou cair sua colher, Bessie deixou cair a sua. Quando os gêmeos aprenderam a ir ao penico, Bert batia os pés no chão. Bill o imitava. Isso era algo que a maioria das crianças fazia: uma criança começava e as outras seguiam o exemplo. (Burlingham, 1949a, p. 62)

Segundo a autora, imitar se tornou expressão de uma relação íntima. Entre Bill e Bert, por exemplo, tomou forma de um jogo mútuo. Um tinha prazer em observar o que o outro fazia, e o outro tinha prazer em imitá-lo.

Imitar supõe um outro a quem imitar. Imitar é reproduzir uma imagem (Lacan, 1989). Assim como o estádio do espelho, a imitação é um ponto a ser alcançado. Precisamos contar com um outro a quem imitar e com uma imagem a ser imitada. O que ocorre antes do estádio do espelho, ou seja, antes do reconhecimento do outro e de si, pode ser pensado como uma forma de mimetismo, e não de imitação. Diferentemente da imitação, a mimese indica uma incapacidade de manter os limites entre o interior e o exterior, que borra os contornos da unidade (Caillois, 1938/1979). Na mimese, o corpo duplica o espaço à sua volta e ao mesmo tempo é possuído por esse espaço. Nesse sentido, a atividade mimética não está a serviço da adaptação (na acepção mais comum do termo), mas sim da experiência de algo que "não é eu". No entanto, há uma convergência entre o mimetismo e a imitação, haja vista que não raro os termos são tomados como sinônimos. A distinção é sutil, mas clinicamente muito importante: destacamos a questão de se dissolver no espaço, que o mimetismo promove, enquanto na imitação já existem contornos entre eu e não eu.

Retomando o caso de João, durante o percurso de sua análise, os pais pediram um encaminhamento para o irmão. Quando o tratamento de João já se havia encerrado, soubemos que o irmão passou a reclamar do aperto, nos mesmos termos com que antes o fazia João. O sintoma tinha passado de um a outro. Tratava-se de imitação ou de mimese? Acreditamos que estamos diante de mais um dos impossíveis da gemelaridade. Se o sintoma é o nome da identidade do sujeito, seu verdadeiro nome próprio - pois nomeia o sujeito "a partir de uma e apenas uma singularidade" (Soler, 2009, p. 174) -, o que implica essa transmissão do sintoma de um irmão ao outro? Esse pêndulo que se instaura entre eles, marcando ora o reconhecimento do outro como outro, ora uma dissolução de um no outro, promove um permanente desequilíbrio nessa construção necessária na busca de uma identidade própria.

Assim como a questão da imitação pode surgir um pouco mais tarde em crianças gêmeas, Bishop e Mogford (2002) e Luria e Yudovich (1985) também observaram que, na aquisição da linguagem, havia mais retardos em casos de gêmeos. Uma das particularidades dessa aquisição é que os gêmeos criam uma linguagem própria, que nem mesmo a mãe compreende. Vários estudos relacionam essa questão da linguagem com o tipo de encapsulamento produzido por irmãos gêmeos, que muitas vezes passa desapercebido pelos adultos do entorno e que também produz efeitos na socialização dessas crianças (Bishop & Mogford, 2002; Zazzo, 1976). Para Feldman e Eidelman (2009), atrasos no desenvolvimento de trigêmeos, ou de algum deles, são mais frequentes nos primeiros dois anos de vida. Acompanhando essas crianças até os 5 anos de idade, eles verificaram que alguns desses atrasos podem ser superados, mas outros persistem.

Nos primeiros tempos na creche, Liosha e Yura, os gêmeos estudados por Luria e Yudovich (1985), não queriam manter contato contínuo com nenhuma outra criança e passavam o tempo todo em companhia um do outro. Quando não estavam juntos, ficavam inquietos e um ia procurar o outro. Quando se castigava um, o outro chorava também, mas normalmente não reagiam se fosse com outra criança. Nesse caso, diziam apenas "não Liosia", "não Liulia". Quanto ao desenvolvimento da linguagem, observou-se que empregavam as palavras do vocabulário habitual particularmente para se comunicar com os adultos e quase sempre para responder perguntas, mas, entre eles, falavam numa linguagem dita autônoma, ou criptofasia (Bishop & Mogford, 2002). Normalmente, eles a inibiam ou cessavam completamente diante de um adulto, e só era possível ouvi-la quando brincavam juntos se eles não notassem a presença do observador (Luria & Yudovich, 1985, p. 30).

A criação de uma linguagem secreta entre gêmeos requer um esforço suplementar da mãe, para contrabalançar a tendência a formarem um sistema fechado entre si, que corre o risco de se transformar no que poderíamos chamar de autismo a dois, por excluir a entrada de um terceiro. Quando exilados do investimento parental, a saída possível dos gêmeos é refugiar-se um no outro. Um pai conta: "Tenho me esforçado para estar mais presente com meus filhos, mas, por eles serem gêmeos, percebo que são muito unidos e 'cúmplices', e às vezes se bastam." Essa interpretação pode induzir a um desinvestimento afetivo do adulto em relação às crianças, como ocorreu com as irmãs Jennifer e June Gibbons, nascidas no Reino Unido em 1963 (Wallace, 1988). Circunstâncias familiares particulares fizeram com que elas se isolassem e passassem a infância trancadas em seu quarto, falando muito depressa um inglês privado, a ponto de ser incompreensível para todos os outros.

Nesses casos, o que ocorre é um deslocamento da mãe fálica ao irmão - objeto de contiguidade. O gêmeo ocuparia para o outro o lugar do eu ideal, substituindo a mãe ideal do triângulo imaginário. A dupla parece bastar-se e pouco se afetar pela presença ou pela ausência da mãe, já que o outro do par gemelar está lá, sempre presente.

Em todos esses casos, pareceria que algo do que falha na função materna é suplementado pela função fraterna. Contudo, a função fraterna se mostra mais frágil que a materna para a sustentação simbólica do sujeito.

Se para o bebê a mãe se apresenta inicialmente como uma das figurações do duplo, a situação gemelar introduz uma dificuldade suplementar nesse processo, já que o irmão também se apresenta como um outro-si-mesmo, um duplo. Podemos pensar que a questão do duplo talvez não se resolva jamais, configurando-se como mais um dos impossíveis da gemelaridade.

Essa resistência de gêmeos à entrada de um terceiro evidencia a fascinação especular e mimética que a experiência gemelar suscita, bem como o desejo de mantê-la, o que muitas vezes tem um alto custo, como no caso do já citado romance Christopher and Columbus. O par se desfaz frente à entrada de um terceiro - o namorado de uma das gêmeas -, marcando uma separação. Nessa situação, uma das gêmeas expressa a angústia de desamparo e a ameaça de desorganização egoica da dupla, manifestando a dificuldade de transcender o narcisismo e aceder à alteridade.

A propósito do duplo, Otto Rank (1914/ 1976, pp. 74-75) afirma que, sentindo-se particularmente ameaçado pela destruição inevitável do eu, o narcisismo primitivo cria como primeira representação da alma uma imagem tão exata quanto possível do eu corporal, isto é, um verdadeiro duplo, para fazer um desmentido da morte pelo desdobramento do eu sob a forma de sombra ou de reflexo.

Para Freud (1919/1997, p. 235), originalmente, o duplo era uma segurança contra a destruição do ego, uma enérgica negação do poder da morte, e provavelmente a alma imortal foi o primeiro duplo do corpo. A invenção do duplicar como defesa contra a extinção tem sua contraparte na linguagem dos sonhos, que representa a castração pela duplicação ou multiplicação de um símbolo genital. O mesmo desejo levou os antigos egípcios a desenvolver a arte de fazer imagens do morto em materiais duradouros. No entanto, tais ideias brotaram do solo do amor próprio ilimitado, do narcisismo primário que domina a mente da criança e do homem primitivo. Porém, quando essa etapa está superada, o duplo inverte seu aspecto. Depois de haver sido uma garantia de imortalidade, transforma-se em estranho anunciador da morte.

Retomando a história das irmãs Gibbons, June na adolescência escreveu:

Algo mágico está acontecendo. Pela primeira vez, vejo a Jennifer como ela me vê a mim. [...] Pensa que eu sou igual. Uma reprime a outra. Ela não quer que eu sinta ciúme, inveja ou temor. Quer que sejamos iguais. Há um brilho assassino em seus olhos. Meu Deus, tenho medo dela. [...] Alguém a está deixando louca. Esse alguém sou eu. (Wallace, 1988, p. 107)

Ainda no artigo "Lo ominoso", Freud (1919/1997, p. 234) esclarece que "o sujeito identifica-se com outra pessoa de tal forma que fica em dúvida sobre quem é o seu eu ou substitui seu próprio eu por um estranho. Em outras palavras, há uma duplicação, divisão e intercâmbio do eu", como vimos acontecer com as irmãs Gibbons. O caso de June e Jennifer chama a atenção pela gravidade. Tudo indica que se tratava de uma folie à deux. Por isso as tentativas de ruptura dessa união fusional são violentas. Já internadas, em várias ocasiões foi necessário separá-las à força para impedir que se matassem. Colocaram-nas em alas diferentes do hospital, mas assim tampouco elas conseguiam viver. Os fenômenos do duplo retrocedem "a fases singulares da história do desenvolvimento egoico, sendo uma regressão a épocas em que o eu ainda não se havia diferenciado claramente do mundo exterior nem do Outro" (Freud, 1919/1997, p. 236).

Freud situa a placenta como uma das figuras do duplo. Nessa mesma direção, afirma Dolto (1984, p. 214):

o gêmeo é o testemunho vivente para o outro da existência da placenta e, por outra parte, é representante da cena primária inicial à vida de cada um, ou seja, o representante do pai e da mãe e o testemunho do coito inicial na concepção do outro.

Assim, ela nos convida a pensar que, mais do que um luto precoce, trata-se nos gêmeos de um não luto, já que algo do que é necessário que se perca no nascimento, representado pela placenta - objeto a -, continua vivente através do gêmeo.

A potencialidade de gêmeos formarem uma dupla simbiótica, para além das questões já apontadas, tem também uma sobredeterminação simbólica pautada pelo desejo parental. Ela se revela na escolha de nomes parecidos ou desdobrados, como vimos em alguns dos pares de gêmeos citados neste texto, e se prolonga após o nascimento, quando os pais se referem a eles como os gêmeos ou os vestem com roupas idênticas, promovem as mesmas atividades ou lhes dão os mesmos castigos.

Vemos, assim, que as questões da individuação, da singularidade, da construção da imagem unificada do corpo, e portanto do eu, e da conquista da autonomia são os grandes desafios da gemelaridade, não só para as crianças mas também para seus pais.

É um grande desafio viver na intimidade do idêntico e ter que se constituir e se reconhecer como outro exterior e diferente; conseguir um lugar próprio no desejo dos pais, na família e depois no social, apesar dos falsos reconhecimentos e das confusões de todos, incapazes de uma diferenciação estável.

A chegada ao mundo de filhos múltiplos desafia os pais a fazer caber em seu desejo duas ou mais crianças simultaneamente. Isso resulta num trabalho adicional de subjetivação, que exige que se estabeleçam e simbolizem laços que se constroem na simultaneidade. "Passei de um para três filhos", dizia a mãe de duas gêmeas. Isso nos leva a pensar qual seria a relação dos gêmeos com o falo, isto é, com aquilo que garante ao sujeito sua dignidade - por reger a escala de valores -, aquilo que o protege de estar submetido ao deslizamento infinito dos significantes - já que o falo ordena a significação -, e aquilo que lhe permite unificar o corpo vivido inicialmente como não integrado, através da aura fálica, que dá contornos ao corpo. O que acontece com os gêmeos que precisam dividir um lugar no desejo materno desde o nascimento? Haveria um processo de luto precoce? Ou ainda, dependendo do êxito da amarração da identificação simbólica às pulsões, sobraria um resto pulsional despedaçante ameaçando o incipiente eu?

Alguns impossíveis por estrutura precisam ser contornados em caso de gêmeos, nessas complexas operações necessárias para que se constitua a subjetividade. Seria preciso abandonar a equivalência entre falo e criança, que consideramos essencial à subjetivação, já que o falo é indissociável da ideia de unicidade?

Em nossa experiência clínica, essa questão ecoa particularmente, pois encontramos diferentes saídas para ela nas diversas configurações familiares resultantes da chegada de múltiplos.

Na consulta de um filho, é comum que os pais se refiram a ele comparando-o com o(s) irmão(s), assim como é comum o uso do pronome pessoal no plural: eles ou elas. Configura-se, desse modo, um lugar - Um - que se divide entre dois ou mais sujeitos - como se na somatória eles perfizessem um Um completo. Pode acontecer que a mãe devolva uma única imagem fálica a todos os filhos, e então cada filho funciona como suplemento do outro. Os casos descritos aqui em que aparece a questão da comparação ou da complementaridade ilustram essa modalidade.

Outra manifestação dessa configuração é a soldagem, em que o Um não se divide, ficando todos os filhos indiscriminados aos olhos da mãe, como se um fosse clone do outro, tornando o processo de singularização muito mais complexo. Embora seja mais frequente em casos de gêmeos idênticos, isso ocorre também com os chamados falsos gêmeos, o que pode ser observado quando os pais vestem as crianças de forma idêntica ou lhes dão nomes muito parecidos.

Em outra modalidade, ocorre uma cisão em pares opostos, o que faz com que os pais depositem num dos gêmeos os aspectos idealizados e no outro, os rejeitados. Os gêmeos se fixam em lugares rígidos: um é passivo e o outro, ativo; um é competente e o outro, incompetente; um é hiperviril e o outro, afeminado.

Em outros casos, pode acontecer que os múltiplos não cheguem a se constituir num lugar fálico, como ocorreu com as irmãs Gibbons, gêmeas idênticas. Elas não foram as primeiras filhas, pois havia outros cinco filhos antes, o que nos faz pensar que o não investimento nelas possa ter sido consequência da dificuldade da mãe para fazer o luto de algum objeto fálico anterior e, portanto, esvaziar esse lugar para que pudesse ser ocupado pelas gêmeas. Circunstâncias particulares a impediram desse processamento. Como consequência, elas se isolaram, formando um sistema fechado de funcionamento autônomo, tanto dentro da família como no âmbito social.

Por último, encontramos em algumas famílias algo que podemos supor como uma duplicação da função materna: a mãe investe num dos bebês como objeto fálico e o pai investe no outro. Resta pensar, nesses casos, como se opera a função paterna, já que o pai também tem um trabalho suplementar nessa condição, que é o de intervir com uma dupla interdição: na relação mãe-bebê e na relação entre as crianças.

Essas são algumas das configurações que, até o momento, encontramos na clínica e na literatura. Embora possam ser reducionistas, visto que em cada caso a criação familiar é muito própria e deve ser acompanhada em sua singularidade, essas modalidades nos ajudaram a encontrar algumas possibilidades para nossas inquietações sobre a equivalência falo/bebê na gemelaridade, equivalência necessária à constituição da subjetividade.

 

Notas

1 Pesquisa vinculada ao Setor Clínica e Pesquisa do Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae. Agradecemos a colaboração de Fabiana Bigio, pela tradução dos textos de Dorothy Burlingham, publicados originalmente em inglês.

2 Trabalho elaborado a partir de: Morgenstern, A., Gueller, A.J. S. & Ferreira, M.R. P. (2010). Do trabalho suplementar na constituição subjetiva dos irmãos gêmeos. Comunicação feita no IV Congresso Internacional de Psicopatologia undamental e X Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, de 4 a 7de setembro de 2010.

 

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Recebido em 11.08.2015
Aceito em 25.08.2015

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