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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.49 no.4 São Paulo out./dez. 2015

 

TRABALHOS PREMIADOS

 

Après-coup: a dimensão traumática1

 

Après-coup: the traumatic dimension

 

Après-coup: la dimensión traumática

 

 

Zelig Libermann

Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

Correspondência

 

 


RESUMO

As noções de consciente e inconsciente acarretam uma temporalidade heterogênea, presente em diversas expressões do psiquismo. Essa heterogeneidade do tempo se tornou ainda mais complexa com o conceito de nachträglichkeit, cunhado por Freud e mais conhecido pela expressão francesa après-coup. O conceito de après-coup transformou as noções de causalidade psíquica e temporalidade, pois se refere a um fenômeno em dois tempos: marcas mnêmicas são remodeladas a partir de fatos posteriores que, por sua relação simbólica com os fatos passados, lhes conferirão sentido e eficácia psíquica. A falta de uma teorização específica por parte de Freud e a presença de diferentes significados para o termo em sua obra, aliadas ao seu desaparecimento dos textos psicanalíticos pós-freudianos até a década de 1950, contribuíram para que o conceito sofresse uma perda da especificidade, sendo seu uso mais comum o de sinônimo de "aquilo que vem depois". Diferentemente dessa visão, neste trabalho propõe-se um estudo que busca destacar certa especificidade do fenômeno do après-coup, ressaltando seus aspectos traumáticos e transformadores, ponto de vista esse que o diferencia da noção predominante em psicanálise de uma compreensão tardia e retrospectiva.

Palavras-chave: après-coup; trauma; temporalidade; ressignificação.


ABSTRACT

The concepts of conscious and unconscious lead to an heterogeneous temporality, which is present in different expressions of psyche. This heterogeneity of time became even more complex due to the concept of Nachträglichkeit, which is better-known as the French term après-coup. The concept of après-coup has changed the notions of psychic causality and temporality, as it refers to a two-stage phenomenon: mnemonic traces are remodeled from ulterior facts. These ulterior facts will provide them meaning and psychic efficacy due to their symbolic relation with past facts. Freud did not propose a specific theory about Nachträglichkeit; different meanings for the term can be found in his work. These factors, plus the fact that Nachträglichkeit had been no longer found in post-Freudian psychoanalytic papers until the 50's, contributed to a loss of specificity in the concept, which has been more commonly used as "afterwardness". From another point of view, this paper aims to emphasize a certain specificity of the après-coup phenomenon, highlighting its traumatic, transforming aspects. This point of view distinguishes it from the prevailing notion in psychoanalysis: a late, retrospective understanding.

Keywords: après-coup; trauma; temporality; resignification.


RESUMEN

Las nociones de consciente e inconsciente traen consigo una temporalidad heterogénea, que está presente en diversas expresiones del psiquismo. Esta heterogeneidad del tiempo se tornó más compleja con el concepto de Nachträglichkeit, acuñado por Freud y más conocido por la expresión francesa après-coup. El concepto de après-coup transformó las nociones de causalidad psíquica y temporalidad, pues hace referencia a un fenómeno en dos tiempos: las marcas mnémicas se remodelan a partir de los hechos posteriores que, debido a su relación simbólica con los hechos pasados, les darán sentido y eficiencia psíquica. La falta de una teoría específica por parte de Freud y la presencia de diferentes significados en su obra para el término, unido a su desaparecimiento de los textos psicoanalíticos pos freudianos hasta la década de 1950, contribuyeron para que el concepto sufriera una pérdida de especificidad, siendo su uso más común el de sinónimo de "aquello que viene después". A diferencia de esta visión, este trabajo se propone realizar un estudio que busca destacar cierta especificidad del fenómeno del après-coup resaltando sus aspectos traumáticos y transformadores, un punto de vista que lo diferencia de la noción predominante en el psicoanálisis de una comprensión tardía y retrospectiva.

Palabras clave: après-coup; trauma; temporalidad; resignificación.


 

 

O tempo não para

E, no entanto, ele nunca envelhece ("Força estranha", Caetano Veloso)

 

I. Introdução

A construção das noçoes de tempo e espaço, fruto do processo evolutivo, constitui um importante elemento na formação da subjetividade.

Em psicanálise, a ideia de que o tempo não é um a priori do ser humano, mas algo a ser construído, tem origem na obra de Freud: "A tese de Kant, segundo a qual tempo e espaço são formas necessárias de nosso pensar, pode, hoje, se submeter à revisão à luz de certos conhecimentos psicanalíticos" (1917/1976c, p. 28).

A formulação sobre um espaço psíquico que não opera de acordo com o processo secundário, com conteúdos que não sofrem a ação do tempo, transformou a questão temporal. A partir dos conceitos de consciente e inconsciente, a teoria sobre o aparelho psíquico comporta uma temporalidade heterogênea. Na expressão de Green (2000/2001), o tempo fragmentado.

Tornando ainda mais complexa a noção de temporalidade, Freud se referiu, em vários de seus textos, a um fenômeno que contribuiu para ampliar a ideia do tempo fragmentado. Trata-se do conceito de Nachträglichkeit, que se tornou mais conhecido pela expressão francesa après-coup.2

Presente no texto freudiano desde os primórdios, a nachträglichkeit transformou as noções de causalidade psíquica e de temporalidade, uma vez que se refere a um fenômeno em dois tempos: marcas mnêmicas são remodeladas a partir de acontecimentos posteriores que, por sua relação simbólica com os fatos passados, lhes conferirão sentido e, por isso mesmo, uma eficácia psíquica. Entre um fato e outro está o desenvolvimento do indivíduo com sua sucessão de lógicas que permite que uma marca mnêmica que antes era uma "impressão" venha adquirir significado simbólico.

Apesar de presente em vários de seus escritos, Freud nunca elaborou um trabalho específico sobre o assunto. De acordo com Laplanche (2002/2005), ao longo da obra freudiana encontramos diferentes acepções para o mesmo conceito.

Penso que a falta de uma teorização específica sobre o assunto por parte de Freud e a presença de diferentes significados para o termo em sua obra, aliadas ao seu desaparecimento dos textos psicanalíticos pós-freudianos até a década de 1950, quando Lacan o reintroduziu no cenário teórico, contribuíram para que esse conceito sofresse uma perda da especificidade ao longo dos anos, sendo seu uso mais comum o de sinônimo de "aquilo que vem depois".

Tendo em vista as considerações acima, neste trabalho propõe-se um estudo que busca ressaltar os aspectos traumáticos e transformadores do fenômeno de après-coup, ponto de vista esse que se diferencia da visão predominante em psicanálise de uma compreensão tardia e retrospectiva e, a meu ver, confere certa especificidade ao conceito.

 

II. Après-coup: a dimensão traumática

1. Definição

Desde os primórdios de sua obra, Freud (1896/1976a) ressalta a concepção transformadora do aparelho psíquico, enfatizando a capacidade de atribuir novos significados às marcas mnêmicas e a exigência permanente de tramitação das pulsões e da relação com o objeto.

As circunstâncias importantes da vida representam ocasião para colocar em xeque a versão presente, voltando-se para um passado em busca de uma melhor tradução desse mesmo passado (que englobe mais, que seja menos repressora e que apresente meios renovados). Em outras palavras, a capacidade de ressignificação possibilita ao ser humano libertar-se do destino exclusivo da repetição (Laplanche, 1989/1996).

A questão que aqui se coloca é de que maneira a mente opera para fazer essas traduções.

Segundo Danon-Boilleau (2006), a via clássica se constitui de uma trajetória da representação inconsciente rumo à consciência por meio do superinvestimento das representações de palavra. No entanto, afirma o autor, devido à ausência de sentido do primeiro registro na memória, certos conteúdos inconscientes tornar-se-ão conscientes somente através da mediação de uma segunda cena e do processo de après-coup.

O après-coup, conceito freudiano que engloba concepções de temporalidade e causalidade psíquicas, é descrito da seguinte maneira por Laplanche e Pontalis: "Experiências, impressões, traços mnêmicos que são ulteriormente remodelados em função de experiências novas, do acesso a outro grau de desenvolvimento. Pode então ser-lhes conferida, além de um novo sentido, uma eficácia psíquica" (1967/1983, p. 441).

Em outras palavras, um dado acontecimento, vivenciado em um momento em que o sujeito não tinha nem condições somáticas nem representações para integrá-lo, sofrerá uma remodelação posterior devido aos processos de desenvolvimento e adquirirá significações que permitirão a elaboração da experiência anterior, além de proporcionar eficácia psíquica.

A noção de après-coup impede que a concepção psicanalítica da história do sujeito se reduza a um determinismo linear que, por considerar somente a ação do passado sobre o presente, decrete que todo o destino do ser humano está decidido desde os primeiros meses de vida (Laplanche & Pontalis, 1967/1983).

Assim, também o presente construiria o passado:

A teoria do après-coup é uma das chaves da metapsicologia freudiana. [...] Com efeito, o passado, todo o passado desde o nascimento, é responsável por aquilo que nos tornamos, mas, inversamente, o que somos hoje também é responsável pelo que fomos; o presente transforma, traduz, remodela o passado que, por conseguinte, está sempre presente em nós. Para um indivíduo, o contato permanente de cada instante de sua vida com o passado não pode ser separado da impossibilidade de apreender esse passado que incessantemente vem à tona para ser retraduzido. (Lesourne, 2002/2005, p. 142)

2. Origens

Presente em vários textos de Freud, o conceito de après-coup ganhou impulso a partir da tradução francesa da obra freudiana e do destaque dado por Lacan em seu conhecido relatório de Roma (Laplanche, 2002/2005). Lacan considerou renovador o fato de que, simultaneamente com a procura meticulosa da data da cena primária no caso do Homem dos Lobos, Freud supõe reestruturações posteriores do acontecimento e "anula os tempos para compreender" (Lacan, 1953/1998, p. 258).

Em que pese o renovado interesse, como Freud nunca apresentou uma definição precisa sobre o tema, restaram controvérsias a respeito de definições e usos do après-coup em psicanálise. A ausência de uma teoria específica, bem como sua utilização em diferentes contextos, permite supor significados situados ao longo de um espectro que se inicia com a visão da simples eclosão de uma memória retida (trajeto que segue a linearidade passado/presente), passa pela ideia de uma interpretação retroativa do passado e chega à concepção de uma transformação, de um rearranjo que inverte a flecha do tempo ("o presente cria o passado"). Apesar disso, podemos considerar que alguns textos, escritos em épocas diferentes, seriam representativos das ideias freudianas a respeito desta temática.

Em seu "Projeto para uma psicologia científica" (i895/i9yóe), Freud apresentou o caso de Emma, que evitava as lojas desde que, aos 12 anos, saíra aterrorizada de uma delas, na qual vira dois jovens rindo juntos. Considerando que o fato não teria força suficiente para causar a sintomatologia referida, Freud concluiu que a neurose se originara do seguinte modo: o episódio dos jovens rindo na loja (cena I), devido a vínculos associativos, reativara (ainda que inconscientemente) um evento mais antigo (Emma contava 8 anos de idade), no qual o dono de uma confeitaria onde fora comprar doces ria enquanto manipulava os genitais dela por cima da roupa (cena II).3

De acordo com essa teoria, a liberação de uma emoção sexual foi possível porque, entre os dois momentos, houve as alterações ocasionadas pela puberdade, as quais abriram a possibilidade de outra compreensão do fato mais antigo. Assim, embora a sensação despertada seja relacionada pelo sujeito à cena I (no caso, a dos jovens rindo), na realidade ela é provocada pela reativação da cena II (a do confeiteiro).

Nesse momento de sua obra, Freud considerava o desenvolvimento sexual humano dividido em duas etapas: antes e depois da puberdade. É por isso que atribuía importância fundamental às transformações psíquicas que ocorriam após a puberdade em seu esquema do trauma em dois tempos. Somente após atingir essa fase do desenvolvimento, o sujeito poderia dar significado a certas experiências vividas anteriormente.4

Conclui, então, que "se recalcam lembranças que só se tornaram traumáticas por ação retardada (nachträglich). A causa desse estado de coisas é o retardamento da puberdade em comparação com o resto do desenvolvimento do indivíduo" (p. 403).

Prestando-se atenção às palavras usadas por Freud, podemos considerar que, nesta época, a nachträglichkeit se caracterizava por um efeito retardado de uma lembrança, ligado a um modo diferente de interpretar os acontecimentos remotos e com a linearidade do senso comum, isto é, passado/presente.

Em "Repetir, recordar e elaborar" (1914/19761), a abordagem de Freud sobre o tema permite outra visão (André, 2008). Neste artigo, Freud afirma que há um tipo importante de vivências ocorridas na primeira infância que não foram compreendidas em sua época e das quais é impossível obter, na maior parte das vezes, alguma lembrança. Essas experiências poderiam, então, encontrar "compreensão e interpretação com efeito retardado (nachträglich)" (Freud, 1914/1976f, p. 151).

Segundo Jacques André,

se terminasse assim, a citação se limitaria a relacionar uma experiência marcante da primeira infância, incompreensível para a criança pequena devido aos meios limitados de que dispõe, e sua interpretação mais tarde na maturidade. [...] Um passado obscuro, posteriormente refigurado, reescrito, reconstruído são os ingredientes perfeita-mente reconhecíveis de uma hermenêutica cujas palavras-chave são: interpretação, compreensão, construção. (2008, p. 142)

No entanto, Jacques André considera que, no trecho seguinte, Freud faz uma mudança de plano ao afirmar: "É possível tomar notícia delas [as vivências remotas] através de sonhos e dos mais convincentes motivos extraídos da estrutura das neuroses" (Freud, 1914/1976f, p. 151). Pois bem, quando falamos em sonhos e neuroses, necessariamente estamos abordando um processo transformado e transformador, no qual aparecem lógicas de várias épocas da vida e alterações da linearidade temporal. Sonho e neurose, elementos já transformados, colocados na condição da cena I, ampliam a significação do après-coup: "O fato de tomar a forma do sonho ou da neurose distingue a 'compreensão-interpretação' dita après-coup de um processo secundário" (André, 2008, p. 142).

A referência ao sonho como forma de dar à luz experiências remotas da infância está relacionada à análise do Homem dos Lobos, finda em 1914. No relato, publicado em 1918, Freud volta a abordar a ação retardada (nachträglich) e o trauma em dois tempos, agora sob a perspectiva dos desenvolvimentos teóricos5 concernentes à sexualidade infantil.

O paciente procurara Freud aos 25 anos de idade, devido a uma neurose obsessiva que o acometia desde que contraíra uma doença venérea, por volta dos 18 anos. Freud constata que o jovem russo havia desenvolvido outro quadro neurótico na infância, aos 4 anos, desencadeado não por um evento externo, mas por um episódio onírico: o sonho com lobos.

Abordando o período ao redor deste sonho, Freud afirma:

O que nessa noite se ativou do caos das marcas de impressões inconscientes foi a imagem de um coito entre os pais, sob circunstâncias não habituais e particularmente favoráveis à observação.

[...]

Opino que o compreendeu na época do sonho, aos 4 anos, e não na época da observação. Quando estava com 1 ano e meio, recebeu as impressões cuja compreensão com efeito retardado (nachträglich) lhe foi possível na época do sonho, devido ao seu desenvolvimento, sua excitação sexual e sua investigação sexual. (1918/1976b, pp. 36-37)

A conclusão a que chegou é que o sonho (cena I) reativara a cena primária (cena Ii) e desencadeara um efeito traumático (e, nesse caso, a neurose) porque, entre 1 ano e meio e 4 anos, o desenvolvimento da sexualidade infantil aportou novas lógicas ao psiquismo do menino. E o significado traumático que sobressaía dessa situação era a "realidade" da castração.

Embora se possa vislumbrar algo diferente (a possibilidade de uma ação retardada antes da puberdade, ligada às fases iniciais da sexualidade infantil), as considerações de Freud se assemelham àquelas apresentadas a respeito de Emma: eventos que só se tornaram traumáticos por ação retardada (nachträglich), a partir de um acontecimento em um tempo posterior. No entanto, no caso do Homem dos Lobos, duas observações me parecem dar outra dimensão para o fenômeno.

Em primeiro lugar, em uma nota de rodapé (pp. 43-44), Freud mostra que, ao procurá-lo quando adulto, o paciente apresentava um segundo momento de après-coup. A impressão recebida aos 18 meses foi reativada aos 4 anos através do sonho; muitos anos depois, a doença venérea reaviva, uma vez mais, o complexo. A diferença é que ele pôde expressá-la através do pensamento durante o processo analítico.

Freud afirma, então:

O analisando prescinde, pois, das três fases temporais e introduz seu ego presente na situação do passado longínquo. E nós o seguimos nisso, já que, se uma observação de si e uma interpretação são corretas, resultaria um efeito em que a pessoa poderia desdenhar a distância entre a segunda e a terceira fase temporal. (1918/1976b, p. 44)

Ora, ao considerar que a impressão inicial é reativada à luz das lógicas posteriores e que é possível desdenhar a distância entre as fases temporais, Freud parece abordar um fenômeno muito mais amplo do que apenas uma "bomba de efeito retardado que explode" mais tarde. Penso que ele se refere a um processo que engloba transformação e mudança da linearidade temporal, uma vez que "o paciente introduz seu ego presente na situação do passado longínquo". Não seria o presente criando o passado?!

A segunda observação está ligada à relação entre après-coup, trauma e repressão. A certa altura do texto, Freud afirma: "Além disso, se evidenciará que a ativação dessa cena (evitei intencionalmente o termo recordação)..(p. 42).

Freud evitou intencionalmente o termo recordação porque a atribuição de eficácia psíquica a um evento do passado nem sempre redunda em uma lembrança consciente e uma compreensão. Assim como no relato de Emma, no caso do jovem russo, o resultado do après-coup foi um quadro neurótico, secundário ao processo de repressão.

Ao resgatar o conceito de après-coup, Lacan (2009) também destaca sua relação com a repressão e a simbolização. Segundo ele, existem vivências situadas no inconsciente que são como "cunhagens" (p. 250), as quais não foram integradas ao sistema verbalizado do sujeito e nem mesmo atingiram a significação.

Valendo-se do caso do Homem dos Lobos, Lacan considera que o sonho, "por um jogo retroativo (nachträglich)", integrou uma "cunhagem" no sistema de significações. Devido à forma perturbadora que assumiu (ameaça de castração), essa primeira integração simbólica tem um efeito de trauma, sofre ação da repressão e, sendo deslocada da consciência, fica livre para integrar a cadeia dos conteúdos inconscientes. É por isso que Lacan afirma que a neurose aos 4 anos e meio significou uma reintegração do passado.

Lacan nos mostra, então, a conexão entre après-coup, trauma e a repressão:

O trauma, enquanto tem ação recalcante, intervém só depois, nachträglich. Naquele momento [o do après-coup], algo se destaca do sujeito no próprio mundo simbólico que ele começa a integrar. Daí por diante, aquilo não será mais algo do sujeito. O sujeito não falará mais. [...] Não obstante, fica lá, em alguma parte, falado, se é que se pode dizer, por algo de que o sujeito não tem o controle. Será o núcleo do que chamaremos, em seguida, os seus sintomas. [...] O recalque começa depois de ter constituído seu primeiro núcleo. Há agora um ponto central em torno do qual poderão se organizar, em seguida, os sintomas, os recalques sucessivos, e ao mesmo tempo - porque o recalque e a volta do recalcado são a mesma coisa - a volta do recalcado. (2009, pp. 251-252)

Ao contrário do que possa parecer, a repressão poderia funcionar mais como uma transformação do que como um fechamento, uma vez que, ao ingressar no inconsciente recalcado depois de reativadas, as "cunhagens" ganhariam plasticidade e figuração em função da deformação, condensação e deslocamento. É por isso que, tanto em Emma quanto no Homem dos Lobos, Freud mostra que a ativação das marcas mnêmicas coincide com o momento da neurose, a qual Lacan considera como uma reintegração do passado.

3. A dimensão do golpe (coup)

A associação com a repressão e a neurose, referida acima, destaca principalmente o dinamismo, o aspecto transformador do après-coup e seu efeito traumático, o que, segundo Jacques André (2008), permite dissociá-lo da visão predominante de uma compreensão tardia e retrospectiva.

A meu ver, a afirmativa de Jacques André é plena de significados e objetiva defender uma visão específica de après-coup frente à tendência de utilização do conceito de uma forma parcial, muitas vezes inespecífica.

De modo geral, na literatura psicanalítica, o uso da expressão après-coup enfatiza o aspecto temporal, o après: algo que vem depois, que é compreendido em outro tempo. Utilizado dessa maneira, o conceito é reduzido à retrospecção, à ressignificação do passado em uma forma interpretativa, privilegiando a linearidade do senso comum. Perde, no entanto, a dimensão do golpe, do coup, da condição traumática originada em um remodelamento de sentido psíquico das marcas mnêmicas.

Com base nessa constatação, penso que existe certa confusão entre a capacidade do ser humano de fazer traduções do passado, fenômeno geral da mente (que pode ocorrer de outros modos), e o après-coup. Podemos considerar que o après-coup, embora se inscreva na tradução, não é exatamente um sinônimo desta.

O après-coup "é um momento de verdade do qual não é fácil se recompor" (André, 2008, p. 150). O trauma psíquico permite que aquilo que não tinha sentido adquira um sentido. Ele traz a possibilidade de que a história seja reescrita, de que se abra a narrativa onde antes havia apenas uma impressão.

O après-coup, embora se caracterize por uma nova passagem por um resto mnêmico, diferencia-se da compulsão à repetição. Ainda que ambos sejam marcados por esse novo percurso pelos traços de memória, a compulsão à repetição é como um sulco em um disco que força a permanência em um mesmo lugar. O après-coup é um ressurgimento modificado, é a conjunção produtiva de um remanejamento psíquico com um momento traumático.

Para Danon-Boileau (2006), o après-coup é um dos caminhos que permite ao psiquismo escapar do destino da repetição. Os outros meios seriam o par repetição agida/elaboração e a regrediência. Segundo ele, os dois últimos são mecanismos afeitos ao tratamento psicanalítico, enquanto que as condições que possibilitam o après-coup ocorrem, em geral, fora desse enquadre.

O autor considera que a generalização do conceito tende a torná-lo uma versão pouco modificada da elaboração, na qual predomina o processo secundário. Baseado em Freud, Danon-Boileau enfatiza que os acontecimentos que não puderam ser integrados simbolicamente à época da vivência, e originaram traços mnêmicos desprovidos de sentido, não podem vir à tona pelo superinvestimento das representações de palavra, como ocorre na elaboração. Eles necessitam da intermediação de uma segunda cena que possibilite o fenômeno de après-coup.

De acordo com essa visão que busca uma especificidade, o après-coup é um processo que condensa em si mesmo os três pilares da metapsicologia. Ele contém a abreação, que possibilita a liberação de uma sobrecarga econômica, o rearranjo das relações entre os traços mnêmicos, que permite a livre circulação da libido, e a mudança de localização tópica.

Para Le Guen (1982), o après-coup é, por essência, o momento em que algo se organiza no inconsciente em novas relações e emerge, ao mesmo tempo, no consciente, para adquirir sentido e produzir efeito de sentido. É o estabelecimento de uma relação ativa entre dois acontecimentos que, até então, eram indiferentes quanto aos seus efeitos imediatos, mas que, na interação do encontro, tornam-se termos de um conflito, o qual é fruto deste encontro.

Segundo Jacques André,

antes do après-coup, há uma impressão. Seu ressurgimento não é uma questão de reme-moração, mas de coincidência, de colisão entre um fora e um dentro. [...] Alguma coisa vem de fora e atinge alguma coisa de dentro. Entre dentro e fora, o après-coup, um ser de passagem, não se deixa facilmente localizar. (2008, p. 153)

Ele representaria, ainda, um momento de inversão da temporalidade, pois não seria a lembrança que permite o après-coup. "É o après-coup que permite a lembrança, a colocação no passado, é ele que a historiciza" (André, 2008, p. 153).

Segundo Albert Louppe (2006), os conteúdos ressignificados podem estar no campo do representável, do reprimido ou na linhagem do não representado, do traumático precoce ligado à reativação de uma falha na organização psíquica. Os efeitos do après-coup podem variar desde a repressão até a despersonalização, bem além do mecanismo neurótico tantas vezes ressaltado por Freud.

Esses efeitos, porém, não se restringem apenas a uma integração do passado através de condições psicopatológicas. O après-coup pode ser também um momento em que a emergência do trauma psíquico represente a possibilidade de uma integração simbólica consciente.

4. Exemplo clínico

A ideia citada acima me parece presente em um episódio ocorrido com o paciente Pedro. Aos 35 anos, mostrava-se um homem inteligente e com bom nível cultural. Simpático, tinha vários amigos, um humor refinado (às vezes, sarcástico) e parecia de fácil relacionamento. No entanto, a necessidade de controle e certo distanciamento denotavam um homem solitário, que gerava uma tensão em si mesmo e nos outros.

Os sonhos revelavam angústias intensas ligadas a cenas de invasão de espaços próprios (o escritório, a casa, o quarto, o carro) e ameaças a sua vida (ladrões, assassinos, monstros). O paciente associava com facilidade sobre o material onírico, mas sem alterações em suas emoções. Com o tempo, pude perceber a ligação desses conteúdos com sua história.

Pedro é o segundo de quatro filhos. Considera-se mais próximo da mãe e muito diferente e distante do pai, a quem critica severamente. Lembra que sentia incômodo com a presença do pai. Preferia estar só com a mãe. À noite, em seu quarto, sentia-se sozinho e amedrontado.

Apesar da facilidade para contar sua história, os fatos são descritos com distanciamento. Lembra a si mesmo como um adulto em tamanho menor, que, já na infância, seria capaz de manter um estrito controle sobre pensamentos e emoções. Minha impressão era de que Pedro nunca havia sido criança.

Os sentimentos subjacentes a essa barreira afetiva, ligados à sensação de ausência de controle na infância, estavam muito distantes de sua consciência. A meu ver, eles se manifestavam, de forma inconsciente, no distanciamento e na tensão despertada na relação com outras pessoas. E, como não poderia deixar de ser, expressavam-se também em minhas reações contratransferenciais: frequentemente eu sentia uma inquietude que não conseguia compreender bem e nem nomear. Apesar de ser um paciente cativante e de mostrar uma riqueza imaginativa e verbal, algo nos mantinha afastados dele.

A meu ver, esse algo que nos mantinha afastados dele está ligado à potencialidade traumática, ao enigmático das pulsões e da relação com os objetos que subjaz a uma expressão caracterológica que busca evitar o contato com as mortificações narcisistas oriundas das experiências do início da vida (Freud, 1939/19768).

Após alguns meses de tratamento, Pedro chegou diferente para a sessão. Com a expressão facial alterada, parecia ansioso e um tanto entristecido. Deitou no divã e passou a falar.

Hoje aconteceu uma coisa que me deixou muito mal. Eu estava no shopping, antes de vir para cá. De repente, olhei para frente e vi um casal jovem se beijando. Uma coisa banal, mas, do nada, senti uma náusea muito forte e comecei a chorar intensamente. Só que eu tinha que me controlar, estava no shopping. Senti meus pensamentos embaralhados, não conseguia pensar. Fiquei um tempo assim. Me controlei, parei de chorar, e fui ao banheiro. No caminho, tive uma sensação de que algo se mexeu atrás de mim. Senti um medo horrível. Parecia que alguém ia me atacar. Fiquei ansioso de novo. Voltei para os corredores do shopping. Foi pior ainda!

Esse relato surpreendente não parecia se referir ao Pedro que eu vinha conhecendo. A descrição e o modo como estava na sessão não correspondiam àquele homem com controle estrito sobre si e sobre suas emoções. Naquele momento, o paciente se transformara.

O que havia ocorrido? Qual o significado desse episódio?

A cena despretensiosa, a qualidade repentina e surpreendente, a mudança do estado emocional, bem como a intensidade das emoções e as referências temporais, me levaram a pensar nesse episódio como um momento de après-coup. De acordo com Jacques André (2008), não há idade para receber golpes que excedam às capacidades de um aparelho psíquico no momento em que são desferidos.

O caráter aparentemente inócuo da cena faz pensar no instante em que um componente externo vai ao encontro de um elemento interno, estabelecendo uma relação ativa entre dois fatos que, até então, eram indiferentes quanto aos seus efeitos imediatos (Le Guen, 1982). Na medida em que a ligação com os pais sempre foi um conteúdo presente em diversas manifestações do paciente, podemos pensar no aspecto transformador dessa nova passagem pelo traço mnêmico, diferente da repetição de caráter compulsivo.

E se considerarmos esse episódio como a cena I, quais seriam os aspectos da cena II do trauma em dois tempos? Penso que a qualidade traumática estava associada à ressignificação de aspectos das mortificações narcisistas e de impressões de natureza sexual e agressiva oriundas do próprio processo de desenvolvimento do paciente, subjacentes ao seu caráter. O momento vivido por ele trouxe à tona elementos apartados, corpos estranhos internos, isto é, a experiência de fragilidade e de desamparo e o caráter enigmático da sexualidade ligados à história e às sensações ao redor das relações com as figuras parentais.

A sensação de pensamentos embaralhados pode ser relacionada à ideia de Freud sobre a não sintonia entre certos acontecimentos e a capacidade do aparelho psíquico para dar tramitação ao aporte de afetos oriundos desses estímulos, originando impressões que Laplanche e Pontalis denominaram de simbólico pré-simbólico (1964/1976, p. 122). No caso de Pedro, considerando-se a importância do pensamento como parte de seu processo defensivo, podemos avaliar o impacto de certas vivências em um tempo em que seu psiquismo não dispunha desse recurso.

Mas, nesse ponto, caberiam algumas interrogações: não seria essa situação apenas uma abreação, uma vivência passada que "explode" no presente? A ressignificação aludida acima teria uma qualidade diferente de uma interpretação retrospectiva, como muitas vezes acontece durante um processo analítico?

Para responder a estas questões, valho-me das ideias de Laplanche (1967/1983), para quem o après-coup não é a simples descarga de tensões, mas um conjunto complexo de operações psicológicas, e de Danon-Boileau (2006), que defende uma diferenciação entre esse fenômeno e o superinvestimento das representações de palavra.

Ao escutar o relato de Pedro e observar suas transformações, minha ideia era de que, nesse acontecimento, diferentemente de situações em que o paciente apresentava lembranças conscientes e suas interpretações (as quais podemos considerar como superinvestimento das representações de palavras), a distância entre as fases temporais havia sido desdenhada. Pareceu-me que não se tratava apenas de uma compreensão retrospectiva balizada pelo processo secundário, e sim de um instante em que o paciente introduz seu ego presente na situação do passado longínquo (Freud, 1918/1976b). Mais do que uma simples abreação, o presente criou o passado e, naquele momento, "passou a existir" o menino que "já estava lá", guardado pela imagem do adulto que pretendia nunca ter sido criança.

Como o après-coup se constitui em um momento de abertura para que a história possa ser reescrita, a meu ver, a emergência do menino no presente "criou" outro menino do passado e uma vivência diferente para o adulto.

Alguns dias depois, mantivemos o seguinte diálogo:

PEDRO: Tu sabes que eu sempre tive problemas com meu pai. Sempre vi meu pai como um cara distante e sem nada em comum comigo. Eu sempre fui fanático por futebol. Quando eu era criança, desde cedo, quem me levava nos jogos do Internacional era meu tio. Ele me mostrava os jogadores, o estádio e me contava histórias sobre o Inter. Foi meu tio que me mostrou tudo isso, não foi meu pai. Mas ontem me veio uma imagem à cabeça. Acho que pode ser uma lembrança, sei lá! Lembrei que meu pai costumava ver futebol na TV. E ele gostava muito de imitar um locutor de futebol. Eu não entendia bem o que ele dizia. Lembro, quer dizer, é uma imagem, ah sei lá, que meu pai pegava alguma coisa e fazia de conta que era um microfone. Eu e meu irmão mais velho ficávamos ouvindo ele "narrar" o jogo. Nós éramos pequenos. Eu não lembrava esse fato, meu pai vendo o jogo, narrando a partida e a gente ouvindo!

ANALISTA: Tu estás descrevendo uma situação em que teu pai estava ligado ao futebol quando tu eras pequeno. E como tu gostas muito de futebol, será que teu pai não te apresentou à bola?

PEDRO: É. Eu não tinha pensado nisso! Quem sabe!

Na sessão seguinte, o paciente mostrou-se surpreso com lembranças que não só traziam à tona a criança que "já estava lá" como também ressignificavam a relação do menino com um pai diferente e, principalmente, o ajudavam a ver em si mesmo a presença dessa figura paterna:

PEDRO: [Em um tom pesaroso] Essa história do meu pai e do futebol, fico pensando: que será que aconteceu para esse afastamento? Porque eu vejo que eu e meu pai somos tão diferentes. É como se a gente não tivesse nada a ver um com o outro. Eu te disse que sempre o considerei meio distante.

ANALISTA: Tu falas da distância entre vocês. Talvez possas considerar a distância ligada às ideias, mas tu vês que estás contando a história de uma situação que parece mostrar uma interação forte com o teu pai. Será mesmo que ele não te apresentou à bola?

 

III. Considerações finais

Em sua Carta 52 (1896/1976a), enviada a Fliess, Freud apresenta uma teoria não linear de aparelho psíquico, destacando a tendência à transformação das marcas mnêmicas. Diferentemente do que se poderia considerar à primeira vista, isto é, que nosso "baú" da memória se forma apenas pela "deposição" de acontecimentos, que seriam registrados subsequentemente e de modo distinto a cada época da vida, Freud propõe que um mesmo registro pode sofrer transcrições à medida que as lógicas do desenvolvimento se sucedem.

Esse modelo da mente me parece associado à ideia de Laplanche (1989/1996) de que o ser humano tem uma tendência ao futuro porque possui a capacidade de teorizar e traduzir a si mesmo.

Como vimos antes, muitas vezes essa tradução se dará de modo inesperado, através de um "golpe", de um remanejamento psíquico que junta dois acontecimentos e ocasiona uma tensão que antes não havia. E faz o sujeito colocar o ego do presente no passado e ao mesmo tempo "viver" o passado no presente. É "criar" o que já estava ali.

Neste processo, não se trata necessariamente de relembrar conteúdos, de revivê-los ou reinterpretá-los no presente. Muitas vezes, o sujeito viverá pela primeira vez aquelasexperiências que não puderam ser integradas à cadeia simbólica (Libermann, 2011).

Através do relato apresentado, procurei ilustrar de maneira clínica a ideia que norteou este trabalho: ressaltar uma concepção que, diferentemente da visão hermenêutica e retrospectiva, me parece mais específica e mais fiel à riqueza do conceito de après-coup como "um momento de verdade do qual não é fácil se recompor" (André, 2008, p. 150).

A noção do golpe realça a qualidade traumática do après-coup, a força do acontecimento que desordena a causa e o efeito, condensa passado/presente e presente/passado e permite que se abra uma narrativa onde antes havia apenas uma impressão. Afinal, como diz a canção:

Talvez o mundo não seja pequeno

Nem seja a vida um fato consumado.

(Buarque & Gil, 1978)

 

Notas

1 Texto vencedor do Prêmio Revista Brasileira de Psicanálise, conferido durante o XXV Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado em São Paulo/SP, de 28 a 31 de outubro de 2015.

2 Freud utilizava o termo em alemão tanto na forma verbal, nachträglich (diferir, retardar algo), como no modo substantivo, nachträglichkeit (que significaria, aproximadamente, posteridade). No entanto, nos textos psicanalíticos, o conceito é utilizado, na maior parte das vezes, em sua versão francesa: après-coup. Entre os autores consultados, Laplanche (1992/2001), Thomã e Chesire (1991) e Jacques André (2008) consideram que a versão inglesa, deferred action, cunhada por Strachey, mostra-se limitada, pois faria referência somente à ação retardada e à temporalidade passado/presente. Por outro lado, a expressão comum em italiano, espanhol e português, a posteriori, estaria centrada na noção temporal - e privilegiando a temporalidade do senso comum. Ainda de acordo com esses autores, o vocábulo composto francês après-coup é o que melhor traduziria a ideia freudiana de um fenômeno que engloba temporalidade em duas direções, a ressignificação de traços mnêmicos e a dimensão traumática. Tendo em vista o exposto acima, neste trabalho, o termo original em alemão será utilizado algumas vezes intercalado com o uso predominante da versão francesa, sabidamente consagrada na literatura psicanalítica.

3 Ao tratar desse tema, Freud designou como cena I o acontecimento mais recente, denominando de cena II o fato acontecido no passado.

4 Cabe salientar que a concepção de trauma em dois tempos não implica a ausência de efeitos dos acontecimentos remotos na vida psíquica do sujeito, como pode ser constatado na abordagem freudiana sobre as vivências primitivas no texto Moisés e o monoteísmo (1939/1976d) e no caso clínico do Homem dos Lobos (1918/1976b), no qual Freud mostra os efeitos difusos ocorridos no período entre a vivência da cena primária e o sonho com os lobos.

5 A descoberta da sexualidade infantil com um desenvolvimento em várias etapas relativizou o papel da puberdade. Com isso, a teoria da ação retardada correu o risco de perder sua validade, uma vez que as manifestações sexuais da criança estão presentes desde o início da vida. Com o caso do Homem dos Lobos, Freud mostra que o processo segue válido, pois as várias fases da evolução sexual na infância permitem o efeito da posteridade.

 

Referências

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Correspondência:
Zelig Libermann
Av. Taquara, 110/302
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Recebido em 15.06.2015
Aceito em 16.11.2015

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