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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.50 no.1 São Paulo mar. 2016

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Silvana Rea

Editora

 

 

É com enorme satisfação que chegamos aos 50 anos da Revista Brasileira de Psicanálise.

Para este número comemorativo, selecionamos textos de nossos pioneiros, publicados pela revista. Aqui, encontramos um ponto de confluência que já indica nosso histórico caminho: os pioneiros da revista são os pioneiros da psicanálise no Brasil.

A republicação destes trabalhos atende ao intuito de que a história da qual somos parte se preserve a partir da presença de nossos antecessores; que eles falem por suas próprias palavras, que se façam conhecer, que se apresentem ao leitor de hoje com o pensamento de então. E mais: que este material nos ajude a considerar a psicanálise brasileira associada à história de suas gerações, contextualizando o pensamento psicanalítico que nos precedeu e que também nos formou.

Tarefa difícil, nem é preciso mencionar. Mas, dentre tantos, optamos por artigos que consideramos representativos da psicanálise em diferentes momentos, no período entre 1928 e 2000.

Como vocês notarão, abrimos o nosso número com o fac-símile da carta de Freud a Durval Marcondes, agradecendo o envio do primeiro número da Revista Brasileira de Psicanálise, em 1928, com o artigo de Franco da Rocha, então ali publicado.

Isto nos leva ao início da revista, que se dá conjuntamente à criação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, segundo o relato de Virgínia Leone Bicudo e Antônio Luiz Serpa Pessanha (1994), eles próprios pioneiros de nossa história.

Sabemos que a primeira referência a Freud e sua A interpretação dos sonhos aconteceu em 1899, no curso ministrado pelo médico baiano Juliano Moreira, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Salvador. Em 1914, Genserico de Souza Pinto, médico cearense, defende a tese Psicanálise: a sexualidade nas neuroses, na Faculdade Nacional de Medicina (Salim, 2010).

O estudo mais sistematizado da psicanálise, porém, ocorre com Francisco Franco da Rocha, cuja aula inaugural sobre a "doutrina" de Freud, na Clínica Neuropsiquiátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1919, foi reproduzida como artigo pelo jornal O Estado de S. Paulo com o título "Do delírio em geral" (Sagawa, 1994). Em 1920, ele publica um dos primeiros livros psicanalíticos, O pansexualismo na doutrina de Freud.

Como seu professor Franco da Rocha, que além de médico era músico, escritor e ornitólogo, o jovem médico Durval Bellegarde Marcondes era também escritor e poeta, com estreitos vínculos com a geração modernista brasileira. Seu poema "Sinfonia em preto e branco" foi publicado na Klaxon em 1922, juntamente com "Pauliceia desvairada", de Luiz Aranha, e "São Pedro , de Mário de Andrade, leitor atento de Freud. Os artistas do modernismo brasileiro foram seus parceiros na divulgação da psicanálise, uma vez que utilizavam as teses freudianas em suas reflexões sobre a produção literária e sobre a questão da identidade nacional (Oliveira, 2002).

Franco da Rocha foi o fundador e o diretor do Hospital do Juquery, que por muito tempo foi lugar exclusivo das inovações no tratamento psiquiátrico em São Paulo, e onde se mantinha a preocupação de ampliar a compreensão da doença mental a partir de mecanismos exteriores à psiquiatria (Ribeiro, 2010).

Por sua vez, Durval Marcondes, em 1926, apresenta a tese O simbolismo estético na literatura: ensaio de uma orientação para a crítica literária baseada nos conhecimentos fornecidos pela psicanálise, em que, na esteira modernista, ressalta a importância do simbolismo na literatura e a contribuição da psicanálise para a crítica literária.

Assim, ambos compartilhavam o compromisso de divulgar e difundir o conhecimento psicanalítico extramuros, bem como ampliar o seu entendimento, utilizando-o como ferramenta de trabalho (Oliveira, 2002).

Em outubro de 1927, no salão nobre do Liceu Nacional Rio Branco, foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicanálise, uma organização dedicada ao estudo e à difusão do pensamento freudiano, tendo Francisco Franco da Rocha como presidente e Durval Marcondes como secretário. Desta sessão, participaram os médicos Osório César, Raul Briquet e Pedro de Alcântara Marcondes Machado, os escritores modernistas Menotti Del Picchia e Cândido Motta Filho, e o educador Lourenço Filho (Sagawa, 1994).

Mas o interesse de Durval era o de criar um centro de formação que seguisse o modelo da IPA, algo que a Sociedade Brasileira de Psicanálise não era. Conseguiu então, por intermédio de Ernest Jones, que chegasse ao Brasil, em 1936, a psicanalista alemã Adelheid Lucy Koch, que aqui exerceu a função didática. Desta forma, em 1937, São Paulo tem o primeiro centro de formação psicanalítica da América Latina: o Grupo Psicanalítico de São Paulo, que contava entre seus primeiros candidatos o próprio Durval Marcondes, Flávio Dias, Darcy Uchôa, Virgínia Bicudo, Frank Philips e o advogado José Nabantino Ramos (Oliveira, 2002).

Com a presidência de Durval, o Grupo foi reconhecido pela IPA em 1944, mas por conta da guerra só foi ratificado como Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em 1951, no XVII Congresso Internacional, em Amsterdã (Bicudo & Pessanha, 1994).

Importante considerar que o trabalho de divulgação da psicanálise já acontecia desde 1927, na Sociedade Brasileira de Psicanálise. É este grupo que, em 1928, publica o primeiro número da Revista Brasileira de Psicanálise - primeiro e único, que, enviado por Durval Marcondes a Freud, motiva a carta de agradecimento antes mencionada.

O empenho de ampliação e difusão continua nos anos seguintes. Em 1934, Durval assume como professor de higiene mental no Curso de Educadoras Sanitárias do Instituto de Higiene, do qual Virgínia Leone Bicudo e Lygia Alcântara do Amaral fazem parte (Moretzsohn, 2014). Em 1939, cria o Serviço de Higiene Mental Escolar e sua Clínica de Orientação Infantil, onde também trabalhavam Virgínia e Lygia. Ali, elas deram início ao trabalho de atendimento psicanalítico com crianças, que mais tarde contou com a colaboração de Frank Philips, recém-chegado da Inglaterra (Moretzsohn, 2014).

Firme no propósito de divulgação, nos anos 1950 Virgínia Bicudo manteve na Rádio Excelsior o programa Nosso Mundo Mental, o mesmo nome da coluna dominical que escrevia para a Folha da Manhã(Sagawa, 1994).

Em maio de 1966, Virgínia e Serpa Pessanha criam o Jornal de Psicanálise, cujo sucesso estimulou o relançamento da Revista Brasileira de Psicanálise no ano seguinte. Agora publicada ininterruptamente, seu êxito deveu-se, em parte, à colaboração de Nabantino Ramos, também proprietário do conglomerado de comunicação da Folha da Manhã (Sagawa, 1994). Em 1975, a revista foi doada à Associação Brasileira de Psicanálise (Bicudo & Pessanha, 1994).

Mantendo a linha editorial de preservar nossa memória, convidamos todos os ex-editores da revista a escrever um breve texto sobre o seu período de editoria, que aqui publicamos.

É claro, porém, que este número comemorativo amplia a discussão para além da divulgação e da difusão do conhecimento psicanalítico. Ele nos leva a pensar o que faz de uma revista uma revista de psicanálise. E, ainda, o fato de sermos uma revista brasileira de psicanálise nos estimula a considerar a produção de uma psicanálise brasileira e a discutir a função da revista de fomentar não apenas a construção de leitores, mas também a de autores, levantando questões como: Qual a especificidade da escrita psicanalítica? Como publicar psicanálise, particularmente o caso clínico, e qual a ética de sua publicação? A escrita do caso clínico constitui um gênero literário? Como fazer com que cada analista em formação construa em si o ser um autor psicanalista? São questões que levamos como desafio nestes próximos anos de editoria.

Feliz 50 anos!

 

Referências

Bicudo, V. L. & Pessanha, A. L. S. (1994). Meio século de história: 1944-1994. Revista Brasileira de Psicanálise, 28(3),413-418.         [ Links ]

Moretzsohn, M. A. G. (2014). De Berggasse a Villa Nova: uma aventura vienense na pauliceia desvariada. Jornal de Psicanálise, 47(87), 251-260.         [ Links ]

Oliveira, C. L. M. V. (2002). Os primeiros tempos da psicanálise no Brasil e as teses pansexualistas na educação. Ágora, 5(1),133-154.         [ Links ]

Ribeiro, P. S. (2010). Franco da Rocha e publicação de suas ideias: uma análise do meio social na explicação etiológica da loucura. Cadernos de História da Ciência, 6(1),27-56.         [ Links ]

Sagawa, R. Y. (1994). A história da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. In L. Nozek et al., Álbum de família (pp. 15-28). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Salim, S. A. (2010). A história da psicanálise no Brasil e em Minas Gerais. Mental, 8(14).         [ Links ]

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