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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.50 no.1 São Paulo Mar. 2016

 

EM PAUTA

 

Pré-história e história da Revista Brasileira de Psicanálise1

 

Prehistory and history of the Revista Brasileira de Psicanálise

 

Prehistoria e historia de la Revista Brasileira de Psicanálise

 

 

Luiz de Almeida Prado Galvão (in memoriam)

Membro efetivo e analista com função didática da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), um dos fundadores da Revista Brasileira de Psicanálise

 

 


RESUMO

O autor trata dos percalços por que passou a Revista Brasileira de Psicanálise, desde que surgiu a ideia de se ter uma revista até os dias de hoje, em que ela se tornou um órgão oficial da Associação Brasileira de Psicanálise, após cumprir uma trajetória tumultuada, em que não faltaram obstáculos a vencer. Nascida a ideia de uma revista de psicanálise, com a finalidade de estimular a produção de trabalhos psicanalíticos, primeiramente de São Paulo e posteriormente de todas as Sociedades brasileiras, instalou-se um longo processo de amadurecimento do projeto, que permaneceu à espera de condições favoráveis que o fizessem vicejar. O primeiro passo para a concretização da ideia da revista foi dado quando passou a ser publicado o Jornal de Psicanálise. Com o apoio entusiasta de alguns colegas, a revista foi lentamente se tornando uma realidade. Nabantino Ramos, ligado à imprensa e à psicanálise, orientou todo o processo de estruturação da revista, que afinal foi lançada em 1967, por ocasião da I Jornada Brasileira de Psicanálise. O autor, que foi diretor editorial da revista por quatro anos e seu redator-chefe no biênio 1969-1970, relata as dificuldades econômicas que levaram à doação da revista, por parte da Sociedade de São Paulo, à abp. Sendo veículo de expressão de todos os psicanalistas brasileiros, ela vem cumprindo as finalidades que lhe foram atribuídas, até os dias de hoje.

Palavras-chave: história da RBP; estruturação da RBP; dificuldades da RBP; RBP hoje.


ABSTRACT

The author writes about mishaps the Revista Brasileira de Psicanálise has gone through since the emerging idea of having a journal. After taking a tumultuous path with several obstacles to overcome, the Revista Brasileira de Psicanálise is today an official organization of the Brazilian Psychoanalytic Association. Once the idea of a psychoanalytic journal was introduced - a journal whose goal was to foment the production of psychoanalytic papers, at first in São Paulo and later in all the Brazilian Societies -, it was time to set up a long process to mature the project, which had to wait for propitious conditions to succeed. The first step to realize the idea of the journal was the publication of the Jornal de Psicanálise. With an enthusiastic support of some colleagues, the journal little by little turned to reality. Nabantino Ramos, who was related to Press and Psychoanalysis, guided the whole process for structuring the journal. The journal was finally launched in 1967, in the First Brazilian Meeting of Psychoanalysis. The author, who was the editorial director of the journal for four years, and its head writer for a two-year period (1969-1970), writes about economic challenges which resulted in the donation of the journal by the Psychoanalytic Society of São Paulo to the Brazilian Psychoanalytic Association. As a mean of expression for all Brazilian psychoanalysts, the Revista Brasileira de Psicanálise has fulfilled all its goals so far.

Keywords: history of the RBP; structuring the RBP; difficulties of the RBP; the RBP today.


RESUMEN

El autor aborda los percances por los que pasó la Revista Brasileira de Psicanálise, desde que surgió la idea de tener una revista hasta la actualidad, cuando pasó a ser órgano oficial de la Asociación Brasileña de Psicoanálisis, después de una trayectoria difícil en la que no faltaron obstáculos a ser vencidos. Nacida a partir de la idea de una revista de psicoanálisis, con el objetivo de estimular la producción de trabajos psicoanalíticos, inicialmente de São Paulo y posteriormente de todas las Sociedades brasileñas, tuvo lugar un largo proceso de preparación del proyecto, que permaneció en espera de condiciones favorables que lo hicieran prosperar. El primer paso para concretar la idea de la revista fue dado cuando pasó a ser publicado el Jornal de Psicanálise. Con el apoyo entusiasta de algunos colegas, lentamente la revista fue tornándose una realidad. Nabantino Ramos, relacionado con la prensa y el psicoanálisis, guio todo el proceso de estructuración de la revista, que finalmente fue lanzada en 1967, con motivo de la I Jornada Brasileña de Psicoanálisis. El autor, que fue director editorial de la revista durante cuatro años y su redactor jefe en el bienio 1969- 1970, narra las dificultades económicas que llevaron a la donación de la revista, por parte de la Sociedad de São Paulo, a la ABP. Como vehículo de expresión de todos los psicoanalistas brasileños, continúa cumpliendo las finalidades que le fueron atribuidas, hasta el día de hoy.

Palabras clave: historia de la RBP; estructuración de la RBP; dificultades de la RBP; RBP hoy.


 

 

Não se pode precisar com exatidão o momento em que nasce um sonho, pois, quando nos apercebemos dele, o sonho deixa de ser sonho para transformar-se em desafio, em conquista, vitória nossa, ou ideal inatingível, como o sonho de D. Quixote.

Sei que a ideia de uma revista que expressasse o pensamento da psicanálise paulista era uma ideia minha e de David Ramos. Conversavamos sobre ela ao balanço manso do trem que nos levava a ambos, jovens psiquiatras que éramos então, para o Hospital do Juquery, local de trabalho por onde passaram tantos colegas nossos. O trem com preguiça ia engolindo os trilhos e nós cavaqueávamos sobre como seria bom termos uma revista, que estimulasse a investigação, a pesquisa, o trabalho de todos nós, membros e moços em formação. Éramos poucos a esta época, quase vinte anos atrás.

Tivemos que abandonar temporariamente a ideia da revista frente à necessidade mais premente de termos uma sede própria. Nossas reuniões efetuavam-se então numa das salas do Serviço de Higiene Mental Escolar, cedida ao doutor Durval Marcondes para aquele fim. Foi quando, por acaso, surgiu a ideia de termos sede própria no prédio da rua Itacolomi, construído para abrigar consultórios médicos, sendo meu sogro, o professor Ulhôa Cintra, o incorporador. Sondado sobre a possibilidade de compra de um conjunto para ser a sede da nossa Sociedade, ele prontamente anuiu à ideia, consultando os primeiros condôminos, que também concordaram com a nossa pretensão, vendo na psicanálise uma atividade séria e, em nosso grupo, idoneidade para desenvolvê-la. Figurou mesmo, nesta reunião de condôminos, uma cláusula permitindo a instalação de nossa sede no prédio. Conto tudo isto porque penso que ainda não foi contado e possivelmente interesse aos mais novos conhecer aquelas priscas eras mais pormenorizadamente. Vários colegas nossos interessaram-se também em adquirir consultórios próprios no prédio da rua Itacolomi, como eu mesmo, o professor Schlomann, meu analista de então, a doutora Koch, Virgínia Bicudo, Lygia Amaral, Judith Andreucci, minha colega de formação, Breno Ribeiro, entre outros.

Formou-se uma comissão de sede, composta por Eduardo Etzel, Nabantino Ramos e por mim. O negócio era bom, o preço fixo, com financiamento da Caixa Econômica Federal, e foi levado a termo. Para as instalações internas da sede, tivemos a assistência do arquiteto Rino Levi, sogro do Ferrari, que, aliás, apoiou entusiasticamente todo o empreendimento, como quase todos nós, a bem da verdade, que aves agourentas existem sempre e dentro da psicanálise não há exceção.

A sede foi inaugurada sob a presidência do professor Schlomann, em duas sessões solenes, a primeira na sede alugada da Associação Paulista de Medicina, que ocupáva-mos para as reuniões das quartas-feiras, e a outra já na sede nova, em que nos encontramos até hoje.

Conseguida a sede, chegou a vez da revista. Novamente fazíamos planos, David Ramos e eu. Sentimos então a viabilidade de termos a revista como a próxima etapa do movimento psicanalítico.

Foi em meados de 1966, se não me engano, que a professora Virgínia Bicudo ofereceu um jantar em seu apartamento da rua Visconde de Ouro Preto. Chegamos cedo, eu e minha mulher, antes dos demais convidados. Conversa vai, conversa vem, Virgínia mostrou-nos uma publicação mimeografada, feita pelos seus alunos da Faculdade de Medicina da Santa Casa. Lembro-me de ter perguntado: "Mas por que não podemos fazer alguma coisa como esta para publicarmos nossos trabalhos?" Virgínia Bicudo, com seu espírito combativo, sempre pronto a acolher ideias novas, respondeu que nós podíamos, e, como diretora do Instituto, iniciou o Jornal de Psicanálise, nome escolhido por ela própria, com apresentação muito modesta, contando com a participação de candidatos. As Cassandras de novo fizeram-se ouvir, mas felizmente Virgínia não se deixou convencer pelo ceticismo e transformou o Jornalnuma realidade. Foi o primeiro passo para a formação da revista. Consultado a respeito, José Nabantino Ramos, homem de empresa, entusiasta da psicanálise, ligado à imprensa de São Paulo, forneceu as primeiras informações para dar estrutura à revista. Sem dar ouvidos, ainda uma vez, à voz dos pessimistas, o grupo inicial - Virgínia Bicudo, Lygia Amaral, David Ramos e eu - prosseguiu. Nabantino Ramos propôs que se fizesse uma sociedade anônima, com venda de ações da revista a membros, candidatos e simpatizantes da psicanálise, para que houvesse fundos para a constituição de uma editora para a revista. O plano seria o de levantar verba que garantisse a saída da revista por cerca de dois anos. Nabantino Ramos entregou-se ao novo empreendimento com o maior empenho, orientando-nos quanto à divulgação, apresentação, capas etc.

Durval Marcondes foi o primeiro diretor-presidente, José Nabantino Ramos era o diretor-superintendente e David Ramos, com toda justiça, diretor editorial e redator-chefe. Havia ainda um corpo de diretores editoriais, composto de Virgínia Leone Bicudo, Luiz de Almeida Prado Galvão, Laertes Moura Ferrão e Armando Ferrari. O diretor-secretário era Moacyr Costa Corrêa. Não quero deixar de citar o nome de Antônio Luiz Serpa Pessanha, por seu entusiasmo, pela sua vontade de trabalhar, por todo o auxílio que nos prestou.

A esta altura, vários colegas mostravam-se temerosos de um fracasso. Mais uma vez valeu o espírito de decisão de Virgínia Bicudo, que, com o apoio de outros colegas, Lygia Amaral inclusive, julgou que valia a pena enfrentar riscos e até mesmo um fracasso eventual. Assim, prosseguimos.

A revista, que seria paulista, tornou-se brasileira quando acolheu trabalhos de membros das demais Sociedades brasileiras.

Com uma tenacidade de que até hoje eu me admiro, conseguimos, com trabalho acelerado, adoidado, como se diz atualmente, lançar o primeiro número - cuja capa era o fac-símile de uma carta de Freud a Durval Marcondes - em 1967, por ocasião da I Jornada Brasileira de Psicanálise.

Com resumos também em inglês, a revista tinha a pretensão de poder mostrar a Sociedades estrangeiras o movimento psicanalítico brasileiro.

Visávamos colocar a revista ao alcance de todos os interessados em psicanálise, e não fechá-la em "circulação clandestina", expressão feliz de Durval Marcondes, cabendo a cada autor tomar as precauções necessárias para mascarar os próprios casos clínicos, e assim poder a revista ser colocada em livrarias, como foi no início.

A vendagem dos primeiros números foi alentadora, mas caiu em seguida, pelas dificuldades de manter a revista de maneira independente, sem propaganda comercial.

A revista seguia o modelo do International Journal of Psychoanalysis, com um conselho editorial constituído mediante consulta feita aos presidentes e diretores de Instituto de cada Sociedade brasileira.

Mas as dificuldades econômicas avolumavam-se. Era muito difícil manter a revista, como aliás sucede geralmente em relação a publicações de cunho intelectual, colocadas ao alcance do grande público.

Pude sentir isto muito de perto quando me tornei redator-chefe, após a gestão de David Ramos, em 1969. Ainda assim, em dois anos de gestão e quatro como diretor editorial, consegui fazê-la sair a custo de malabarismos, que na época me atemorizavam e ainda hoje me deixam perplexo quando penso em como consegui fazê-los.

Tornando-se impossível dar continuidade à revista, financiada pela sociedade anônima de São Paulo, e como a diretoria da Associação Brasileira de Psicanálise se interessasse em tê-la como seu órgão de divulgação, foi feita a doação dela à abp, sob a presidência de Laertes Ferrão.

A Revista Brasileira de Psicanálise continua cumprindo sua missão de ser a voz da psicanálise brasileira.

Como diretor do Instituto atualmente, revivi o velho Jornal de Psicanálise, para dar aos alunos do nosso Instituto seu veículo de expressão. Para isto, convoquei meu velho companheiro de sonho, de trem, David Ramos, que aceitou a incumbência, voltando nós ambos ao reinício do ciclo.

Esta a parte que pude contar sobre a revista, desde o brotar de um sonho até que ela passasse às mãos da ABP.

 

Nota

1 Trabalho original publicado em 1976: Revista Brasileira de Psicanálise, 10(1),7-11.

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