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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.50 no.4 São Paulo Sept./Dec. 2016

 

EM PAUTA

 

Uma história atual (1768-1922): retratos de um segredo

 

A recent and current story (1768-1922): portraits of a secret

 

Una historia actual (1768-1922): retratos de un secreto

 

 

Marília Amaro da Silveira Modesto Santos

Psicóloga, mestra pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP

Correspondência

 

 


RESUMO

Partindo do pressuposto de que a transmissão psíquica transgeracional é constitutiva do psiquismo do indivíduo, o presente artigo tem como objetivo discutir sobre os silêncios transgeracionais, sobre a falta da palavra e sobre o legado entre gerações, que, sendo silenciado por vergonha ou pelo excesso de dor e não podendo ser transmitido aos descendentes, produz consequências significativas nas gerações seguintes. O trabalho baseia-se na história de uma mulher, terceira geração de imigrantes que se refugiaram no Brasil.

Palavras-chave: transmissão psíquica transgeracional; cultura; catástrofe; forclusão; cripta.


ABSTRACT

In this paper, the author assumes that transgenerational psychic transmission is constitutive of the individual's psyche. Starting from that premise, the author's purpose is to discuss transgenerational silences, the lack of word, and the legacy between generations. As a result of being silenced either by shame or excessive pain, and for not being able to be transmitted to descendants, that legacy has significant effects across the following generations. This paper is based on a woman's story. That woman belongs to the third generation of immigrants who came to Brazil.

Keywords: transgenerational psychic transmission; culture; catastrophe; foreclosure (French: forclusion); crypt.


RESUMEN

Partiendo de la suposición de que la transmisión psíquica transgeneracional es constitutiva de la psique individual, este artículo tiene como objetivo discutir sobre los silencios transgeneracionales, sobre la falta de la palabra, y sobre el legado entre generaciones que fue silenciado, por vergüenza o por exceso de dolor, y que no pudo transmitirse a los descendientes, lo que genera consecuencias importantes en las siguientes generaciones. El trabajo se basa en la historia de una mujer, tercera generación de inmigrantes que se refugiaron en Brasil.

Palabras clave: transmisión psíquica transgeneracional; cultura; catástrofe; forclusión; cripta.


 

 

Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você.

Tinha gente que torcia para você ser menino.

Outros torciam para você ser menina. Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai.

Estavam torcendo para você nascer perfeito. [...]

Seus pais torciam para você [...] estudar inglês e piano.

Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana. [...] Depois começou a torcer pela sua liberdade. [...]

E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande torcida.

Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente torcendo por ele. Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não tenha conquistado algumas coisas.

Mas muita gente ainda torce por você!

(“A torcida”, Liliana Barabino)

 

A transmissão psíquica transgeracional

As historias de familia transmitidas oralmente, assim como cartas, fotografias e autobiografias, são ricos legados que servem como veículos de ligação. Elas transportam uma história e inscrevem o sujeito em uma cadeia no tempo e no espaço, na qual cada geração é um elo entre aquela que a precedeu e aquela à qual dará origem.

Somos fruto de duas pessoas, de diferentes linhagens, histórias, culturas e costumes, que nos são transmitidos e que, por sua vez, serão também transmitidos por nós aos nossos descendentes, estabelecendo-se assim uma continuidade psiquica entre as gerações. O sentimento de pertinência a uma história passada, aos mitos familiares, à origem da própria cultura é um dos fatores primordiais para a fundação do inconsciente humano.

O poema de Liliana Barabino usado como epigrafe nos dá uma ideia de o que vem a ser a transmissão da vida psíquica de uma geração a outra. Ele fala dos sonhos e histórias que nossos pais, avós, bisavós criam sobre nós, os quais vão nos constituir e fazer parte fundamental do que poderíamos chamar de motor desejante que nos conduz na vida.

Esses sonhos são transmitidos da vida psíquica dos pais para a vida psíquica dos filhos de modo consciente, por meio das torcidas, da narração dos mitos familiares, dos contos e lendas, pela palavra, e também de modo inconsciente, nos primordiais cuidados maternos, quando se dão as primeiras inscrições para a constituição do psiquismo nascente, através de complexos processos pelos quais se veiculam elementos referentes às origens, aos valores, aos desejos e à história dos ancestrais (Bleichmar, 1994).

Desse modo, o bebê vai formando um registro de si mesmo, do seu corpo, da sua história, do seu lugar.

Essa transmissão é pedra fundante da vida psíquica das novas gerações e faz parte dos alicerces da psique humana. Ela se dá entre as gerações e através das gerações em um processo contínuo, que favorece a vida, pois possibilita, devido ao enraizamento do indivíduo nas suas origens, o voltar-se para o futuro em busca dos próprios desejos.

A transmissão psíquica transgeracional, portanto, diz respeito a nossa pré-história, inscrita muito antes de nascermos, e se refere aos desejos, valores, normas e costumes que são transmitidos de geração a geração (Correa, 2000).

Nas brincadeiras das crianças, podemos identificar traços da transmissão psíquica realizada por quem as cria e ainda dos seus ancestrais mais longínquos. Esses traços podem surgir nos pequenos gestos do brincar: a maneira que uma criança segura sua boneca, as histórias produzidas, as competições com os carrinhos e as pipas, as lutas de espadas, os chutes na bola... Esses entretenimentos podem estar expressando o desejo de se tornarem alguém almejado pelos pais, avós ou até mesmo bisavós, como também a admiração por algum familiar próximo ou genealogicamente distante, mas de quem a criança tenha tomado conhecimento por meio das histórias de família.

Todos esses processos referem-se ao que Kaës denominou transmissão intersubjetiva (Kaës, Faimberg, Enriquez & Baranes, 2001). Esta diz respeito a uma transmissão saudável, pois é uma transmissão fluida da herança, pois envolve mudança; ela pode ser transformada e por isso é transformadora. Nela há o desligamento do passado, o luto do que foi traumático, sem que a cultura se perca. Ela é fundamentada na palavra, que pelo seu potencial simbólico permite as mais diversas transformações.

A transmissão intersubjetiva propicia o desenvolvimento do indivíduo e implica, por parte dos pais, que o filho seja percebido enquanto ser singular. Ela se estabelece quando há a experiência de separação sujeito/objeto e diferenciação das gerações, e permite que a criança não seja infiltrada por desejos irrealizados dos antepassados ou traumas não elaborados, contribuindo para a constituição da subjetividade.

Na transmissão transgeracional intersubjetiva, uma família pode, por exemplo, ter sido vítima de uma catástrofe, um trauma, mas não recusar essa realidade dolorosa, e sim colocá-la em palavras. Essa vivência poderá então ser representada e transformada em histórias de família e, assim, transmitida às próximas gerações.

O homem, algumas vezes, na busca de elaboração e representação de uma catástrofe, transforma-a em produções artísticas, como filmes, romances, poemas, pinturas e esculturas, dando assim um caráter belo ao horror. Isso ocorre quando foi possível o luto da situação catastrófica.

Quando o trauma passa pelo processo de luto, ele pode ser internalizado no psiquismo do sujeito e, consequentemente, transmitido aos descendentes, enquanto parte da memória consciente e da rede de representações. Nesse caso, os descendentes não ficam presos ao passado em que ocorreu a tragédia, mas podem seguir em frente e conservar a história e a cultura da qual vieram. O trauma, bem como o tempo em que ele ocorreu, seria incluído na cadeia de representações e poderia constituir-se em memória, formando a historicidade do sujeito, para que este construa a própria vida. O sujeito, assim, não fica amarrado a traumas não elaborados das gerações anteriores.

Freud também nos fala do valor desse processo através das seguintes palavras: “o luto estabelece uma separação entre, de um lado, os mortos e, de outro, as lembranças e as esperanças dos sobreviventes” (1913/1974, p. 46).

Mas nem sempre isso é possível...

 

A catástrofe e a transmissão

Fazendo um paralelo com a natureza e tomando em consideração a teoria evolucionista, as características hereditárias definidas geneticamente, que são transmitidas de uma geração a outra, também sofrem transformações após catástrofes geológicas. As mutações genéticas que ocorrem ao longo do tempo e que são submetidas a seleção natural fazem surgir seres diferentes de seus ancestrais e, nessas circunstâncias, permitem que os mais adaptados às constantes mudanças do ambiente sobrevivam.

Em uma retrospectiva histórica, podemos acompanhar o hominídeo, que foi lentamente se transformando através de mudanças morfológicas significativas: passou da postura quadrúpede para a ereta a fim de conseguir alimento, especializou-se no uso das mãos para compensar o da mandíbula, desenvolveu habilidades que lhe permitiram fabricar utensílios, potencializou-se o cérebro (Berlinck, 2000). Com a redução do sistema mastigatório e a diminuição do dente canino, a fala tornou-se possível e certamente teve influência significativa para melhorar a comunicação entre a espécie, permitindo maior capacidade de aglutinação.

Ao se deparar com as intempéries da natureza e percebendo-se tão frágil, o homem precisou se unir para sobreviver; surgiu assim a civilização, que por sua vez foi sendo dividida em grupos, formando as diferentes culturas, isto é, crenças, costumes e valores próprios.

Ao longo da evolução, os distintos grupos, com crenças e valores divergentes, começaram a lutar por ampliação de fronteiras e igualdade étnica e religiosa. Guerras estouraram, e a civilização, que havia sido destinada a proteger o homem, paradoxalmente também passou a permitir sua destruição. A felicidade edênica em que o homem vivia antes da catástrofe glacial foi perdida para sempre (Freud, 1930/2014).

Desse modo, a humanidade se vê sujeita não somente às calamidades da natureza, mas também a infortúnios causados pelo próprio homem, o que lhe gera sofrimentos atrozes, como a perda de entes e o testemunho ocular de barbáries e genocídios ocorridos nas guerras, com bombas, mísseis, torturas em campos de concentração, entre tantas outras.

Vemos que a cultura, que suscita progressos e aperfeiçoamentos, também pode levar o homem à fragilidade e suscetibilidade à loucura (Serpa Jr., 1998).

Mas como representar essas barbáries e atrocidades? Não raro, elas trazem ao aparelho psíquico um estímulo maior do que a sua capacidade de assimilá-las, e portanto de representá-las e transmiti-las. O excesso ofusca e ensurdece, passa do limiar do que podemos apreender, tornando-se quase invisível e inaudível, e consequentemente indizível; um choque abrupto assume uma proporção tal que acaba por apagar o que ocorreu antes e o que ocorreu depois; o que sucede com o sujeito que vivencia a catástrofe é “uma passividade absoluta diante do real que o invade e o reduz à condição de coisa” (Kehl, 2000, p. 138).

O impacto do genocídio, o horror exagerado e incontestável, torna-se recusado e inominável. O descomedimento de uma tragédia faz com que o eu cinda essa realidade insuportável do aparelho psíquico (Seligmann-Silva, 2000).

Depoimentos de sobreviventes mostram que o trauma sofrido por eles no momento da catástrofe impossibilita a capacidade deles de sentir, resistir, agir e pensar. O sujeito fica como que anestesiado e paralisado perante o horror. Por isso ele não consegue transformar os seus sentimentos e nem mesmo representá-los. As emoções ficam ligadas ao trauma em estado bruto, sem transformação e sem representação. Algumas vezes devido ao excesso, ao repentino e inesperado, outras vezes por vergonha, o sofrimento não pode ser colocado em palavras.

Faimberg, em Transmissão da vida psíquica entre gerações (Kaës et al., 2001), relata que os estudos com sobreviventes de campo de concentração apontam que a humilhação sofrida pode aniquilar o amor-próprio do sujeito, levando-o a refugiarle em um narcisismo enquanto fim em si mesmo, no qual o ego dedica o seu amor somente a si, para compensar o amor perdido em um massacre, negando-se, assim, como elo de uma corrente geracional.

Nessas circunstâncias, o sobrevivente pode perder a noção de pertencimento a uma linhagem, tentando manter a fantasia inconsciente de que foi autogerido. Sem situar-se como elo de dois grupos - um do qual procede e outro a que antecede -, o sujeito não poderá utilizar a fala e a linguagem das gerações que o antecederam.

É comum ouvirmos nos relatos desses sobreviventes a necessidade de esquecer o terrível passado, e assim vai se constituindo um silêncio. É um silenciar em prol da vida.

Desse modo, o choque de um massacre desaparece da rede simbólica; ele fica forcluído1 do aparelho psíquico devido ao excesso, à dor e à vergonha. Essa vivência ultrapassa a capacidade do sujeito de representar a experiência. A pessoa fica “sem palavras”, não consegue incluir a vivência na trama simbólica e assim apropriar-se do que foi sofrido. O silêncio passa a ocupar o espaço do trauma, ocasionando lacunas na transmissão e, por conseguinte, falhas na constituição do psiquismo.

O que não pode passar pela palavra, o vazio de representação, vai ficando cada vez mais agudo nas gerações seguintes e acaba traçando o destino do homem - daquele que vivenciou a tragédia e de seus descendentes -, como se toda uma linhagem ficasse presa a um silêncio transgeracional. É como se os descendentes permanecessem presos a um destino anunciado pelos oráculos, mantendo atual um passado longínquo.

Isso ocorre porque, se a barbárie não passa pelo luto, ela fica insepulta, viva, sem possibilidade de transformação, e assim, como um corpo estranho, é transmitida às gerações seguintes.

Nesses casos, os descendentes dos sobreviventes ficam presos a um processo melancólico, isto é, apresentam uma extinção do desejo e da fala e uma atração pela morte, pelas ruínas e pela nostalgia. Vivem como se ainda permanecessem em meio à tragédia, mesmo depois de ela já ter terminado há anos, décadas ou séculos. É como se eles estivessem possuídos pela tragédia e pelas pessoas que porventura foram perdidas nela, e o eu, identificado com o que não existe mais, acaba se perdendo no nada (Roudinesco & Plon, 1997/1998).

Nessas circunstâncias, a constituição do psiquismo sofre prejuízos. Kaës (2001) definiu essa transmissão transgeracional como transpsíquica, referindo-se a uma transmissão patológica, que leva à interrupção e descontinuidade da possibilidade de transformação; ela não passa pela consciência nem pelo inconsciente, pois, como há uma negação da tragédia, ela acaba ficando fora do aparelho psíquico, sem representação.

Ao estudar e descrever clinicamente fenômenos psíquicos dessa ordem, Nicolas Abraham e Maria Torok (1995) cunharam novos conceitos para dar conta dos efeitos desses lutos impossíveis, dos segredos de família, da vergonha e do indizível. Um deles é o conceito de cripta, que seria o lugar onde se inscreve a memória do traumático, daquilo que não se consegue falar. É uma memória congelada, de um tempo congelado, de um evento congelado. Situa-se fora do aparelho psíquico e refere-se aos fatos que foram forcluídos do psiquismo. A cripta diferencia-se do inconsciente recalcado, onde se alojam conteúdos reprimidos e passíveis de representação.

O trauma abrigado na cripta não pode ser utilizado para a vida, criando assim espaços “vazios” no psiquismo das gerações seguintes. Vale ressaltar que esses “vazios”, ao serem transmitidos psiquicamente às novas gerações, em função de sua característica de material “bruto”, não podem ser utilizados psiquicamente e integrados subjetivamente (Correa, 2000).

Quando a criança recebe a transmissão sem o trabalho de elaboração daquele que passou por uma tragédia, ela pode sentir-se como uma árvore sem raiz, ou fortemente enraizada em terras inférteis e doentes. Ela carrega mensagens incompreensíveis e enigmáticas, como se fossem impostas a ela como invasores impiedosos, causando sensação de estranheza. Nesse processo, consagra-se o trauma à repetição.

Nesses casos, os descendentes sentem que carregam mensagens incompreensíveis e se apresentam como se portassem algo que não é deles, um corpo estranho, que não reconhecem como seu, e gestos que não lhes pertencem. Sendo o corpo o primeiro lugar onde se inscreve a história passada do sujeito, entendemos por que os descendentes de sobreviventes de catástrofes experimentam, algumas vezes, um verdadeiro desabitar do próprio corpo, pois, junto com a tragédia forcluída, toda a história das gerações anteriores também foi forcluída, “enterrada” na cripta.

Lasch, historiador e crítico social, em seu livro O mínimo eu (1987), ao tratar da sobrevivência psíquica em tempos difíceis, utiliza a metáfora de que o sobrevivente de guerra, ao partir para uma nova terra, joga ao mar toda a sua bagagem cultural para que o navio possa continuar flutuando. Penso que essa metáfora retrata com muita precisão os processos psíquicos envolvidos na vida dos sobreviventes de catástrofes que estamos considerando. Ao “jogar ao mar” a tragédia pela qual foram acometidos, para que eles possam continuar vivendo, jogam junto com ela toda a sua história e sua herança cultural, que consequentemente não poderão ser passadas adiante aos descendentes.

Enfim, falar do acontecimento traumático para as gerações seguintes é imprescindível, para que ele possa ser elaborado.

 

A palavra enquanto fundante do psiquismo

Conforme já mencionamos, nos primeiros cuidados maternos, a mãe funda o psiquismo do filho (Bleichmar, 1994), não só a partir do seu inconsciente, mas também pela palavra. Nesse período, a criança vive a sensação de que ela e a mãe são uma única pessoa. Do ponto de vista da criança, é como se ela vivesse em um perfeito paraíso. As palavras pronunciadas pela mãe assim como o seu corpo, os seus gestos e o seu afeto são confundidos pelo bebê como sendo dele.

Aos poucos, a partir do próprio cuidado materno, o bebê vai percebendo-se como separado de sua mãe. Essa nova configuração psíquica pode ser vivida pelo bebê como a sua primeira catástrofe - a experiência trágica da separação. O psiquismo da mãe, agora separado do psiquismo do bebê, dá oportunidade ao surgimento da palavra deste. A falta que o bebê sente desse estado de unidade com a mãe vai sendo preenchida por ele com o seu choro, que posteriormente se transformará em palavras, que por sua vez se converterão em outras palavras.

Para que esse movimento ocorra, é necessário que o bebê, durante esse processo de separação, não se depare com uma mãe repleta de um passado não transformado - criptas. Se isso ocorrer, ele fica carregado de criptas e pode se tornar o próprio “túmulo da mãe”. As palavras que dele emanam vêm dos mortos, do fundo desse túmulo - são palavras destituídas de representação; o que ele vai perpetuar é o não saber, isto é, o não saber de si, o não saber do passado, o não saber de sua história.

* * *

Em vista do que foi apresentado até agora, como pensar nas histórias que não foram transmitidas às gerações seguintes, por palavras, fotos ou cartas? Como o passado que não tem representação pode surgir na clínica? Como escutar, na sala de análise, o que foi inaudível aos nossos pacientes? Na tentativa de ampliar nossa possibilidade de reflexão sobre essas questões, apresentarei a seguir a história de Maira e Raissa, baseada em uma experiência clínica.

 

Retratos de uma história

Fui procurada por uma mulher que, ao telefone, para marcar a primeira entrevista, apresentou-se como Maira. Entretanto, no consultório, durante nosso primeiro encontro, pediu-me para chamá-la de Raissa.

Maira e/ou Raissa?

Vestia-se sobriamente, tinha uma expressão taciturna e um olhar que espelhava dor. Havia me procurado porque queria fazer uma plástica na barriga, ao que sua família se opunha. Intuí que ela buscava um consentimento para a cirurgia - que, aliás, já estava marcada para dali a duas semanas. Questionei-me se ela não queria extirpar os sinais de uma maternidade, mas guardei essa questão comigo.

Contou-me que era acompanhada por uma angústia constante, embora não pudesse identificar de onde vinha. Enumerou várias plásticas que já havia feito, levando-me a pensar o quanto ela se sentia estrangeira em seu corpo, parecendo não habitá-lo, tentando moldá-lo a fim de senti-lo como seu.

Seus primeiros relatos referiam-se quase que exclusivamente ao seu corpo. Parecia que ela queria explorar todos os recursos possíveis para tomar posse dele. Além das várias cirurgias plásticas a que se submeteu, contou que seu corpo “produzia” muitas dores, que se espalhavam por toda parte, sem que fosse diagnosticada qualquer origem orgânica que as justificasse. Frequentava aulas de dança e nelas sentia-se realmente feliz - nesses momentos, as dores no corpo passavam. Ela praticava dança folclórica e sempre realçava o quanto lhe fazia bem dançar em frente ao espelho.

Conjecturei que os dois nomes poderiam referir-se às identidades de dois corpos: o corpo que ela enxergava enquanto dançava em frente ao espelho e o corpo que ela almejava por meio das plásticas.

Ela dizia ainda que, caso não estivesse dançando ou sentindo alguma dor em seu corpo, entrava em um estado de desligamento, que a deixava vulnerável, à mercê de perigos e servidões, aos quais ela se submetia de modo automatizado, sem nenhum constrangimento, em uma falsa felicidade.

Nos primeiros tempos da análise, eu chegava a me questionar sobre sua capacidade intelectual e simbólica devido à grande dificuldade dela em fazer abstrações, resultando em uma maneira extremamente concreta de apreensão do mundo. As palavras eram entendidas como coisa em si, e não como representações.

Nossos encontros eram atravessados por sentimentos de ódio. Ela se deitava e esbravejava, repetindo insistentemente, batendo as mãos em punho no divã, que tinha muito ódio - ódio da família de origem, ódio dos colegas de trabalho, ódio de mim, ódio por ter tanto ódio, ódio por não saber por que tinha tanto ódio.

Certa vez, contou que seu sonho era ser artista plástica, mas que a família a proibira. Desde pequena, ela gostava muito de desenhar; no entanto, só desenhava escondida debaixo da cama. Com o passar do tempo, os pincéis, as tintas, os lápis de cor e os papéis de desenho acabaram também por ficar esquecidos debaixo da cama de sua infância.

Em uma sessão, essa mulher que tinha dois nomes descreveu-me uma visão que teve em uma terapia de regressão a que tinha se submetido. A partir daí, seus dois nomes e o desconforto que ela sentia com o seu corpo começaram a fazer sentido para mim.

Ela contou-me que se viu em uma casa muito antiga e muito escura, com paredes de pedra, repleta de mulheres; mais adiante, um homem gordo, peludo e assustador. Tinha medo dele. Estava grávida. Pela janela, enxergava uma extensa campina, e, muito ao longe, dois cavalos, algumas mulheres que encenavam uma dança típica daquela região e várias árvores que pareciam se entrelaçar, dando um ar surrealista à paisagem. Ela gritava que queria participar da dança, mas não conseguia. Deu à luz um menino e morreu em seguida. Sua “alma”, do alto da casa, via o seu corpo rodeado de mulheres.

Sua alucinação despertou o meu sonhar. Sonhei com os costumes dos países com danças e paisagens semelhantes às que ela me contava. Relatei o meu sonho a ela, comentando que talvez ela descendesse de algum desses países. Ela discordou incisivamente.

Tempos depois, essa mulher de dois nomes chegou à sessão contando que soube por um familiar que sua família de origem era de uma das regiões da qual eu havia suspeitado. Conta-me também que, por vergonha, a família quis manter essa história em segredo.

Esse foi um momento de “virada” no processo analítico. Aos poucos, ali comigo, a mulher de dois nomes foi saindo do silêncio. De uma mulher de fala pobre e concreta, foi surgindo uma pesquisadora. Ela passa a interessar-se por história e pelos episódios da batalha na região de onde seus ancestrais haviam emigrado; suas sessões são ocupadas por eventos ocorridos séculos atrás.

Juntas, nas sessões, fomos “desbravando” a região de onde ela procedia. Descobrimos que, entre os séculos XVIII e XX, os países vizinhos àquele de onde seus ancestrais provinham lutavam pela ampliação de fronteiras. O intenso aceleramento econômico de alguns países atiçava a cobiça de outros. As guerras começaram a ser frequentes na região, e a população sofria com episódios de invasão e perseguição. Com orgulho, porém, ela realçava que os habitantes de seu país de origem eram muito guerreiros e não se davam por derrotados; cada vez que perdiam alguma parte de suas terras, eles partiam para reconquistá-la.

Imersas nessas histórias, vamos juntas regatando sua história, seu passado longínquo, sua herança. Víamos cada detalhe das batalhas como se folheássemos um álbum de fotografias. E novas descobertas iam surgindo. O passado se fazia presente entre nós duas, só que agora não mais por atuações, e sim por meio das histórias e dos contos da região, que eram transmitidos pela palavra e a partir da memória de seus familiares. As histórias estavam, por insistência dela, ressurgindo das “ruínas que sobraram da guerra”.

Ela descobre então, por meio de conversas de parentes, que sua bisavó também precisou fugir com a família de situações de guerra e perseguição, e que nessa ocasião teve que deixar um dos filhos (seu avô) para trás. A circunstância em que se deu a fuga, em condições tão precárias, havia sido muito assustadora e angustiante para toda a família. Ela soube que o avô, um bebê recém-nascido, fora deixado sozinho, enterrado na neve, enquanto a mãe dele fugia com os filhos mais velhos da vila onde moravam, por causa da perseguição do exército inimigo. Apenas um dia depois seu avô pôde ser resgatado por ela e juntar-se aos irmãos e à família, que partiu para o Brasil. O risco da morte, a vergonha pela humilhação e a culpa em relação a esse episódio fizeram com que a história nunca mais pudesse ser contada.

Descobrimos, assim, que essa mulher que tinha dois nomes era filha da guerra - ela “vinha” de uma batalha que se iniciou por volta de 1768.

Levando em conta essas histórias, supus o porquê da hostilidade que marcava os nossos encontros. Era como se um clima de guerra se atualizasse entre nós, revelando-se a cada gesto, a cada palavra, a cada ação do seu corpo duro, doído e enrijecido.

Os bruscos movimentos dos seus membros no divã transformaram-se, para mim, em imagens de soldados batalhando em terras inimigas, em busca de delimitação e fortalecimento de fronteiras. Lembrei-me do início de nosso trabalho, quando nada do que eu dizia era aceito por ela. Nossos encontros eram extremamente bélicos. Eu tinha a sensação de que ela me via como uma inimiga de quem ela precisava muito para brigar. Talvez, na transferência, eu fosse vivida por ela como o estrangeiro que ocupou as terras dos seus antepassados, alguém que, nos momentos que intervinha, fazia com que ela se sentisse invadida, assim como foram os seus ancestrais (Fédida, 1991).

Essa mulher portadora de dois nomes manifestava um forte desejo de vingança, mas era um desejo disperso, sem um alvo específico. Ela queixava-se de dores no corpo - doía a coluna, doíam as pernas, doía a cabeça, doíam os punhos, doíam os dedos. Pedia-me para deixá-la gritar, dizendo que precisava daquele lugar, ali, comigo, para gritar. Queria odiar, porque dizia não saber amar, e, se parasse de odiar, tinha a sensação de que cairia em um vazio.

Fazendo uma analogia, pensei que aquela mulher podia, por meio desses gestos, também estar buscando os limites do seu corpo, em um processo de apropriação deste e delimitação das instâncias psíquicas, pelo qual a hostilidade pudesse estar contida (Winnicott, 1986).

Considerando as excessivas plásticas a que ela se submetia, supus o quanto o seu corpo não era sentido como seu, e sim como uma presença intrusa, incômoda e disforme, “portando” o que estava silenciado na cripta.

Com Derrida (2003), poderíamos pensar: no consultório, quando estamos com os nossos pacientes, ora somos hóspedes, ora somos hospedeiros deles. No caso de descendentes de sobreviventes de guerra, como ser uma hóspede estrangeira? Podemos estar entrando em um abrigo provisório de refugiados ou em terras provisórias de expatriados. Como essa mulher pode-ria hospedar uma estrangeira em seu psiquismo, se foi um estrangeiro a causa de sua bagagem cultural ter sido “jogada no fundo do mar”, ou melhor, “enterrada na neve”? Estou falando de alguém que necessitava apropriar-se de uma história que foi perdida justamente por invasões estrangeiras muito hostis.

No processo analítico, porém, eu sentia que não havia mais volta, pois as criptas foram abertas e as cenas de horror ocasionadas pela guerra estavam lá, sendo vividas por nós. Vivíamos entre 1768 e 1922. A história dessa batalha se atualizava nos nossos encontros, no seu corpo bélico.

Transcorreu-se mais algum tempo, e minha paciente me pediu para desenhar. Dei-lhe papel e lápis, e ela passou algumas sessões desenhando paisagens da região de onde os seus ancestrais emigraram. O que antes só podia aparecer em alucinações, em estados regressivos, surgia agora em representações artísticas.

Enquanto desenhava, ela contava e redefinia o país do qual procedia sua família como a fauna do mundo e o lugar onde se originou o perfume e nasceu a primeira rosa. Não era mais o lugar da vergonha ou do vazio. As vivências das gerações passadas que não foram faladas, elaboradas e apropriadas subjetivamente puderam ser agora genuinamente apoderadas por ela através dos desenhos, que deram espaço para o seu contar particularizado de sua origem. A vergonha, vinda de seus ancestrais, pôde transformar-se em orgulho na terceira geração.

Nesse momento, compreendi a palavra como um veículo que transforma, liberta e possibilita a criação da metáfora e da arte inibida pelo não dito; oportuniza o trabalho de luto e dá um sentido ao sem-nexo; propicia um momento fecundo em que o criador pode criar diante do real; leva à mobilidade e à noção de posteridade, no desdobrar do tempo.

A situação transferencial também foi se modificando: entramos em um período de calmaria nas sessões, como se tivéssemos assinado um acordo de paz; talvez agora, como ocorrera em 1922, nós pudéssemos respirar aliviadas.

 

Maira e Raissa

No início, era Maira. Vestia-se sobriamente, fazia várias plásticas para eliminar o quanto pudesse os traços de sua origem que cobriam o seu corpo - o corpo de Raissa -, em busca de uma nova pele. Talvez procurasse um novo corpo para ser fiel aos antepassados, contribuindo para a perpetuação do segredo; talvez, para servir de disfarce de sua ascendência, a fim de não ser encontrada pela facção inimiga.

Penso que Maira existiu para ajudar Raissa a sobreviver enquanto ela estava “enterrada debaixo da neve”, para lhe dar oxigênio nos tempos em que ela não podia respirar. No entanto, Raissa aparecia nos nítidos traços étnicos que trazia em seu rosto (apesar das plásticas), nas suas atuações e nos seus delírios.

O trauma pelo qual os seus ancestrais passaram não ficou no inconsciente como no recalque. As atuações e os delírios dessa mulher referiam-se a conteúdos forcluídos do universo simbólico, da rede representacional. Eram imagens mnêmicas que haviam sido ejetadas do aparelho psíquico dos seus ancestrais e que retornavam em Raissa, de forma alucinatória, nos seus estados regressivos. Era Raissa quem manifestava muito ódio, muito desejo de vingança, muita vontade de guerrear comigo.

Conjecturei que, no momento em que a história dos seus antepassados foi posta em palavras, foi desenterrado todo o seu passado, toda a sua vida. Daí para frente, o seu corpo começou a fazer sentido. As plásticas terminaram. Intuí que, no momento em que ela pôde me contar a trágica história dos seus ancestrais, eu não era mais vista por ela como a estrangeira que queria dominar as suas terras, mas como quem a desenterrava da neve.

A mulher, agora de um nome só - Raissa -, voltou a pintar. A criança que havia nela saiu do esconderijo debaixo da cama e trouxe consigo os lápis de cor, os pincéis, as tintas e os papéis que haviam sido “esquecidos por lá”. Em uma sessão em que ela manifestava grande alegria por suas produções artísticas, declarou que, ao pintar, sentia que as suas mãos se movimentam como se fizessem uma dança - a dança típica da região de onde procedia - por todo o seu corpo.

 

Finalizando

Certa vez, recebi uma mulher com dois nomes: um deles referia-se a uma parte de sua história que havia ficado “enterrada na neve”, nos idos de 1919; o outro, àquela que estava fora da neve tentando salvá-la.

Certa vez, a tragédia de uma mulher de dois nomes transformou-se em produção artística, dando assim um caráter belo ao horror.

Certa vez, uma alucinação despertou um sonhar que transformou o silêncio em palavras e as palavras em arte.

Hoje, refletindo sobre a alucinação que ela teve, percebo alguém que se vê como um “bebê morto” pela falta de um passado, mas que poderia “viver” se encontrasse uma mãe que a carregasse e lhe entregasse toda a sua história passada. Digo isso porque, quando ela contou que gritava querendo dançar e não conseguia, eu pensei que, nesse momento, ela clamava pela história passada de sua família.

Essa alucinação, portanto, pode ter tido a função de acordá-la para o pesadelo de uma realidade que havia sido perdida. Levou-a ao encontro com a paisagem e a tradição características da região de sua origem, com o medo e com a morte.

A partir desses encontros proporcionados pela alucinação, pudemos ir tecendo a sua história e, assim, incluí-la na rede de representações.

Conhecer os horrores pelos quais os seus antepassados passaram permitiu a ela fazer o luto da tragédia que não pôde ser feito há três gerações, e então apropriar-se de uma vida realmente sua e de um corpo verdadeiramente seu.

 

Nota

1 A palavra forclusão foi forjada por Lacan, mas Freud, em 1894, descreveu a defesa psicótica em termos semelhantes, ao referir-se ao ego que se separa da representação insuportável, desligando-se total ou parcialmente da realidade (Laplanche & Pontalis, 1967/1986, p. 574).

 

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Correspondência:
Amaro da Silveira Modesto Santos
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Recebido em 31.10.2016
Aceito em 14.11.2016

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