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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.2 São Paulo Apr./June 2017

 

FAMÍLIAS

 

A capacidade de estar só na presença do casal1

 

The capacity to be alone in the couple's presence

 

La capacidad de estar solo en presencia de la pareja

 

La capacité d'être seul en présence du couple

 

 

René RoussillonI; Tradução Marilei Jorge

IAnalista didata da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), presidente do Grupo de Analistas de Lyon e docente da Universidade de Lyon 2

Correspondência

 

 


RESUMO

Ao se interrogar sobre o dispositivo das consultas familiares psicanalíticas e das consultas familiares por ocasião dos pedidos de atendimento para os filhos, o autor propõe que se considere que a problemática da capacidade de estar só na presença do casal é o organizador privilegiado dessa situação. Isso o leva a retomar a função do objeto-casal e de sua representação interna na organização pulsional da sexualidade infantil como uma saída para os impasses e paradoxos da crise edipiana. Assim, a fantasia da cena primária encontra uma de suas correspondências no quotidiano da vida familiar. Por fim, o autor situa a capacidade de estar só na presença do casal no interior de uma série de experiências intermediárias nas quais se pode pôr em ação a distinção percepção/representação, tão essencial ao funcionamento psíquico.

Palavras-chave: consulta familiar, constelação e estratégia edipiana, fantasia da cena primária, capacidade de estar só


ABSTRACT

When wondering about psychoanalytic consultations with families, particularly about family consultations which involve requests for psychoanalytic treatment for children, the author suggests that the issue of the capacity to be alone in the couple's presence should be considered the privileged organizer of this situation. This thought leads the author to rethink the function of couple as object and its internal representation in the drive-oriented organization of infantile sexuality as a way of dealing with the impasses and paradoxes of Oedipal crisis. The fantasy of primal scene, therefore, finds one of its equivalents in the everyday family life. Finally, the author places the capacity to be alone in the couple's presence among a series of intermediary experiences in which the difference between perception and representation may be implemented. And, making this difference, the author continues, is vital to the psychic functioning.

Keywords: family consultation, Oedipal constellation and strategy, fantasy of the primal scene, capacity to be alone


RESUMEN

Interrogándose sobre el dispositivo de las consultas familiares psicoanalíticas y de las consultas familiares en función de pedidos de tratamiento para niños, el autor plantea considerar la problemática de la capacidad de estar solo en presencia de la pareja como organizador privilegiado de esta situación. Esto lo lleva a retomar la función del objeto pareja y su representación interna en la organización pulsional de la sexualidad infantil como salida de impases y paradojas de la crisis edípica. La fantasía de la escena primitiva halla así uno de sus enlaces en la cotidianidad de la vida familiar. Finalmente, el autor ubica la capacidad de estar solo en presencia de la pareja en el centro de un conjunto de experiencias intermedias dentro de las cuales puede activarse la diferenciación percepción/representación, tan esencial para el funcionamiento psíquico.

Palabras clave: consulta familiar, constelación y estrategia edípica, fantasía de la escena primitiva, capacidad de estar solo


RÉSUMÉ

En s'interrogeant sur le dispositif des consultations familiales psychanalytiques et des consultations familiales à l'occasion des demandes de soins pour les enfants, l'auteur propose de considérer que la problématique de la capacité d'être seul face au couple en est l'organisateur privilégié. Ceci l'amène à reprendre la fonction de l'objet-couple et de sa représentation interne dans l'organisation pulsionnelle de la sexualité infantile comme issue aux impasses et paradoxes de la crise oedipienne. Le fantasme de la scène primitive trouve ainsi l'une de ses correspondances dans le quotidien de la vie familiale. Enfin, l'auteur situe la capacité d'être seul en présence du couple au sein d'une série d'expériences intermédiaires dans lesquelles peut se mettre au travail la différenciation perception/représentation tellement essentielle au fonctionnement psychique.

Mots-clés: consultation familial, constellation et stratégie oedipienne, fantasme de la scène primitive, capacité d'être seul


 

 

Consulta familiar

Estas poucas notas originam-se de uma reflexão oriunda da prática de supervisão/pesquisa das consultas terapêuticas familiares (Berger, 1986, 1987) e de seu dispositivo. Bem "tipicamente", quando as famílias que nos consultam - seja a propósito de um pedido que diz respeito a um dos filhos da família, seja de uma só vez, com um pedido para nos encarregarmos da família - não são muito desorganizadas, a situação tende a se estruturar, imediata ou progressivamente, delimitando dois espaços no seio do dispositivo.

De um lado, em um primeiro plano, o casal se dirige ao terapeuta e evoca o objeto de seu pedido de consulta ou, se a relação terapêutica já se iniciou, expõe o estado das questões de trabalho.

De outro lado, em outro plano, o filho, ou os filhos - tipicamente eles têm entre 2 e 7/8 anos -, se instalam ou terminam por instalar uma "outra cena" para brincar, desenhar, retirar-se ou prostrar-se.

Por vezes, o filho se junta à cena dos pais para mostrar um desenho, dizer alguma coisa a um ou a outro de seus pais, vir refugiar-se ou aninhar-se perto de um ou de outro. Acontece também de um dos pais interromper o que estava dizendo ao terapeuta para fazer uma observação à criança ou às crianças, para intervir num início de briga, numa confusão, numa conduta proibida etc.

Qualquer terapeuta familiar de formação psicanalítica, com alguma experiência, sabe que a dificuldade principal de sua tarefa e de sua escuta se deve à necessidade de estar simultaneamente atento ao que se passa nas duas cenas, à maneira pela qual a fala dos adultos e a brincadeira das crianças se respondem e se associam, se articulam ou se contradizem, se encontram ou se dissociam.

Se ele for um pouco apaixonado por metapsicologia, ficará, além do mais, sensível à forma pela qual a dupla cena que se desenrola diante dele organiza a dupla cena da representação psíquica, como se a tópica fosse então projetada (Anzieu, 1975) ou transferida no dispositivo de consulta. De um lado, a problemática psíquica se manifesta no espaço da linguagem, tenta se exprimir com a ajuda do aparelho da fala; de outro lado, a mesma problemática psíquica ou uma problemática articulada a ela tenta se reproduzir no espaço do jogo ou do desenho com a ajuda de representações (de)-coisa. O intervalo ou o grau de congruência das representações e processos presentes nas duas cenas medem a exigência de trabalho psíquico, de trabalho de transformação, imposta aos processos terciários (A. Green) de cada um, mas sem dúvida, muito especialmente, aos processos do analista, que nesse caso é o "portador" da questão da organização do conjunto. Ele não pode "escolher" seu campo; ele deve escutar como as formas postas em signo, em cena e em sentido,2 de um e de outro plano, se correspondem, se co-respondem ou parecem se ignorar.

Esse dispositivo em dois planos parece-me ser uma das características centrais das consultas terapêuticas familiares, como tentarei desenvolver na reflexão que se segue. Ele abre a questão mais importante, a da capacidade de estar só na presença do casal, considerada como organizadora essencial do desdobramento familiar da constelação edipiana. É essa questão que configura fundamentalmente a transferência específica que as famílias tentam endereçar aos terapeutas familiares; é sua organização progressiva que representa o horizonte elaborativo do trabalho analítico, que pode então ser empreendido.

Em outras palavras, quando as famílias consultam por elas mesmas, enquanto famílias, ou por um de seus membros - na maioria das vezes, um filho -, é sempre porque alguma coisa dessa correspondência, do diálogo a duas vozes que estabelece a capacidade de estar só na presença do casal e da articulação sexual adulta/sexual infantil que se trama através de seus ecos mútuos, está em sofrimento de integração. Então, a esperança, o que motiva a consulta, é que o terapeuta, esse "complemento familiar" momentâneo, esse "suplente familiar" transitório, ajude a fazer uma retomada mais "transicional" e mais econômica da circulação e da articulação entre as formas e manifestações do sexual adulto e as do sexual infantil.

Quando as famílias não participam de consultas, o que é, de qualquer modo, a mais frequente das conjunturas, elas organizam ou ficam sem organizar equivalentes na vida familiar quotidiana.

 

Cena da vida familiar: na sala de estar

Seria possível fazer uma tipologia dos lugares familiares a partir dos quais as grandes problemáticas da vida pulsional são dramatizadas e tomam forma, pelo menos quando as famílias têm condições de distribuir assim, "topicamente", entre diferentes lugares, as questões principais da organização pulsional.3 Assim, o quarto dos pais é, classicamente, o lugar que encarna para a criança, mas também para os adultos, a relação com os enigmas e paixões da sexualidade adulta, a relação com o íntimo; o banheiro é o lugar onde a questão dos autoerotismos e da articulação autoconservação/autoerotismo se manifesta com mais facilidade; a cozinha ou a sala de jantar, o lugar onde a organização de "compartilhamento pulsional" encontra com mais frequência sua expansão; a cabeceira da cama dos quartos das crianças, aquele onde se tenta organizar o drama da inclusão/exclusão, que no momento de dormir ativa e ameaça perturbar a zona do adormecer etc. A sala de estar é geralmente o espaço intermediário entre o íntimo da vida familiar e o compartilhamento socializado, o espaço onde são convidados a compartilhar uma parte da intimidade estranhos, amigos estranhos, mas também os familiares.4

É sábado, início da tarde, hora do café, tomado na sala, o único momento da semana em que o trabalho não convoca os pais, em que a urgência de uma saída, de um ou do outro, não faz sentir sua pressão. Todos estão disponíveis. Os filhos, edipianos, latentes, não bebem café, é claro, mas estão ali presentes. Presentes psiquicamente, mas também presentes nos projetos de organização da tarde, que estão no centro da conversa que se esboça entre os dois membros do casal de pais: é preciso comprar uma roupa, calçados, por exemplo, além do baú descoberto na loja. Os filhos estão instalados na poltrona, divididos como se deve entre pai e mãe, com pai e mãe geralmente na poltrona partilhada com um ou o outro. Eles não estão excluídos, também não estão incluídos; a conversa se desenrola entre os pais, mas também pode incluir a opinião particular deste ou daquele membro da família. Conversa ordinária,5 em resumo, para parafrasear o título de um livro de Winnicott, quotidiano comum.

Um pouco mais tarde, a conversa, pouco a pouco, deslizou associativamente: a questão das compras provocou o tema do dinheiro, mobilizou certa valência pulsional; as crianças deixaram as poltronas dos pais, estão agora sentadas no tapete; peças de Lego, bonecas, carrinhos e outros brinquedos vieram rapidamente dos quartos e fizeram sua aparição ao lado deles, ali no tapete. As crianças são esquecidas, entregam-se às suas brincadeiras, os pais dão início às deles. Timidamente a princípio, as crianças estão ali presentes e não se fala dos assuntos dos adultos na presença deles. Mas, quanto mais o tempo passa, mais o casal "se encontra", o casal se encontra a "sós", na presença dos filhos, a conversa "esquenta", torna-se um pouco mais pulsional, esquece-se a presença discreta das crianças, o sexual do adulto infiltra-se cada vez mais no diálogo e o marca, com seus traços específicos. A fantasmática central e idiossincrática do casal, daquele casal, entra em cena e começa a ser representada. Os pais "se esquecem", ou melhor, eles esquecem que estão na frente das crianças, esquecem que estão ali como pais, eles se encontram em suas particularidades de casal, de casal sexuado e de casal sexual.

A cena está montada, o casal de um lado, as crianças que brincam do outro, os parâmetros do sexual adulto de um lado, de uma pulsionalidade marcada pela travessia da adolescência, da entrada em crise da pulsionalidade por si só, e a potencialidade orgástica que a caracteriza (Roussillon, 2000), os parâmetros do sexual infantil do outro, sua insuficiência em encontrar uma via específica para expelir o sexual, sua necessidade de encontrar na representação uma via "sublimatória" de satisfação parcial. Se a cena "esquenta" demais, se as crianças não são capazes de permanecer sós na presença do casal, uma disputa entre elas, uma "bobagem" feita por uma delas ou qualquer outro evento disruptivo virá lembrar a ameaça de transbordamento que se apresenta e interromper o diálogo do casal, ou fazê-lo mudar de caminho para um tipo de relação pais-filhos.

A questão essencial, a paradoxalidade específica, da economia do grupo-família está ali presente: como articular o sexual adulto e suas características intrínsecas com o sexual infantil? Seria ótimo ver o sexual adulto se exprimir só no "quarto dos pais", ao abrigo do olhar e da presença do filho, em um local que exclui a criança da excitação ligada às condições do encontro do casal como casal sexuado. A vida familiar fervilha de situações que, embora "socializadas", deixam filtrar fragmentos, mais ou menos importantes, de representações investidas ou mesmo de ações diretamente provenientes e derivadas da relação sexuada e sexual do casal. A questão da cena primária e da organização de seu conceito não se coloca somente nos termos de uma cena da qual a criança está excluída, mesmo se ela se coloca "tipicamente" assim. Ela se coloca também nos termos de cenas em que a criança está presente e é confrontada com os efeitos, sobre ela, das particularidades da relação pulsionalmente investida do casal formado por seus pais, investida de forma pulsional, isto é, a criança, sem estar ali formalmente incluída e implicada (não se trata da questão de "pais combinados"), é contudo testemunha privilegiada dessas cenas.

Entre a exclusão vivenciada quanto aos relacionamentos típicos do quarto dos pais e a inclusão no seio das "cenas do casal" ou das diferentes formas dramatizadas, na vida da família, da "paixão pulsional" do casal, devem ser inseridas formações intermediárias, que tomam corpo na vida familiar e que têm uma importância inteiramente considerável na elaboração e na construção da representação interna do casal sexuado e da fantasia da relação que a organiza.

 

A capacidade de estar só na presença do casal

A família é uma instituição destinada a tratar e organizar os efeitos da geratividade da sexualidade adulta. A família é a organização social destinada a permitir que se faça a dramatização, se represente e se encene e até mesmo se dê sentido à matriz da questão da geração, que, trazida de volta à sua forma mais árida e abstrata, se enunciaria assim: a diferença dos sexos produz uma diferença de geração que produz uma diferença no sexual.

Quando o sexual se abre para a reprodução, quando o amor gera uma descendência, provoca também uma diferença no sexual, questiona os fundamentos e enigmas da criação. O casal sexuado está no centro da família, no centro de sua organização; ele "produz" a família, mas se encontra permanentemente com a questão do efeito do sexual sobre a diferença de gerações, isto é, a questão da diferença entre o sexual infantil e o sexual adulto. É claro, essa questão, a da diferença entre o sexual e a sexualidade infantil e o sexual e a sexualidade adulta, diferença que é, sem dúvida, o parente pobre da teorização psicanalítica, sempre mais pronta a se apropriar da questão chamada de dupla diferença - diferença dos sexos e diferença das gerações -, é claro, essa diferença também é interna a cada um dos atores da vida familiar. Mas, no ponto essencial das cenas que se tramam ali, ela tende a entrar em cena e a manifestar seus efeitos entre os sujeitos na presença tanto quanto no interior de sua intimidade psíquica.

S. Ferenczi (1933/1982) tentou circunscrever o essencial dessa diferença em torno da oposição linguagem da paixão adulta, linguagem da ternura infantil. A diferença, porém, talvez não passe por ternura e paixão, como convida a pensar S. Freud, que colocou em destaque as vias específicas de descarga e ligação pulsional, em especial na ausência do sistema de escoamento específico da sexualidade infantil.

Existe uma "paixão" infantil como existe uma ternura no seio da sexualidade adulta, mas talvez não se trate exatamente da mesma ternura nem da mesma paixão. A potencialidade orgástica que caracteriza o acesso à maturidade sexual do adolescente modifica profundamente a relação com a ternura tanto quanto com a paixão, modifica seu sentido na economia pulsional do conjunto.

 

O objeto-casal

Os teóricos franceses de grupo - J.-B. Pontalis (1963/1993), depois D. Anzieu (1975) e R. Kaës (1976) - destacaram a existência de um objeto especificamente investido como tal nas situações grupais: o objeto-grupo. Eles se habituaram a pensar que o objeto podia ser composto de um conjunto, de uma pluralidade de sujeitos reunidos e ligados por um tipo de vínculo e de relação específica. Paralelamente, R. Lang e, mais tarde, os teóricos psicanalistas da família também insistiram no investimento e introjeção de uma família, de um objeto-família, continente e articulador dos principais protagonistas e atores da trama e da configuração edipiana de cada um. A. Green, por sua vez, sublinhou essa particularidade dos objetos na teoria psicanalítica e estendeu aos processos psíquicos a utilização da categoria objeto.

O casal também é um objeto, cuja construção e investimento têm igualmente uma história na economia libidinal infantil e adulta. Quando a criança é confrontada, à beira da crise edipiana, com os impasses da organização de sua vida pulsional "autoerótica", solipsista, quando ela é confrontada com o impasse de pôr em ato o projeto de uma economia pulsional que instauraria o tudo, imediatamente, sozinho, tudo junto, tudo em um6 como forma ideal, ela transfere para a representação do casal de seus pais reunidos a realização de seu ideal.

Classicamente, situa-se na organização da fantasia originária da cena primária o momento pivô dessa transferência e da constelação relacional que ele configura. Entretanto, os clínicos da primeira infância destacam a existência precoce de esquemas relacionais de estar com, que são, sem dúvida, precursores da configuração libidinal na qual o casal sexuado se torna o próprio objeto da meta pulsional.

O casal é esse objeto ideal "tudo em um", no qual os dois sexos podem ser reunidos, no qual descarga e prazer da descarga se combinam com o vínculo e o prazer da ligação, no qual a descarga é acompanhada da ligação, evitando a perda, a castração. Tomados separadamente, o pai e a mãe podem ter desvelado seus limites; reunidos em um casal, eles formam uma entidade sem falta, uma "solução" aos impasses narcísicos das organizações anteriores. No auge da crise edipiana, é o casal sexuado e sua construção que está no centro dos movimentos pulsionais.

Assim, a vida familiar será a cena em que a conquista do casal vai exibir suas formas. A criança que entra nessa problemática, que acaba por "inventar" o objeto-casal, projetado no casal de seus pais como "solução" ao impasse narcísico de sua economia libidinal, vai sair em busca da conquista paradoxal de um espaço no seio de um objeto que se constrói na e através da sua exclusão. Antes de ser uma problemática intrapsíquica, uma problemática fantasmática, que exibe suas formas no universo representativo, é geralmente em ato, nas relações familiares, que vão ser dramatizadas suas configurações. A família, o objeto-família, se construirá no encontro entre esse projeto edipiano de construção e conquista do casal, e as diferentes estratégias de colocá-lo em ação, e as reações relacionais e fantasmáticas que os pais, como casal parental sexuado, vão trazer ou fornecer em resposta.

Classicamente, a primeira estratégia posta em prática é a de tentar excluir a exclusão: todo momento, toda situação em que o casal parental corra o risco de se encontrar "só", excluindo a criança, vai ser "atacado" ou entravado, com a criança buscando estar "no meio" do casal, em seu centro.7 As crianças relutarão em ir deitar-se ou deixar os pais sozinhos; desejarão antes só adormecer se os pais estiverem, ambos, juntos à cabeceira de sua cama, ou tentarão juntar-se a eles em seu leito conjugal e instalar-se entre eles, tanto para atrapalhar qualquer eventual relacionamento sexual, que restabeleceria a exclusão, entre os pais significando então separá-los, quanto para mantê-los unidos e reunidos em torno delas, entre os pais significando então serem elas o vínculo que os une. Essa estratégia, que em geral só funciona muito parcialmente, combina-se e entra em choque com a estratégia que consiste em tentar criar um conflito entre eles e uma aliança com um ou com o outro nessa ocasião. Separar o casal para formar um vínculo e um casal com um ou outro dos pais, formar um casal adverso, um casal diferente. Não vou continuar insistindo: tudo isso está classicamente descrito na análise da constelação edipiana. Por outro lado, ressalta-se menos que, se a fantasia da cena primária é uma fantasia na qual a criança assiste à cena de sua própria concepção, quando ela tenta formar um casal com um ou outro dos pais, ela tenta ao mesmo tempo participar de sua própria concepção, com as vantagens - ela cria a si mesma - e os inconvenientes - ela se autogera - que uma "solução" como essa apresenta. E, assim, o desejo de se apropriar de um dos dois objetos parentais continua ameaçado de ser mandado de volta, com medo de ficar à mercê do desejo dele. Excluir o terceiro para formar um casal provoca os efeitos dissolventes da ameaça de perder o terceiro.

Há muito tempo os psicanalistas ressaltaram que a situação edipiana não tem saída comportamental ou interacional, embora não se possa evitar que essas saídas sejam postas em ação. Por várias razões, tão essenciais umas quanto as outras, o jogo de relações da constelação edipiana não pode evitar de se desdobrar.

Inicialmente, a dramatização na vida familiar do jogo do Édipo e da exclusão do terceiro, sua transferência para as cenas da vida familiar, vai sozinha tornar possível sua elaboração progressiva e sua maturação. É ao colocar efetivamente em jogo, e graças a isso, que a criança vai sentir e deixar desdobrar-se nela própria o efeito das diferentes posições subjetivas que ela ousa ocupar, é ali que ela vai buscar a matéria psíquica de suas configurações fantasmáticas, que ela vai buscar a experiência intersubjetiva graças à qual se alimentarão suas fantasias autoeróticas e seus desdobramentos no brincar e nos sonhos autossubjetivantes.

Mas para isso é preciso, claro, que o casal parental "sobreviva" aos ataques dirigidos contra ele, que esteja atento e que "sobreviva", que seja "destruído" e que se reconstitua, se reconstrua. É preciso tanto que a criança possa experimentar o conjunto do jogo pulsional que ela pode engajar nessa operação, sem desorganização excessiva, quanto, ao mesmo tempo, que o objeto-casal aguente, "suficientemente bem", apesar de tudo.

Finalmente, na medida em que o casal representa o potencial criativo, aquele que encarna a geração, a "solução" para os impasses do narcisismo primário, é necessário não apenas que ele "sobreviva", mas que se transforme, se ajuste, diante das manifestações edipianas da criança. Ele será também "encontrado" em sua realidade e seu valor organizador na própria medida de sua sobrevivência e de seu ajustamento. Assim, nessa dialética se construirá, para a criança, a possibilidade de encontrar/criar um lugar simbólico em sua configuração.

É também na medida em que a criança tiver podido mensurar, por ocasião das manifestações do jogo do Édipo, ao mesmo tempo, seus "poderes" e seus limites, que a retomada da constelação edipiana no seio dos autoerotismos e das representações fantasmáticas poderá adquirir forma e valor. O que pode se construir na vida fantasmática permite poupar um engajamento passional na interação e no comportamento. A organização progressiva e a secundarização das formas ditas da cena primária aliviam a vida relacional de uma parte do peso do caráter passional de suas questões. Um jogo relacional pode surgir em substituição a ações intersubjetivas e interativas.

Podemos agora voltar para a sala de estar lá do início de nossa reflexão, ou para a sala de consulta familiar. A regulação da questão da capacidade de estar só na presença do casal demonstra o estado da organização interna da fantasmática ligada ao casal e ao objeto-casal, demonstra a transicionalidade do casal interno e do casal externo. Em outras palavras, quando a representação interna do objeto-casal pôde se organizar suficientemente, pôde começar a se organizar, a criança dispõe de um "casal" interno que lhe permite controlar uma parte de sua organização pulsional, que lhe permite se autocriar e "se produzir" no jogo representativo e autorrepresentativo. Ela adquire, assim, certa independência em relação ao casal efetivo formado por seus pais, e pode-se considerar certa "dissolução" do Édipo, na medida em que é no espaço interno, e não mais na dramatização intersubjetiva, que pode ser encontrada alguma regulação. A dissolução do Édipo não é um desaparecimento do complexo de Édipo: é a distribuição, em duas cenas diferentes, da relação com o casal atual e da relação com a representação interna do objeto-casal, que dessa forma pode ser transferida a diferentes objetos. É a organização da crise edipiana na cena interna, a organização das representações, sua "produção" e sua "organização", que é herdeira da constelação familiar intersubjetiva da família da origem e se torna, assim, relativamente independente dela.

Confrontada à realidade e à atualidade de uma relação do casal parental que engaja questões ligadas à sua sexualidade adulta, a criança pode diferenciar ou, em certa medida, começar a diferenciar sua representação interna do objeto-casal, indispensável à sua organização psíquica, e a percepção do casal atual. Então, trama-se uma dupla cena que liga e separa a atualidade perceptiva da relação do casal e a representação desse casal que a criança pode urdir em seu foro interior. Ela é capaz de estar só na presença do casal, desde que, é claro, as questões pulsionais engajadas na atualidade da relação do casal não ultrapassem sua capacidade de conexões representativas internas. É evidente, de fato, que essa capacidade depende da intensidade dos afetos e moções pulsionais engajados.

Os terapeutas familiares que são confrontados regularmente com essa problemática sabem bem como sua capacidade de continuar a pensar o que se trama no momento das consultas familiares pode se tornar ruim, quando a intensidade dos movimentos passionais engajados atinge certo limite. Eles são colocados no lugar fantasmático das crianças confrontadas com um excesso de excitação que não pode ser vinculado unicamente pelos recursos representativos habituais e provoca a urgência de "soluções" complementares, a exacerbação da atividade "teórica sexual infantil", a intervenção mediadora ou separadora, o dilaceramento interno etc.

Os terapeutas de família sistêmicos criaram um dispositivo, com vidro espelhado e coterapeuta externo, para tentar manter ou restabelecer as distâncias tópicas necessárias para a manutenção de certa capacidade representativa. Quanto aos terapeutas psicanalistas, o único recurso que eles têm é sua capacidade de elaboração contra e intertransferencial, se estão em terapia de casal, para continuarem a ser o continente do que se descarrega e se libera em sua presença.

 

Capacidade de estar só

Em todas as fases intermediárias do processo de elaboração e de simbolização, a problemática da capacidade de estar só diante de sua pulsão em presença do objeto manifesta uma ou outra de suas formas.

Inicialmente encontrada na relação com o outro, como um momento-chave do acesso à individuação, sendo a forma primeira que Winnicott (1969) descreveu, em seguida ela toma a forma da capacidade de estar só na presença do casal. Então, como acabamos de ver, ela organiza uma saída fundamental para a questão das relações trianguladas e da exclusão do terceiro que a caracteriza. Finalmente, na adolescência, ela assume a forma de uma capacidade de aparecer só diante do grupo (Roussillon, 1999), e propus, seguindo o apresentado por Freud, fazer dela o ponto central do acesso à verdadeira psicologia individual.

Para além da oposição presença/ausência, para além da oposição do estar com/solidão, as experiências subjetivas do tipo capacidade de estar só em presença têm uma função essencial no jogo da diferenciação da percepção e da representação psíquica, jogo no qual a apropriação subjetiva encontra um de seus recursos mais fundamentais e a simbolização uma das ocasiões mais fecundas de sua manifestação.

De fato, o primeiro trabalho de diferenciação entre percepção investida - o investimento perceptivo pode chegar à alucinação - e representação psíquica supõe originalmente um vaivém possível entre representação - quando o objeto deve poder ser esquecido, alucinado negativamente, afastado - e percepção - quando o objeto deve estar perceptivamente presente. Esse vaivém só é possível se o objeto estiver ao mesmo tempo ausente, quando ele pode ser representado, e presente, quando ele pode ser percebido, ou se ele puder ser sucessivamente, quase simultaneamente, representado e depois percebido. Só é possível se o objeto puder ser afastado, se ele se deixar afastar, o que pressupõe um objeto discreto, isto é, um objeto que não apresente exigências pulsionais pessoais. Mas isso também só é possível se a relação interna com a representação de coisa do objeto herdar satisfações suficientes obtidas com o objeto, se elas foram suficientemente afetivas, se o desenvolvimento da atividade representativa da retomada autoerótica - bem diferente das autossensualidades e de outros procedimentos autocalmantes que não implicam atividade representativa complexa e criativa nem introjeção - fornece um sucedâneo eficaz à realização afetiva do desejo. Essas condições (Roussillon, 1981) são aquelas que presidem nos primeiros tempos da organização do autoerotismo, aquelas que assumem a forma capacidade de estar só na presença do outro.

A capacidade de estar só na presença do casal supõe outras capacidades que só se tornam possíveis por meio de uma travessia suficientemente organizadora da crise edipiana. Supõe, de fato, que a representação tenha podido assumir o valor de um verdadeiro objetivo pulsional, que no seio da sexualidade infantil pode se opor às realizações efetivas do desejo ou às atualizações perceptivas. Dizendo de outro modo, é preciso que a atividade representativa proponha ao eu um grau de satisfação tal que, mais do que incorrer em uma ameaça de castração ou de desorganização, ele possa preferir a representação à aventura da conquista de uma realização pulsional arriscada diante do casal presente. Portanto, também é preciso que o superego pós-edipiano possa diferenciar o que pode ser realizado em pensamento, e somente em pensamento, em fala, e somente em fala, o que já implica um modo de realização engajado intersubjetivamente, e enfim em ato, isto é, no fundo, que a diferença entre os diversos modos de realização das moções pulsionais possa ser efetivamente adquirida.

Seria necessário, para terminar, completar a série especificando que o limiar da idade adulta, trazendo de volta a capacidade de estar só diante do grupo, o primeiro grupo conhecido e o casal que o organiza e o coloca em tensão, se caracteriza, talvez, pela capacidade de estar só diante de sua família de origem. Quando o adolescente, ao se tornar jovem adulto e suficientemente "separado" do universo familiar, por uma viagem, estudos que o afastam da casa da família, a construção de um casal, a aquisição de independência em uma residência separada ou qualquer outra separação temporal e/ou geográfica significativa, isto é, quando a família concreta perdeu seu caráter de formação transicional em direção ao socius, quando um luto suficiente do ambiente familiar foi completado e quando o adolescente, transformado em jovem adulto, volta e reencontra o universo familiar, com a força de suas experiências adquiridas longe dali, resta-lhe ainda fazer com que seja reconhecida a realidade da maturidade alcançada longe dos seus. A capacidade de estar só diante de sua família vai agir fundamentalmente sobre a capacidade adquirida de fazer valer diferenças significativas de ideologia, de mentalidade, de opinião ou de estilo de vida, sem violência nem veemência, sem revolta nem agressão, sem arrogância nem angústia, com a tranquilidade suficiente daqueles que podem se deixar ser simplesmente como são. Ela também vai ser mensurada na forma como seus pais, cada um separadamente mas também como casal, "sobrevivem", por sua vez, em presença do casal gerador que ele pode agora formar e da terceira geração que então se apresenta.

A morte do universo familiar, no essencial de suas características infantis ou adolescentes, completa-se nesse momento. O jovem adulto pode, por sua vez, estar como casal diante de sua família de origem, fundar sua própria família com a liberdade necessária para que esta reproduza a história, mas não a repita de forma idêntica.

 

Referências

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Roussillon, R. (2000). Les enjeux de la symbolisation à l'adolescence. Adolescence, (número especial),7-25.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1969). De la pédiatrie à la psychanalyse (J. Kalmanovitch, Trad.). Paris: Payot.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
René Roussillon
4 rue Barrème (4e étage)
69006 Lyon, France
06 09 54 26 54
rroussillon7@gmail.com
reneroussillon.com

Recebido em 03.05.2017
Aceito em 18.05.2017

 

 

Revisão técnica Priscila Frehse Pereira Robert
1 Trabalho original publicado em 2002: Revue Française de Psychanalyse, dd(1),9-20. Edição em português autorizada por Maria Vlachou, rights manager da Presses Universitaires de France, Paris.
2 Nota da revisora técnica (NRT): a expressão usada por Roussillon, les mises en signe, en scène et en sens, traz uma sonoridade tal que permite, ao mesmo tempo, unir e separar a dimensão do signo, do ato e do sentido na clínica psicanalítica.
3 De fato, nem sempre é assim: pude lembrar-me dos efeitos de confusão no funcionamento psíquico de um analista diante da existência de um cômodo único, de um cômodo de "mil e uma funções", no qual alimentação, lavagem, evacuação, sono... estavam intricados e confundidos em um mesmo lugar (Roussillon, 1999).
4 NRT: o autor parece aludir à noção de estranho-familiar contemplada no texto freudiano Das Unheimliche (1919).
5 NRT: Winnicott, D. W (1988). Conversations ordinaires (B. Bost, Trad.). Paris: Gallimard.
6 NRT: também há aqui um jogo com a sonoridade das palavras: "tout, tout de suite, tout seul, tout ensemble, tout en un".
7 J.-L. Donnet (1976) observou essa forma na qual a criança, embora excluída de fato da cena, está contudo no centro de interesse e das conversas dos pais.

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