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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.2 São Paulo Apr./June 2017

 

RESENHAS

 

O processo criativo: transformações e ruptura

 

 

Paulina Cymrot

Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), doutora em psicologia clínica, autora dos livros Ninguém escapa de si mesmo: psicanálise com humor e Elaboração psíquica: teoria e clínica psicanalítica

Correspondência

 

 

Autor: Claudio Castelo Filho
Editora: Blucher, São Paulo, 2015, 334 p.
Resenhado por: Paulina Cymrot

 

 

Há décadas que convivo com Claudio. Tenho por ele um grande apreço. Senti-me honrada em poder fazer a resenha deste importante livro. Não é por acaso que a obra trata do processo criativo - criatividade não falta a Claudio, e seus trabalhos psicanalíticos e artísticos são demonstrações disso. Nesta segunda edição, o autor fez elaborações que resultam de seu trabalho, de seu estudo, de suas vivências nos últimos 10 anos desde a primeira edição do livro.

A leitura do texto é estimulante. Nota-se o trânsito consistente que Claudio faz pela psicanálise de Freud, Klein, Bion e outros, além de falar em nome próprio com excelente argumentação. Generosamente, articula suas ideias com a prática clínica e com exemplos da vida cotidiana. Passeia pela história, pela literatura, pelas ciências e pelas artes. Utiliza-se de sua experiência de vida, de sua análise pessoal, como psicanalista, como artista, para examinar cuidadosamente o processo criativo. E pergunta: o que é o processo criativo? Como surgem as obras de arte, as teorias científicas? Que condições mentais favorecem ou dificultam o processo criativo? Os grupos anseiam pelos indivíduos criativos, geniais? Sentem-se ameaçados por eles? Há relação entre experiências emocionais e capacidade para pensar, criar?

Para Claudio, os pensamentos seriam ajudados pela tolerância às dúvidas e às experiências vividas, pela continência às angústias e emoções, já que a criatividade não é um fim a ser conquistado. O sujeito é surpreendido se ele se deixa penetrar, se vive a experiência em lugar de querer entendê-la, explicá-la. O autor acredita que indivíduos criativos têm condições mais favoráveis para a capacidade imaginativa, para sonhar, fantasiar, intuir, para perceber realidades até então não percebidas. Transformam elementos sensoriais em não sensoriais de modo singular e numa comunicação universal, e isso não depende de uma deliberação racional, programada, como nos lembra Claudio.

O escritor, o artista, o pesquisador, o psicanalista destacam-se por sua capacidade de conter o desassossego, o caos mental, de captar o óbvio que não é alcançável pela maioria dos humanos. Tal qual a tela em branco do artista, Claudio nos relata suas imagens/sonhos em algumas sessões de seu trabalho clínico, ciente de que novas descobertas podem ser acompanhadas de preocupações, de ameaças; de que o indivíduo genial pode ser alvo de desorganização mental, de idealizações e/ou ataques destrutivos por parte do grupo, do establishment e dele mesmo. Experiente, Claudio não descarta a ideia de que o crescimento mental pode estimular experiências de várias naturezas e em diferentes pessoas. Pode ser estimulante, intolerável, desagregados..

Os psicanalistas aprenderam com Freud que os sintomas, as patologias são formas de sobrevivência psíquica. Por mais sofrida e precária que seja a defesa que a pessoa organiza para existir, dela não se desfaz se não lhe é ofertada alguma compensação. Como escreve Claudio neste instigante livro, a curiosidade, a abertura para experimentar, pode ser tolerada por quem tolera experiências emocionais correspondentes. É função do psicanalista atuar como continente para essas experiências, respeitando os recursos, o ritmo, as capacidades do analisando, ou seja, a ética da psicanálise.

Debruçando-se sobre os conceitos de narcisismo e socialismo (Bion), Claudio investiga o conflito que o ser humano vive de precisar corresponder a determinado grupo, de aparentar e poder/não poder ser quem ele é. Para algumas pessoas, não serem reconhecidas por um grupo equivale a não terem existência.

O autor dialoga com Klein e Bion a respeito dos fatores que facilitam e dos que dificultam o processo criativo, e apresenta as suas ideias. Com a seriedade e a profundidade do estudioso, do pesquisador, do clínico, Claudio questiona se os gênios seriam capazes de conter intuições sem se tornarem psicóticos, e se genialidade e loucura caminham de mãos dadas.

Brinda-nos com um capítulo sobre o gênio e o establishment, e outro, interessante e criativo, sobre como Freud e Bion compuseram suas obras.

Servindo-se de sua experiência de vida, profissional, artística, de estudo, Claudio acredita que a maioria das descobertas ocorre de modo intuitivo, surpreendente, inesperado, em mentes que podem comunicar o que captam. O indivíduo excepcional veicula ideias disruptivas no grupo; a reação do grupo, do establishment pode ser a incorporação do gênio ou não.

Na clínica, o processo criativo é interminável, o inconsciente é infinito.

Considerando o aprofundamento do tema e a riqueza da argumentação do autor, a leitura do livro é indispensável para psicanalistas, artistas e pessoas sensíveis que se interessam pelo ser humano.

O ato criativo gera perplexidade, surpresa, insight, encantamento. Conduz a uma experiência antes impensada, desconhecida, reveladora, surpreendente - a uma descoberta. Na psicanálise, uma experiência como essa faz o psicanalista e o analisando sentirem que não são mais os mesmos.

 

 

Correspondência:
Paulina Cymrot
Avenida Angélica, 672/147
01228-000 São Paulo, SP
Tel.: 11 3666-8082
p.cymrot@terra.com.br

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