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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.2 São Paulo Apr./June 2017

 

RESENHAS

 

Tiempo de cambio: indagando las transformaciones en psicoanálisis: el modelo de os tres niveles

 

 

Norma Lottenberg Semer

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e professora doutora afiliada da disciplina de psicoterapia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Correspondência

 

 

Editora: Marina Altmann de Litvan
Editora: Karnac, Londres, 2015, 372 p.
Resenhado por: Norma Lottenberg Semer

 

 

Este livro é parte da série Psychoanalytic Ideas and Applications, do Comitê de Publicações da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), cujo objetivo é mostrar a produção científica de autores significativos sobre temas relevantes no campo psicanalítico da atualidade. É um livro escrito por autores de diversas partes do mundo, envolvidos no campo da psicanálise e da pesquisa, e que resume o trabalho do Comitê de Observação Clínica da IPA de 2009 a 2013.

Trata-se de um projeto lançado pelo então presidente da IPA, Charles Hanly, no congresso de Chicago, em 2009, com o intuito de validar e fortalecer a confiança na observação clínica como fonte primordial do conhecimento psicanalítico. O propósito desse comitê, a partir de uma reunião em 2011, tem sido sobretudo refinar os critérios, a fim de promover observações clínicas confiáveis no decorrer do trabalho clínico. Recentemente, vários esforços vêm sendo feitos para compreender as teorias implícitas que nós, analistas, utilizamos em nossa clínica, ao lado das distintas modalidades presentes nas várias culturas psicanalíticas. De qualquer forma, os analistas estão de acordo quanto ao objetivo de promover transformações em nossos pacientes, a partir das mudanças internas.

Este volume compreende sete partes, que contêm 16 capítulos, além de cinco apêndices. É uma obra extensa, completa, realizada com muita seriedade e dedicação, que apresenta o método de modo detalhado e que procura incluir exemplos clínicos e reflexões de diversas linhas de pensamento. O objetivo dos autores, de acordo com as diretrizes do Comitê de Observação Clínica, é abordar o que acontece com um analista específico no contexto de seu trabalho, com base na experiência clínica, e não em modelos teóricos ideais.

O modelo dos três níveis,3-LM (sigla em inglês para three-level method), foi desenvolvido para os seguintes desafios: avaliar as transformações com foco no paciente, observar o que ocorre com o paciente e com o analista, e refinar a observação clínica e sua comunicação. É importante considerar que a observação clínica nunca é independente dos conceitos e teorias que o analista tem em sua mente.

O instrumento focaliza o paciente como pessoa e em seu contexto. Junto com o analista, um grupo de analistas se pergunta sobre o motivo que levou o paciente à análise e de que maneira suas respostas foram escutadas e exploradas em diferentes momentos do processo. Esse trabalho conduz a uma desconstrução e posterior reconstrução do material clínico na mente dos participantes do grupo. Assim, são observadas as transformações em várias dimensões específicas, procedimento que permite aos analistas identificar com maior precisão as mudanças que ocorreram e as que ainda não. Reconhece-se a riqueza da experiência clínica ao se levar em conta os conflitos, as defesas, a transferência e outros aspectos que influenciam no contexto da análise. Nesse modelo, pela discussão do material clínico, o grupo de analistas funciona como um consenso de especialistas, que pode validar as observações do analista e que registra de modo sistemático as convergências e divergências com a observação clínica. Os resultados têm sido muito úteis: promovem um estudo cuidadoso do apresentador sobre seu paciente e sobre o processo analítico, oferecem um segundo olhar ao processo e, por fim, criam um espaço para compartilhar enfoques teóricos diferentes. Mais de 900 analistas já participaram de grupos que trabalharam com esse modelo.

Vale a pena detalhar resumidamente cada capítulo, a fim de despertar no leitor o interesse de aprofundar seu conhecimento sobre esse precioso instrumento.

Na primeira parte do livro, "Apresentação do modelo dos três níveis para a observação das transformações do paciente", no primeiro capítulo, Ricardo Bernardi, de Montevidéu, expõe o modelo. Descreve cada um dos níveis, com exemplos de material clínico e de resultados de discussões grupais. Também aborda as dificuldades e limitações do modelo, bem como seu potencial de desenvolvimento.

Bernardi assinala que a perspectiva adotada pelo modelo dos três níveis tem como foco uma pergunta baseada em fatos: "Que efeitos produz a análise na prática real do analista?", e não uma pergunta prescritiva: "Como tem que ser uma análise?". A expectativa do modelo 3-LM é que uma melhor descrição das mudanças do paciente possa dar mais informação para discutir que processo analítico se associa com que mudanças e em que tipo de paciente.

O 3-LM propõe observar e analisar as mudanças por meio de três passos consecutivos. O primeiro nível adota uma perspectiva fenomenológica e busca descobrir as mudanças como surgem para o observador. O segundo nível procura uma descrição mais precisa de várias dimensões ou categorias que proveem um perfil mais sistemático das mudanças. Finalmente, no terceiro nível, são examinadas as possíveis interpretações ou hipóteses explicativas das mudanças e de sua natureza. Essas hipóteses logo são comparadas com hipóteses alternativas, que podem surgir de outros enfoques clínicos ou teóricos. Ao longo do capítulo, Bernardi brinda o leitor com explicações detalhadas sobre o funcionamento do método, bem como com teorias e pesquisas consistentes que evidenciam o arcabouço sólido e a fundamentação do método.

No segundo capítulo, Silvana Romillo, de Montevidéu, como continuação ao que foi exposto como exemplo no capítulo anterior, apresenta o caso da paciente Leticia. A autora retoma e amplia a discussão, inclui as dificuldades iniciais, o benefício que teve ao participar do processo de discussão pelo modelo dos três níveis e a evolução posterior da análise.

No capítulo 3, a organizadora Marina Altmann, também de Montevidéu, traz o caso de uma adolescente que foi o primeiro material clínico examinado pelo Comitê de Observação Clínica com o 3-LM. Esse material é depois retomado no capítulo 7, "A incidência do nosso modelo teórico em nosso pensamento clínico: trabalhando com o terceiro nível do 3-LM", por Adela Duarte, de Buenos Aires, que aborda as inferências surgidas na discussão do caso.

Na segunda parte, Virginia Ungar, de Buenos Aires, e Margaret Hanly, de Toronto, apresentam no capítulo 4 "O seguimento das transformações dos pacientes: a função da observação em psicanálise". As autoras mostram a utilidade do método para os estudos de seguimento (follow-up). Consideram também os aspectos mais complexos do funcionamento psíquico do paciente - sintomas, inibições, ansiedades - como aqueles mais difíceis de sofrer uma mudança psíquica. Enfim, discutem como, nos grupos de observação com o 3-LM, os analistas podem voltar às hipóteses sobre os problemas centrais, recorrendo a sessões mais antigas ou mais recentes para suas reflexões.

No capítulo 5, Marianne Leuzinger-Bohleber, de Frankfurt, introduz uma questão relevante em seus comentários iniciais. Para essa autora, a partir da criação dos grupos de trabalho clínico (clinical working parties) por David Tuckett, em 2000, uma nova cultura de curiosidade e respeito por diferentes pensamentos e escolas psicanalíticas se estabeleceu. Considera que a apreciação pelo pluralismo poderia contribuir para que os psicanalistas se concentrassem no que realmente constitui o ponto central da psicanálise: entender as fantasias e conflitos inconscientes de nossos pacientes e ajudá-los a mudar seu mundo psíquico interior. Em seguida, oferece-nos um estudo de caso sobre depressão e trauma, no qual procura articular o 3-LM com o método validação de especialistas psicanalistas, utilizado em sua pesquisa sobre depressão. Seu estudo de caso é apresentado de modo detalhado e, generosamente, contempla o leitor com diversas vinhetas, com falas do paciente e da analista. Fica claro seu compromisso com a clínica psicanalítica, sobretudo ao terminar seu texto com a afirmação: "os aspectos essenciais da clínica só se podem narrar, e não medir" (p. 155).

No capítulo 6, Siri Erika Gullestad, de Oslo, comenta sobre o caso de Marianne Leuzinger-Bohleber e inclui formulações de Freud, de 1914, sobre as diferenças entre uma teoria especulativa e uma teoria erigida sobre interpretação empírica. Para a autora, Freud estabelece uma atitude de princípios em relação à psicanálise como disciplina e demonstra uma aproximação à pesquisa, caracterizada pela abertura, flexibilidade e respeito fundamental pela observação objetiva.

Margaret Hanly, no capítulo 8 (parte 3), discute o caso de um paciente traumatizado, com episódios psicóticos e diversas internações. Esse caso foi discutido segundo o 3-LM em dois grupos, um de candidatos e outro de analistas mais experientes. Ambos os grupos chegaram a conclusões semelhantes a respeito do tipo de mudanças ou ausência de mudanças no processo analítico.

Na parte 4 do livro, os capítulos 9, 10 e 11 concentram-se em um caso apresentado e discutido no congresso da IPA em Praga, em grupos de trabalho com o 3-LM. O apresentador foi Michael Sebek, de Praga; o relator, Robert White; Judy Kantrowitz, de Boston, realizou a síntese da discussão. O apresentador nos contempla com extenso material clínico, contendo várias sessões completas, além de seus comentários sobre as repercussões da apresentação.

Marvin Hurvich, de Nova York, na parte 5, discorre sobre conceitos clínicos, ao trazer suas reflexões sobre o modelo e sobre a organização do conhecimento psicanalítico pelas observações clínicas e generalizações. Procura fazer uma articulação com outras metodologias diagnósticas e discute os aspectos da confiabilidade e da validade. Em seguida, Ricardo Bernardi, no capítulo 13, sobre a avaliação das mudanças quanto a aspectos diagnósticos, retoma a fundamentação do método e estabelece relações entre aspectos do diagnóstico e da psicanálise, mostrando a importância das categorias diagnósticas para os estudos de seguimento.

Na parte 6, aparecem dois capítulos sobre a aplicação do 3-LM ao final da formação analítica. No capítulo 14, as autoras Marina Altmann e Beatriz Bernardi relatam a experiência de utilizar, de forma parcial, o modelo como um facilitador para ajudar os candidatos a elaborar o trabalho final da formação. Já no capítulo seguinte, Liliana Fudin e Adela Duarte, de Buenos Aires, relatam uma experiência quanto ao uso do instrumento na formação.

Finalmente, na parte 7, os autores Marina Altmann, Delfina Miller e Ricardo Bernardi mostram uma aplicação do modelo para crianças, com as especificidades envolvidas nesse trabalho, sobretudo as de uma personalidade em desenvolvimento. O modelo permanece o mesmo, mas os autores recomendam que sejam considerados a influência dos aspectos externos e seu interjogo com a dinâmica psíquica. Devo acrescentar que eu mesma fui apresentadora, com o método 3-LM, de um caso de crianças em São Paulo, em 2013, e considerei que o modelo tem uma função essencial como metodologia que nos ajuda a pensar o nosso trabalho com o paciente. O instrumento tem a função de moldura, de uma estrutura que nos permite investigar, pesquisar o processo, bem como o resultado do trabalho, por meio da metodologia clínica.

Os autores ainda oferecem, nos apêndices, um guia para iniciar um grupo de observação clínica, o que certamente constitui um estímulo para novas experiências.

Enfim, é um livro que merece ser conhecido pelos psicanalistas, de forma que o modelo 3-LM possa ser amplamente utilizado pelos interessados no campo da investigação psicanalítica e para pensar a própria clínica cotidiana.

 

 

Correspondência:
Norma Lottenberg Semer
Rua Batataes, 391/101
01423-010 São Paulo, SP
Tel.: 11 3884-1985
norma.lsemer@terra.com.br

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