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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.3 São Paulo July/Sept. 2017

 

KEYNOTE PAPERS
50.º CONGRESSO IPA, BUENOS AIRES 2017

 

Intimidade: o tanque no quarto1

 

Intimacy: the tank in the bedroom

 

Intimidad: el tanque en el cuarto

 

L'intimité: le char d'assaut dans la chambre

 

 

Adrienne HarrisI; Tradução Imyra Bardelotti

IPsicanalista, professora/pesquisadora e supervisora no Programa de Pós-Doutorado em Psicoterapia e Psicanálise da Universidade de Nova York. Pertence ao corpo docente e é supervisora do Instituto Psicanalítico da Califórnia do Norte (PINC). Com Lewis Aron e Jeremy Safron, fundou o Sándor Ferenczi Center na New School University, em 2009

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho aborda intimidade desde seu surgimento no desenvolvimento e nos apegos de primeira infância, e na medida em que é parte da forma como identidades, gênero e sexualidade se estabelecem ao longo do desenvolvimento. Na parte final, como uma parte integrante da violência social, a intimidade é explorada em circunstâncias de racismo e da violência, de iniciativa do estado, cometida por meio de tortura. O que liga estes aspectos da intimidade e da vida íntima compartilhada é um compromisso com uma abordagem psicanalítica que considera o intrapsíquico e o intersubjetivo interagindo de modo poderoso e próximo. A intimidade tanto é algo extremamente pessoal e particular, quanto é profundamente impregnada de forças sociais e políticas. A intimidade assim considerada - ou seja, como profundamente individual e, ao mesmo tempo, como regulada e constituída pelo Estado, pela cultura e pela família - aparece em diversas formações políticas, totalitárias, neoliberais e democráticas.

Palavras-chave: intimidade, apego, enigmático, regulação, violência social, tortura, sexualidade, gênero, tradução, conceitos nômades, vergonha, interpelação


ABSTRACT

This essay considers intimacy as it arises in early development and attachment, and as it is part of how identities, gender and sexuality are regulated over the course of development. In the final section, intimacy as an integral part of social violence is explored in circumstances of racism and state-initiated violence through torture. What ties these aspects of intimacy and intimate life together is a commitment to a psychoanalytic approach that considered the intrapsychic and the intersubjective as powerfully and closely interacting. Intimacy is both highly personal and private and deeply imbued with social and political forces. This consideration of intimacy, as it is deeply individual and at the same time regulated and constituted by the state and the culture and the family, appears in various political formations, totalitarian, neo liberal and democratic.

Keywords: intimacy, attachment, enigmatic, regulation, social violence, torture, sexuality, gender, translation, nomadic concepts, shame, interpellation


RESUMEN

Este trabajo aborda la intimidad desde su surgimiento en el desarrollo y en los apegos de la primera infancia, y a medida que es parte de la forma como entidades, género y sexualidad se establecen durante el desarrollo. Al final, como parte integrante de la violencia social, se explora la intimidad en circunstancias de racismo y violencia, iniciativa del estado, a través de la tortura. Lo que conecta estos aspectos de la intimidad y de la vida íntima compartida, es un compromiso con un enfoque psicoanalítico que considera lo intrapsíquico y lo intersubjetivo interactuando de un modo próximo y poderoso. La intimidad es algo extremadamente personal y particular, así como está impregnada profundamente de fuerzas sociales y políticas. La intimidad considerada de esta forma - es decir, como profundamente individual y, al mismo tiempo, como regulada y constituida por el estado, por la cultura y por la familia - aparece en diversas formaciones políticas, totalitarias, neoliberales y democráticas.

Palabras clave: intimidad, apego, enigmático, regulación, violencia social, tortura, sexualidad, género, traducción, conceptos nómadas, vergüenza, interpelación


RÉSUMÉ

Cet essai considère l'intimité telle qu'elle se pose lors du développement et de l'attachement précoce, et comme une partie de la façon dont les identités, le genre et la sexualité sont réglementés au cours du développement. Dans la section finale, l'intimité en tant que partie intégrante de la violence sociale est explorée dans les circonstances du racisme et de la violence initiée par l'État au moyen de la torture. Ce qui relie ces aspects de l'intimité et de la vie intime est un engagement à une approche psychanalytique qui considère l'intrapsychique et l'intersubjectif comme une interaction puissante et étroitement interactive. L'intimité est à la fois très personnelle et privée et profondément imprégnée de forces sociales et politiques. Cette considération de l'intimité, car elle est profondément individuelle et en même temps réglementée et constituée par l'État, la culture et la famille, apparaît dans diverses formations politiques, totalitaires, néo-libérales et démocratiques.

Mots-clés: intimité, attachement, énigmatique, réglementation, violence sociale, torture, sexualité, genre, traduction, concepts nomades, honte, interpellation


 

 

Introdução

O título deste texto vem de um ensaio sobre o impacto de regimes políticos, em particular os totalitários, na vida íntima. O que eu mais gostaria de transmitir hoje é que sexualidade, subjetividade ligada ao gênero e intimidade não são apenas pessoais e independentes: são sempre invadidas por (e coabitam com) forças de poder e história, sejam elas violentas, sedutoras, dominadoras ou tudo ao mesmo tempo.

Martin Mahler, um analista contemporâneo, de Praga, recordou os dilemas clínicos, sociais e profissionais quando analistas e cidadãos tchecos começaram a restabelecer e a recuperar a psicanálise e o trabalho psicanalítico após o colapso do comunismo:

O escritor húngaro Gyõrgy Konrád certa vez escreveu: “Há algum tempo, um açougueiro morou em nosso vilarejo. Sua casa ficava na esquina de uma rua íngreme. Havia uma base militar próximo ao vilarejo. Uma vez, a esposa do açougueiro estava trocando a roupa de cama e um tanque bateu contra a parede da casa e invadiu o quarto, porque a rua estava coberta de gelo e escorregadia. A frente da casa ficou danificada. A mulher também ficou um tanto danificada, mas não muito. Quando eu me encontrei com o açougueiro depois do incidente, perguntei a ele o que havia acontecido. A história veio até nós', ele respondeu”. A presença grotesca de um tanque no quarto descreve as vivências sempre repetidas de perda de um lar seguro e conhecido, um espaço muito unheimlich na experiência da Europa Central. (2014)

Seja com uma força brutal, seja com um olhar sutil, a história chega até nós tanto no Estado neoliberal quanto no totalitário. A intimidade é o lugar contraditório da liberdade e da regulação. A vida íntima, em particular a vida íntima do corpo, da experiência com o gênero e da sexualidade, apesar de delicada, sensorialmente rica, secreta, arcaica ou primitiva, está sempre impregnada pela regulação, pela violência e pelo poder. O poder expresso nas formas micro e macro, em muitas instâncias sociais, familiares, interpessoais e políticas, invade e constitui, de maneira consciente e inconsciente, nossa vida psíquica e somática mais íntima e intrincada.

A teoria pós-moderna e o trabalho psicanalítico americano contemporâneo em suas diversas tradições asseguram que não se pode mais ver a privacidade e a intimidade como um refúgio da alteridade, da história ou do Estado, em suas mais variadas formas e condições, sejam elas sedutoras ou demoníacas. A tarefa deste ensaio, no entanto, é falar dos laços e da dependência das intimidades em relação às forças sociais e históricas. Considero a violência num espectro de circunstâncias desenvolvimentais normativas, mas também em circunstâncias de extrema destrutividade social, sempre buscando estar atenta aos elementos da intimidade nesse fenômeno.

Yolanda Gampel nomeou certos tipos de força social de identificações radioativas:

Uso o termo identificação radioativa ou núcleo radioativo ... para me referir aos fenômenos que são formados por fragmentos da memória da violência social, inacessíveis e irrepresentáveis, que permanecem “radioativos”. . Esses elementos radioativos ficam espalhados por aí - escondidos em imagens, pesadelos e sintomas, por meio dos quais, no entanto, são detectáveis. (1998, p. 363)

Devido ao seu trabalho e ao de muitos outros, situo meu próprio pensamento no modelo relacional contemporâneo, um tipo de teoria de campo2 no qual o indivíduo só é compreensível dentro de um campo complexo de forças conscientes e inconscientes. A psicanálise relacional é mais uma paisagem do que um trabalho rigorosamente organizado de metapsicologia e sistemas técnicos.3 Entre minhas referências neste estudo estão Winnicott, Laplanche e Loewald, três pensadores para os quais o indivíduo só pode emergir a partir de um processo interpessoal, um processo que não só antecede como acompanha um mundo de objetos externos e internos. A história está instalada nas moléculas da experiência humana, estratificada dentro de espaços oníricos.4

Trabalhando e escrevendo enquanto psicanalista estadunidense na atualidade, tive a liberdade de transitar entre muitos campos teóricos interessantes. Cooper (2015) cunhou o termo teoria-ponte [bridge theory] para analisar estruturas poderosas que cruzam geografias teóricas. Tenho mais um termo para acrescentar a essa discussão: nômade - teoria nômade, objetos nômades. Esse termo tem histórico no feminismo e na filosofia (Braidotti, 2011; Deleuze, 1994; Kristeva, 1980). Pense em conceitos e ideias não como códigos ou propriedades, pelos quais o usuário tem de pagar taxas ou outros tipos de fidelidade, mas como lugares móveis de energia.

A teoria nômade é uma crítica do centro como a força definidora de um conceito e de seus significados. Ela busca desestabilizar as margens e o centro. Freud certamente é um dos nossos nômades originais, e a psicanálise um chamado vindo das margens do pensável. Na ideia de sujeitos nômades, a proposta é a de um sujeito não unitário, um sujeito de múltiplos pertencimentos. A psicanálise relacional logo cedo adotou essa visão, que considera os estados mutáveis do self e os múltiplos lugares em que estados psicológicos se unem a vínculos sociais.

Essa perspectiva também está alinhada com os modelos interseccio-nais contemporâneos do sujeito (Crenshaw, 1991). Intersecção: um lugar de cruzamento, de movimento, que é regulado e não regulado, potencialmente violento e organizado. Raça, classe, gênero, orientação sexual, cultura, acontecimentos históricos - todos eles operam nessas intersecções em combinações únicas e emergentes.5 Penso no surrealista Antonin Artaud (1976) e na sua ideia de corpo sem órgãos: uma visão do corpo ainda não colonizado pela linguagem, pela teoria, pelo Estado, até mesmo o estado psicanalítico, que atribui significado e valor a corpos específicos em organizações específicas. O corpo recrutado, de Artaud, é orgânico, respira, pulsa e emerge.

Gostaria de seguir a intervenção teórica de Laplanche (1997; 1999) em Freud e pedir que continuemos a revolução copernicana: descentralizemos nossa visão do corpo e da vida corpórea (Saketopoulou, 2014) e nos tornemos nômades em nossos pensamentos sobre a implicação da materialidade no significado do corpo, da intimidade e do psiquismo. Esse é o desafio das teorias contemporâneas sobre gênero, corpos definidos pelo gênero e sexualidade.

Organizo este ensaio, uma discussão sobre sexualidade, intimidade e alteridade, em três etapas: 1) como o sujeito é formado; 2) como sexualidade e gênero são regulados nos níveis consciente e inconsciente; 3) como subjetividade, sexualidade e vida definida pelo gênero estão expostos à violência social.

 

Intimidade na formação do sujeito

Há algumas décadas, em várias correntes da psicanálise, desenvolveu-se uma crítica à tendência de essencializar os binários em relação a gênero e sexualidade.6 Aqui, no entanto, quero tratar de um binário específico, que acredito não poder ser deixado de lado: a polaridade grande-pequeno, especialmente a assimetria entre os pais adultos e o bebê em desenvolvimento. Este ensaio depende de um entendimento do poder dessa assimetria na formação individual, diádica e social.

À primeira vista, o trabalho dos seguidores de Laplanche, que enfatiza essa assimetria nos lugares de transmissão entre o pai ou a mãe e o filho, e o trabalho da teoria do apego parecem incompatíveis. Teoria e trabalho empírico sobre o apego destacam a sintonia, as capacidades extraordinárias e as sensibilidades do bebê e, de certa forma, uma organização mais democrática entre pais e bebês.7

Espero construir aqui uma imagem integrada, que inclua a força da alteridade no sujeito individual e mantenha a interrelação entre sexualidade e subjetividade, apego e excitação.

Na constituição do sujeito humano, a alteridade é anterior à subjetividade. Vou remeter essa ideia na psicanálise a Winnicott, Loewald e Laplanche. Quando Winnicott (1945; 1971) estabelece que o ser precede o fazer, acredito que ele está atento a um processo arcaico no qual as experiências de vinculação e de continuidade da existência são primárias. Era isso o que Loewald (1980) teorizava em sua ideia de densidade primitiva: experiências que precisam da presença de objetos, mas que são, estritamente, pré-objetais (Mitchell, 2000). A introjeção é privilegiada e, para Loewald, o importante é que exterioridade e interioridade são construídas conjuntamente (Harris, 2016).

O bebê humano é suscetível (termo de J. Butler) e despreparado (termo de D. Scarfone), e o encontro com o outro, que prepara o caminho para um sujeito constituído na e pela linguagem, assim como no e pelo discurso com os outros, será excessivo e sintonizado.

Entre os norte-americanos, vem crescendo a visibilidade (ou seja, a disponibilidade em inglês) da obra de Laplanche e de seus seguidores (Stein, Scarfone), em que o erótico está sempre além da capacidade de processamento - excesso no qual o inconsciente e a subjetividade são constituídos. A chegada de mensagens enigmáticas cria na criança uma demanda por trabalho psíquico e, certamente, somático. Os frutos desse trabalho são a interioridade e os significados inconscientes, tanto para as experiências que chegam quanto para as que emergem. Laplanche (1997; 1999) traz de volta a ideia da sedução, a realidade dos encontros com um outro cuja fantasia e cujas trocas materiais (do adulto com o bebê) provocam na criança experiências, anseios, formas eróticas de ser e de sentir que exigem atos de tradução e registro, que são o próprio trabalho de se tornar um sujeito. Laplanche quer uma revolução copernicana permanente. O inconsciente chega e emerge.

O termo tradução é importante. Acredito que a atividade da tradução, sempre parcial, imperfeita e suscetível ao erro, é uma ideia sutil e exigente. Todos os participantes do processo de envio e recebimento de mensagens enigmáticas se envolvem na tradução, no longo trabalho de integração e organização que, como propõe Laplanche, vai constituir a subjetividade e o inconsciente.

Mensagens enigmáticas estarão sujeitas ao esquecimento e à elaboração, à distorção e à construção. Para mim, o modelo de desenvolvimento que melhor respalda essa ideia é encontrado em diferentes exemplos dados por Winnicott, Loewald, Bion e outros. Trata-se de um tipo de dialética, um processo em espiral, no qual muito do que está além da representação é registrado e traduzido. As transações dialéticas e em espiral entre o self e o outro trabalham no nível da teoria, da formação de sentido e do desenvolvimento do indivíduo. Nessa linha de pensamento (os Baranger, Bion, Civitarese, Ferro, Pichon-Rivière), não raro há uma preocupação com digestão, ingestão, metabolização, realimentação, comunicação e reestruturação.

A sedução materna enigmática - os três termos são cruciais - surge sem que nenhuma das duas criaturas tenha plena consciência, e em muitos aspectos desse desenvolvimento elementos de vergonha formam e forçam o que é constituído como subjetividade. A vergonha é um elemento crucial no meu entendimento da intimidade. É o ponto central da próxima seção deste ensaio. Zonas erógenas são formadas, e não inatas; apoiam-se em instintos de autopreservação que, com o tempo, são convocados ao prazer, ao anseio e ao que se torna a sexualidade infantil.

Curiosamente, Laplanche (2015) propõe, além disso, uma questão crucial que envolve os significados, as fantasias e as estruturas do adulto enquanto elementos constitutivos da sexualidade infantil. O que é que o seio quer? Qual o significado de ser capaz de formular essa pergunta? Que o seio queira é parte da sedução enigmática, mas é uma experiência que ainda precisa ser traduzida, distorcida, esquecida, lembrada etc. ao longo do desenvolvimento.8 Rozmarin (2016) vem se dedicando a vincular e a diferenciar o trabalho de Ferenczi a partir de “Confusion of tongues between adults and the child” [Confusão de língua entre os adultos e a criança] (1933/1988) e o de Laplanche. Ambas as formas de sedução têm excesso, inevitavelmente; nos modelos laplanchianos, porém, as traduções organizam a subjetividade, a fantasia inconsciente e a excitação provocada pela alteridade de um modo que é excessivo, mas com o qual é possível lidar. Ferenczi acrescenta a esse discurso a dimensão do trauma, que é um ataque ao sentido e à ação.

Talvez possamos dizer que de Ferenczi e Laplanche temos, como condição de intimidade e interioridade, um espectro de mensagens excessivas, que se torna o infindável trabalho do desenvolvimento. O banho acústico sensual, no qual a criança se banha, é cheio de botes salva-vidas e fortalezas perigosas. Esse processo inevitavelmente conduz a um aparelho psíquico no qual o demoníaco e o delirante vão nadar juntos.

Laplanche e Lévinas

Um dos projetos mais interessantes dedicados a cruzar a fronteira entre sexualidade infantil e apego precoce é o desenvolvido por Chetrit-Vatine (2004), que une Laplanche e Emmanuel Lévinas em um encontro muito sutil e profundo. A autora considera duas visões diferentes da assimetria nos encontros entre o pai ou a mãe e o filho e acha uma forma de integrá-las. A formação do sujeito, na qual o íntimo e o privado são, por princípio, excessivos, inunda e transforma de maneiras imprevisíveis. Ao mesmo tempo, ligada a esse processo está a sintonia com a criança imatura, que resulta em uma responsabilidade ética profunda e trabalhosa. O recém-nascido chega em uma condição de desamparo e dependência, mas nasce na singular assimetria entre grande e pequeno, a polaridade que ameaça e facilita o desenvolvimento.

Essa assimetria leva ao que Chetrit-Vatine chama de duplo fundamento, um espaço matricial no qual a criança inevitavelmente encontra a sexualidade do adulto e a responsabilidade do adulto, seja qual for a forma em que essas forças venham a emergir, em qualquer díade ou estrutura social específica.9 O espaço matricial vem de uma leitura de Lévinas sobre o poder e a primazia do carinho, do rosto, do ser em relação ao outro, em uma postura que conecta, mas não coloniza o outro.

É nesse nível do duplo fundamento que alguns pacientes falham gravemente. Não se pode escapar do fato de que a alteridade se encontra no mais profundo do sujeito, constituindo a intimidade - seja ela sã ou louca - em qualquer forma que ela se apresente.10

 

Intimidade em regulação

No entanto, mesmo essas complexidades do desenvolvimento não esgotam nosso entendimento de quão profundamente a alteridade molda o sujeito. Muitos (Butler, Corbett, Dimen, Rozmarin, Gurelnik, McGleughlin, Saketopoulou, entre outros) argumentam que o outro chega, inevitavelmente, em missões reguladoras conscientes e inconscientes.

O micropolitico, rotineiro e onipresente, está em tudo e em todo lugar, de quando eu me olho no espelho e registro todas as categorias sociais às quais lembro pertencer (ou não, ou com ambivalência) até as formas como vivencio e acredito (ou não, ou com ambivalência) e fico mexido (ou não, ou com ambivalência) pelos rostos, comportamentos, sentimentos e ideias dos outros. ... O macropolitico é o ambiente político visual e invisível, dramático, mas também diário, no qual todos vivemos o que é dito nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais - notícias, opiniões, propagandas, cultura, moda etc. (Rozmarin, 2016)

Erving Goffman, em seu livro Stigma: notes on the management of spoiled identity [Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada], expressa isso assim:

Num importante sentido, há um só tipo de homem que não ruboriza nos eua: o jovem, casado, branco, urbano, do norte, heterossexual, protestante, pai, com curso superior, empregado, com boa aparência, bom peso, boa altura e com algum recorde recente num esporte. (1963, p. 153)

Na verdade, resumindo, há apenas uma pessoa que não ruboriza e se trata de um homem. Ruborizar-se costuma, de fato, ser umas das condições da feminilidade, junto com outras formas de alteridade degradada ou marginalizada. Ainda mais grave, a atribuição de gênero e a identidade de gênero para mulheres fatalmente acarretarão sofrimento, qualquer que seja a forma de feminilidade. Esse sofrimento é genérico, mas também específico, porque as mulheres sofrem inevitavelmente, já que todos vamos falhar diante da demanda de simular ou desempenhar as formas idealizadas de parecer, falar e agir a feminilidade, exigidas por nossa cultura (e subculturas). Eu diria então que, na vida que tem como base o gênero, a maioria de nós está familiarizada com a vergonha, em diversas manifestações e dosagens. Seja na forma de mi-croagressões, seja na forma de repressão violenta e explícita, as diversas mensagens sobre nossa adequação como pessoa, sobre nossa humanidade, afetam a todos, exceto aquele único homem de Goffman que não ruboriza. Existem muitos nomes para esse problema, entre eles, interpelação, policiamento.

Nós ruborizamos, estremecemos e nos enraivecemos. O que fica claro nessas situações clínicas é quão invasiva e debilitante a vergonha é na condução dos nossos projetos mais íntimos. A vergonha talvez seja a mais íntima de todas as emoções e, sem dúvida, a que mais perturba (Lewis, 1992; Schore, 1994). Ela está no centro dos estudos de Corbett (2009) sobre ansiedade reguladora na complexidade e no deleite nos prazeres fálicos na vida dos meninos e nas experiências arriscadas que envolvem a perda da crença em si mesmo como pessoa. Ao mesmo tempo que existem muitos guardiões da mobilidade de classe, cultura, identidade sexual e raça, a gestão da subjetividade está intimamente ligada à vergonha e suas vicissitudes. A vida íntima é uma de suas moradas mais profundas.

 

Intimidade e violência social: radioatividade

Recordando a potência da vergonha em muitos aspectos sutis da nossa identidade, enquanto pessoas definidas por gênero, sexo e raça, volto-me para sua potente força na violência social, provocada por encontros entre identidade e subjetividade.

Meu colega Samuel Gerson me falou das memórias, recentemente traduzidas do espanhol, de Carlos Liscano. Em Truck of fools [O furgão dos loucos] (2015), Liscano fala com uma voz calma e cuidadosa sobre a intimidade engendrada na tortura. Os torturadores, tendo prisioneiros específicos sob o seu controle, são denominados responsáveis - uma palavra surpreendente, que evoca cuidado e controle. A intimidade surge por meio dos fatos terríveis vistos pelos responsáveis, que testemunham tudo o que o prisioneiro vivencia, e com muita proximidade. Liscano nunca é masoquista nesse relato, permanecendo espiritualmente claro e distinto, mas violência e intimidade são inseparáveis nos vínculos com os companheiros (parceiros políticos) e com o responsável (torturador).

Na relação de Liscano com o próprio corpo, com o corpo e os sons dos outros, vivemos no território que Butler (2004; 2005) denominou vida precária. Butler, cuja obra tem influência tanto de Lévinas como de Laplanche, capta a contundente mistura de ternura, violência e precariedade (um termo muito usado em seu trabalho) na subjetividade. O encontro com o outro pelo qual você é responsável é doloroso. Vemos a precariedade na face do outro. Em uma maravilhosa mistura de metáforas, Butler (2015) fala do rosto que vocaliza a agonia. Aqui vemos a consciência íntima e a exigência de proteção em delicada tensão com a visão, presente no livro de Liscano, da violação dessa exigência no mais íntimo dos cenários. E, ainda assim, a tortura também é o mais político de todos os cenários.

No inspirador artigo “When the third is dead” [Quando o terceiro está morto], que trata dos fracassos em testemunhar, Gerson descreve a atuação de Helen Bamber, uma jovem que trabalhou com sobreviventes do campo de concentração de Belsen ao serem libertados:

As pessoas estavam em uma situação muito difícil: sentadas no chão, elas se agarravam a você, cravavam os dedos na sua carne e se balançavam e se balançavam e se balançavam e nós nos balançávamos juntos. Você via as pessoas se balançando, mas o ato de se balançar junto e de receber a dor deles sem recuar era essencial. O motivo pelo qual as pessoas se sentem tão humilhadas pelas terríveis violências sofridas no corpo e na mente é que elas têm uma sensação de contaminação, e o que entendi é que era preciso receber tudo sem recuar. Essa foi uma das importantes lições que aprendi em Belsen. (Bamber, citada por Gerson, 2009, p. 1353)

Coloco esses dois momentos lado a lado, o de Liscano e o de Bamber, um de horror e um de extrema capacidade de testemunhar - nosso desafio é ver como ambos funcionam em tal grau de intimidade.

Vou integrar o conceito de Gampel de identificações radioativas com o trabalho de Donald Moss (2001) sobre ódio fóbico para ilustrar a poderosa mistura entre violência social e conflitos intrapsíquicos, consolidada no ódio racial - um ódio que, com frequência, inclui aspectos de gênero e sexualidade. Segundo Moss, tais ódios estão, muitas vezes, situados dentro do espaço psíquico do sentimento de pertencer a um nós [we-ness]. Nós os odiamos porque eles... Aqui está a gênese da ideia louca de que o outro é que provocou violência e ódio, trazendo destruição a ele mesmo. Acredito que esse fenômeno pode explicar um pouco a excitação maníaca que a candidatura de Trump provocou em muitas pessoas, talvez na maioria de nós.

Moss constrói seu argumento sobre o ódio fóbico com ênfase na misoginia, no racismo, na homofobia e no antissemitismo, a partir da elisão perturbadora do eu desejo para o nós odiamos. De acordo com Moss, o ódio fóbico é resíduo das poderosas infusões de excitação e atração que emanam do outro. Assim como a inveja é um dos elementos provocadores do antissemitismo, as muitas excitações em relação ao corpo negro e à sexualidade alimentam o racismo, nessas estranhas transformações inconscientes sobre as quais Moss escreve.

Imagens, práticas e excitações violentas, além de formas atualizadas e potenciais de destruição e ilegalidade: todas estão na base da intimidade e são constituídas por meio dos processos de sedução e regulação que abordei neste texto. Gostaria de ilustrar isso com uma experiência documentada - em filme e livro - por um psicanalista e etnógrafo texano, Ricardo Ainslie. Ainslie chegou a Jasper, Texas, poucas horas depois de um assassinato terrível ser noticiado. Em 1999, três rapazes amarraram um homem negro de meia - idade à traseira de uma caminhonete e o arrastaram até a morte por uma via deserta e não pavimentada de Jasper. Um dos muitos insights que Ainslie teve, enquanto ele e seus alunos realizavam um trabalho naquelas comunidades esgotadas e devastadas do Texas, foi quão imediatamente veio à tona a memória coletiva e individual da violência racial histórica e contemporânea. O mesmo local, essa via deserta e não pavimentada, foi o cenário de um linchamento ocorrido nos anos 1920, o que rapidamente foi lembrado pelas comunidades. Quão íntima e inconscientemente as pessoas retêm histórias violentas! O nós que a provocou e o nós que a vivenciou se fundem em um conjunto de identificações radioativas e venenosas. O linchamento ocorrido nos anos 1920, muito anterior ao nascimento dos acusados, pareceu servir quase que como um modelo para os eventos de 1999. Uma parceria complexa entre racismo estrutural e transmissão intergeracional abriu o caminho para os eventos de 1999.

No livro de Ainslie, intitulado Long dark road [Longa estrada escura] (2004), os relatórios com as transcrições do julgamento e dos interrogatórios feitos pela polícia são, para mim, perturbadores demais para serem reproduzidos aqui. É chocante ler quão sexualizado e cheio de violência sexualizada foi o conteúdo da conversa entre os jovens e a polícia - seja para confissão, seja para negação. É importante saber que, em muitos dos linchamentos (e havia muitos mesmo) ocorridos no início do século XX nos eua, existia a prática de tirar fotos, que eram posteriormente distribuídas como se fossem cartões-postais, o que revela os estados maníacos dos observadores. Excitação - desejo e ódio - parecem fortemente ligados, segundo Moss.

Sobre dado momento da entrevista com os sujeitos, Ainslie relata: “Berry simplesmente desmoronou. Ele olhou para Rowles e Gray e, com uma voz abalada, disse: 'Eles foram mexer com um n...'”. Quanto ao jovem John King, que acaba sendo acusado de assassinato e depois condenado, Ainslie conta o seguinte:

A entrevista, então, retornou para os eventos ocorridos na noite em que James Byrd foi assassinado. King afirma que o agente o acusou de ser cúmplice no assassinato: “Eu falei para todos eles chuparem meu pau e me trazerem um advogado. ... De repente, aquele agente mal-encarado dá um soco na mesa e grita comigo: 'Você vai cair por causa disso, seu merda. Eu te garanto'. Naquele momento, falei novamente para eles chuparem meu pau e a entrevista acabou”, (p. 53)

O ódio fóbico ativado na comunidade, mas também o ódio fóbico ativado nos homens que mataram James Byrd. O ódio fóbico é tão letal exatamente porque é construído na negação de um desejo e das vergonhas que o acompanham. Esses homens crescerão e se tornarão as pessoas que não ruborizam, de Goffman, e da variedade mais perigosa.

 

Conclusão

É nesse lugar, nessa zona de contato, em que intimidade, sexualidade, corpos e destrutividade violenta se encontram que temos de nos situar para entender os silêncios coletivos e a ação coletiva. Moss escreveu sobre os grandes impedimentos internos (e externos/sociais) para fazer isso. “Os ódios estruturados prometeram aliviar as constelações de identificação e desejo, que de outra maneira seriam insuportáveis” (2001, p. 1333).

Este ensaio foi esboçado durante a longa e assustadora campanha que precedeu a última eleição presidencial nos eua e foi concluído com o seu resultado assombroso. Um argumento deste texto é que sintomas e história coexistem e que somos invadidos e constituídos por boa parte da violência social, em suas formações benignas e terríveis. Precisamos ser capazes de fazer os sintomas voltarem a se transformar em história. É por isso que precisamos dos trabalhos sobre transmissão intergeracional, como os de Faimberg (2005) e Apprey (2014).

Nômades nas intersecções. Quis que essas ideias fossem informativas e úteis para pensar sobre a intimidade na prática clínica, na vida social e como força organizadora na teorização. Na prática nômade deste texto, pode-se dizer que uma das pautas desta conversa é tornar queer (estranho) o tanque no quarto.

Queer talvez seja o principal termo nômade: seu significado migra do domínio das sexualidades marginalizadas para o centro; é comumente visto agora como ligado a qualquer experiência, ato ou existência que destoe do normal, do legítimo, do dominante; não se refere necessariamente a nada específico. “É uma identidade sem uma essência” (Halperin, 1997, p. 62).

Podemos imaginar que o tanque tem interiores, talvez um espaço matricial, o lugar da vida e da morte. Esse também é o tanque de Bion, ao lado do qual ele “morre” em 1917. É sobre o seu tanque que ele ainda fala em 1979, quando pensa nos obuses que crescem em nossa mente e em nossos grupos, obuses que podem virar gelatina, mentes que podem ser destruídas.

O tanque está no quarto, afirmo, em todos os tipos de regime e sob diversas fontes e formas de poder, seja ele o tanque destruidor que bate contra uma pequena casa húngara ou o brinquedo dado a um garoto como veículo de regulação de gênero. O tanque no quarto é um registro da estranha e perturbadora excitação maníaca da campanha de Trump. Estamos vivenciando a queda da razão e do discurso legal, uma guinada à qual nenhum de nós está imune, exatamente porque ela atinge um ponto muito íntimo. Por fim, não se pode esquecer que o tanque bate na mulher, que suportou, mesmo neste ensaio, e certamente na teoria psicanalítica, boa parte do peso da vida íntima, do cuidado, da vigilância, da proteção e da sedução.

Com este ensaio, relembro e exalto três figuras cruciais na minha vida como pessoa, psicanalista e cidadã: Robert Sklar (1936-2011), Stephen Mitchell (1946-2000) e Muriel Dimen (1942- 2016).

 

Referências

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Correspondência:
Adrienne Harris
80 University Place, 5th floor
10003 New York, USA
Tel.: 1 212 206 0398
Fax: 1 212 226 4152
adrienneeharris@gmail.com

Recebido em 03.08.2017
Aceito em 17.08.2017

 

 

1 A autora detém os direitos autorais deste artigo, que é de sua responsabilidade como palestrante do Congresso Buenos Aires ipa, sob o título Intimacy, que ocorreu de 25 a 29 de julho de 2017.
2 Penso nas teorias de campo como paisagens - não idênticas, mas sobrepostas. Os Baranger, Bleger, Civitarese, Ferro, Racker e Stern são importantes figuras representativas dessa perspectiva.
3 Hoje, falando enquanto representante da psicanálise norte-americana, tomo meu país como ponto de partida, com algumas ideias produzidas em um painel organizado por mim e por Stephen Mitchell, intitulado “What's American about American psychoanalysis?” [O que há de norte-americano na psicanálise norte-americana?] (2004). No evento em que esse painel foi apresentado, algumas ideias incomuns surgiram. De acordo com Schirmeister (2004), teórica da literatura, a força que a psicanálise tinha nos eua quando Freud chegou, em 1912, devia-se ao fato de o país ainda estar de luto. Segundo Mitchell e eu, no panorama que descrevemos, ser americano era o que nos ligava ao pragmatismo, à fenomenologia americana de William James e às teorias do significado de Peirce. Em outras palavras, vimos a nós mesmos como herdeiros de uma tradição ancorada na primazia da experiência, principalmente na experiência compartilhada, e no diálogo do self com o outro, junto com teorias diádicas e triádicas do significado.
4 Faimberg (2005) fala da telescopagem de gerações, a transferência inconsciente de identificações narcisistas alienadas, que chegam, com frequência, não codificáveis e não decifráveis aos seus emissores e destinatários. Benjamin (1988; 1998) e Ogden (2014) investigam essa complexa interface, íntima e social, do self e do outro por meio de seu trabalho sobre a noção de terceiridade.
5 Tomo aqui como base os modelos de desenvolvimento que usam uma dialética e metáforas digestivas para abordar a mudança e o crescimento. Assim como na noção de função alfa, de Bion, e nas teorias de Piaget e Vigotski sobre o desenho, a experiência interna da criança é construída por meio do intercâmbio, da narrativa; por meio de múltiplos e complexos níveis de experiência individual. O intrapsíquico e o intersubjetivo se desenvolvem juntos. Escolhi o termo privatização em citações para mostrar a profunda mistura do íntimo e do social externo (Harris, 2016).
6 Entre as diversas correntes da psicanálise norte-americana, há uma crítica crescente ao uso muito rígido e coisificado dos binários, que historicamente organizaram e definiram normas de gênero e sexualidade. Penso no desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento de teorias, mais como um rizoma, e não como uma árvore. Rizoma é uma imagem de Deleuze. Raízes surgem e florescem de maneiras inesperadas em diferentes solos e ambientes.
7 De fato, venho de uma longa linhagem de escritores interessados na integração entre apego e sexualidade (Atlas, Beebe & Lachman, Boston Change Process Group, Lyons-Ruth, Scarfone, Seligman, Widlocher, e muitos outros), e espero dar o suficiente reconhecimento às dificuldades de tal projeto.
8 Dou um exemplo das maneiras como o íntimo e o social/simbólico se entrelaçam. Esse exemplo vem não do trabalho de um contemporâneo, mas do de Sabina Spielrein, que em 1912 começou a refletir sobre o desenvolvimento da fala e do pensamento, trabalhando com Piaget em Genebra, mas trazendo a sensibilidade psicanalítica para a sua análise do desenvolvimento infantil. A linguagem, Spielrein insiste que percebamos, é feita com a boca. A fala, portanto, aparece no contexto do cuidado e do encontro dos lábios com os seios e o leite. O balbucio e a evolução das palavras e do jogo da fala surgem da experiência diádica, sensorial e íntima da alimentação. Portanto, a fala sempre entrelaçará o simbólico, formas socialmente carregadas de significado e gramática, com os mundos arcaicos e sensuais do corpo. A intimidade e a ordem social estão fundidas ou amalgamadas no próprio ato de aquisição da fala.
9 Chetrit-Vatine vê o desenvolvimento como um processo em espiral, um envolvimento de mutualidade e assimetria, trabalhando consistentemente nos primeiros pontos da formação do sujeito. Cita Aron e Mitchell como escritores que destacam a assimetria na situação clínica.
10 Esse modelo da interpenetração entre pensamento, emoção e ação é desenvolvido no trabalho de Matte Blanco (1975) e adotado por Lombardi (2016) e outros. A meu ver, esse trabalho se cruza com uma tradição que é nova e antiga ao mesmo tempo: o trabalho de Aulagnier (2003) sobre a violência da interpretação e o dos Botella (2005) sobre o que eles chamam de figurabilidade operam com a necessidade de identificar o processo primário em um nível profundo, pré-fantasia e pré-representação. Termos como processual e alucinatório captam um pouco da qualidade dessas experiências pré-objetais. Esse é o movimento atual na teoria de campo bioniana, em que os processos primários e secundários existem num modo de sobreposição muito novo e mais complexo.

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