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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.4 São Paulo out./dez. 2017

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Marina Massi

Editora

Correspondência

 

 

Finalizamos o ano de 2017 com o tema Criança. Temos a expectativa de colaborar para que os colegas compreendam este número como um conjunto de artigos que vão além da psicanálise infantil; o que almejamos é a criança da psicanálise.

O último número temático sobre criança na RBP foi Psicanálise de crianças e adolescentes, em 1996 (vol. 30, n. 1). Vale a pena uma leitura comparada 21 anos depois.

É sempre interessante retomar e contextualizar brevemente a noção de criança na história da humanidade. Na Idade Média a criança não existia enquanto individualidade. A ideia e o sentimento de infância que temos hoje não existiam em tal período, como nos mostram os clássicos estudos de Ariès (1981).

A criança individualizada surge entre o final do século XVI e o início do XVII, quando alcança um lugar diferenciado na sociedade, que passa a vê-la como uma força de trabalho, e portanto uma categoria geradora de riqueza, para a família, o Estado e a sociedade.

A qual criança estamos, especificamente, nos referindo neste número? À criança da psicanálise, aquela que está sempre presente no anacronismo temporal proposto por Freud, seja na análise de crianças propriamente dita, seja no trabalho com adultos. Freud transformou o entendimento da noção de criança ao reconhecer a sexualidade infantil.

A concepção de criança (mesmo que atemporal, sempre é uma construção/criação) e o sentimento de infância (temporal/cronológico) são da ordem da cultura, são instituídos ao mesmo tempo que transitórios, porque podem mudar conforme as transformações da humanidade.

Em resposta a nosso convite, a RBP recebeu vários artigos centrados na análise de crianças e em suas vicissitudes.

Na parte temática procuramos contemplar alguns aspectos da clínica atual. A contribuição da psicanalista francesa Anne Brun, ainda não tão conhecida no Brasil e que trabalha com o dispositivo de atendimento das mediações terapêuticas, merece atenção.

Já os artigos de colegas brasileiros sobre semiótica, metapsicologia, teoria da técnica, lugar do analista de criança, psicose infantil e autismo nos trazem o vigor da nossa produção.

Na seção "Interfaces", a presença esperançosa do pediatra Leonardo Posternak, por meio de uma série de experiências, um vasto conhecimento científico e humanista, novas ideias e questionamentos, nos convoca a um encontro verdadeiro, não preconceituoso, entre psicanálise e medicina (no caso, pediatria), indagando-nos:

como pode a psicanálise auxiliar a pediatria para esta ter uma visão do universo da criança menos inocente e mais global e integradora? De quais ferramentas da psicanálise a pediatria deveria apoderar-se para que sua tarefa não seja estereotipada e incompleta? Como podem se enriquecer mutuamente as práticas da pediatria e da psicanálise infantil? (p. 134)

Um desafio e tanto para nós, psicanalistas do novo milênio.

Na seção "Diálogo", temos uma entrevista com o psicanalista sueco Bjorn Salomonsson, que no último Congresso Internacional da IPA, em Buenos Aires, em julho de 2017, teve um trabalho apresentado como keynote paper do evento. Sua entrevista conversa com a seção "Projetos e pesquisas", pois ele nos conta sobre o seu método de pesquisa, de estudo controlado, com resultados clínicos obtidos em escala grupal e avaliações feitas por examinadores independentes com instrumentos padronizados. Outro ponto importante é sua preocupação com a participação da psicanálise no âmbito das políticas públicas para a primeira infância.

Em "Outras palavras", temos artigos que consideram a criança a partir de outros ângulos, mas que visam a enriquecer a seção temática. Há um entrelaçamento entre as seções.

"História da psicanálise" abre seu espaço para apresentar um trabalho sobre a história da psicanálise em Minas Gerais, respeitando a nossa linha editorial de sair do eixo SP-RJ-RS e contemplar outros recôncavos da psicanálise em nosso país. Cabe lembrar que o próximo Congresso Brasileiro, daqui a dois anos, acontecerá em Belo Horizonte, Minas Gerais. O trabalho de Rodrigo Afonso Nogueira Santos nos mostra as particularidades da implantação da psicanálise em Minas Gerais, o que nos ajuda a compreender o caldo de cultura que influencia a psicanálise local.

A seção "Projetos e pesquisas" apresenta o think tank sobre o futuro da psicanálise e da Associação Psicanalítica Internacional, uma ideia de Leopold Nosek apoiada pela nova diretoria da IPA, em Buenos Aires, em julho de 2017. O artigo de Nosek pode ser lido como um texto fundante desse projeto, cuja ideia central é que a geração atualmente no poder deve se permitir ser fertilizada pelos mais novos e possibilitar a abertura dentro da IPA para o novo. Vale conferir.

Na mesma seção, temos a investigação "Sinais de mudança em autismo: Prisma, um instrumento de pesquisa", organizada por colegas e subsidiada pela IPA, a fim de demostrar a efetividade do tratamento psicanalítico de crianças com transtornos autísticos.

Na seção "Resenhas", fizemos um esforço para publicar o máximo possível de textos sobre livros de colegas da Febrapsi e entrar em 2018 sem atrasos. Acredito que conseguimos limpar nossos arquivos.

Para concluir, destaco o fato de que a chamada para este número trazia uma indagação atual: "O que nos diz a criança em nossos consultórios?". Certamente vocês não encontrarão uma resposta. Podemos dizer que arriscamos uma aproximação. Entretanto, caberá aos leitores, no espectro dos trabalhos publicados, captar de onde vem a melodia.

Boa leitura a todos! Até 2018.

 

Referências

Ariès, P. (1981). História social da criança e da família (D. Flaksman, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Marina Massi
marinamassieditora@RBP.org.br

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