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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.4 São Paulo out./dez. 2017

 

PROJETOS E PESQUISAS

 

Sinais de mudança em autismo: prisma, um instrumento de pesquisa1

 

Signs of change in autism: prisma, an instrument of research

 

Señales de cambio en autismo: prisma, un instrumento de investigación

 

Signes de changement en autisme: prisma, un outil de recherche

 

 

Alicia Beatriz Dorado de LisondoI; Fátima Maria Vieira BatistelliII; Maria Cecília Pereira da SilvaIII; Maria Lúcia Gomes de AmorimIV; Maria Thereza Barros FrançaV; Mariângela Mendes de AlmeidaVI; Marisa Helena Leite MonteiroVII; Regina Elisabeth Lordello CoimbraVIII

IMembro efetivo, analista didata, docente e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Campinas (GEPCampinas)
IIMembro filiado do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
IIIMembro efetivo, analista didata, docente e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
IVMembro associado e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
VMembro efetivo, docente e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
VIMembro filiado do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
VIIMembro efetivo, analista didata, docente e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ)
VIIIMembro efetivo, docente e analista de crianças e adolescentes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho, apresentamos o Protocolo de Investigação Psicanalítica de Sinais de Mudança em Autismo, elaborado a partir de um projeto de pesquisa, subsidiado inicialmente pela Associação Psicanalítica Internacional, que busca mapear o desenvolvimento emocional de crianças com transtornos autísticos e sua evolução no tratamento psicanalítico, a fim de demonstrar à comunidade a efetividade do tratamento psicanalítico para promover mudanças psíquicas e favorecer o diálogo com outros profissionais de saúde.

Palavras-chave: autismo, psicanálise de crianças, investigação científica, avaliação, mudança psíquica


ABSTRACT

In this paper, we introduce to the reader the Protocol of Psychoanalytic Investigation of Signs Mapping Change in Autism (Prisma). The protocol was developed from a research project, which was first funded by the International Psychoanalytical Association. The purpose is to assess the emotional development in children who suffer from autism spectrum disorders and to evaluate their progress in psychoanalytic treatment. The idea is to demonstrate to the community the effectiveness of psychoanalytic treatment in promoting psychic changes, and to encourage dialogue with other health professionals.

Keywords: autism, child psychoanalysis, scientific investigation, evaluation, psychic change


RESUMEN

En este trabajo presentamos el Protocolo de Investigación Psicoanalítica de Señales de Cambio en Autismo (Prisma), elaborado a partir de un proyecto de investigación, inicialmente con subsidio de la Asociación Psicoanalítica Internacional, que busca mapear el desarrollo emocional de niños con trastornos autísticos y su evolución en el tratamiento psicoanalítico, con el objetivo de demostrar a la comunidad la eficacia del tratamiento psicoanalítico para promover cambios psíquicos y favorecer el diálogo con otros profesionales de la salud.

Palabras clave: autismo, psicoanálisis de niños, investigación científica, evaluación, cambio psíquico


RÉSUMÉ

Dans ce travail, nous présentons le Protocole de Recherche Psychanalytique de Signes de Changement en Autisme (Prisma), élaboré à partir d'un projet de recherche, subventionné initialement par l'Association Psychanalytique Internationale, qui vise à dessiner le développement émotionnel des enfants atteints de troubles autistiques et leur évolution dans la cure psychanalytique, pour démontrer à la communauté l'efficacité des soins psychanalytiques dans la promotion de changements psychiques, et de favoriser le dialogue avec d'autres professionnels de santé.

Mots-clés: autisme, psychanalyse de l'enfant, recherche scientifique, évaluation, changement psychique


 

 

Introdução: histórico e inquietações

Nas últimas décadas, a psicanálise com pacientes pertencentes ao espectro do autismo sofreu grandes transformações. Sempre mantendo os pilares da teoria e da técnica psicanalítica, buscaram-se subsídios nas áreas vizinhas do conhecimento (como a neurociência e a psicologia do desenvolvimento), a fim de ampliar tanto a compreensão dos fenômenos autísticos quanto o poder terapêutico. Entretanto, tais mudanças não foram ainda assimiladas pela comunidade científica em geral, havendo grande desconhecimento das tendências mais modernas da psicanálise com os transtornos do espectro do autismo (TEAS), que não se limita a procurar as raízes do trauma ou a interpretar conflitos, mas dá extrema importância a promover novas oportunidades para a criança encontrar o companheiro humano, expandindo sua tolerância à alteridade, na contramão da tendência da criança com autismo de trocar o humano e sua imprevisibilidade pelo inanimado completamente previsível.

Como reação aos movimentos antipsicanálise na França e na política pública brasileira em 2011 e 2012, formou-se o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP), congregando instituições de todo o Brasil na luta pelas práticas psicanalíticas na rede de saúde brasileira. A Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) uniu-se a esse movimento e tem organizado atividades para difundir as práticas psicanalíticas nos âmbitos clínico e teórico das patologias graves na infância.

Em 2016, durante o congresso da Federação Psicanalítica da América Latina (Fepal), foi publicada a Declaração de Cartagena, idealizada por Victor Guerra, que ratifica a importância do tratamento psicanalítico de crianças com autismo.

Todas essas iniciativas somam-se a dados recentes, provenientes do Centro de Controle de Doenças dos EUA, da prevalência do autismo, indicando um aumento de 30% ao longo de um período de apenas dois anos, com base no mesmo critério diagnóstico (Paiva Junior, 2014). O que estaria contribuindo para esse aumento de crianças com autismo? As novas demandas sensoriais, imediatas e midiáticas do mundo contemporâneo poderiam estar interferindo na qualidade dos importantes vínculos afetivos fundantes das relações humanas desde o início da vida?

Na SBPSP, desde 2005, grupos de estudos sobre os TEAS, coordenados por Paulo Duarte, Izelinda Barros e Vera Regina Fonseca, vêm congregando vários colegas interessados no tema.

A partir desses grupos formou-se o Grupo Prisma de Psicanálise e Autismo (GPPΔ), que vem desenvolvendo uma pesquisa, descrita a seguir, para avaliar a evolução dos atendimentos psicanalíticos de crianças com autismo, utilizando para isso o Protocolo de Investigação Psicanalítica de Sinais de Mudança em Autismo (Prisma), criado para esse fim.

Essa pesquisa procura destacar a valorização e a eficácia do atendimento psicanalítico com crianças vulneráveis ao sofrimento psíquico precoce, que oferece à criança com autismo novas oportunidades de desenvolvimento subjetivo e intersubjetivo, ampliando sua capacidade de autorregulação e a noção de si mesmo e do outro.

Apoiado por recursos da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), interessada em ampliar e divulgar pesquisas na área da psicanálise, nosso grupo desenvolveu a investigação "Transtornos do espectro do autismo em crianças e tratamento psicanalítico: definindo o desenvolvimento emocional e avaliando resultados".

Tal pesquisa, ainda em curso, tem nos permitido refletir e discutir ativamente:

• Quais são os nossos critérios de desenvolvimento (do ponto de vista psicanalítico) para uma criança no espectro do autismo?

• Como podemos demonstrar e detalhar para a comunidade científica, e até mesmo para os nossos colegas psicanalistas que não têm contato com esse quadro clínico, qual é a nossa margem de ação terapêutica, incluindo o nosso potencial de alcance e nossas limitações?

• O que a psicanálise considera como resultados de tratamento para essa situação que afeta tantas crianças e provoca enorme sofrimento?

 

Desenvolvendo a investigação

Essa pesquisa partiu de um estudo retrospectivo da evolução de 11 crianças com TEA, de idade entre 2 e 10 anos, atendidas pelas autoras por pelo menos 18 meses em análise (no mínimo, três vezes por semana). Os atendimentos eram discutidos em grupos de trabalho, com encontros mensais na SBPSP. Todas as crianças haviam realizado uma avaliação prévia com um psiquiatra, um neurologista ou um psicólogo, avaliação que sugeriu deficit nas áreas principais que definem o TEA: comunicação, interação social e comportamento estereotipado, conforme o CID-10 (World Health Organization, 1993) e o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014).

Como objetivos gerais, procuramos: demonstrar indícios de desenvolvimento psíquico em sua complexidade, incluindo nuances, estados incipientes, oscilações e possíveis paradoxos; elaborar critérios de avaliação e evolução do tratamento a partir de nossa experiência clínica; informar à comunidade científica, aos profissionais envolvidos diretamente com crianças e aos pais a natureza do desenvolvimento que oferecemos com o tratamento psicanalítico; apresentar evidências de que o tratamento psicanalítico favorece o desenvolvimento psíquico, contribuindo para a constituição de suas fundações e reduzindo as limitações que o funcionamento autístico pode trazer para a vida cotidiana do indivíduo em seu ambiente psicossocial; refletir sobre subsídios conceituais e ferramentas clínicas do analista necessários ao atendimento psicanalítico dessas crianças.

Como objetivos específicos, buscamos: analisar dados de material clínico do trabalho psicanalítico com crianças que apresentam TEA, conforme o CID-10, a fim de avaliar as mudanças e os resultados em um período de 18 meses e demonstrar como o tratamento psicanalítico pode ser parte da rede que oferece oportunidades efetivas para o desenvolvimento dessas crianças, destacando a importância da abordagem psicanalítica nesse campo; demonstrar que já no início do tratamento podemos observar mudanças nas manifestações da criança em contato com o analista e especificar a natureza das mudanças.

Com isso estabelecido, selecionamos, de cada paciente, registros de sessão de distintas etapas do tratamento: início, 12 meses e 18 meses.

Num primeiro momento da pesquisa, analisamos o material clínico de sessões de atendimento em discussão em nosso grupo de analistas com prática com transtornos autísticos, utilizando o método qualitativo, como sugerido por Denzin e Lincoln (1994), por meio do qual os padrões básicos e os temas centrais são extraídos do contato estabelecido pelo par analítico.

Escutamos detalhadamente gravações das discussões clínicas e localizamos três tempos no processo psicanalítico: a chegada da criança e de seus pais; o olhar para a criança; os referenciais que orientam a nossa prática (Batistelli & Amorim, 2014).

A partir dessa escuta, elegemos 19 categorias2 emergentes, que foram a base do registro gráfico da evolução longitudinal dos pacientes discutidos. Entre elas, seis foram consideradas suficientemente informativas e integradoras para descrever as mudanças ao longo do processo psicanalítico: senso de interesse em pessoas e objetos; interação compartilhada; integração sensorial; constituição do espaço interno; capacidade simbólica; campo transferencial.

O desenvolvimento desse estudo envolve o diálogo com profissionais de várias partes do mundo,3 ligados à pesquisa e ao trabalho clínico com autismo, que atuam como consultores e nos acompanham no constante desafio de aprofundar paralelos entre a prática clínica psicanalítica e a busca de instrumentos para investigação e demonstração do alcance dessa prática.

 

Desenvolvimentos e resultados: nuances da clínica psicanalítica construindo um instrumento de pesquisa

A partir das seis categorias mencionadas, desenvolvemos o protocolo Prisma. Ele foi formulado e aperfeiçoado, ao longo de discussões clínicas internas e com nossos consultores, para a análise dos gradientes de evolução e mudança propiciados pelo atendimento analítico. O Prisma reflete nossa intenção de contemplar aspectos vistos sob vários ângulos e nuances, como variações cromáticas em gradientes, movimentando-se em direção a intensidades que podem compor-se, integrar-se e transformar-se gradativamente.

Com relação aos nossos gradientes de avaliação, a pontuação se realiza de acordo com uma escala de três pontos (0, 1 e 2), que indica ausência, leve presença e presença mais acentuada de aspectos atribuídos a cinco questões, em cada uma das seis categorias, em cada sessão - início do tratamento psicanalítico, após 1 ano de tratamento e após 1 ano e meio de tratamento, nos 11 casos documentados e discutidos. Também é possível assinalar no protocolo NA, quando não há elementos para observar na sessão. Destacamos a relevância dos elementos qualitativos na descrição das categorias e na formulação das questões, tal como ocorre na modulação dos vários níveis de funcionamento mental na constituição psíquica do sujeito, ou seja, em cada categoria há um gradiente nas cinco perguntas, que vai das possibilidades menos desenvolvidas para as mais desenvolvidas.

 

 

 

 

Além da pontuação atribuída por nosso grupo e por nossos consultores nas discussões que serviram de base para a concepção, o desenvolvimento e a formulação do protocolo em seu formato atual, o material dos 11 pacientes tem sido pontuado por avaliadores independentes. Estes têm analisado e avaliado o material clínico, buscando uma comprovação estatística da confiabilidade interna do instrumento.

A seguir, apresentamos vinhetas clínicas retiradas do registro escrito de sessões de algumas crianças de nossa amostra, vinhetas que ilustram cada uma das categorias do protocolo Prisma.

 

A. Senso de interesse em pessoas e objetos

Início: Pedro, 9 anos

No início, Pedro apresentava grande excitabilidade física, acompanhada de intenso descontrole da micção. Eram necessárias trocas não só das fraldas como das roupas que usava, tal o volume de urina que produzia. Ele não fazia contato visual e não falava para se comunicar. Às vezes emitia sons incompreensíveis, como se estivesse falando consigo mesmo, enquanto se agitava sacudindo-se. Sua coordenação motora também estava prejudicada: apresentava rigidez e hipertrofia dos membros inferiores, caminhava na ponta dos pés e alimentava-se apenas com comidas que pudesse pegar com as mãos. A motricidade fina não se encontrava desenvolvida e, apesar de não saber escrever formalmente, era capaz de digitar no computador o nome de sites de seu interesse.

Em nosso primeiro encontro, Pedro adentra a sala de atendimento assim que abro a porta, passando por mim como se eu ali não estivesse. Na sala, caminha lentamente, passeando de um lado para o outro. Seu semblante demonstra um tom blasé. Esboça certo sorriso nos lábios, que transmite simpatia, embora não faça nenhum contato visual. Quando falo com ele, sacode-se fazendo barulho, como se estivesse rindo, com os dentes cerrados à mostra. Coloca parte da camiseta torcida na boca. Digo-lhe que ele está me mostrando como faz para se acalmar, colocando alguma coisa na boca. Ele então começa a sacudir as mãos em flappings e sai trotando pela sala. A intensa excitabilidade física indica o medo que sente quando eu me aproximo. Em outro momento, quando mostro ter um exemplar da revista de que ele gosta, arranca-a de minha mão sem olhar e continua caminhando pela sala. Só depois de algum tempo é que olha a revista sem se deter em nada. Ela se rasga, caindo parte no chão, e ele parece não perceber. Joga-se no divã e, mexendo na revista, rasga duas folhas. Vira-se de bruços com o que restou da revista em sua mão. Coloca as mãos dentro da bermuda e deixa a revista cair no chão. Contrai todo o corpo contra o divã e, embora estivesse de fralda, posso perceber que urinou.

Observamos que Pedro usa todo o corpo na tentativa de evacuar suas ansiedades. Usa o espaço como continuidade dele mesmo, adentrando a sala de atendimento assim que a porta é aberta e caminhando tranquilamente pelo espaço, como se estivesse passeando em um lugar conhecido. A voz da analista parece desencadear angústias catastróficas de aniquilamento. A excitação física é a forma de se livrar dessas angústias. Nem mesmo a revista de que tanto gosta o acalma. Pedro se joga no divã buscando a continuidade perdida por meio da adesividade de seu corpo à superfície do divã. As ansiedades provocam excitação e transbordamento, e o menino rígido vira o menino líquido.

Evolução, um ano e meio de tratamento: Pedro, 10 anos e meio

O controle da micção foi conquistado. Pedro não usa mais fraldas e já vai ao banheiro quando precisa. Ao entrar na sessão, dirige-se logo para a caixa de brinquedos e pega uma revista. Senta-se na cadeira para desenhar. Começa a traçar rabiscos, enquanto vira as páginas da revista cantarolando. Fala o nome dos personagens e faz os rabiscos. Está aparentemente tranquilo, mas sua agitação se apresenta na troca dos lápis e das folhas, assim como nos rabiscos que faz freneticamente, como se fossem assinaturas. A analista percebe um esboço de palavras: min e mamy. Sinaliza que ele está feliz, mas confuso. Ele olha para ela e, sorrindo, segura sua mão, dizendo o nome de três personagens de desenhos. A analista comenta que, no desenho, havia aqueles personagens e que ali tinha ela (refere-se não só à presença, mas ao encontro dele com ela, atenta e dando sentido ao que se passava com ele quando estavam ali). Pedro responde que a revista ia chegar (alude à futura chegada de um novo fascículo da revista). A analista então lhe diz que ele estava aprendendo, que podia esperar pelas coisas que desejava. Pedro, sorrindo, bate com suavidade na própria bochecha e diz: "Cabeça". A analista responde que na cabeça ficavam as coisas que ele sentia e as que ele já sabia.

Vemos através dessa vinheta que Pedro conquistou a noção do próprio corpo, com limites e partes internas e externas. Ainda que incipiente, seu corpo já pode ter conteúdo e esfíncteres, permitindo o desenvolvimento do controle da micção. Pedro se interessa não só pelos desenhos como em dividir com a analista seus interesses. A fala já tem a função de dirigir-se à analista, e a revista pode ser olhada e manuseada, fazendo parte do diálogo que ele constrói.

 

B. Interação compartilhada

Início: Nina, 7 anos

O desenvolvimento de Nina estava gravemente prejudicado. Ela não mantinha contato visual, não falava e ainda não possuía total controle da micção. Em casa, não podia ser tocada: reagia gritando e sacudindo-se, com as mãos no ouvido, e era difícil para os pais acalmá-la. Nina é graúda para a sua idade. Usa óculos e, apesar do cabelo desarrumado com a franja cobrindo os olhos, repara na analista no primeiro encontro. Parece que toda a sua roupa está como o seu cabelo, desalinhada e pouco harmônica. Seu andar é pesado, caminha com muita lentidão, arrastando os pés e com os ombros projetados para a frente. Parece carregar um grande peso.

Nina entra e para no meio da sala, como se estivesse esperando alguma comunicação. Mostro-lhe os brinquedos e digo que pode sentar onde quiser. Ela se dirige ao canto da sala vazio e senta no chão duro. Penso no cabelo desalinhado e nas lentes embaçadas como uma cortina protegendo-a do contato, assim como o canto da sala.

Pergunto: "Gostou mais desse cantinho da sala? Nesse cantinho só tem você. Os brinquedos ficam de um lado e você nesse outro. Eu vou me sentar bem aqui no meio, entre os brinquedos e você".

Nina continua sentada com a boca aberta, sem tônus, e a língua projetada sobre o lábio, deixando escorrer a saliva. Digo a ela que podíamos ficar ali quietinhas, ouvindo uma a respiração da outra, ela me escutando e eu a escutando - dessa forma, eu poderia ficar um pouco como ela, bem quietinha. Ela continua imóvel. Permanecemos assim um bom tempo. Ouço o silêncio; depois, consigo ouvir sua respiração.

Evolução, um ano e meio de tratamento: Nina, 8 anos e meio

Nina tira o tênis quando chega e recosta-se nas almofadas, esticando as pernas. Leva o polegar à boca e fica parada com a barriga para cima e as pernas largadas, esticadas e semiabertas. Espero um pouco, deixando-a experimentar o que se passa. Digo: "Hum... Parece que você está com o pensamento lá longe"

Nina não se mexe. Espero mais um pouco e digo que parece estar gostoso ficar ali deitada, largada na almofada grande e macia, como se não tivesse corpo nem pensamento. Só o dedinho na boca e a minha voz podiam entrar para dentro de Nina. Ela sorri, mas continua sem se mover, com o polegar na boca fechada, sem chupá-lo.

Nina pede então: "Que será... Canta, Ana" Havia algum tempo que eu não cantava essa música para Nina. Pergunto-lhe se ela quer que eu a ajude e se ela está desanimada. Nina se vira de lado e se encolhe.

Começo então a cantar:

O que será que Nina está pensando? O que será que Nina está sentindo? Eu queria, eu queria ajudar. Se eu canto, se eu canto para Nina, é porque ela pode me escutar. Eu só sei, eu só sei que ela me escuta, e assim, e assim vamos estar.

Nina pede "Canta mais", e eu respondo "Você gosta de me ouvir cantar para você, de sentir toda a minha atenção para você. Parece que, quando eu canto, você também pode prestar atenção no que está sentindo"

Esta vinheta mostra que Nina já é capaz de experimentar a maciez do encontro a dois - não precisa sentar no chão duro. Embora o dedo na boca permaneça, não tem mais a função de tapar um buraco que vaza. Parece que agora a função é deixar a voz da analista dentro dela. Busca a analista, ao pedir que cante para ela. Nina oscila em vários níveis de interação nessa sessão, desde a criança que convoca até o bebê que regride à posição fetal, ao nutrir-se da voz da analista. O prazer do encontro segue crescendo, e Nina produz seus primeiros desenhos na interação com a analista.

 

C. Integração sensorial

Início: Stella, 5 anos

Stella apresentava atraso no desenvolvimento da fala, movimentos repetitivos e, em situações de apreensão, flappings. No início, não se desgrudava de um cd que carregava enfiado no dedo indicador, colocando-o ao lado do olho. Demonstrava grande sensibilidade a ruídos e tapava os ouvidos. Apresentava hipotonia desde bebê.

Na sessão inicial, arrasta-se pelo chão, como um bebê que ainda não sabe andar, como um réptil, bate com força três carrinhos no chão, fazendo barulho, acompanhando as batidas com ruídos que emite com a boca, e movimenta as pernas no ar.

O forte apego ao sensorial demonstrado por ela (sensibilidade a ruídos, balanceio do corpo, flappings, ranger de dentes, manipular constante do cd) sugeria estar às voltas com aspectos bastante primitivos, que demandavam um espaço mental, a construção de um continente que pudesse conter essas vivências e dar-lhes significado.

Evolução, um ano e meio de tratamento: Stella, 6 anos e meio

Stella me entrega uma coelhinha de pelúcia com zíper, com um coelhinho dentro. Traz também um quadro com letras do alfabeto. Deixa-os de lado e passa à brincadeira de bater os carrinhos no chão. Digo "Às vezes, as letras deixam a Stella nervosa e então ela bate os carrinhos no chão". Ela para de bater os carrinhos e vem sentar-se à mesa, ao meu lado.

Brincamos de mamãe e filhinho fazendo os coelhos de fantoches: eu sou a mamãe e ela o filhinho. Digo com voz de coelha: "Oi, filhinho, tudo bem?" Ela olha para mim e diz: "Não, ocê é a Ana" Respondo: "Hoje então somos quatro: a Stella, a Ana, a mamãe coelho e o filhinho"

O coelhinho mostra para a mãe as letras que ele conhece. A cada acerto, nós comemoramos. Eu digo com a minha voz: "Como é gostoso aprender!".

Toma a coelha da minha mão, vai até a porta, tenta abri-la (tem dificuldade de coordenar o giro da chave, e muitas vezes se desespera, não suportando nem esperar que eu a ajude), mas não consegue. Eu me aproximo, coloco minha mão junto com a dela e giro a chave. Ela não se aflige. Sai e vai até a sala de espera mostrar para a mãe como a coelha vira fantoche. A mãe aprecia. Volta para a sala.

Larga a coelha, pega o coelhinho e o coloca sobre o quadro - ele cai (é um quadro na vertical e as letras ficam presas nele). Diz que o coelhinho "tá tite" (está triste).

Digo que é verdade, que às vezes as letras machucam, quando a gente não conhece alguma coisa ou tem alguma dificuldade. "Filhinho, vou te acudir." Pego o coelhinho que havia caído.

Repetimos várias vezes a brincadeira em que o coelhinho cai e a coelha o socorre. Com isso, vai ficando cada vez mais feliz e diz que quer que eles passeiem. No final da sessão, sai levando os coelhinhos e deixando a lousa sobre a mesa - quer deixá-la comigo.

Aos poucos, no lugar do desconforto que sentia diante das demandas emocionais que não conseguia administrar, Stella vai sendo ajudada e começa a notar e registrar suas necessidades corporais, conferindo-lhes uma forma mental, integrando os dois níveis de experiência: sensorial e mental. Há uma transformação de sensações corporais em experiências psíquicas.

 

D. Constituição do espaço interno

Início: Lucas, 2 anos e 11 meses

Lucas era uma criança agitada. Andava na ponta dos pés, em pulinhos, com os dois pés juntos, muito rápido. Raramente estabelecia contato visual com as pessoas. Às vezes, pronunciava palavras soltas, desconectadas da experiência.

A principal preocupação dos pais era o atraso no desenvolvimento emocional, principalmente da linguagem. Desde 1 ano de idade, Lucas desenvolveu um barulho com a boca, inicialmente sugestivo de um balbucio, mas que passou a se repetir continuadamente, sem evoluir para uma comunicação efetiva, caracterizando-se por um movimento rápido dos lábios e da língua, algo como: "Brrruuu".

Com 2 anos e 4 meses foi para a escola, onde ficava sozinho, com interesse específico e repetitivo nos jogos de encaixar peças. Ficou marcado pela sua agressividade: batia em outras crianças quando elas pegavam seus brinquedos ou quando se aproximavam espontaneamente dele.

Seu apego a situações repetitivas e de controle se mostra, por exemplo, no fato de que determinadas músicas têm que ser repetidas exaustivamente e brinquedos não podem ser tirados de sua mão, o que provoca comportamentos disruptivos.

Nos momentos iniciais do atendimento, a presença da analista não é percebida, não lhe dirige o olhar; seu interesse concentra-se na superfície dos pés da analista e na textura de sua meia de seda: "O que será isso em que você passa a mão? Parece tão macio. Estamos juntos aqui nessa sala. Isso é parte do meu corpo. Sou a Ana".

Volta para as peças de encaixar. Não olha mais para mim e assim permanece, ora andando pela sala, ora quieto. Seu olhar dirige-se para o nada. Fica muito tempo movimentando-se no diâmetro maior da sala, com as mesmas características.

O contato se dá pelas superfícies corporais em bidimensionalidade, sem interesse por espaços internos a serem explorados.

Ao longo do trabalho, interessa-se por abrir recipientes, caixas. Por exemplo, ao entrar na sala, diz "Abre porta"; quando abrimos juntos um ovo de chocolate, ele bate palmas, diz "Ovo, ovo", retira pequenos objetos que estão dentro dele, morde uma das metades do ovo e coloca as duas metades em minhas mãos, deslizando os dedos pelas suas cavidades. Os interiores da sala e do ovo se abrem para ele. Ao explorar esses espaços internos, encontra e re-en-contra algo que ele havia deixado lá. Ao abrir gavetas com ele, digo: "Quantos lugares você descobriu hoje! Olha como eles têm um lugar lá dentro deles em que suas coisinhas importantes ficam bem guardadinhas!"

Como nas relações iniciais do bebê com a mãe, a partir das sensações corporais vamos constituindo experiências com significado emocional, contidas pelo objeto em função primária pensante, elaboradas e disponíveis para a construção da subjetividade.

Evoluçâo, um ano e meio de tratamento: Lucas, 4 anos e 4 meses

Curiosamente, ele parece entender que eu o aviso de que nossa sessão está começando - primeiro atendimento na parte da manhã. Rapidamente ele coloca sua mochilinha sobre a mesa e tira algumas coisas de seu interior: maçã, suco, Yakult e bolachas. Digo: "Quantas comidinhas gostosas a mamãe colocou em sua mochilinha! Como a mamãe foi legal e cuidou de você, do seu café da manhã!".

Por algum tempo, ficamos sentados à mesa, e ele faz a primeira refeição do dia. Tenho a função de ajudá-lo a abrir o pacote de bolachas e cuidar das outras comidinhas.

Quando termina de tomar o suco, a caixa cai no chão, o que o estimula a chutá-la como se fosse uma bola, correndo pela sala. Enquanto corre (já não mais na ponta dos pés), Lucas ri muito chutando a caixinha de suco. Eu o acompanho, comento que sua perna está tão forte, que o pacotinho do suco vai para bem longe de nós. Ressalto a correlação entre esses dois aspectos: a força do chute e a distância para onde a caixinha vai.

Ocorre-me que ele faz uma aproximação entre o fato de sua mãe estar longe e a ação de chutar a caixa de suco (representante da mãe).

Em determinado momento, ele bate a mão na caixa de ludo e choraminga. Mostra a mão para mim e diz: "Dodói". Vou até ele, e sua mão se estende em minha direção. Digo: "Que chato esse dodói em sua mão! Vamos ver o que aconteceu?'.

Enquanto isso, ele pega um durex dentro de sua caixa, que havíamos usado para consertar o que teria sido o dodói de uns carrinhos que se quebraram. "É mesmo, Lucas, nós já sabemos como cuidar de um dodói. Aprendemos a cuidar do dodói dos carrinhos quando eles se quebraram. Mas eu tenho também um remedinho de gente mesmo, diferente do remédio de carrinhos."

Sai um pouquinho de sangue do seu dedo. Para a minha surpresa, ele segura a minha mão - parece não só aceitar, mas me convidar para irmos a esse lugar onde existe o remedinho de gente.

Vamos até a gaveta da minha mesa, pego um band-aid e o coloco em seu dedo. Lucas retira o band-aid, corre até onde está o carrinho, tira o durex e o coloca em seu machucado. Volta para perto de mim e pede para eu colocar o band-aid novamente, agora sobre o durex.

Nessa sessão, é possível observar detalhes expressivos de sensações, sentimentos e percepções compartilhados, significativos da existência do espaço mental interno. Também fica evidente a riqueza da fluência dos pensamentos que ganharam sentido na experiência compartilhada.

 

E. Capacidade simbólica

Início: Guilherme, 2 anos e 11 meses

Quando iniciou sua análise, Guilherme falava silabicamente, sem formar palavras e frases. Na primeira sessão, apresenta um esboço de brincar de faz de conta, preparando suco, colocando no copinho e dando para a mãe. Vou ressoando o som de deglutir como um objeto humano vivo. Depois ele pega a mamadeira de suco e a observa. Faz o mesmo com o copo de suco. Ecoo novamente o som de deglutir. Ele observa, quer abrir a mamadeira. Aponto que é de faz de conta, de brincar. Ele então dá a mamadeira para uma bonequinha (penso que está buscando um alimento emocional; já reconhece a função analítica e se identifica com ela?).

Em outro momento, ele pede para pintar (fala "aar" e indica o papel e o lápis). Começa a desenhar num bloco de papel grande que lhe ofereço e, de repente, vai se encolhendo, de costas para mim, com o rosto colado no papel, rabiscando com força, sem parar, totalmente absorto e distante. Depois de um tempo, pego outro lápis e desenho um caminho até chegar perto do lápis dele, fazendo meu lápis conversar com o dele: "Ei, Guilherme, onde está você?". Ele olha para mim, ri. Nossos lápis começam a correr um do outro, e ele se diverte novamente.

Evolução, um ano e meio de tratamento:

Guilherme, 4 anos e meio

Nesse momento, Guilherme já é capaz de ampliar as construções narrativas e histórias com a analista. Ao me ver, sorri e diz: "Oi, Ana!'. Pede para eu colocar números nos carros de sua caixa. Enquanto faço isso, observo como ele está podendo me dizer o que quer e conduzir a brincadeira, mostrando-se agente. Depois, ele organiza uma corrida sobre uma almofada da sala (a brincadeira tem um contorno, um continente) e narra a largada, incorporando uma narrativa construída ao longo do contato comigo ("Um, dois, tês e já"). Em seguida, faz outra narrativa, com cenário, noção de espaço, ritmo, tempo, limites e regras sociais:

G: Qué ir no shopping [a casinha]. O shopping tá onge. Pecisa corrê.

A: Está longe. Olha o sinal vermelho.

G: Tá bom. Ixe! Passô o shopping.

A: Passou o shopping. [Ele me pede para esperar com o farol perto do shopping.]

G: Faol vemelho! Tem que ficá parada. Polícia, vai ficá feio. [Faz som de sirene.] Não pooode, McQueen! [Ele pega o carro de polícia e faz uma colisão com o McQueen que passou no farol vermelho.] Eu vou bater você. Pou! [Faz o som da batida.] Polícia quebô. [Olha para mim.]

A: Você está me contando como você já sabe as coisas que podem, que não podem; o que deixa bravo/feio, sozinho/triste.

G: Ué? Ué? O bombero vem. E o bombero Ana ajuda...

Guilherme pega as ferramentas e faz os reparos. Aponto como ele está podendo pedir ajuda quando precisa e usar muitas ferramentas.

Ao terminar, penso que nessa sessão houve uma brincadeira de verdade, com componentes criativos e simbólicos, e que talvez, correndo contra o tempo, estejamos encontrando ferramentas reparadoras e propiciadoras de seu desenvolvimento emocional.

 

F. Campo transferencial

Início: Pedro, 9 anos

Pedro, a mesma criança apresentada na categoria A, era inquieto e voluntarioso. A vulnerabilidade aos estímulos provocava excitabilidade física, com predomínio de autoestimulação sensorial. Não tinha controle da micção e não fazia contato visual. No entanto, desde o primeiro encontro, observamos protorreações transferenciais.

Digo que está com muito medo no momento em que permanece grudado ao divã. Ele continua assim algum tempo, mas depois tira as mãos de dentro da bermuda e começa a fazer barulho com a boca: "Huumm, rs, rs". Coloca a blusa enrolada na boca, com os dentes aparentes segurando a camisa.

Sai do divã sem muita desenvoltura motora para levantar-se. Vira o rosto em minha direção com a camisa na boca, sem me olhar, e eu vejo seus dentes cerrados. Digo: "Que dentes fortes você tem, Pedro! Ui, que medo!"

Pedro solta a blusa da boca e sai trotando. Sorrindo e olhando a esmo, emite sons: "Hum, hum, chac, chax"

Pedro, que já tinha se urinado, agora parece retomar seu tom blasé do início da sessão. Quando a analista, ao falar do medo, transforma sua urina em palavras, ele fica menos assustado. Era a analista quem sentiria medo agora. Pedro parece ficar aliviado, solta a blusa da boca e, lançando a esmo seu sorriso, responde num chac, chax o seu hum, hum de fugidia satisfação.

Evolução, um ano e meio de tratamento: Pedro, 10 anos e meio

Pedro pega uma folha que sempre olha, com a foto de um menino deitado em cima de um monte de revistas. O menino é muito parecido com ele e deve ter a mesma idade. Ele diz: "Garoto". Logo entra em aflição, começa a cantar sacudindo-se e fazendo bico com a boca.

Digo que, quando pensa coisas de garoto, fica com muito medo; que acha que, cantando, vai afastar os pensamentos e se acalmar.

Ele começa a bater a cabeça na mesa e rasga a folha da foto. Percebe o que fez e passa a chorar batendo a mão na cabeça com muita força. Seguro sua cabeça com as duas mãos e digo que ele ficou com medo, depois ficou com raiva e rasgou o garoto; que nós dois íamos juntar as partes rasgadas do garoto, não íamos deixar ele rasgado.

Segurando Pedro pela mão, pegamos o durex dentro da caixa. Ele vai batendo sua cabeça na minha. Falo que a minha cabeça vai ajudar a dele, que vou cuidar dele e que nós dois juntos vamos arrumar o garoto. Coloco-o sentado. Ele ainda chora e bate na cabeça.

Fazemos uma capa de durex para a foto enquanto falo com ele. Quando digo "Pronto! Ficou garoto de novo", Pedro fica feliz e sorri. Puxando minha cabeça, diz: "Eu te amo" Logo fala em tom regredido: "Qué quescê, não!" (Não quero crescer, não).

Pedro estabeleceu uma relação transferencial com a analista. O interesse despertado nessa relação põe em movimento alguma transformação da autoestimulação em experiência emocional, constituindo algum espaço mental interno. Fora do consultório, já é capaz de olhar para as pessoas quando estas se dirigem a ele e acolher algumas ansiedades, conquistando o controle da micção. Com a capacidade simbólica em desenvolvimento, a comunicação de Pedro também vai melhorando, agregando às palavras soltas frases bem estruturadas e contextualizadas.

 

Considerações finais: o Prisma como instrumento potencial

Com essas vinhetas, esperamos ter mostrado a utilização do Prisma como instrumento potencial para acompanhar mudanças e mapear o desenvolvimento psíquico em risco, destacando nuances incipientes no desenvolvimento, áreas de competência, de limitação e de indicação para investimento. (Lisondo et al., 2017a e 2017b).

Pretendemos, com este trabalho, contribuir para a prática clínica e o aprofundamento conceitual no campo dos transtornos autísticos, promovendo reflexões acerca de férteis integrações entre sensorialidade e desenvolvimento simbólico, corpo e psiquismo, clínica e pesquisa. O uso de instrumentos psicanalíticos específicos, que nos distinguem e nos identificam enquanto ciência e forma de conhecimento, como a transferência e a contratransferência, a ênfase nos vínculos e na experiência emocional, a busca do não explícito e do que clama para se comunicar, mesmo que de forma rudimentar, presentes no contato direto com o paciente e sua família, nos mobiliza no contínuo e fascinante desenvolvimento da psicanálise.

Apresentamos o protocolo Prisma tal como aplicado por nós neste ponto do desenvolvimento de nosso trabalho, esperando que a difusão e a reflexão sobre seu uso e aplicabilidade possam ser facilitadores do diálogo vivo com a comunidade psicanalítica e com os profissionais que se ocupam do sofrimento psíquico dos envolvidos com os transtornos autísticos.

 

Referências

American Psychiatric Association. (2014). dsm-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (M. I. C. Nascimento et al., Trads.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Batistelli, F. M. V. & Amorim, M. L. G. (Orgs.) (2014). Atendimento psicanalítico do autismo. São Paulo: Zagodoni.         [ Links ]

Denzin, N. K. & Lincoln, Y. S. (1994). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage.         [ Links ]

Lisondo, A. B. D. et al. (2017a). Protocolo Prisma: do cotidiano da clínica a um instrumento de pesquisa. Correio da Appoa, 266. Associação Psicanalítica de Porto Alegre.         [ Links ]

Lisondo, A. B. D. (2017b). Clínica e pesquisa em psicanálise: apresentando o Prisma. Protocolo de Investigação Psicanalítica de Sinais de Mudança em Autismo. Revista de Psicanálise: Reverie, 10 (1),165-189.         [ Links ]

Paiva Junior. (2014). Casos de autismo sobem para 1 a cada 68 crianças. Papo de Mãe, 1.° de abril. Recuperado em 6 out. 2017, de http://www.papodemae.com.br/2014/04/01/casos-de-autismo-sobem-para-1-a-cada-68-criancas/.         [ Links ]

World Health Organization. (1993). Classificação de transtornos mentais e de comportamento do CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas (D. Caetano, Trad.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Alicia Beatriz Dorado de Lisondo
Rua José Morano, 313
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Tel.: 19 3251-5059
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Fátima Maria Vieira Batistelli
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Maria Cecília Pereira da Silva
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Maria Lúcia Gomes de Amorim
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mtherezafranca@gmail.com

Mariângela Mendes de Almeida
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Marisa Helena Leite Monteiro
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Regina Elisabeth Lordello Coimbra
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Tel.: 11 3022-3319 | 11 3022-8449
bethcoimbra07@gmail.com

Recebido em 03.10.2017
Aceito em 17.10.2017

 

 

1 As autoras deste trabalho são membros do Grupo Prisma de Psicanálise e Autismo (GPPΔ) da SBPSP.
2 Início e evolução do tratamento: 1. Qualidade dos fenômenos emocionais presentes (clima emocional do tratamento, aspectos da criança, sentimentos suscitados no analista); 2. Modalidade do contato visual; 3. Características da atenção compartilhada; 4. Desenvolvimento da linguagem; 5. Desenvolvimento da capacidade simbólica; 6. Capacidade interativa dialógica; 7. Áreas de manifestação da sensorialidade; 8. Reações disruptivas; 9. Agressividade autodirigida (aparentes ataques a si mesmo); 10. Aparecimento de enfermidades, condições imunológicas; 11. Áreas de discriminação self-objeto; 12. Senso de percepção do espaço (bi e tridimensionalidade); 13. Musculatura corporal (hipo ou hipertonía, total ou parcial); 14. Comportamentos estereotipados, manobras autísticas; 15. Aspectos transferenciais; 16. Aspectos contratransferenciais; 17. Outros traços autísticos ou aspectos interessantes; 18. Características ou polêmicas sobre a abordagem técnica; 19. Conceitos evocados na discussão do grupo.
3 Consultores nacionais: Izelinda Garcia de Barros (SBPSP), Paulo Duarte (SBPSP) e Vera Regina Marcondes Fonseca (SBPSP). Consultores internacionais: Marina Altman (APU), Suzanne Maiello (API), Jeanne Magagna (ACP), Victor Guerra (apu), Joshua Durban (Associação Psicanalítica de Israel) e Robert Hinshelwood (SPB). Fase 1: Maria Cristina Kupfer (USP), Anne Alvarez (ACP) e Ema Ponce de León (APU).

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