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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.52 no.1 São Paulo jan./mar. 2018

 

CARTA-CONVITE

 

XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise O estranho - Inconfidências

 

 

Anette Blaya LuzI; Ignacio Paim FilhoII

IPresidente
IIDiretor Científico

 

 

Só raramente um psicanalista se sente impelido a pesquisar o tema da estética, mesmo quando por estética se entende não simplesmente a teoria do belo, mas a teoria das qualidades do sentir.

(Sigmund Freud)

Prezados colegas,

Minas Gerais, janeiro de 2018: o Conselho Científico da Febrapsi reuniu-se para decidir o tema central do Congresso Brasileiro de Psicanálise de 2019, que ocorrerá de 19 a 22 de junho em Belo Horizonte. A partir das sugestões recebidas de nossas federadas, e tendo como norte a proposição de integrar os vários segmentos que comportam o escopo da psicanálise, chegamos ao consenso da seguinte temática: O estranho - Inconfidências.

Sabemos que, no trabalho "O estranho" (1919/1969), Freud propõe-se a refletir sobre os inquietantes caminhos implicados no trânsito entre as instâncias psíquicas, no seu indissociável atrelamento com a força do pulsional - o conhecido, o desconhecido -, que persiste e insiste em se fazer agente dos sucedâneos anímicos. Nesse sentido, Freud constrói uma interlocução profícua entre a clínica e a cultura, valendo-se do conto de Hoffmann "O homem da areia" - acreditamos que impelido pelo desejo de trabalhar a qualidade da estética que se dirige para além do belo, uma possível estética psicanalítica do horror. O horror remete ao estranhamento do humano diante da constatação da finitude, da transitoriedade, da passagem do tempo, enfim, da incompletude, que o complexo de castração comporta de maneira incisiva. Com esse pensar como sinalizador, encontramos no paradoxal termo inconfidências - legado de uma história de luta pela liberdade, que teve por cenário a terra mineira - uma bela forma de apresentação da força desconcertante e propulsora de transformações do estranho que nos habita. Como diz Freud, citando Schelling, "unheimlich é tudo que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz" (1919/1969, p. 282), vir que incita o desassossego e, ao mesmo tempo, potencializa as condições para que o novo se crie e se recrie a partir do antigo.

Convidamos todos os colegas para trabalharmos em cooperação, a fim de fazer um congresso que traduza as aspirações - as diferentes qualidades do sentir - dos psicanalistas brasileiros. A cooperação nos convoca a participar de múltiplas formas, da organização à produção de ideias, escrevendo, apresentando, publicando..., e assim, em consonância com o pensar freudiano e dos nossos inconfidentes, despertar nosso espírito aventureiro (Freud, 1991[1900]) ou indiscreto (Freud, 1998[1910]), ousar seguir examinando e denunciando o mal-estar que constitui o sujeito e sua ordem cultural, e nesse caminho transpor os limites impostos pelo nosso próprio saber, para estabelecer desdobramentos desse pensar à luz do nosso tempo: "Das Unheimliche", 100 anos depois, entre confidências-inconfidências.

Finalizamos com um breve recorte do poema "Igual-desigual", de Carlos Drummond de Andrade, a título de estimular reflexões: "Ninguém é igual a ninguém./ Todo o ser humano é um estranho ímpar" (1980/2014, p. 46).

Aguardamos vocês.

Abraços

 

Referências

Andrade, C. D. de. (2014). Igual-desigual. In C. D. de Andrade, A paixão medida (p. 46). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1980)        [ Links ]

Freud, S. (1969). O estranho. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, Trad., Vol. 17, pp. 273-314). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1919)        [ Links ]

Freud, S. (1991). Carta de Freud a Fliess: 1.° de fevereiro de 1900. In J. M. Masson (Org.), A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess (1887-1904) (V. Ribeiro, Trad., pp. 398-399). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1998). Carta de Freud a Pfister: 5 de junho de 1910. In E. Freud & H. Meng (Orgs.), Cartas entre Freud e Pfister (1909-1939) (K. Wondracek & D. Junge, Trads., pp. 53-56). Viçosa: Ultimato.         [ Links ]

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