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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.52 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2018

 

HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

 

Do alienista aos modernistas e psicanalistas

 

From the alienist to modernists and psychoanalysts

 

Del alienista a los modernistas y psicoanalistas

 

De l'aliéniste aux modernistes et psychanalystes

 

 

Maria Angela G. Moretzsohn

Membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho procura examinar as transformações vividas pelo Brasil desde o fim gradativo do trabalho escravo e o início da imigração, passando pelas questões referentes à saúde e pela Primeira Guerra Mundial. Na esfera da vida intelectual, existia uma insatisfação com o que era produzido e uma ambição por uma arte nova. Daí surgem o grupo modernista e a Semana de Arte Moderna, em que dois nomes se destacam, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, os quais vão se interessar pelas ideias da psicanálise, que aos poucos desembarcam no país. O artigo aborda também o grupo de cientistas formado no Rio de Janeiro por médicos e intelectuais provenientes de vários estados brasileiros, como Juliano Moreira, Silva Melo, Genserico Aragão de Souza Pinto, Antônio Austregésilo, Fernandes Figueira, Medeiros e Albuquerque, Júlio Pires Porto-Carrero e Arthur Ramos, que, já com algum conhecimento da psicanálise nascente, se empenham em modernizar o tratamento dos pacientes que lhes chegam. Alguns enviam seus trabalhos para Freud, que sempre agradece e se surpreende por receber esse material de um distante país, como costumava se referir ao Brasil. Em São Paulo, Franco da Rocha, professor de clínica neuropsiquiátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, publica n'O Estado de S. Paulo o texto "Do delírio em geral", o qual motiva em Durval Marcondes, jovem estudante de medicina, o interesse pelas ideias da psicanálise, que manterá pela vida afora.

Palavras-chave: história da psicanálise, história do Brasil, modernismo, doença mental, vacinas


ABSTRACT

In this paper, the author attempts to study, by dealing with issues related to health and World War i, the transformations Brazil has experienced since the gradual end of slave labor and the beginning of immigration. In the sphere of intellectual life, there were both a dissatisfaction with the then-current production and a strong desire for new art. The modernist group and the Modern Art Week emerged from this context, and then two important names became prominent: Mário de Andrade and Oswald de Andrade, who would develop interest for psychoanalytic ideas, which were slowly reaching the country. This paper also deals with the group of scientists that was composed of doctors and intellectuals from many Brazilian states, such as Juliano Moreira, Silva Melo, Genserico Aragão de Souza Pinto, Antônio Austregésilo, Fernandes Figueira, Medeiros e Albuquerque, Júlio Pires Porto-Carrero and Arthur Ramos. Already with some knowledge of the rising psychoanalysis, they worked hard to modernize the treatment for the patients who were arriving to them. Some of these doctors/intellectuals sent Freud their work. Freud was always thankful and surprised for receiving that material from Brazil, to which he used to refer as a distant country. In São Paulo, Franco da Rocha, who was a professor of clinical practice in neuropsychiatry at the Medical College of São Paulo, published, in O Estado de S. Paulo (a newspaper), an article called "On delirium in general". In this article, Durval Marcondes, who was a young student of medical college, found motivation to be interested in the new ideas of psychoanalysis. Marcondes's interest would continue throughout his life.

Keywords: history of psychoanalysis, history of Brazil, modernism, mental disorder, vaccines


RESUMEN

El presente trabajo se propone examinar las transformaciones vividas en Brasil desde el fin gradual del trabajo esclavo y el inicio de la inmigración, pasando por los puntos relacionados con la salud y la Primera Guerra Mundial. En la esfera de la vida intelectual existía una insatisfacción con lo que se producía y una ambición por un arte nuevo. Es de aquí que surge el grupo modernista y la Semana del Arte Moderno, donde se destacan los nombres de Mário de Andrade y Oswald de Andrade, quienes se interesan por las ideas del psicoanálisis, que poco a poco llegan al país. El artículo aborda también el grupo de científicos formado en Río de Janeiro por médicos e intelectuales de varios estados brasileños, como Juliano Moreira, Silva Melo, Genserico Aragão de Souza Pinto, Antônio Austregésilo, Fernandes Figueira, Medeiros e Albuquerque, Júlio Pires Porto-Carrero y Arthur Ramos, que, con algún conocimiento previo del psicoanálisis naciente, se empeñan en modernizar el tratamiento de los pacientes que llegan hasta ellos. Algunos envían sus trabajos a Freud, que siempre agradece y se sorprende por recibir ese material de un país distante, como solía referirse a Brasil. En São Paulo, Franco da Rocha, profesor de clínica neuropsiquiátrica de la Facultad de Medicina de São Paulo, publica en O Estado de S. Paulo el texto "Del delirio en general", que motiva en Durval Marcondes, un joven estudiante de medicina, el interés por las nuevas ideas del psicoanálisis, que mantendrá durante su vida.

Palabras clave: historia del psicoanálisis, historia de Brasil, modernismo, enfermedad mental, vacunas


RÉSUMÉ

La présente étude cherche à examiner les transformations vécues par le Brésil depuis la fin gradative du travail esclave et le début de l'immigration, en passant par les questions référentes à la santé et à la Première Guerre mondiale. Dans le cadre de la vie intellectuelle, il existait une insatisfaction concernant ce qui était produit, et une envie d'un art neuf. De là, il est né le groupe moderniste et la Semaine d'art moderne, où deux noms sont en relief: Mário d'Andrade et Oswald d'Andrade, qui vont s'intéresser par les idées de la psychanalyse qui arrivaient peu à peu au pays. On aborde aussi le groupe de scientistes formé à Rio par des médecins et des intellectuels de plusieurs états du Brésil, tels que Juliano Moreira, Silva Melo, Genserico Aragão de Souza Pinto, Antônio Austregésilo, Fernandes Figueira, Medeiros e Albuquerque, Júlio Pires Porto-Carrero et Arthur Ramos, lesquels, ayant déjà une certaine connaissance de la psychanalyse naissante, s'efforcent de moderniser le traitement des cas de patients qui venaient jusqu'à eux. Ils ont envoyé quelques-uns de leurs travaux à Freud, qui remercia toujours et se surprenait de recevoir ce matériel d'un pays lointain, comme il avait l'habitude de dire en parlant du Brésil. À São Paulo, Franco da Rocha, professeur de clinique neuropsychiatrique de la Faculté de médicine de São Paulo, publie sur le journal O Estado de S. Paulo le texte "Du délire en général", qui éveille chez le jeune étudiant de médicine, Durval Marcondes, l'intérêt dans les nouvelles idées de la psychanalyse, ce qu'il gardera pendant toute sa vie.

Mots-clés: histoire de la psychanalyse, histoire du Brésil, modernisme, maladie mentale, vaccines


 

 

O Brasil vivia no império de D. Pedro II quando Machado de Assis publicou o livro Papéis avulsos, em 1882, do qual consta um conto extraordinário, "O alienista". É a história de um médico que se especializa em doenças mentais e funda, numa cidade do interior do Rio de Janeiro, um hospício. Seu ideal visionário é curar a loucura.

O fato de um escritor brasileiro usar como tema a cura da doença mental, embora com enfoque irônico, leva-nos a considerar dois aspectos: o interesse de contar tal história e o interesse de lê-la. Havia consumidores para ela. Havia algum conhecimento do assunto. O conto, que é bem longo, aborda não apenas a demência, mas também formas brandas de mania, pequenas obsessões, desvios de comportamento.

O cientista quer descobrir a raiz do mal. Nas palavras dele: "A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente" (Assis, 1882/2005, p. 21). Ele tem poderes para internar toda a cidade, liberta os "doidos", interna os sãos e virtuosos, cura-os. Em "O alienista" está representado, com ironia, o cientificismo dos últimos anos do século XIX. Simbolicamente, no final do conto, o próprio alienista se encerra no hospício.

Grandes mudanças se insinuavam na sociedade brasileira. A já intensa imigração de trabalhadores livres europeus para a agricultura era um sinal do enfraquecimento do sistema de trabalhadores escravos.

Seis anos depois de publicado o conto, era abolida a escravidão. Sete anos, e terminava o Império, inaugurando-se a República. O próprio Machado de Assis era um personagem das mudanças que aconteciam na sociedade. Ele evoluiu do Romantismo, escola na qual se formou e que marcou metade dos seus trabalhos, para um realismo irônico e elegante, que aprimorou até morrer, em 1908.

Os temas do desenvolvimento do país, das relações internacionais, da educação, da saúde, das reformas administrativas e políticas, da industrialização dominaram o fim do século XIX. Com os imigrantes, principalmente a partir da década de 1880, não só se substituiu o braço escravo pelo assalariado, mas se estabeleceu de fato contato da população com as culturas europeia e asiática. Até 1900, cerca de 1 milhão de imigrantes entraram no Brasil. "Por volta de 1900, o programa estadual de subsídios custara tão somente 7 milhões de dólares e carreara para o Brasil quase 1 milhão de imigrantes" (Dean, 1971, p. 49).

Com a presença dos imigrantes, o perfil das importações mudou. O até então desconhecido macarrão tornou-se presença permanente nas mesas brasileiras. O trabalhador excedente das lavouras, principalmente de café, foi para as cidades, atraído pela industrialização emergente e pelo comércio. Novas necessidades surgiram, nos hábitos alimentares e no vestuário, as quais incentivaram novos negócios. Isso exigiu novos instrumentos de trabalho, e assim moinhos, tecelagens, frigoríficos e fábricas de bebidas tornaram-se presença constante. Os ingleses e os alemães trouxeram a cerveja, o vermute e o futebol; os italianos, as massas e o vinho. A eletrificação tornou-se indispensável para a industrialização, o que aconteceu no início do século. Veio a necessidade do transporte coletivo, o qual chegou com o bonde.

Já nos primeiros anos do século XX, podiam-se observar as reivindicações dos operários por melhores condições de trabalho e a luta da mulher brasileira por seu espaço profissional.

A saúde pública foi um conceito imposto à força à população. No início do século, o Rio de Janeiro passou por um processo de reurbanização, por exigência do sanitarista Oswaldo Cruz. Grande parte da população pobre teve suas casas destruídas pela administração municipal; centenas de casebres e cortiços foram derrubados, avenidas abertas, esgotos canalizados, a fim de acabar com as epidemias de doenças transmissíveis, como a febre amarela e a varíola. O grande número de desalojados viu-se obrigado a construir barracos de emergência nos morros da cidade. Começaram a surgir as favelas.

Nesse mesmo contexto, em 1904, houve uma verdadeira revolta popular no Rio de Janeiro, com mortos e feridos, contra a vacinação obrigatória antivaríola, outra exigência de Oswaldo Cruz. A população brasileira aprendia duramente a entrar no mundo moderno.

 

 

Os navios e os imigrantes traziam as notícias de fora. Revistas, livros, jornais e cartas chegavam por mar em 14 dias de viagem, com tendências de moda, com ideias políticas, culturais e científicas, incluindo-se aí os primeiros estudos psicanalíticos. Intelectuais brasileiros, artistas, professores, jornalistas e a burguesia também faziam essa ponte. Grandes companhias internacionais de ópera, de teatro, de balé e de circo faziam temporadas em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Belém.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), porém, leva à diminuição dessa movimentação, reduzindo o fluxo de informações.

 

 

O Brasil participou da guerra com um pequeno contingente, inclusive com um batalhão médico. Nesse intervalo, nas grandes capitais, Rio de Janeiro e São Paulo, ocorreu a greve geral de 1917. As ideias do comunismo e do anarquismo circulavam. No final da guerra, a grande epidemia mundial de febre espanhola entrou no país com os soldados que voltaram da Europa, epidemia de que não escapou nem o presidente eleito da República, Rodrigues Alves, que morreu antes de tomar posse.

Como se deu ao redor do mundo, os anos que sucederam à guerra acentuaram as transformações na sociedade brasileira e no modo de desenvolvimento das cidades. Começava a era do rádio, dos automóveis, do cimento armado, do avião. Os intelectuais inquietavam-se, sentindo que a produção artística brasileira estava estagnada, não refletia as preocupações modernas nem representava a nação brasileira. Em 1917, a arte de uma mulher, Anita Malfatti, que expôs seus quadros em São Paulo, dividiu o público em conservadores e os que queriam a arte nova. Em meio aos conservadores, o mais combativo foi Monteiro Lobato.

Essas discussões, entre outros fatores, estimularam a realização da Semana de Arte Moderna, em 1922, verdadeira ruptura com a arte do passado. Seus organizadores eram os modernistas. Sobre eles, Antonio Candido diz: "O que os unificava era um grande desejo de expressão livre e a tendência para transmitir, sem os embelezamentos tradicionais do academismo, a emoção pessoal e a realidade do país" (Candido & Castello, 1997, p. 12).

Nesse momento, o que se buscava eram ideias inovadoras, renovadoras dos modos de fazer, das maneiras de ver e dos estilos de ser. As propostas dos modernistas foram exibidas nos festivais realizados em três noites - 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 - no Teatro Municipal de São Paulo, que ficaram marcadas na história como a data do nascimento do modernismo brasileiro. Nessas três noites foram apresentados trabalhos e performances, com leitura de poesia e prosa, mostra de artes plásticas e execução de números musicais, todos exemplos da nova forma de pensar a arte e de criar.

 

 

Integravam o grupo modernista (contando os que tiveram participação maior ou menor na Semana e os que passaram a gravitar em torno deles) os poetas e prosadores Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Luís Aranha, Graça Aranha, Agenor Barbosa, pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz; os escultores Victor Brecheret e W. Haerberg; os arquitetos Antonio Moya e Georg Przyrembel; e os músicos Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novaes. Foi um movimento de elite, tanto intelectual quanto de classe. O público recebeu as apresentações com estrepitosas vaias. O intelectual milionário Paulo Prado, um dos patrocinadores da Semana de Arte Moderna, disse depois: "Nosso objetivo era justamente assustar a burguesia que cochila sobre a glória de seus lucros" (Folha da Manhã, 1996, p. 117).

Desse grupo, destacam-se dois nomes, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, os principais animadores do movimento, ambos entusiastas divulgadores das novas ideias da psicanálise. Era natural que o modernismo brasileiro, tão atento às vanguardas europeias, especialmente ao futurismo, ao surrealismo e ao expressionismo, tivesse sua atenção despertada pelas ideias freudianas. Isso fica claro numa leitura mais atenta de revistas e textos modernistas das décadas de 1920 e 1930, em que deparamos com frequentes referências à psicanálise. São referências que denotam, muitas vezes, uma compreensão apressada e até mesmo superficial dos conceitos psicanalíticos, que também estavam sendo formulados. Isso remete a uma observação de Alfredo Bosi sobre os textos da revista Klaxon: ele diz que os modernistas "tomaram do surrealismo uma concepção irracionalista da existência, que confundiram cedo com o sentido geral da obra freudiana, que não tiveram tempo de compreender" (2006, p. 341).

Mário de Andrade foi certamente o modernista que melhor compreendeu a psicanálise, usando-a abundantemente em seus textos de maneira fina, arguta e sensível. Leu-a em francês, conforme atestam os livros de Freud encontrados em sua biblioteca, com vários comentários anotados nas margens. Já Oswald de Andrade, à sua maneira iconoclasta, irreverente e anárquica, fez uma apropriação canibalística das ideias freudianas.

Ao se difundir pelo país, o movimento produziu uma série de revistas cujo objetivo era divulgar e discutir as obras modernistas, seus princípios estéticos e ideológicos, possibilitando a eles o acesso a um espaço nem sempre alcançado na imprensa convencional. Eram publicações financiadas por jovens autores e todas tiveram vida curta, apenas o tempo necessário para a discussão das questões relevantes de cada grupo ou o tempo que os recursos financeiros permitiram. Nessas revistas, em que ficam visíveis o espírito vanguardista do modernismo, suas inovações formais e seus ideais estéticos, são também frequentes as referências à psicanálise. Seus editores, jovens cultos, viajados, ótimos leitores, atentos aos movimentos renovadores, não poderiam ignorar a nova concepção da mente humana proposta por Freud, também já dentro do panorama do modernismo europeu.

Em São Paulo, em maio do ano da Semana de Arte Moderna, Antônio Carlos Couto de Barros, Tácito de Almeida, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Oswald de Andrade, Rubens Borba de Morais e Luís Aranha fundam Klaxon: Mensário de Arte Moderna, a primeira revista modernista. Segundo Mário da Silva Brito, "a revista aparece com o objetivo de difundir as ideias do grupo ou de quem por eles fosse aprovado" (1976).

 

 

O nome Klaxon, que se referia a uma buzina estridente de automóvel, também foi escolhido para a revista por representar o espírito da civilização industrial, tão caro ao grupo. "É uma buzina literária, fonfonando nas avenidas ruidosas da arte nova o advento da falange galharda dos vanguardistas. Como todas as buzinas, vai despertar sustos e correrias", define Menotti del Picchia (citado por Schwartz, s.d.).

Em agosto de 1922, o quarto número de Klaxon, que traz textos de Sérgio Buarque de Hollanda, Mário de Andrade e Rubens de Moraes, publica também o poema "Sinfonia em branco e preto", do então terceiranista de medicina Durval Marcondes. Durval, apaixonado por literatura, frequentador do grupo modernista, já havia nesse momento entrado em contato com as ideias da psicanálise por meio do professor Franco da Rocha. Independentemente da qualidade literária de sua produção, a presença de Durval em Klaxon pode ser tomada como um marco do encontro da revolução modernista e da então nascente psicanálise brasileira.

Em 1924, uma caravana de modernistas saiu de São Paulo, com Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Blaise Cendrars, entre outros, para visitar Minas Gerais. Em Belo Horizonte, travou contato com o chamado Grupo da Estrela e conheceu Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Milton Campos, João Alphonsus de Guimaraens e Cyro dos Anjos. Esse encontro foi fundamental para os inquietos e jovens intelectuais mineiros, dando-lhes, nas palavras de Pedro Nava, consciência de sua posição e de sua possível importância, o que dependeria apenas de sua atuação. Em "Recado de uma geração" (1978), Nava reconhece nele o pólen do qual resultou A Revista, publicação criada pelos jovens modernistas mineiros em 1925.

Em agosto desse mesmo ano, o segundo número de A Revista - em que escrevem Carlos Drummond de Andrade e Emílio Moura - traz o artigo do psiquiatra Iago Pimentel "Sobre a psicanálise", no qual, logo de início, ele observa ser essa teoria "tão divulgada, tão mal conhecida e tão mal interpretada" (1925, p. 14). Procura, então, transmitir alguns conceitos básicos, como inconsciente, resistência e impulso, e "o papel que Freud entrega ao instinto sexual" (p. 15). A esse artigo se seguiu, no terceiro número de A Revista, a publicação da primeira parte de Cinco lições de psicanálise, tradução do original alemão das conferências de Freud na Clark University, em 1909. A continuação dessa tradução, anunciada para o número seguinte, nunca seria publicada, porque A Revista acabou no terceiro número. Como todas as outras revistas modernistas, teve vida curta. Curtos também eram os recursos de seus jovens financiadores e editores.

O fato de tanto o artigo quanto a tradução não serem lembrados como parte da história da psicanálise brasileira pode ser atribuído à publicação em uma revista literária, na ainda provinciana Belo Horizonte dos anos 1920. Mas a publicação de um texto psicanalítico numa revista que se declara nacionalista, dedicada a uma "ação intensiva em todos os campos: na literatura, na arte, na política" ("Para os céticos", 1925, p. 12), e que se propõe a colaborar na tarefa de "humanizar o Brasil" (p. 13), demonstra como a psicanálise fazia parte do universo modernista.

É A Revista que abriga o texto do culto psiquiatra, leitor de Goethe e Freud no original, Iago Pimentel. Como o próprio nome sugere, ele era filho de um apaixonado por Shakespeare e cultivava a mesma paixão do pai: suas filhas se chamavam Desdêmona e Ofélia. Médico do Hospital Psiquiátrico Raul Soares, foi autor de dois livros de psicologia geral, nos quais várias gerações de psicólogos, pedagogos, professores e psiquiatras estudaram, entre eles Antonio Candido, que conheceu Pimentel em aulas do Instituto de Educação de Belo Horizonte e que se recordava do mestre com simpatia.

Pedro Nava, em seu livro de memórias Beira-mar (1978/2003), numa emocionada narrativa da história de sua geração, inclui nela Iago Pimentel. Comentando o interesse de A Revista na divulgação dos movimentos de vanguarda europeus, diz que "Iago Pimentel difundia inauguralmente em nosso estado ensinamentos sobre a psicanálise e Freud" (p. 247).

A tradução das Cinco lições de psicanálise publicada em A Revista antecede em seis anos a tradução de Durval Marcondes para a Companhia Editora Nacional (depois reeditada na Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud), considerada até recentemente a primeira tradução de um texto de Freud no Brasil.

Voltemos um pouco no tempo.

Viena, 1899: Freud está terminando de escrever seu livro fundamental A interpretação dos sonhos, que será publicado em 1900.

Salvador, 1899: Juliano Moreira, negro, de origem muito modesta, filho de uma empregada doméstica, cita as teorias de Freud na cátedra de doenças nervosas, que ocupava na Faculdade de Medicina da Bahia.

Segundo Maria de Fátima V. de Vasconcellos, em sua dissertação Mestre Juliano: o fundador da psiquiatria no Brasil (1998), ele foi uma criança precoce. Ajudado pelo patrão de sua mãe, um barão, benfeitor da Faculdade de Medicina da Bahia, entrou nessa instituição aos 13 anos, formando-se aos 19, aprendendo alemão, francês e inglês por conta própria. Médico muito dedicado ao estudo e ao trabalho, contraiu tuberculose, doença gravíssima na época, e foi tratar-se na Alemanha. Lá continuou seus estudos, entrando em contato com as primeiras ideias de Freud, que muito o impressionaram. De volta ao Brasil, foi aprovado num concurso para professor na faculdade em que estudou. Ao incluir as ideias freudianas em suas aulas, tornou-se possivelmente a primeira pessoa a falar delas no Brasil.

Nessa mesma dissertação encontramos que, em 1903, a convite de seu ex-aluno Afrânio Peixoto, Juliano se transferiu para o Rio de Janeiro, onde assumiu a direção do Hospital Nacional dos Alienados. Seu trabalho nessa instituição, em que desenvolveu a concepção da doença mental como resultado de fatores orgânicos, psicológicos e ambientais, e sua influência na organização da assistência à doença mental no país o levaram a ser considerado o fundador da psiquiatria no Brasil.

 

 

Sua personalidade, em que se combinavam a firmeza do chefe com a ternura do médico amigo, foi bem retratada por Lima Barreto. O escritor, que fora duas vezes internado no Hospital Nacional dos Alienados, escreveu em Diário do hospício:

fui à presença do doutor Juliano Moreira. Tratou-me com grande ternura, paternalmente, não me admoestou, fez-me sentar a seu lado e perguntou-me onde queria ficar. Disse-lhe que na seção Calmeil. Deu ordens ao Santana e, em breve, lá estava eu. (1993, p. 27)

Dotado de espírito renovador e enorme capacidade de trabalho, tornou-se um grande chefe de escola médica, influenciando profundamente seus alunos. Entre eles, estão o já mencionado Afrânio Peixoto, neurologista e diretor do Hospital Nacional dos Alienados, Antônio Austregésilo, catedrático de neurologia, Leitão da Cunha, mais tarde titular de anatomia patológica e um dos fundadores da Universidade do Brasil, Fernandes Figueira, grande pediatra, Miguel Pereira, que se dedicou à cirurgia, Júlio Pires Porto-Carrero, catedrático de medicina legal, e Murillo de Campos, psiquiatra. Sob a influência do mestre Juliano, esse grupo, ao qual foram se juntando figuras de outras áreas, desenvolveu um interesse acentuado pela psicanálise. Juliano Moreira estabeleceu-se como um nome importante no universo cultural do Rio de Janeiro, mantendo em sua casa uma espécie de salão, frequentado por intelectuais, cientistas, diplomatas e visitantes estrangeiros (Lopes, 1964).

Em seus livros, o médico mineiro Silva Melo faz interessantes relatos dessas reuniões, em que se discutiam os temas importantes da época, entre eles a psicanálise. Silva Melo teve uma trajetória semelhante à de Juliano Moreira: de família pobre, conseguiu com dificuldade estudar medicina, indo posteriormente fazer uma especialização na Alemanha. Lá, ouviu falar dos trabalhos de Freud, pelos quais muito se interessou, a ponto de incluir em seus livros algumas noções freudianas.

A observação de certas obras publicadas nesse período mostra que, mesmo com as dificuldades de comunicação da época, os membros desse grupo conseguiam acompanhar razoavelmente as ideias psicanalíticas. Nisso foram auxiliados pelas viagens de estudo à Europa, realizadas por vários deles, e pelo fato de o alemão ser, na época, uma língua frequentemente aprendida pelas pessoas mais cultas. Apesar da origem modesta de quase todos, as viagens se tornaram possíveis graças às carreiras brilhantes que desenvolveram. Além das leituras e dos debates, os membros desse grupo começam a mencionar a psicanálise em seus escritos, e pouco a pouco surgem textos e livros específicos sobre o tema. Torna-se frequente que, nessas obras, um deles comente, cite ou prefacie o trabalho do outro, o que é um indicador da circulação das ideias.

Provavelmente o primeiro texto psicanalítico publicado no Brasil é o de Genserico Aragão de Souza Pinto, médico cearense que em 1914 apresentou, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, na cadeira de doenças nervosas, a tese Da psicanálise: a sexualidade nas neuroses, aprovada com distinção. Tal fato muito contribuiu para a recepção da psicanálise nos anos que se seguiram. Essa tese passou alguns anos desaparecida e foi divulgada por Hannes Stubbe, professor da área de psicologia antropológica na Universidade de Colônia e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Stubbe foi um grande conhecedor do Brasil e ocupou diferentes cargos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Na introdução da tese, Genserico conta que o tema foi sugestão de seu professor Antônio Austregésilo. Na dedicatória diz:

Ao prof. Austregésilo, pois, ao mestre e ao amigo, todo o coração agradecido do seu interno, que muito o respeita e admira.

Ao notável psiquiatra e psicanalista prof. Juliano Moreira somos imensamente gratos pelo grande interesse que tomou pelo presente trabalho.

No proêmio da tese, o autor faz um comentário sobre a importância da doutrina de Freud e descreve em linhas gerais como essas ideias foram se expandindo por todo o mundo. Diz que no Brasil "nenhum trabalho sobre o assunto foi ainda publicado e o desconhecimento da psicanálise é aqui atualmente quase total" (p. 3).

Mais adiante, encontramos referências ao grupo que frequentava:

O prof. Juliano Moreira, o prof. Austregésilo, o prof. Henrique Roxo, como ilustres cultores que são da psicologia e da neuriatria, não poderiam deixar de dirigir a sua atenção sobre a doutrina freudiana.

O prof. Juliano Moreira tem estudado com apuro a matéria e preparou uma série de conferências para a Sociedade de Neurologia e Psiquiatria do Rio de Janeiro. Infelizmente, porém, apenas a primeira delas foi até hoje realizada, o que nos impediu de colher mais preciosos ensinamentos sobre o método de Freud.

Também o prof. Austregésilo, a cujo espírito arguto e afeito às altas questões científicas nada escapa, embora não seja ainda um adepto incondicional e absolutista da teoria de Freud, tem na sua vida clínica uma série infinita de observações de estados neuropáticos dependentes das desordens psicossexuais.

Deveremos citar ainda o prof. Fernandes Figueira, notável pediatra, a quem a teoria da sexualidade infantil não poderia passar despercebida, manifestando-se sob a forma dos diversos instintos afetivos. As suas pesquisas particulares, de alta valia, confirmam precisamente as ideias do grande psicólogo de Viena. (p. 4)

No final desse proêmio, Genserico faz uma síntese dos objetivos de seu trabalho:

Não nos foi absolutamente possível entrar no estudo minucioso da análise dos sonhos, da associação de ideias e dos gestos de vida comum, sendo nosso fim apenas expor sumariamente a concepção de Freud quanto à causa e ao desenvolvimento das diversas neuroses, explicando sua sintomatologia e deduzindo daí os meios lógicos de cura psíquica. Ficaremos, pois, satisfeitos se conseguirmos esse resultado. (p. 4)

Faz também uma breve síntese das ideias de Freud, detendo-se especialmente naquelas referentes ao papel da sexualidade e à etiologia das neuroses. Com essa base teórica, no capítulo "Observação", relata cinco casos clínicos, descrevendo a história das pacientes e de seus sintomas, havendo mesmo certa abordagem terapêutica, ainda que incipiente. Quatro desses casos foram atendidos pelo autor e um deles por Juliano Moreira. No final do relato desse último, Genserico diz explicitamente: "O prof. Juliano Moreira estabeleceu o tratamento psicanalítico e a doente acha-se em via de cura" (p. 105).

Será essa a primeira tentativa de aplicação clínica da psicanálise no Brasil? Em outro capítulo, "Proposições", o autor conceitua terapêutica e clínica de doenças nervosas, mantendo-se sempre dentro do mesmo referencial teórico.

Antônio Austregésilo nasceu em Pernambuco, no ano de 1876. Indo para o Rio de Janeiro, formou-se pela Faculdade de Medicina em 1898 e tornou-se médico do Hospital Nacional de Alienados. Trabalhou como professor substituto na Clínica Médica do Rio de Janeiro, em 1904, e também na Clínica de Neurologia. Foi presidente da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Letras, uma vez que tinha grande interesse pela literatura.

Como Juliano Moreira, Austregésilo tornou-se chefe de escola e fez uma bela carreira, sendo seu nome reconhecido internacionalmente. Participou de muitos congressos e realizou conferências na Europa, onde provavelmente ampliou as informações que recebera de Juliano sobre a psicanálise.

Publicou inúmeros trabalhos científicos na área da neurologia e alguns livros em que abordou os conceitos da psicanálise, ainda que com uma compreensão superficial. Entre eles, estão Pequenos males (1916), Cura dos nervosos (1919) e Psiconeurose e sexualidade (1921).

Medeiros e Albuquerque, nascido em 1867, poeta, crítico literário, jornalista, foi colaborador de numerosos jornais e revistas. Fez muitas viagens para a Europa, onde teve a oportunidade de entrar em contato com a medicina e o hipnotismo, interessando-se posteriormente pelas ideias de Freud.

Nessa época era costume fazer conferências públicas para as quais se cobrava ingresso, sobre os mais variados assuntos, com grande sucesso. Nelas, eram utilizados muitos recursos, como dança, música, leitura de trechos de prosa em outros idiomas, tudo para manter a atenção do público.

Medeiros e Albuquerque começou a organizar conferências nessa linha. Com o dinheiro que ganhava, publicava-as em livro. No volume O hipnotismo e suas aplicações (1919/1926) encontramos o texto "A psicanálise", no qual trata da teoria de Freud e de suas relações com o hipnotismo. Há ali uma interessante nota de rodapé em que ele comenta ter enviado um trabalho a Freud, obtendo dele uma resposta. Essa carta de Freud ainda não foi localizada, mas existe atualmente uma pesquisa com esse objetivo (Coordenação da Divisão de Documentação e Pesquisa da História da Psicanálise da SBPSP).

Com o passar dos anos, foi crescendo o número de trabalhos sobre as ideias de Freud referentes à psicanálise. Medeiros de Albuquerque, que havia entrado em contato com elas em seu período europeu, abordava-as nas várias conferências públicas que organizava e também as publicava em livros.

Júlio Pires Porto-Carrero, pernambucano nascido em 1887, transferiu-se para o Rio, onde foi catedrático de medicina legal na universidade e membro honorário da Academia Nacional de Medicina.

Interessado na teoria psicanalítica, estudou alemão com o objetivo de ter acesso a ela no original, sendo incentivado por Juliano Moreira, que o auxiliou na compreensão dos conceitos. Num discurso que fez na Academia Nacional de Medicina em homenagem a Juliano Moreira, falecido havia pouco tempo, Porto-Carrero manifestou sua gratidão a ele (Perestrello, 1992).

Foi autor de vários livros sobre psicanálise, entre eles Ensaios de psicanálise, que dedicou a Freud: "A Sua Ex.ª o senhor professor Sigmund Freud - veneração pelo seu vulto de sábio - gratidão pelo acolhimento dado a meu esforço" (1929/1934a).

Porto-Carrero enviou a Freud um exemplar da primeira edição e recebeu dele uma resposta datada de 13 de maio de 1929, publicada como abertura da segunda edição:

O acaso também pode ser digno de estima. Os seus belos ensaios, a mim dedicados, chegaram-me exatamente a 5 de maio e foram para mim o mais valioso presente de aniversário. O Dr. Eitingon, de Berlim, estava de visita a minha casa e pude mostrar-lhe a sua carta: alegramo-nos com as boas notícias dos jovens do grupo brasileiro e admiramo-nos da qualidade de temas que o seu livro tomou em consideração. (1929/1934a, pp. 5-6)

Em Grandeza e misérias do sexo, Porto-Carrero afirma:

Renovando-se em cada indivíduo o complexo de Édipo, é bem de ver que o conflito ancestral toma a forma atual, individual, infantil; e, transformando o complexo de Édipo, pela sua instância paterna, em superego, o sentimento de culpa a ele inerente e derivado da repressão do pai vai encontrar nova fonte na nova instância censora derivada deste. (1934b, p. 118)

Arthur Ramos nasceu em Alagoas, em 1903, formando-se em 1926 na Faculdade de Medicina da Bahia. Exerceu a psiquiatria em Salvador e mais tarde no Rio de Janeiro, desenvolvendo grande interesse por antropologia, etnologia e psicanálise, disciplinas nas quais se tornou autor e professor.

Bastante culto e poliglota, teve acesso a várias publicações psicanalíticas no original. Em seu consultório, trabalhou durante muitos anos com o método psicanalítico, e foi autor de inúmeras obras nessa área, entre elas Estudos de psicanálise (1931), O movimento psicanalítico (1933), Educação da psicanálise (1933), Psiquiatria e psicanálise (1933), Freud, Adler e Jung: ensaios de psicanálise ortodoxa e herética (1933) (Perestrello, 1992).

Seus estudos e pesquisas em religiões e folclore negro o tornaram conhecido internacionalmente como uma das maiores autoridades em africano-logia. Na interface dessa área com a psicanálise, produziu um trabalho de tema original: "O mito de lemanjá em suas raízes inconscientes" (1932), infelizmente, de difícil localização hoje.

Enviou a Freud vários de seus trabalhos (entre eles, o último citado), que sempre os agradecia em cartas afetuosas.

Interessava-se muito também por literatura, publicando em 1926 o texto "Augusto dos Anjos à luz da psicanálise". Esse interesse o levou a aproximar-se de Mário de Andrade, mantendo com ele uma correspondência na qual um tema frequente era a psicanálise.

No dia 20 de março de 1919, o jornal O Estado de S. Paulo publicou o artigo "Do delírio em geral", no qual, ao estudar a origem dos fenômenos delirantes, o autor dizia:

Estamos em pleno domínio das ideias de Freud. ... O sonho nos dá a conhecer o que existe no consciente e no subconsciente. Para chegar a esse conhecimento, entretanto, faz-se mister minuciosa e hábil interpretação de seu simbolismo esotérico; sem isso, o sonho nada diz. (p. 5)

Esse autor era Francisco Franco da Rocha, o primeiro professor de clínica neuropsiquiátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, fundador do Hospital do Juquery, e o artigo era o texto de sua aula inaugural do curso de psiquiatria da mesma faculdade. Franco da Rocha também foi autor do livro Opansexualismo na doutrina de Freud (1920), que causou escândalo nas áreas mais conservadoras da medicina da época.

O artigo publicado n'O Estado de S. Paulo interessou profundamente a um jovem aluno da Faculdade de Medicina, interesse que foi aprofundado pela leitura de O pansexualismo na doutrina de Freud. O aluno, Durval Marcondes, tinha então 20 anos e cursava o primeiro ano; o professor Franco da Rocha tinha 55 anos e se aposentaria logo depois. Não houve tempo para que fossem efetivamente professor e aluno, mas mesmo assim se aproximaram e começou ali uma relação fundamental para a história da psicanálise no Brasil. Essa relação, que se baseava no interesse comum pela nova disciplina, foi ajudada por uma situação de vizinhança: Franco da Rocha morava perto da família de Durval, tendo sido uma pessoa da relação de seus pais. Esse encontro foi fundante para a institucionalização da psicanálise brasileira. Sentindo-se já envelhecido, Franco da Rocha estimulou seu jovem aluno a desenvolver a luta pela psicanálise aqui. Durval envolveu-se profundamente nela, transformando-a na tarefa central de sua vida. E, a partir daqui, a história já é nossa velha conhecida.

 

Referências

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Correspondência:
Maria Angela Gomes Moretzsohn
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Recebido em 22.02.2018
Aceito em 08.03.2018

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