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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.52 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

 

RESENHAS

 

Teaching Bion: modes and approaches1

 

 

Gustavo SoaresI; Maria de Lourdes FosterII; Martha Chagas RibeiroII

IPsiquiatra e psicanalista. Membro associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Membro pleno do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEPdePA). Autor do livro W. R. Bion: a obra complexa, com Arnaldo Chuster e Renato Trachtenberg
IIPsicóloga e psicanalista. Membro pleno do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEPdePA)

Correspondência

 

 

Editora: Meg Harris Williams
Editora: Karnac, London, 2015, 256 p.
Resenhado por: Gustavo Soares, Maria de Lourdes Foster e Martha Chagas Ribeiro

 

 

Agradeço aos editores da Revista Brasileira de Psicanálise o convite para fazer a resenha de Teaching Bion: modes and approaches, e em especial ao doutor Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho pela sugestão de que coubesse a mim resenhar esta obra. O doutor Junqueira Filho é hoje um grande colega, a quem admiro pela trajetória e pelo trabalho em difundir o pensamento de Bion no Brasil. Ele escreveu um belo artigo para este volume.

O livro versa sobre o pensamento de um autor que tenho me ocupado em ler, entender e "experienciar" nos últimos 20 anos, coordenando grupos de estudo, seminários, cursos e escrevendo artigos e livros - autor que muito me tem acompanhado em minha clínica. Os leitores terão a oportunidade de entrar em contato com as reflexões de colegas de vários países através de seus textos, que colaboram para a transmissão e difusão do pensamento de Bion e, logo, da psicanálise. Cumprimento Meg Harris Williams do The Harris Meltzer Trust pela iniciativa e pelo projeto.

Nesta difícil tarefa, contei com a valiosa colaboração das psicanalistas Maria de Lourdes Foster e Martha Chagas Ribeiro, do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (cEpdePA), amigas e colegas em muitos seminários e grupos de estudo do pensamento de Bion, e a elas atribuo a coautoria.

O livro, editado por Meg Harris Williams e publicado pelo The Harris Meltzer Trust através da Karnac, foi escrito em inglês e ainda não conta com uma tradução para o português ou para qualquer outra língua.

Ele faz parte de um projeto que tem como objetivo difundir e ensinar uma psicanálise pós-kleiniana, já tendo sido publicado Ensinando Meltzer. Esse projeto é importante para o desenvolvimento da psicanálise, já que estamos falando de um modelo de pensar a psicanálise que vai de Freud a Klein, e daí suas raízes em Meltzer, Bion, Winnicott, passando por muitos autores contemporâneos, como J. Grotstein, T. Ogden, A. Ferro, A. Chuster, P. C. Sandler, L. C. U. Junqueira Filho e tantos outros que não teria espaço para nomear aqui. Ressalto, no entanto, os autores dos artigos aqui resenhados, uma vez que todos difundiram essas ideias pelo mundo.

Os autores são conhecidos no círculo psicanalítico internacional e são apresentados no início do livro. Cito aqui, para nosso conhecimento, seus nomes, sua procedência e a que instituição se filiam.

São eles: Antonello Correale (Italian Psychoanalytic Society); Angel Costantino (Psychoanalytic Association of Buenos Aires); Gertraud Diem-Wille (Viennese Psychoanalytic Society); Charles W Dithrich (Psychoanalytic Institute of Northern California); Michael Eigen (National Psychological Association for Psychoanalysis); Dawn Farber (Psychoanalytic Institute of Northern California); Dorothy Hamilton (Association for Group and Individual Psychotherapy); Martha Harris (British Institute), trabalhou muito próxima de Klein e Bion na Tavistock Clinic; Robert Harris (Institute of Group Analysis); R. D. Hinshelwood (British Psychoanalytical Society); Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho (Brazilian Psychoanalytical Society of São Paulo); Howard B. Levine (Psychoanalytical Institute of New England East); Chris Mawson (British Psychoanalytical Society); Claudio Neri (Italian Psychoanalytic Society); Lee Rather (Psychoanalytic Institute of Northern California); Igor Romanov (Ukrainian Psychoanalytic Society e Kharkiv Psychoanalytic Society); Leandro Stitzman, coordenador de grupos de estudo sobre Bion no Brasil, na Argentina, no Chile e na Colômbia, e organizador dos Jogos Bionianos; Meg Harris Williams, profunda leitora de Bion na Inglaterra e autora de diversos artigos sobre o pensamento dele.

Todos são psicanalistas experientes, com uma longa trajetória na psicanálise e na leitura de Bion. Desde já, fazemos uma advertência: não é um livro para iniciantes, pois não se trata de discutir a teoria, assim como não se encontra nada no volume que seja novo em relação ao pensamento de Bion, porque não é esse o objetivo maior. A importância dessa obra consiste em cada autor poder relatar sua experiência na coordenação de seminários, grupos de estudo, cursos e supervisões, o que permitiu que desenvolvessem um modelo próprio de transmitir as ideias bionianas.

O eixo central do livro consiste em como ensinar o pensamento de Bion aos que desejam conhecê-lo. Partindo dessa premissa, os autores abordam o modelo psicanalítico proposto por Bion baseados em sua visão particular.

Pensamos que, ao expor o modelo psicanalítico de Bion, é preciso abolir a divisão didática de sua obra em fases, muito utilizada pelos que a estudam ou ensinam, e adotar uma visão evolutiva. Em toda a sua obra, Bion levanta questões, dialoga com seus leitores (psicanalistas analisados), indica um problema (teórico ou técnico), sempre com a ideia de que tudo o que escreve pode ser aplicado na clínica, e o que não servir a esse objetivo que seja descartado. Desse modo, sua obra se desenvolve através de saltos em seu pensamento, que produzem novas aberturas e novas questões. Com isso, a leitura está sempre voltada para o crescimento, como acontece numa análise. Não nos identificamos com a ideia de fases, pois ela sugere que uma fase acaba e outra se inicia, o que é um equívoco. Só para citar um exemplo: os primeiros trabalhos de Bion, os estudos com grupos, permanecem presentes em seu pensamento, de alguma forma, até seus últimos escritos.

Outra vantagem em adotar a noção de saltos em seu pensamento reside no fato de que esses saltos traduzem a importância única da obra de Bion e contemplam as diferenças teórico-clínicas em relação aos demais autores.

Os autores deste livro seguem essa premissa, e cada qual, pela sua experiência, escolhe os escritos de Bion que revelam saltos evolutivos, marcando diferenças e continuidades em seu pensamento. Outra característica dos artigos é a escolha de textos de Freud e Melanie Klein para iniciar os seminários, igualmente mostrando continuidades e diferenças. Dessa forma, seguem divulgando a construção do pensamento de Bion e sua interlocução com os pioneiros. Incluem-se ainda, nos estudos, pensadores que não são psicanalistas, de outras áreas da ciência, revelando como Bion também se apoiou em modelos da matemática geométrica, da física quântica, da química e da filosofia.

Há um ponto em comum nos métodos de ensino propostos: é necessário o saber sobre, mas indo em direção ao sabendo, ao crescimento com a experiência vivida através das leituras. Bion sempre mencionava que ele escrevia para analistas praticantes que podiam identificar e sentir as emoções despertadas na leitura, tal qual numa sessão de análise, e esse aspecto encontra-se em todos os textos, como uma recomendação para quem ministra seminários sobre Bion.

Nesse sentido, o livro torna-se importante aos que se ocupam de transmitir o pensamento de um autor como Bion.

O que cada um dos autores sugere como um programa de curso ou seminário segue, de forma geral, o que consideramos, na obra de Bion, o pilar teórico (a teoria do pensar) e o pilar técnico (o artigo "Notas sobre memória e desejo"). Entre os dois pilares, os textos Aprender da experiência, Elementos de psicanálise e Transformações, seguidos por Atenção e interpretação, "Cesura" e a trilogia Uma memória do futuro.

Ler e estudar Bion hoje requer do leitor que adote uma perspectiva que inclua o objeto complexo (Morin), pois sabemos o quanto Bion antecipou o paradigma da complexidade. A adoção dessa atitude implica que o estudante leitor assuma o que Bion nomeia de capacidade negativa, o poder de tolerar as incertezas que o desconhecido apresenta. No livro, é senso comum entre os autores a adoção dessa atitude.

O volume abre com o artigo de Chris Mawson: "Wilfred Bion: pensador clínico". Mawson, em sua metodologia de ensinar Bion, inicia seu artigo com uma citação de Bion retirada de uma carta que ele escreveu para a filha Nicola: "Certos livros não devem ser apenas 'lidos'; deve-se buscar uma experiência emocional ao lê-los" (p. 1), o que já adverte para o quanto pode ser difícil a leitura de seus textos.

Outra citação vem da introdução de Aprender da experiência:

Se o leitor encontra algumas coisas obscuras, que não lhe são familiares, e ele procura entendê-las, busca algo familiar, ele na verdade não deve parar a leitura, mas sim prosseguir mesmo que não entenda, porque mais adiante encontrará um sentido por ele próprio. (p. 1)

Essas citações servem para Mawson mostrar que o leitor de Bion precisa ter uma atitude mental bastante próxima da escuta das comunicações de um paciente na relação analítica. O trabalho, na leitura, precisa ser digerido de maneira muito parecida a uma experiência emocional.

Estimula os alunos a trazer material clínico, de modo que as ideias que foram discutidas e que permaneceram em repouso possam se integrar à clínica.

Os conteúdos por ele propostos buscam apresentar as origens e a evolução do pensamento de Bion. Para isso, utiliza textos de Freud, Klein, Rosenfeld, Hanna Segal, Edna O'Shaughnessy, Francesca Bion, Britton, Steiner, entre outros pós-kleinianos.

Procura evidenciar a relação entre a regra fundamental da atenção flutuante e a ideia de sem memória, sem desejo e sem necessidade de compreensão.

A escolha dos textos serve para mostrar a evolução dos conceitos-chave de Bion: continente-contido, oscilação entre a posição esquizoparanoide e a depressiva, elementos alfa, elementos beta, função alfa, os vínculos L, H, K e seus negativos, capacidade negativa, paciência e segurança, o pensar. Dessa forma, aponta a evolução do pensamento de Bion, indo de Freud até os psicanalistas britânicos pós-kleinianos contemporâneos.

Em "Intermediador", Claudio Neri afirma que, em vez de se colocar no lugar de estar ensinando Bion, considera-se uma espécie de "intermediador" entre os estudantes e a obra do autor. Para ele, Bion tem um pensamento moderno, futurista, sério, e é cheio de ironia e humor.

Neri apoia-se em quatro princípios ao ensinar Bion: considerar o mais difícil como o melhor - nos textos de Bion em que as ideias aparecem de formas diferentes, mas com o mesmo sentido, ele escolhe o mais difícil, que para ele se aproxima mais do significado que Bion queria transmitir; ler o texto em profundidade, não apenas o título (slogan); entender que não somos bionianos ou kleinianos, mas sim nós mesmos, como o que somos na sessão; e evitar a arrogância.

Antonello Correale escreve "Identificando-se com uma inquietação existencial". Seu pensamento consiste em considerar ensinar com profundidade como colocar coisas dentro de nós, diferentemente de uma simples transmissão de conhecimento. Ele considera Bion um estudioso e psicanalista, e isso para ele é uma função ética de buscar a verdade, sendo que verdade para Bion é a coragem para termos nossos próprios pensamentos, produtos da nossa mente, muitas vezes bizarros, incomuns ou indesejáveis.

A verdade é um convite para sermos nós mesmos, o que significa, principalmente, não recuar diante do que aparece em nossa mente.

Ele frisa ainda que, sem conflito entre o conhecido e o desconhecido, o crescimento do conhecer é impossível. Refere que uma intelectualização do discurso psicanalítico afeta o modo de ensinar Bion, por não ligar as emoções aos objetos. A matematização é outro aspecto que afeta o ensinar Bion. Segundo Correale, Bion usa a matemática para buscar os pontos essenciais, os princípios básicos da psicanálise, os elementos de psicanálise. A matematização significa estudar como nossa mente produz e organiza pensamentos, como eles são contextualizados e como se tornam visíveis para os outros e para nós mesmos.

O texto de Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho intitula-se: "Ensinando Bion, vivendo a vida". Nesse belo artigo, Junqueira lembra o período em que começou a ensinar Bion, pelos idos de 1984; fala de sua preocupação em transmitir a essência dos textos de Bion e de sua sorte de ter sido analisado por alguém que se analisou com Melanie Klein e depois com o próprio Bion, e que foi um dos grandes responsáveis por difundir o pensamento de Bion em São Paulo.

Remete os leitores ao livro autobiográfico de Bion, The long weekend, no qual o psicanalista experiente mostra como alguém nascido na Índia sobrevive emocionalmente numa escola pública da Inglaterra, e depois, imerso na Primeira Guerra Mundial, emerge como um herói de guerra. Junqueira acredita que essa cesura criou uma matriz importante para a preconcepção nas formulações psicanalíticas do autor.

No artigo, Junqueira resume seu encontro com as ideias de Bion, indicando como entende cada uma delas e, depois, como transmiti-las. Com esse intuito, ele perpassa praticamente toda a obra de Bion. Destaco tópicos que entendo de alta relevância pontuados pelo autor.

Inicia com os Estudospsicanalíticos revisados, que contêm o trabalho que Bion apresenta para se tornar membro da Sociedade Britânica de Psicanálise, "O gêmeo imaginário" (1953). Os artigos desse livro têm uma forte influência kleiniana. A seguir, refere os trabalhos Aprender da experiência (1962), Elementos de psicanálise (1963) e Transformações (1965). Depois, remete aos comentários de Bion na reescrita dos Estudos psicanalíticos revisados, com a mudança de vértices importantes.

Em Aprender da experiência, destaca a relevância da experiência emocional como forma de conhecimento; em Elementos de psicanálise, a importância de observar os elementos psicanalíticos em sua dimensão do sensório, do mito e da paixão; em Transformações, assinala que Bion não cria outra teoria psicanalítica, mas constrói uma aproximação crítica para a experiência clínica, em que surgem os movimentos do analista de observação para a interpretação em direção a O.

Posteriormente, já nos comentários dos Estudos psicanalíticos revisados, enfatiza a importância de evocar não o passado, mas as expectativas de futuro. O fato psicanalítico sempre irá incluir a noção de direção para a capacidade de ter a melhor representação de passado e futuro, e a clínica psicanalítica sofre quando se impregna com ideias de cura, baseadas no princípio do prazer e em experiências sensoriais.

Entende Junqueira que a questão da natureza da comunicação emocional e o problema em descrevê-la estão no centro de como nós ensinamos o pensamento de Bion.

Outro aspecto a que Junqueira alude é a liberação da cientificidade, porque o nosso objeto de estudo é a mente do humano. Bion, assim como Freud, tinha no início uma preocupação com a cientificidade da psicanálise; depois, foi se preocupando menos com isso, principalmente em Uma memória do futuro.

Junqueira, em seus seminários, aborda todos os conceitos essenciais do pensamento de Bion, algo difícil de descrever nesta resenha. O leitor encontra no artigo uma ótima recomendação de textos e uma metodologia baseada em sua larga experiência no ensino de Bion.

"Construindo um 'Bion continente'" é o texto de Lee Rather. Em seus seminários, o autor aborda os conceitos fundamentais de Bion. Inicia com conceitos que considera mais "amigáveis", como teoria do pensar, ataques ao vínculo, função alfa e continente-contido; depois, apresenta aqueles intermediários em dificuldade, como O, dream-work-alpha, barreira de contato e reversão da perspectiva; por fim, os mais avançados: a grade, transformação em alucinose, o místico e o grupo, e tela beta.

Rather considera fundamental estabelecer as diferenças entre Freud, Klein, Winnicott e Bion. Ademais, em seu método de transmissão, dois aspectos estão presentes: não adotar certezas absolutas e sentir a teoria.

Conclui com algo que acredito ser muito importante: ao final de uma análise, você sabe menos proporcionalmente de sua mente estendida do que você sabia no começo.

"Mantendo uma relação para O", Charles W Dithrich. O autor ensina Bion há mais de 30 anos. Refere que sua intenção sempre foi sustentar um clima em que se possa atingir e manter um estado de mente em direção a O, e associa isso a sua função como psicanalista. Essa atitude produz, no grupo, engajamento emocional, curiosidade, espontaneidade, criatividade e respeito à verdade emocional, e, como O não pode ser totalmente conhecido, mas mantendo O na mente, desenvolve um senso de humildade.

"Grupos de estudo", Angel Costantino. Em seu trabalho, Costantino considera que sua principal função, como líder de um grupo de estudo, é a seleção de tópicos para observação e discussão, sem nenhuma meta específica que não seja a de facilitar o progresso do grupo. Entre as dificuldades apontadas pelo autor no estudo de Bion, está o fato de que, na América Latina, não existe suficiente familiaridade com os escritos de Shakespeare, Milton e Lewis Carroll para reconhecer alusões intercaladas aleatoriamente, e a maioria dos leitores não tem suficiente conhecimento filosófico, matemático, teológico, científico etc., para seguir todas as referências de Bion em seus textos.

Em "Listras de tigre e vozes de estudantes", Michael Eigen escreve sobre a história de seu encontro com Bion e de como isso influenciou sua vida e suas publicações. Refere ele: quando eu ensino Bion, Bion me ensina. Relata sua experiência em ensinar Bion: encontra estudantes que precisam de uma visão histórica geral, e recomenda leituras para isso; em seminários em que os alunos desejam mergulhar na obra de Bion, utiliza-se das propriedades evocativas de palavras selecionadas ou frases, e os estudantes respondem ao seu convite. Pergunta-se se Bion, cujo trabalho está tão ligado ao sentido de evolução, procura o absoluto, e escreve que psicanálise em si é apenas uma listra de tigre; em última análise, pode encontrar o tigre - a coisa em si - O. Na sequência final do texto, dá voz a seus estudantes, que escrevem sobre a experiência de aprender/ensinar Bion.

"Metodologia para seminários clínicos", Howard B. Levine. Segundo o autor, ensinar Bion, assim como fazer análise, é um empreendimento subjetivo. Prefere não ensinar conteúdos específicos. Antes, tenta recriar a experiência da sessão analítica em encontros clínicos, através de exercícios que chama de dreaming the patient into being, utilizando uma analogia surpreendente com a prática do jazz, que ele vivenciou muitos anos atrás como estudante de saxofone. Segue o modelo de Bion, centrado mais no processo do que no conteúdo.

"Wilfred Bion: um modelo para montar", Leandro Stitzman. Em seu complexo artigo, Stitzman parte destas premissas: ensinar Bion é ensinar psicanálise; aprender Bion é aprender a psicanalisar. Discorre sobre a necessidade de o leitor de Bion ter muita generosidade mental e temporal. Para ele, ensinar Bion requer que aquele que aprende aprenda da experiência. Não se trata de transmitir de maneira enciclopédica uma série de conhecimentos, mas, parafraseando Julio Cortázar, oferecer um modelo para montar. Stitzman propõe que o importante, ao lidar com a transmissão do pensamento bioniano, é ter como referência que as respostas dadas às inquietudes dos estudantes de Bion devem estar orientadas a delinear um campo de ignorância, e não a satisfazer a voracidade de conhecimento tranquilizador.

"Ensinando os ensinamentos de Bion", R. D. Hinshelwood. O autor desenvolve seu artigo em nove tópicos: Introdução; Tópicos e tensões; Pensamento de grupo; Professores como ouvintes; Moda e substância; Ensinando intuição; Catástrofe e conhecimento; Paz depois da catástrofe; Conclusão. Para ele, quando nos propomos a ensinar as ideias complexas e inquietantes de Bion, é preciso tirar proveito de um mau negócio.

"Ensinando Bion na Rússia", Robert Harris. Em seu interessante artigo, Harris relata sua experiência de ensinar Bion em um país com uma história recente marcada pelo comunismo soviético e por conflitos com o Ocidente, um país em que há diferentes grupos étnicos com diferentes identidades. O autor faz comparações produtivas entre os distintos climas de aprendizagem na Rússia e no Reino Unido. Relata que Bion desenvolveu seus pensamentos e ideias através de sua experiência pessoal, dentro de um trauma coletivo no contexto da Primeira Guerra Mundial, e que os russos ressoam profundamente a esses traumas, tanto em nível consciente como inconsciente. O pensamento de Bion, incluindo a liberdade de sonhar e de deixar a mente vagar, está muito perto do coração da Rússia, segundo o autor.

"Aventuras de Bion num país sem psicanálise", Igor Romanov. No texto, o autor descreve o ensino de psicanálise e a introdução das ideias de Bion na Ucrânia, num momento em que as ideias pluralistas entram em cena no contexto da psicanálise local. O estudo da teoria e técnica de Klein e de outros autores permite a construção de pontes essenciais entre a teoria clássica e a contemporânea. Ressalta a importância do estudo de Bion para a contextualização da psicanálise, e utiliza, como método de ensino, o modelo de Bion: fazer questões simples para os alunos, mantendo uma tensão produtiva entre a ignorância e a teoria complexa que motiva e guia a jornada sobre os mares da psicanálise contemporânea.

"Sobre transmitir o estilo da análise viva", Dawn Farber. O autor compara o ensino de psicanálise na Califórnia e na África do Sul, e destaca como a aprendizagem depende de um sentido individual, mas também do contexto de cada sociedade e cultura. Em São Francisco, o foco do ensino é o sonhando acordado, ainda que essa ideia possa ser bloqueada pelo sonho americano de felicidade egocêntrico. Na África do Sul, as ideias de Bion sobre a tirania dos pressupostos básicos do grupo são achados valiosos, por oferecerem uma esperança de compreensão para escapar da corrupção e da violência a que estão sujeitos os indivíduos.

"Ensinando Bion através de exemplos clínicos", Dorothy Hamilton. Por meio de vinhetas clínicas, Hamilton ilustra para os seus alunos a força da vivência emocional entre paciente e analista - além da vivência clínica, a vivência teórica dos conceitos de vínculo K, continente-conteúdo e mudança catastrófica de K para O, e das ideias de Bion sobre o sofrimento. A proximidade com Meg Harris Williams possibilitou uma série de seminários teóricos com o próprio Bion, que ajudou a ilustrar essas ideias a partir do trabalho clínico.

"Ensinando a teoria no contexto da análise de crianças", Gertraud Diem-Wille. O texto trata do ensino de ideias através do trabalho clínico. Apresenta o caso de uma criança de 3 anos, centrando-se na resposta emocional do terapeuta. Aborda ainda a extensão feita por Bion nos conceitos kleinianos, e como, através da dinâmica PS-D e do movimento dos elementos beta para alfa, o trabalho analítico se enriquece e dá suporte para tolerar as projeções do paciente.

"A mente viva: uma visão de Bion", Meg Harris Williams. A autora descreve dois enquadramentos para ensinar Bion. O primeiro baseia-se em estudos da teoria; o segundo, em sua autobiografia escrita. Ambos possuem o mesmo objetivo, que é tentar apresentar uma imagem da mente viva e de suas lutas para o desenvolvimento. No decorrer do texto, encontramos que seu foco é o modelo da mente, em que modelo é uma imagem subjacente da mente e suas operações; é inconsciente e consciente, afeta o caminho que faz e relata tudo, dentro e fora da psicanálise. Williams aborda também suas experiências de escrever sobre a autobiografia de Bion - em particular, a experiência como coescritora no script do filme baseado em Uma memória do futuro.

"O individual no grupo: aprendendo a trabalhar no método psicanalíti-co", Martha Harris. A autora foi uma pessoa muito próxima de Bion. Seu texto, originalmente escrito em 1978, trata dos princípios fundamentais do método de ensino na Clínica Tavistock. Ela descreve como os insights de Bion, dentro do movimento do grupo, podem ser usados para modular a tensão entre o individual e o grupo, tornando este contentor, em vez de constritor. Por meio da correlação dos vértices, o individual pode ficar disponível para aprender através das transformações em O, apesar da pressão do establishment do grupo para reforçar os pressupostos básicos.

Em síntese, para nós, autores desta resenha, a dificuldade central na leitura de Bion é situar-se na multiplicidade de conceitos e na metodologia de transmissão do pensamento bioniano, que de certa forma se dirigem a uma questão que podemos chamar de fim da verdade. Fim nos dois sentidos - de término e ausência da verdade, e também de objetivo. É essa questão que o tempo todo orienta a obra e o seu projeto global, prevalecendo a ideia de que tolerar as incertezas e ter fé é o fundamental para ensinar psicanálise e aprender a psicanalisar.

 

 

Correspondência:
Gustavo Soares
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Maria de Lourdes Foster
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Martha Chagas Ribeiro
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1 Ensinando Bion: modelos e aproximações.

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