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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.1 São Paulo ene./mar. 2019

 

DIÁLOGO

 

O ódio1: prefigurações filosóficas de suas implicações para a psicanálise

 

The hate: pre-figurations of its philosophical implications in family psychoanalysis

 

El odio: prefiguraciones de las implicaciones filosóficas en psicoanálisis de la familia

 

La haine: préfigurations philosophiques de ses implications en psychanalyse familiale

 

 

Anne LoncanI; Tradução Marilei Jorge

IPsiquiatra, psiquiatra infantil, de casal e família. Ex-presidente da Sociedade Francesa de Terapia Familiar Psicanalítica (SFTFP), ex-secretária-geral da Associação Internacional de Psicanálise do Casal e Família (AIPCF), diretora da revista Le Divan Familial.

Correspondência

 

 


RESUMO

No âmbito do trabalho psicanalítico familiar, os terapeutas encontram regularmente o surgimento do ódio, seja instalado na diacronia, seja aparecendo como uma erupção que os surpreende, até mesmo os domina. Interessando-se por esse afeto paixão, a autora tenta defini-lo, determinar seus contornos no pensamento filosófico e na teoria psicanalítica, a fim de identificar suas funções em psicanálise familiar e perceber seus impactos no tecido intersubjetivo tão complexo do grupo familiar, cuja vida psíquica inclui, ao mesmo tempo, os ancestrais e os descendentes.

Palavras-chave: ódio, vínculo intersubjetivo inconsciente, filosofia, psicanálise familiar, Spinoza


ABSTRACT

As part of family psychoanalytic work, the therapist regularly meets with hateful emergencies, sometimes installed in diachrony, sometimes arising from an eruptive manner that surprises him/her, or seizes him/her. By focusing on this affect passion, the author will try to identify, define its contours in philosophical thought and psychoanalytic theory to identify its functions in family psychoanalysis, to perceive the impacts in the complex intersubjective fabric of family group whose mental life includes both ancestors and descendants.

Keywords: hate, unconscious intersubjective link, philosophy, family psychoanalysis, Spinoza


RESUMEN

Como parte de su trabajo psicoanalítico familiar, el terapeuta encuentra regularmente las emergencias del odio, a veces instaladas en diacronía, a veces surgidas de manera eruptiva que le sorprenden, que le cautivan. Al centrarse en esta pasión afecto, la autora trata de identificar, definir sus contornos en el pensamiento filosófico y en la teoria psicoanalítica para identificar sus funciones en psicoanálisis familiar, percibir los impactos en el tejido intersubjetivo complejo del grupo familiar cuya vida mental incluye tanto a los antepasados como a los descendientes.

Palabras clave: odio, vínculo intersubjetivo inconsciente, filosofía, psicoanálisis familiar, Spinoza


RÉSUMÉ

Dans le cadre du travail psychanalytique familial, les thérapeutes rencontrent régulièrement des émergences haineuses, tantôt installées dans la diachronie, tantôt surgissant d'une manière éruptive qui les surprennent, voire les saisissent. En s'intéressant à cet affect passion, l'auteur tente de le définir, d'en cerner les contours dans la pensée philosophique et dans la théorie psychanalytique afin de dégager ses fonctions en psychanalyse familiale, d'en percevoir les impacts dans le tissu intersubjectif si complexe du groupe familial dont la vie psychique inclut à la fois les ancêtres et les descendants.

Mots-clés: haine, lien intersubjectif inconscient, philosophie, psychanalyse familiale, Spinoza


 

 

Parafraseando Deleuze e Guattari (1991), ao falarem sobre filosofia, poderíamos dizer: mesmo a história da psicanálise é bastante desinteressante se ela não se propõe a despertar um conceito adormecido, a representá-lo novamente em uma nova cena, ainda que seja à custa de virá-lo contra si mesmo. Nosso primeiro objetivo será examinar o conceito de ódio para colocá-lo de volta na cena familiar, a primeira em que ele é representado, e a qual permanece ao longo da vida o lugar preferido de sua gênese e expressão. Essa paixão se infiltrará nas terapias de várias formas, na origem do pedido, na queixa e no julgamento do portador do sintoma, nas sessões em que é transmitida por vínculos intrafamiliares, inclusive com os antepassados, e finalmente nos movimentos transfero-contratransferenciais. Tentaremos situar o seu percurso na psicanálise, sem pretender ser exaustivos, a fim de marcar as pistas que convergem para a psicanálise familiar.

 

Tentativa de definição

Para abordar a questão do ódio, ressaltemos, em primeiro lugar, que ele é geralmente proscrito na vida social, ao mesmo tempo que é uma de suas forças motrizes mais poderosas. O discurso dominante designa-o como um antivalor, como se pudesse e devesse ser combatido e suprimido. Alguns elementos das definições permitirão perceber sua forma.

As nuances nas definições refletem o lugar do ódio no pensamento ocidental. O dicionário Larousse do século XX fala do "ato de odiar, (de) profunda inimizade para com alguém"; associa a isso a "profunda repugnância por alguma coisa, o horror de" e aponta os efeitos e graus do ódio:

Quando um objeto, pessoa ou ato é, foi ou parece à nossa mente que deve ser para nós causa de impressões dolorosas, estamos dispostos a evitá-lo ou afastá-lo de nós. Essa disposição é chamada, dependendo do caso, de aversão ou antipatia. Quando ela se torna violenta, é acompanhada de uma ideia fixa, se manifesta por uma necessidade de fazer mal e de destruir, aí temos o ódio. (1930, pp. 940-941)

Para o dicionário Le Robert, o ódio é um "sentimento violento que leva a desejar mal a alguém e a alegrar-se com o mal que lhe acontece". Ele distingue também um segundo significado: "aversão profunda a alguma coisa" (1977, p. 908).

Dessa primeira análise emerge a ideia de uma dupla polaridade do ódio, cuja versão fraca, de certo modo passiva, levaria ao evitamento, à separação (ódio de repulsa), e cuja versão forte e ativa visaria a destruição (ódio de agressão). As definições do verbo odiar consideram o uso da forma reflexiva, odiarse, que evoca o virar o ódio contra si mesmo e se prolonga pela reciprocidade e mutualidade na fórmula odiar-se mutuamente, sugerindo então a teoria dos vínculos intersubjetivos.

 

Amor, morte e ódio

Por mais variáveis que sejam as manifestações de ódio, o seu acme parece literalmente se encarnar na antropofagia, um ato que visa a aniquilação radical do inimigo, tendo como benefício imaginário a incorporação de sua força. Na Ilíada, Homero apresenta a raiva de Aquiles durante a Guerra de Troia sob o signo do amor, da fúria e do ódio. Uma primeira raiva inaugura a epopeia: Aquiles é forçado a entregar sua cativa Briseida a Agamêmnon, que foi, ele mesmo, privado da sua, por intervenção punitiva divina. Em um impulso vingativo, Aquiles se retira da guerra orando aos deuses que deem vitória aos troianos até que ele retorne à batalha. Dez anos depois, período que custou a vida de incontáveis aqueus, ele permitiu que Pátroclo, seu primo, amigo e amante (segundo Os Mirmidões de Ésquilo), lutasse em seu nome com suas próprias armas. Pátroclo, a despeito da vitória, não conseguiu parar sua fúria guerreira, apesar da promessa. Ele foi finalmente morto por Heitor, filho de Príamo, o rei de Troia. Uma nova raiva, tão violenta quanto a primeira, anima Aquiles. Graças a armas forjadas por Hefesto, ele confronta Heitor. Vendo seu fim inevitável, Heitor implora a Aquiles que poupe seus restos mortais, ao que Aquiles responde:

Cão [itálico nosso], não me implores nem por meus joelhos nem por meus pais. Que os deuses me deem força para comer tua carne crua, pelo mal que me fizeste! ... A venerável mãe que te deu à luz nunca chorará por ti deitado em um leito fúnebre! (canto XXII, VV. 345-347 e 352-353)

O inimigo é aqui reduzido a uma animalidade que autoriza que ele seja devorado, sinal indiscutível de sua destruição. Se essa parte do voto resta letra morta, Aquiles não deixará de desfigurar Heitor antes de entregar seus restos mortais a Príamo.

Essas histórias ilustram o entrelaçamento entre ódio e amor, um processo classicamente selecionado no corpus psicanalítico. Aquiles viu sua paixão interrompida, uma vez, pela rivalidade com Agamêmnon e, mais tarde, pela morte de seu amado Pátroclo. Os paroxismos do ódio são proporcionais à privação do objeto de amor que os fez emergir. A intimidade entre ódio e morte (e a fantasia da imortalidade) é ainda visível através do crescente prisma da luta de Aquiles e Pentesileia: a rainha das Amazonas, que veio em socorro dos troianos, é vencida por Aquiles, o qual se apaixona por ela no momento em que a vê morrer.

Nessas lendas de antigos séculos, o amor, a morte e o ódio coexistem ou se sucedem, frustrando a simplificação de uma definição de ódio baseada na oposição do que seria o contrário: o amor. Em A filosofia do amor (1922/1988), Georg Simmel, sociólogo e filósofo alemão, nega que o amor e o ódio sejam opostos exatos, como se bastasse pôr um deles sob o signo oposto para obter o outro; o oposto do amor, acrescenta, é a ausência de amor, isto é, a indiferença.2 Ao aplicar a mesma fórmula ao ódio, o seu oposto seria a ausência de ódio, ou também a indiferença. Amor e ódio têm o mesmo oposto, mas não se enfrentam. Na mesma linha, para desafiar as definições tradicionais de amor versus ódio, Ogien ressalta a ausência de simetria inversa: "Mas o ódio não é não amar. E amar não é não odiar (litotes corneillianos à parte3)" (1993, p. 23). Apesar da sua perspicácia, Simmel não concebe a coexistência do amor com o ódio, evocando preferencialmente a substituição de um pelo outro, o que é condicionado por "razões positivas absolutamente novas". No entanto, a prática e a vida nos ensinam que o emaranhamento dessas paixões é a regra, e que ela opera de acordo com equilibrios delicados, passiveis de oscilação no interior de vínculos intersubjetivos e de temporalidade.

 

Figuras, graus e territórios do ódio

Depois de ter delineado a definição e a ilustração do ódio, continuarei identificando a natureza, os efeitos e as fontes do ódio para os filósofos cujo trabalho tem origem principalmente no campo da ética.

Uma afirmação original é a de David Hume (citado por Ogien, 1993), para quem o ódio só pode ser definido como uma experiência interna impossível de comunicar a um terceiro que não a tenha experimentado. Só o identificamos em referência às suas causas (a ofensiva, a prejudicial, a frustrante), que todavia o autor diz serem contingentes, e principalmente em referência ao seu objeto. A relação do rancoroso com o seu objeto é que o constituiria.

É preciso observar que a causa e o objeto do ódio podem ser uma coisa só. Assim, o que me faz odiar e o que eu odeio se confundem. É de fato essa tese que encontramos nas descrições da identificação projetiva de Melanie Klein, quando as partes más são projetadas sobre o objeto mau a fim de destruí-lo ao mesmo tempo que a elas. Podemos dizer, então, que esse processo acompanha e significa o desdobramento do ódio (por outro lado, a projeção de partes boas sobre o objeto ideal constituirá um processo de antisseparação).

Para os filósofos cognitivistas, o lado emocional desaparece em favor de um vinculo de causalidade com as crenças. Se eu acreditar que fulano me ofendeu, vou odiá-lo; se eu ficar sabendo que este não é o caso, esse desmentido vai me acalmar. A crença, nesse exemplo, é tanto uma causa (que explica) quanto uma razão (que justifica) o afeto. O lado afetivo existe sempre, mas sua existência e seu conteúdo dependem da crença (um estado cognitivo) em que se baseia.

Também temos de compreender as paixões múltiplas que surgem do ódio ou que o favorecem (Le Cour Grandmaison, 2012), que são a sua expressão ou o colocam no centro de um nó de paixões. Várias paixões "secundárias" se originam daí: aversão, hostilidade, tendência à destruição, raiva, execração, desprezo, zombaria, inveja, ciúme, vingança, ressentimento, revanchismo, rancor, indignação.

Vejamos o sentido de indignação, conceito atualizado por Stéphane Hessel (2010). Sua importância política não deixa de ter relação com sua orientação coletiva, que se pode observar em família. As ofensas, repreensões e interpelações agressivas estão muitas vezes na origem de um pedido de terapia familiar, manifestando uma reação moral baseada em uma injustiça ou desordem na conduta de um ou mais membros do grupo familiar. Para Spinoza, "a indignação é um ódio contra alguém que prejudicou outra pessoa" (Ética, parte III, definição dos afetos, 20). Ele considera a indignação, assim como o ódio, necessariamente ruim: provocada pelo ódio, ela é prejudicial tanto para a pessoa que a sente quanto para a pessoa que é objeto dela. Ele denuncia a boa consciência que anima os indignados, indiferentes ao risco que lhe está associado - o de quebrar as regras e cometer o mal tomando-o pelo bem. Nisso ele está de acordo com Descartes, para quem um menor grau no vigor ou na circunscrição do ódio não atenua a sua natureza: "O ódio, ao contrário [do amor], não pode ser tão pequeno que não prejudique" (As paixões da alma, art. 140). No entanto, difere de Aristóteles, cuja posição é menos clara, centrada em uma apreciação do equilíbrio certo na intensidade das paixões. Segundo esse último, a indignação está "a igual distância da inveja, de um lado, e da malignidade, de outro" (Ética a Nicômaco, livro II, 7) (Le Cour Grandmaison, 2011). Legítima e virtuosa perante honras imerecidas, ou injustiças flagrantes, torna-se maligna quando se transforma em inveja ou em vingança, desprezando os princípios que estão na sua origem.

 

Quais relações o ódio mantém com o mal?

De acordo com Spinoza, "o ódio é apenas uma tristeza que acompanha a ideia de uma causa externa. Vemos, além disso, que aquele que odeia se esforça para afastar e destruir a coisa que odeia" (Ética, parte III, proposição 13, escólio). Ele visa destruir seu objeto, inclusive "a perfeição que está na coisa". O autor estabelece aí um vínculo preciso entre o ódio de repulsão e o ódio de agressão. Em todos os casos, o ódio é absolutamente ruim, questionando a própria existência do objeto odiado. Para Spinoza, ademais, o ódio é sempre prejudicial à pessoa que odeia: reduz o seu poder de agir, a distancia mais ainda, ao contrário da alegria, de uma verdadeira compreensão das "leis da natureza".

Ogien diz:

Se o vínculo entre o ódio e o mal é "lógico" (ou mais precisamente conceptual, analítico), é inútil procurar justificá-lo pela observação empírica da conduta humana ... e realizar pesquisas destinadas a testar uma hipótese que afirma que o ódio é a "causa" de todos os atos absolutamente ruins. (1993, p. 19)

Ao contrário, seria inútil tentar desmontar os argumentos que tendem a provar que o ódio pode ser bom, sobretudo para o que nos interessa, por sua necessidade para o desenvolvimento psicológico no centro dos vínculos primários. Cito de novo Ogien:

O ódio seria o princípio ou o motor de todos os mecanismos de individuação, desenvolvimento, reconhecimento, relacionamento. Sem ódio, não haveria nem o ego, nem o outro, nem os vínculos familiares e sociais, pois o ódio é o fermento ou o cimento interno e externo de tudo isso. (1993, p. 20)

Em todos esses processos que nos são familiares, o ódio parece útil, mas será que isso significa que ele é bom do ponto de vista moral? No final, vemos que os filósofos mencionados, incluindo Spinoza, não escapam à tendência de excluir a ambivalência e o paradoxo. Eles recorrem a argumentos lógicos cujo peso não é o mesmo na psicanálise. A coexistência dos afetos de amor e de ódio, a predominância variável de um sobre o outro, de acordo com o objeto, não são examinadas.

 

As fontes do ódio

O ódio é uma característica humana. É uma paixão efeito (e não apenas causa), cujas causas, segundo o método de Spinoza, é importante avaliar para melhor compreender o ódio em si. Para Spinoza, o ódio seria criado pela ilusão do livre-arbítrio, da imaginação e da imitação passional. É possível transferir essas palavras para a nossa linguagem falando de ilusão, onipotência, fantasia inconsciente, identificação primária etc. Assim, a ilusão do livre-arbítrio corresponde ao fato de que não posso odiar o outro se não acredito que ele seja livre; compreender que seu comportamento é determinado pelas "leis da natureza" tira a paixão da minha relação com ele. A fantasia do livre-arbítrio do outro é necessária para que ele seja objeto de ódio. O ódio cairia um ou mais pontos se a liberdade que se supôs para o objeto fosse apenas uma ilusão. A imaginação de que nos fala Spinoza se refere à atividade fantasiosa: "A alma é avessa a imaginar o que diminui ou reduz seu próprio poder de agir e o do corpo" (Ética, parte III, proposição 13, corolário). O outro, incluindo a pessoa mais querida, é visto como um obstáculo à satisfação dos desejos. Associa-se a isso o trabalho de memória, que traz à tona acontecimentos da mesma ordem, o que leva Spinoza a dizer que a vontade não tem efeito sobre os desejos e as paixões, mais precisamente quando elas não são contidas pela razão. Poderiamos traduzir isso por: os impetos pulsionais inconscientes não são controláveis, exceto pelo freio do superego e pelos processos de sublimação. Ressaltemos, de passagem, que a "imitação passional" evoca em nós a partilha afetivo-grupal relacionada à identificação arcaica descrita por Freud (1921/1991).

De modo geral, a origem dos sentimentos de ódio provém do registro narcisista. Afronta, injúria, ultraje, humilhação, insulto, ofensa são igualmente ataques narcisistas suscetiveis de trazer o ódio para o primeiro plano, como uma ferramenta ilusória de autorreparação. A própria morte não põe fim a isso, como o exemplo de Aquiles nos faz pensar: pressupõe-se que a privação de um funeral deve impedir Heitor de descansar em paz ("Os cães e os pássaros te despedaçarão totalmente!" - para completar a citação feita antes). Esse castigo post mortem é tão terrível que Aquiles renuncia a ele para aliviar a dor dos familiares de sua vitima.

 

Responsabilidade no ódio e sua expressão

O ódio não pode existir sem um objeto. Está inscrito numa relação, ou melhor, em um vinculo intersubjetivo, consciente ou inconsciente. Apresenta-se, por conseguinte, a questão da responsabilidade do rancoroso. Alegar o caráter irracional do ódio tenderia a negar qualquer responsabilidade da pessoa que demonstra ódio, limitando as possibilidades de julgamento contra ela, como é feito para algumas pessoas mentalmente doentes. Depois de Sócrates, foi possivel confinar o ódio ao irracional em razão do seu principio de que todo mal se faz na ignorância. Por outro lado, Aristóteles considerava que as paixões não podiam ser dissociadas da responsabilidade individual. Esses filósofos da Antiguidade fazem surgir um debate com o qual identificamos, através da questão da responsabilidade, o tema do reconhecimento do outro, ao qual podemos acrescentar o tema de um terceiro: duas pessoas estão em um vinculo de ódio e são julgadas por um terceiro, eventualmente múltiplo. Julgar que alguém é rancoroso já é infligir-lhe uma espécie de sanção moral, se aceitarmos que as expressões de ódio incorporam o mal. Assim, compreendamos a fórmula de Ogien: "O ódio não é sentido na primeira pessoa, é imputado à terceira pessoa, em termos inevitavelmente morais" (1993, p. 42).

Lider de uma corrente contemporânea viva, Sartre considera o ódio destrutivo. Esse sentimento supõe a responsabilidade do seu portador e ator, ao mesmo tempo que exige o julgamento de outrem e pressupõe o reconhecimento do outro.

O ódio é ódio de todos os outros em um só. O que eu quero atingir simbolicamente ao buscar a morte desse outro é o princípio geral da existência de outrem. [...] É por isso que o ódio é um sentimento sombrio, ou seja, um sentimento que visa a supressão do outro e que, enquanto projeto, se projeta conscientemente contra a desaprovação dos outros. O ódio que o outro sente por um outro, eu o desaprovo, ele me preocupa e tento suprimi-lo porque, embora não seja explicitamente visado por ele, sei que me diz respeito e que se realiza contra mim. E, na verdade, ele pretende me destruir, não na medida em que procuraria me suprimir, mas na medida em que reclama principalmente a minha desaprovação, a fim de poder ir adiante [itálico nosso]. O ódio reclama ser odiado, na medida em que odiar o ódio equivale a um reconhecimento angustiado da liberdade daquele que odeia. Mas o ódio, por sua vez, é um fracasso. [...] a abolição do outro, a ser vivida como o triunfo do ódio, implica o reconhecimento explícito de que o outro existiu. (Sartre, 1943/1994, p. 452).

 

A respeito do ódio na teoria psicanalítica

Quando Spinoza escreve "Uma afeição está tanto mais em nosso poder, e a alma sofre tanto menos, quanto mais essa afeição nos é conhecida" (Ética, parte V, proposição 3, corolário), sua afirmação parece prefigurar uma reflexão psicanalítica. O acesso ao inconsciente e ao seu conhecimento está ali implicitamente indicado, assim como o valor terapêutico dessa conduta. Considera-se que Freud tenha encontrado na obra de Spinoza uma "atmosfera psicanalítica".

Admito plenamente minha dependência da doutrina de Spinoza. Não havia razão para que eu mencionasse explicitamente seu nome, uma vez que concebi minhas hipóteses a partir do clima que ele criou, mais do que a partir de um estudo de sua obra. (Freud, citado por Yovel, 1991, p. 439)

No alvorecer da teoria freudiana das pulsões antagônicas, podemos também perceber a influência das construções de Empédocles (século V a.C.), as quais, numa concepção poética do mundo, misturam movimentos de união e desunião. De acordo com esse filósofo grego, foi o ódio que deu origem ao universo ao atacar o deus esférico Sphairos, longe do qual ele se mantinha. Do caos induzido surge a força oposta, o amor. O ódio e o amor se unem no amor por si mesmo. Depois, o amor utiliza o ódio no amor pelo outro, na união dos díspares. A teoria das pulsões, como revista por Freud em 1915, parece inspirar-se nisso e corrobora a sua convicção da precessão temporal do ódio sobre o amor.

Sabemos que, depois de Freud, seus continuadores prosseguiram nessa perspectiva teórica do ódio (Melanie Klein, D. W Winnicott, André Green, entre outros) e nunca cessaram de discutir as funções do ódio como fator de desunião, morte, aniquilamento para integrar a pulsão de morte ou excluí-lo dela. A maioria dos estudos prefere pôr o ódio no intrapsíquico, embora avanços da reflexão em direção à intersubjetividade tenham sido constantes, como demonstram as teorias de Freud sobre a psicologia das massas, de Klein sobre a identificação projetiva e de Winnicott sobre o espaço transicional, para indicar apenas marcos decisivos.

A esse respeito, um lugar especial deve ser reservado a W R. Bion, continuador de Klein na elaboração da identificação projetiva e introdutor do conceito de vínculo na psicanálise. A influência da sua formação inicial em filosofia paira sobre o seu trabalho de uma forma ao mesmo tempo constante e alternativa. Por um lado, ele se refere explicitamente a Hume e a Kant, buscando na obra desse último, para quem o centro do conhecimento é o sujeito, elementos para apoiar a continuidade do seu trabalho sobre o tema do conhecimento. Por outro lado, ele se baseia na filosofia das ciências, citando Poincaré4 em especial, para caminhar rumo à elaboração contínua de sua "classificação" (Bion, 1963/1979b, 1971/1980). A acepção de vínculo que ele apresenta em 1962 antecipa o lugar crucial que esse conceito ocupará na psicanálise familiar. Ele faz do vínculo H (hate, ódio) um dos três vínculos que aparecem em seu sistema de classificação (Bion, 1962/1979a). Assim como os vínculos K (knowledge, conhecimento) e L (love, amor), o vínculo H representa uma "experiência emocional" vivida pelo sujeito. O vínculo propriamente dito é "ativo", "x faz algo a y", e se inscreve em um conjunto no qual a articulação dos elementos entre si, sua influência mútua e o quadro final constituído pela classificação prevalecem em benefício da compreensão. Aqui, o ódio é um dos elementos de um sistema evolutivo, e o seu teor intrínseco parece se tornar menos nítido à medida que a visão global se torna mais complexa, mas Bion (1971/1980) assinala também que o psicanalista tem o privilégio de poder considerar o afeto um fato, e que é inútil ter um exército de teorias se somos insensíveis aos fatos que devem ser interpretados.

Desde antes de seus trabalhos mais precisamente psicanalíticos, Bion (1961/1965) havia extraído de suas experiências com grupos "hipóteses de base", que definiam a mentalidade do grupo (dependência, ataque/fuga e acoplamento) e demonstravam, cada uma delas, uma modalidade de regressão de grupo interpretada em termos de defesa, de acordo com o modelo kleiniano. A solução de continuidade entre essas experiências e a pesquisa subsequente será parcialmente resolvida com a ajuda do esquema dinâmico continente/conteúdo (Bion, 1963/1979b), cuja utilização lançará uma ponte em direção ao conceito de envelope psíquico, proposto posteriormente por outros autores.

 

Em psicanálise de casal e de família

O ponto de partida da teoria dos vínculos na obra de Bion permaneceu centrado no sujeito apesar da implicação evidente do objeto, por um lado, e do interesse do autor nos processos psíquicos grupais, por outro. O significado atual do conceito de vínculo intersubjetivo inconsciente já foi explicitado (Eiguer, 2001, 2008), e podemos identificar três conceitos principais que definem os vínculos intersubjetivos inconscientes e enquadram aí as funções do ódio: o reconhecimento do outro, a reciprocidade, até mesmo a mutualidade, e a responsabilidade que os acompanha.

Do ponto de vista da teoria do vínculo, o universo do recém-nascido não é preenchido nem com amor nem com ódio. Vínculos familiares e particularmente vínculos fantasmáticos de filiação se instalam antes do seu nascimento, pondo em jogo investimentos que, mesmo no melhor dos casos, não são unívocos. O reconhecimento é o primeiro sinal disso. Pouco conhecido de seus pais - incluindo a mãe, que geralmente o carrega -, o bebê será reconhecido por eles assim que nascer. Diferentes ritos e mitos tomam parte nisso. Necessidades lhe são reconhecidas pelo ambiente materno, sendo este dirigido e apoiado pelo pai ou seus substitutos. O recém-nascido, por sua vez, reconhecerá os cuidados maternos que o mimam e associam holding e handling, (Winnicott, 1947/1989a, 1960/1989b, 1970). Seu reconhecimento é definido tanto como identificação de percepções sensoriais sincrónicas quanto como gratidão. Nesse momento, o universo do bebê se assemelha ao Sphairos de Empédocles: nem o ódio nem o amor penetraram nele ainda. Pode-se pensar que o apego, principalmente, está em construção sob uma forma primitiva, antes que a função separadora do ódio se realize. As falhas inevitáveis nesse universo, orquestradas pela satisfação, desencadeiam uma angústia sem nome, vivenciada no soma e que só pode ser suportada por um começo de "psiquização", sob o impulso do ódio. O objeto emerge sob os golpes do ódio, que tende a proteger o ego nascente. O amor surgirá no reconhecimento da presença do objeto, descoberta como fonte de prazer (Freud, 1915/1988). E é a metáfora paterna que abrirá o caminho da ambivalência: o pai como objeto capaz de suportar, ao mesmo tempo, o ódio e o amor. Como diz Assoun (1995), a ambivalência - paterna - é um verdadeiro "permutador", que faz a educação recíproca dos dois afetos.

As modalidades dos primeiros vínculos modificam os seguintes, de acordo com processos conhecidos, principalmente as identificações, as alianças inconscientes e a partilha dos mitos e fantasias em família, com criatividade variável. No entanto, os vínculos intersubjetivos inconscientes estão em constante evolução e podem ser transformados para além da morte (Loncan, 2010).

A reciprocidade no ódio já estava presente nos escritos de Spinoza: "O ódio é aumentado por um ódio mútuo" (Ética, parte III, proposição 43). Poderíamos desenvolver essa fórmula da seguinte maneira: o ódio que se sente prejudica o narcisismo do outro, que se protege devolvendo na mesma moeda, alimentando, por sua vez, o ódio do primeiro. É preciso acrescentar que o seu contraponto ativo, o amor, vem limitar os efeitos potenciais de uma espiral ininterrupta de ódio. Spinoza não tinha imaginado o emaranhamento pulsio-nal que ligava o ódio ao amor. Para ele, as duas paixões fundamentais se combatem e se excluem uma à outra, pois o ódio poderia ser destruído pelo amor, enquanto nós entendemos sua coexistência e as oscilações do casal, que elas criam em função de variáveis como sua intensidade e seus pontos de impacto afetivo, que dão vantagem a um ou a outro no interior do mesmo vínculo intersubjetivo ou conjunto de vínculos, pelo tempo necessário para que os processos de desvinculação não consigam vencer as forças de vinculação.

A história dos vínculos passa por avatares em que o ódio permanece em primeiro plano - por exemplo, quando um inimigo é privado de uma sepultura, como na Ilíada, sabendo-se que existem equivalentes psíquicos em família. Mais próximas de nós e presentes na nossa prática quotidiana, várias configurações psicopatológicas dos vínculos permitem ver modalidades de acoplamento amor/ódio nas quais o emaranhamento das paixões dá uma grande vantagem ao ódio. Elas serviram de base para muitos avanços psicanalíticos desde os escritos de Freud. Nós as examinaremos do ponto de vista da responsabilidade.

 

A responsabilidade

Através da análise do sadismo, a concomitância e o emaranhamento das pulsões antagônicas de amor e de ódio se impõem verdadeiramente a Freud (1915/1988), ao mesmo tempo que se confirma a necessária intersubjetividade já inerente à triangulação edipiana.

A análise do vínculo perverso e da perversão moral realizada por Eiguer (2001, 2003, 2008) possibilitou integrar essas modalidades funcionais do vínculo, em que o ódio é vergonhoso, ao corpus das nossas referências clássicas. Esses avanços permitem discutir as palavras de Sartre antes mencionadas, as quais, como as principais correntes psicanalíticas, sustentam que o ódio visa sobretudo destruir o objeto. Simultaneamente, ele garante a sua perenidade, na medida em que o desejo do pervertido de destruir é impedido pela sua necessidade de manter à sua disposição a existência daquele a quem odeia. O ódio sentido atuaria como um ativador, uma fonte de motivação, inclusive uma fonte de vida psíquica, ao mesmo tempo que o "cúmplice" se prestaria a esse jogo obscuro: eu posso ter interesse em manter a existência daquele que odeio, eventualmente tendo consciência disso, e "perder" algo com o seu desaparecimento. Esses movimentos psicológicos explicariam a durabilidade dos vínculos perversos, forçados a um ritmo que introduz períodos de pausa, pondo um fim temporário ao vandalismo psicológico. Em todos esses casos, a responsabilidade de cada membro do vínculo para com o outro é inevitavelmente assumida.

 

Para concluir

O conceito de ódio na família se impõe em todos esses casos em que a perversão ocorre na partilha do si mesmo familiar, ainda que de forma pouco perceptível. No centro dos vínculos familiares, exprimem-se aspectos do ódio que vão do rancor ao assassinato real. Os mais importantes são as desavenças, de aparência por vezes fútil, mas reveladoras de fraturas anteriores, portadoras de maldições transmitidas por algum objeto transgeracional (Eiguer, 2001). O sentido de antropofagia psíquica de que o ódio se reveste na forma da devoração, da invasão, da tirania e da perversão tornou-se familiar para nós. Podemos identificar sua presença na análise dos grupos familiares e estudar sua relação com fantasias e mitos, numa dialética de conhecimento, reconhecimento, reciprocidade e responsabilidade, como já mencionado. Em psicanálise familiar contemporânea, a associação dos conceitos de envelope grupal e de vínculo intersubjetivo inconsciente, todos lugares potenciais de exercício do ódio, convida a outro tipo de "visão binocular". Essa visão se mostra útil tanto para a identificação de afetos nas múltiplas modalidades de transferência quanto para a implementação da ferramenta decisiva de qualquer terapia psicanalítica de grupo: a análise da contratransferência e de eventuais impulsos de ódio que ela contenha, estejam ou não relacionados com os conteúdos transferenciais.

Inscrevendo sua remanência na diacronia, o ódio é uma paixão irresistivelmente vivida e sofrida, que segue ao longo da terapia e a acompanha até seu término, no qual é, sutilmente, na melhor das hipóteses, o agente inevitável da separação.

 

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Revisão técnica da tradução Luiz Eduardo Prado

 

 

Correspondência:
Anne Loncan
135 Rue du Roc
81000 Albi, France
anne.loncan@gmail.com

Recebido em 11/3/2019
Aceito em 25/3/2019

 

 

1 Trabalho original publicado em 2013: Le Divan Familial, 31,15-29.
2 Concepção geralmente atribuída a autores posteriores.
3 Alusão ao "Vai, não te odeio", de Ximena a Rodrigo no Cid de Corneille (ato III, cena 4).
4 "Se um resultado novo tem valor, isso acontece quando, ligando elementos conhecidos há muito tempo, mas até então esparsos e parecendo estranhos uns aos outros, ele introduz subitamente a ordem onde reinava a aparência de desordem" (Poincaré, 1908, p. 26).

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