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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2019

 

INTERFACE

 

Além do bem e do mal1: algumas considerações sobre a visão psicanalítica do ódio

 

Beyond good and evil: some comments on the psychoanalytic view of hatred

 

Más allá del bien y del mal: algunas consideraciones sobre la visión psicoanalítica del odio

 

Par-delà le bien et le mal: quelques considérations sur la conception psychanalytique de la haine

 

 

Richard Theisen Simanke

Professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Correspondência

 

 


RESUMO

O autor se propõe a discutir a abordagem psicanalítica do ódio, desde suas origens instintivas até suas manifestações intersubjetivas. Para tanto, analisa como o ódio é explicado por Freud e qual o papel que lhe é atribuído na vida mental. Contribuições de autores pós-freudianos são também exploradas, sobretudo no que diz respeito à compreensão das manifestações do ódio no contexto das relações objetais e da intersubjetividade. Essas contribuições, por sua vez, fornecem elementos suplementares para distinguir as manifestações patológicas e destrutivas do ódio de suas funções adaptativas e construtivas na vida mental. Por fim, a título de conclusão, o autor discute as implicações dessa abordagem para a visão psicanalítica da natureza humana.

Palavras-chave: Freud, ódio, agressão, narcisismo, desamparo


ABSTRACT

This paper sets out to discuss the psychoanalytic perspective of hatred from its instinctive origins to its intersubjective manifestations. To this end, the author analyses Freud's explanations of hatred and the role hatred plays in mental life. Contributions of post-Freudian authors are also explored, especially with respect to the understanding of the manifestations of hatred in the context of object relations and intersubjectivity. These contributions provide additional elements for the distinction between pathological and destructive manifestations of hatred, and their adaptive and constructive functions in mental life. Finally, the author concludes his studies with the implications of this approach for the psychoanalytic view of human nature.

Keywords: Freud, hatred, aggression, narcissism, helplessness


RESUMEN

El artículo se propone discutir el enfoque psicoanalítico del odio desde sus orígenes instintivos hasta sus manifestaciones intersubjetivas. Para ello, analiza cómo el odio es explicado por Freud y cuál es el papel que se le atribuye en la vida mental. Las contribuciones de autores post-freudianos también se examinan, sobre todo en lo que se refiere a la comprensión de las manifestaciones del odio en el contexto de las relaciones objetales y de la intersubjetividad. Estas contribuciones, a su vez, proporcionan elementos suplementarios para distinguir las manifestaciones patológicas y destructivas del odio de sus funciones adaptativas y constructivas en la vida mental. Por último, a modo de conclusión, se discuten las implicaciones de este enfoque para la concepción psicoanalítica de la naturaleza humana.

Palabras clave: Freud, odio, agresión, desamparo


RÉSUMÉ

L'article propose de discuter de l'approche psychanalytique de la haine de ses origines instinctives à ses manifestations intersubjectives. Pour ce faire, il analyse comment Freud explique la haine et quel rôle est attribué à elle dans la vie mentale. Les contributions des auteurs postfreudiens sont également examinées, notamment en ce qui concerne la compréhension des manifestations de la haine dans le contexte des relations d'objet et de l'intersubjectivité. Ces contributions, à leur tour, fournissent des éléments supplémentaires pour distinguer les manifestations pathologiques et destructives de la haine de leurs fonctions adaptatives et constructives dans la vie mentale. Enfin, en conclusion, on discute des implications de cette approche pour la conception psychanalytique de la nature humaine.

Mots-clés: Freud, haine, agression, narcissisme, impuissance


 

 

Sou eu uma fera extravagante e selvagem como Tífon ou um animal mais simples e manso, que compartilha de uma natureza gentil e divina?

PLATÃO, Fedro

 

Introdução

A pergunta de Sócrates no Fedro de Platão já enuncia uma questão fundamental sobre a natureza humana, que atravessa toda a história da antropologia filosófica: o ser humano é naturalmente inclinado para o bem ou se caracteriza por uma tendência inexorável para o mal? Formulando-a em outros termos: qual paixão domina mais decisivamente a natureza humana, o ódio ou o amor? É claro que o problema é mais complexo e que não se pode simplesmente identificar o amor com o bem e o ódio com o mal (Hadreas, 2007). Mesmo assim, a questão sobre a precedência e sobre qual tendência é originária e mais fundamental pode ser claramente formulada: o que vem primeiro, o ódio ou o amor? O ódio é o resultado de uma frustração ou distorção de uma tendência inicial para o bem, ou é o amor que só pode resultar do apaziguamento e da neutralização de uma destrutividade primordial?

Historicamente, a primeira alternativa prevaleceu no percurso do pensamento filosófico. De Platão ao Iluminismo, Eros - a personificação do amor - foi considerado o motor fundamental da ação humana, inclusive no campo do conhecimento. O ódio só emergiria a partir de um fracasso de Eros, fosse por fraqueza, fosse por omissão. Mesmo que, periodicamente, em tempos de crise, uma visão mais sombria e maligna da natureza humana viesse à tona, ela ainda assim resultaria de uma neutralização de Eros pelas forças destrutivas à solta no mundo (Solomon, 2008; Stearns, 2008).

Nesse sentido, a visão psicanalítica, pelo menos nas suas origens freudianas, é mais pessimista. Como se verá, Freud foi levado a considerar o ódio uma paixão, no limite, mais fundamental e originária do que o amor. Contudo, mesmo que o pessimismo, tanto social quanto clínico e científico, do pensamento mais tardio de Freud seja notório (Thompson, 1991), essa posição não conduz necessariamente a uma visão infernal da vida humana. Isso porque, para Freud e para muitos daqueles que levaram adiante sua reflexão sobre essas questões, o ódio pode perfeitamente cumprir uma função construtiva na vida mental. Em outras palavras, o ódio não é necessariamente um mal. Antes, a malignidade usualmente associada a esse conceito é uma expressão de suas formas excessivas, distorcidas ou patológicas. Não por acaso o título deste ensaio faz referência ao pensamento de Nietzsche (1886/2005): este foi, de fato, um dos poucos autores da tradição filosófica a atribuir uma significação positiva ao ódio, ainda que não em todas as suas formas e manifestações. Freud, nesse ponto, como em tantos outros, faz-se um herdeiro de certos aspectos do pensamento nietzschiano, ainda que essa herança tenha sido recebida frequentemente por vias indiretas (Lehrer, 1996).

Tendo isso em vista, as considerações que se seguem estão organizadas da seguinte maneira. Em primeiro lugar, discute-se a abordagem especificamente freudiana do ódio, procurando associá-la a - mas também distingui-la de - outros temas que lhe são próximos ou correlatos, como a agressão e a destrutividade, sobretudo no que estes se relacionam aos componentes instintivos da vida mental. Num segundo momento, a abordagem psicanalítica do ódio é examinada em seus determinantes e manifestações intersubjetivas. Outros conceitos freudianos são instrumentais nessa transposição, como a noção de desamparo e a teoria do narcisismo, além das contribuições de outros autores que pensaram o ódio, especialmente no contexto da intersubjetividade e da teoria das relações objetais. Por fim, são feitas algumas observações sobre a implicação dessas discussões para uma visão psicanalítica da natureza humana.

 

Metapsicologia e fenomenología do ódio em Freud

Embora o ódio seja, evidentemente, um tema de interesse para a psicanálise e ocupe um lugar importante na fenomenologia clínica de diversas formas de perturbação mental, sua abordagem direta no texto freudiano é bastante rara. Freud tratou muito mais de temas próximos e relacionados, como o sadismo e a agressão, mas não tanto do ódio propriamente dito. O sadismo é um modo de organização da sexualidade, enquanto a agressão é, em princípio, uma forma de comportamento ou ação dirigida ao mundo externo (embora seja possível, de maneira um tanto figurada, falar de uma agressão silenciosa autodirigida, que se manifesta como melancolia ou neurose de destino, por exemplo). Ainda que a agressão possa ser a expressão do ódio ao objeto agredido real ou imaginariamente, ela não o é necessariamente e pode manifestar tendências psíquicas muito distintas. O ódio, contudo, é uma paixão ou um sentimento, algo que é vivido, experienciado por um sujeito. Ele possui, portanto, uma dimensão fenomenológica que é inerente à sua definição.2 É o ódio como uma experiência - sobretudo, como uma experiência primitiva e fundamental para a constituição do sujeito psíquico - que fica frequentemente em segundo plano na abordagem freudiana. Por isso, os momentos em que essa análise específica de fato aparece precisam ser explorados com detalhe.

A agressão é abordada por Freud em dois momentos, que correspondem às duas grandes etapas do desenvolvimento de sua teoria instintual. No quadro inicial da oposição entre os instintos egoicos de autoconservação e os instintos sexuais, a agressão aparece relacionada aos primeiros. Ela exprime o trabalho do ego para defender-se ou manter afastados os perigos externos, entendido num contexto biológico e adaptativo (Freud, 1910/1975n, 1915/1975j; Simanke, 2014). Com a formulação da dualidade que opõe os instintos de vida e de morte, a agressão passa a ser considerada uma manifestação desses últimos. Ela representaria um esforço do ego para expulsar de si, tanto quanto possível, o instinto de morte, ou seja, para evitar ou amenizar a autodestrutividade direcionando a agressão para o mundo dos objetos (Freud, 1920/1975c). Esse quadro aparentemente simples é complicado pelo fato de que os instintos sexuais - em princípio, pertencentes à classe dos instintos de vida - podem se combinar, de alguma maneira, com o instinto de morte, dando origem a fenômenos como o sadismo e o masoquismo (Freud, 1924/1975f). O fenômeno do sadismo, sobretudo, já tornava o quadro mais complexo no contexto da primeira teoria freudiana dos instintos. Tanto o sa-domasoquismo erótico propriamente dito quanto aquele que se manifesta nos estágios oral e anal do desenvolvimento sexual infantil requeriam que se considerasse a combinação entre a agressão - um avatar dos instintos do ego - e a sexualidade (Freud, 1905/1975q, 1913/1975e). No plano fenomenológico das paixões ou sentimentos, eles requeriam que se considerasse a possibilidade da fusão de ódio e amor, assim como a possibilidade da transformação de um em outro. É no tratamento dessas questões que a discussão da significação do ódio propriamente dito e de suas funções na vida mental aparece em Freud.

O locus classicus em que se encontra expressa a visão freudiana do ódio são as últimas páginas do ensaio metapsicológico de 1915 "Os instintos e seus destinos" (1975j).3 Essa também é a passagem em que Freud, pela primeira vez, discute mais longamente o problema da agressividade, mas, ao contrário do que acontece depois, os dois problemas são claramente distinguidos. Isso se deve, pelo menos em parte, ao fato de que Freud está aí empenhado em separar o problema da agressividade do sadismo, que até então dominara suas preocupações sobre os aspectos mais destrutivos do funcionamento mental. A razão principal para isso é a importância quase inconteste de que a sexualidade desfrutara até esse momento. Desde seus trabalhos iniciais sobre a histeria (Freud, 1896/1975a, 1898/1975o; Freud & Breuer, 1895/1975) até o caso do pequeno Hans (Freud, 1909/1975b) - uma fobia, redefinida através da noção recentemente introduzida de histeria de angústia -, a ênfase estava posta nos fatores sexuais, e a neurose era considerada uma patologia das relações libidinais ou amorosas, com apenas um lugar secundário reservado para os sentimentos de ódio. Esses últimos ganham relevo com o amadurecimento da teoria sexual que fundamenta a abordagem das neuroses e sua exposição sistemática nos Três ensaios (Freud, 1905/1975q), fortemente apoiada no material clínico fornecido pela psicopatologia das perversões sexuais descritas e classificadas pela medicina da época. Mas, por isso mesmo, a agressividade e o ódio aparecem regularmente associados ao tema do sadismo - um desvio da meta sexual genital que fornece argumento e evidência para sustentar o caráter perverso do desenvolvimento psicossexual infantil, ao ter suas origens remontadas aos estágios oral e anal desse desenvolvimento. Apenas em "Os instintos e seus destinos" agressividade e ódio recebem um tratamento independente do sadismo e são vinculados, antes de tudo, aos instintos egoicos. Na verdade, é apenas depois de separar o ódio do sadismo - e, com isso, da sexualidade - que Freud poderá se colocar, propriamente falando, a questão das relações entre o ódio e o amor.

Esse redirecionamento de sua visão sobre os vínculos entre agressão e sexualidade é também um efeito do interesse então recente de Freud pela neurose obsessiva, que passa a ocupar o lugar da histeria como foco de suas preocupações clínicas e teóricas. Esse interesse se manifesta no empenho na teorização sobre o caso do Homem dos Ratos e em outros textos desse período. Entre eles se destaca "A predisposição à neurose obsessiva" (Freud, 1913/1975e), em que pela primeira vez a precedência do ódio sobre o amor no desenvolvimento psíquico é brevemente aludida. Para tanto, Freud se apoia em pontos de vista semelhantes expressos por autores como Ferenczi (1909/2002) e Stekel (1911/1922), que por sua vez reverberam a tese nietzschiana de que o amor se forma a partir do ódio (May, 2011; Vleminck, 2018).

Enquanto Freud pensara as relações entre amor e ódio exclusivamente do ponto de vista instintual, o amor aparecera como a paixão primordial, a expressão do fluxo total dos instintos sexuais. O ódio, considerado quase que exclusivamente algo derivado do sadismo, era visto como uma das vicissitudes do instinto sexual e, nesse sentido, como secundário ao amor e tendo neste sua condição. Contudo, quando o processo de formação do ego entra em questão, na esteira da formulação da teoria do narcisismo na primeira metade dos anos 1910,4 a relação vai, ao fim e ao cabo, se inverter. Freud aborda as relações entre amor e ódio em "Os instintos e seus destinos" como ilustração de um destino (Schicksal) em particular, a saber, a reversão em seu contrário. Embora a transformação de amor em ódio e vice-versa pareça, à primeira vista, um claro exemplo de um par de opostos em que essa transformação possa ocorrer - na verdade, o único exemplo -, essa oposição simples vai ser complicada justamente pela consideração do problema da formação do ego e da sua relação com os objetos. Ao levar o ódio em conta, Freud reconhece que não faz sentido afirmar que um instinto ame ou odeie seu objeto; é o ego que ama ou odeia, e isso exige introduzir a formação do ego e sua diferenciação do objeto na equação:

Podemos, no limite, dizer de um instinto que ele "ama" o objeto que procura alcançar para fins de satisfação. Mas dizer que um instinto "odeia" seu objeto parece estranho. Assim, damo-nos conta de que atitudes de amor e ódio não podem ser utilizadas para as relações dos instintos com seus objetos, mas ficam reservadas para as relações do ego total com os objetos. (1915/1975j, p. 137)

É isso que Freud faz ao observar que, estritamente falando, o ódio e o amor não são o contrário um do outro, mas ambos em conjunto se opõem à indiferença. Ora, a indiferença em relação aos objetos caracteriza o estágio narcísico originário do ego. Esse ego narcísico corresponde ao que Freud, em "Formulações sobre os dois princípios dos acontecimentos psíquicos" (1911/1975h), chamara de ego-prazer (Lust-Ich). Nesse momento, tudo que é prazeroso - e portanto amado ou amável - é vivido como parte do ego. Inversamente, tudo que é doloroso ou desprazeroso é vivido como externo ao ego, integrando o mundo dos objetos, que são por isso hostilizados ou odiados. Desse modo, a relação amor-ódio se identifica originariamente como a relação sujeito-objeto: o ego narcísico não pode amar o objeto, somente odiá-lo e amar a si mesmo. De fato, Freud insiste em que apenas após a latência, com o encerramento do período infantil da sexualidade, o amor objetal poderá finalmente surgir. Como amor e ódio são, stricto sensu, modalidades possíveis de relação do ego com os objetos, é preciso concluir que o ódio é uma paixão primária, que o amor pode derivar do ódio, mas não o contrário: "o ódio, enquanto relação com objetos, é mais antigo do que o amor" (Freud, 1915/1975j, p. 139).

A relação do ódio com os instintos de autoconservação reforça esse caráter necessariamente objetal: o ego narcísico ama a si mesmo, mas ele só pode odiar aquilo que lhe é externo e ameaça sua existência. Vleminck assim sintetiza a abordagem do ódio em "Os instintos e seus destinos":

A elucidação complementar, por parte de Freud, da constituição do ego ... contribuiu para um esclarecimento completo das concepções de amor e ódio (e de sua relação). O ódio não mais pode ser considerado uma transformação do amor, que seria mais original que o ódio. Embora amor e ódio tenham sido longamente considerados por Freud como coincidindo com os instintos, a partir de "Os instintos e seus destinos" ele argumenta que tanto o ódio quanto o amor implicam uma relação do ego com um objeto. O ódio é a expressão da repulsa pelo objeto. Essa repulsa é motivada pelos instintos de autoconservação e, após algum tempo, pode também efetuar a destruição do objeto. Ao contrário do amor, o ódio não tem um contato intenso com o instinto sexual. Considerando a relação primária do ego com o mundo externo como objeto, o ódio é mais antigo do que o amor. (2018, p. 382)

É por esse raciocínio, então, que a prioridade do ódio sobre o amor nas relações humanas é afirmada por Freud. A mudança do quadro de referência conceituai para o tratamento dessas questões, com a formulação da assim chamada segunda dualidade instintual, pouco mudará essa posição. Em Além do princípio de prazer (1920/1975c), Freud observa que o esforço do ego para manter afastado de si o instinto de morte leva-o a canalizá-lo para fora sob a forma de agressão e destrutividade direcionada ao objeto. Como ele diz, o instinto de morte ensina à libido o caminho para os objetos. A sua abordagem do ódio, portanto, põe em evidência o lado sombrio do narcisismo: o ego só se distingue do objeto rejeitando-o, assinalando-o como hostil e, por conseguinte, no plano da experiência, odiando-o. Embora esse lado sombrio do narcisismo tenha ficado em geral implícito em Freud, ele foi mais extensamente desenvolvido por autores posteriores, através de noções como o narcisismo de morte de Green (1983/1988) e o narcisismo maligno de Kernberg (1984, 2004; Goldner-Yukov & Moore, 2010).

Esse vínculo entre o ódio e o narcisismo também permite transpor a sua consideração do plano instintivo para o contexto da intersubjetividade e das relações objetais. De fato, Freud apresenta inicialmente uma abordagem, digamos assim, solipsista do narcisismo, em que este aparece como uma modalidade de relação do ego com si mesmo - como o "grande reservatório" original da libido, que depois pode ser dispendida nos investimentos de objeto. Mas ele também concebe o narcisismo como um modo primordial de relação com o outro, como se pode perceber na questão da identificação com o objeto em "Luto e melancolia" (Freud, 1917/1975l), no tema da escolha narcísica de objeto ou na distinção entre identificação primária e secundária que se esboça em O ego e o id (Freud, 1923/1975g). Esse modo de relação que se pauta pela identidade entre o ego e o objeto formará a base das relações de objeto propriamente ditas, uma vez que a passagem pelo complexo de castração e pelo complexo de Édipo tiver introduzido o sujeito psíquico ao problema da diferença - a diferença sexual inicialmente, mas, num sentido mais amplo, a diferença entre o ego e o outro enquanto tal.

Um tema ligado à teoria freudiana do narcisismo que se tornou particularmente caro às ciências sociais na abordagem do ódio coletivo relacionado a nacionalidade, comunidade ou etnicidade, entre outras questões, é o assim chamado narcisismo das pequenas diferenças. Introduzido no artigo "O tabu da virgindade" (Freud, 1918/1975p), numa referência aos trabalhos do antropólogo britânico Ernest Crawley (1902), ele foi retomado diversas vezes depois, sobretudo nos trabalhos culturais de Freud, como Psicologia das massas e análise do ego (1921/1975i), O mal-estar na civilização (1930/1975d) e O homem Moisés e a religião monoteísta (1939/1975k). Essa noção ressalta o fato de que a familiaridade imaginária com o outro, interrompida apenas por um traço distintivo isolado - mas, em todo caso, marcante o suficiente para não poder deixar de ser notado -, ocasiona muitas vezes uma reação de ódio e agressividade bem mais intensa do que aquela provocada por uma diferença maciça (Gabbard, 1993). Essa última, com efeito, frequentemente se dissolve na condescendência concedida ao "exótico". Em Psicologia das massas, Freud se refere ao narcisismo das pequenas diferenças para explicar o ódio entre cidades vizinhas ("campanilismo") e entre comunidades nacionais aparentadas e próximas geográfica e historicamente, como os alemães do sul e do norte, os ingleses e os escoceses, os portugueses e os espanhóis. Seria possível acrescentar as relações entre os brasileiros e os portugueses ou entre os franceses e os belgas, que tanto alimentam o anedotário sobre os estereótipos nacionais. Essa referência de Freud, significativamente, se encadeia à sua famosa menção à parábola schopenhaueriana, apresentada em Parerga e paralipomena (Schopenhauer, 1851/2006), dos porcos-espinhos no campo de neve, que ciclicamente se aproximam para aquecer-se e se separam para evitar os espinhos. Essa é uma excelente ilustração da inerência do conflito - e, com ele, do ódio - na realidade humana. Criatura essencialmente social, o ser humano não pode decidir abdicar de sua sociabilidade. Formados num ambiente social e numa intersubjetividade constitutiva do seu ser, um misantropo ou um eremita levam seus outros consigo onde quer que resolvam se isolar. Mas a sociabilidade representa também um ônus muitas vezes difícil de suportar e, quando a onipresença do outro, interno ou externo, se torna um fardo, a tensão, o conflito e o ódio emergem de modo inevitável. É por isso que, como se observou antes, Freud compartilha, à sua maneira, da ontologia nietzschiana do conflito: esse último é um elemento constitutivo do ser da criatura humana, com todos os seus efeitos.

Em O homem Moisés e a religião monoteísta, Freud chega a esboçar uma aplicação do narcisismo das pequenas diferenças à explicação do antissemitis-mo europeu, referindo-se ao fato de os judeus serem, etnicamente, um povo do mediterrâneo - e, portanto, próximo e familiar aos europeus -, mas viverem (na época) em comunidades relativamente isoladas no seio das sociedades europeias, com hábitos e práticas culturais idiossincráticas. Outros autores (Block, 1998; Clarke, 1999) retomaram essa explicação e a utilizaram na compreensão das formas drásticas de antissemitismo que marcaram o período de domínio nazista na Alemanha. Eles assinalam o fato de que o grau de assimilação dos judeus na sociedade alemã pouco contribuiu para protegê-los do ódio coletivo estimulado e intensificado pela propaganda sistemática nazista. Pelo contrário. Ou seja, a percepção social distorcida e instrumentalizada pelo terror nazista era de que aquelas comunidades consistiam de alemães razoavelmente aceitáveis, exceto pelo fato de serem judeus. O narcisismo das pequenas diferenças contribuiria assim para a eficácia da estratégia, bastante comum aos regimes totalitários, de justificar a opressão criando um consenso em torno da ameaça representada por um "inimigo interno" ou um "inimigo nas trincheiras". O outro "quase" semelhante que vive entre nós é mostrado como aquele que deve ser temido acima de tudo e, por isso, estigmatizado e odiado.

Essas observações se prestam também para introduzir o problema das relações entre o ódio e o medo. O que se odeia é, tipicamente, aquilo que se teme; o que não se teme pode ser ignorado ou destruído com desdém. O medo, por sua vez, é uma das paixões classicamente enfatizadas por toda uma vertente da filosofia política, que vai, em última instância, atribuir a ele a própria existência da sociedade juridicamente organizada e do Estado como tal. Thomas Hobbes (1651/1985), como se sabe, erigiu sua teoria política sobre esse pressuposto. Ele supôs um estado de natureza hipotética em que o animal humano vive movido por seus instintos básicos. Esses instintos o levam a satisfazer, a qualquer custo, egoística e incondicionalmente, suas necessidades orgânicas de sexo, abrigo e alimento. Contudo, seu instinto de sobrevivência o põe num estado de angústia permanente, devido ao fato de poder ser, a qualquer momento, assassinado por algum outro em busca da mesma satisfação. O estado de natureza é, assim, uma "guerra de todos contra todos". No momento em que o medo se intensifica a ponto de se impor sobre as outras paixões, surgem as condições para a emergência da sociedade organizada e do Estado. Nestes, por um contrato implícito, a massa consente em renunciar à liberdade de procurar satisfazer de maneira incondicional suas necessidades e se submete à autoridade do governante. Este representa o Estado, que na verdade é um imenso monstro multiforme, composto da totalidade dos indivíduos que nele se amalgamam submissamente (o Leviatã de Hobbes), e é daí que provém o seu poder. Acima de tudo, os súditos concedem ao Estado o monopólio da violência, que a exerce, em princípio, segundo regras consentidas, e renunciam com isso à agressão individual, submetida desde então às penas da lei. É, então, o medo instintivo que os seres humanos têm uns dos outros (homo homini lupus) que torna possível o Estado, como um mal menor capaz de mitigar a angústia. Como insiste Hobbes, um mau governo seria ainda melhor do que governo nenhum.

Psicanaliticamente falando, o medo e a angústia estão intimamente ligados ao desamparo (Hilflosigkeit) quase absoluto que caracteriza a vida humana em seus primórdios. Sendo, do ponto de vista biológico, um animal de nascimento bastante prematuro, o filhote humano depende integralmente dos cuidados parentais ou de outros adultos para sobreviver. Como indica Freud já no Projeto de uma psicologia, de 1895, a prematuração e o desamparo ao nascer são, para o ser humano, "a fonte primordial de todos os motivos morais" (1950/1975m, p. 318). Isso quer dizer que, para o indivíduo humano em formação, a existência de outro ser que esteja suficientemente interessado nele para cuidá-lo e protegê-lo é condição sine qua non de sobrevivência. Assim, o bem supremo do sistema de valores pelo qual cada sujeito, consciente ou inconscientemente, pauta sua conduta e que regula seu funcionamento mental é o de ser amado pelo outro. É por isso que a intersubjetividade é constitutiva da condição humana, e a presença interna ou externa do outro, inescapável. Como Freud afirma na abertura de Psicologia das massas (1921/1975i), o outro está sempre presente no psiquismo, seja como objeto sexual ou de amor, seja como rival ou inimigo, razão pela qual a distinção entre uma psicologia social e uma psicologia do indivíduo é mais convencional do que efetiva. É sua abordagem rigorosamente inaugural do papel do desamparo na vida mental que permite dar pleno sentido e alcance a essa afirmação. Mas, como ele argumenta nessa mesma obra, a presença do outro é frequentemente um espinho na carne.5 Como visto antes, ódio e amor não são dois opostos, mas como que as duas faces de um mesmo fenômeno, a saber, a relação intrinsecamente ambivalente do ego com seus objetos - o ódio é a "verdade sombria do amor", diz Vleminck (2018) no título de seu trabalho. Sendo o ódio, assim, um fator primário e constitutivo da realidade humana, é no contexto da intersubjetividade e das relações de objeto que se devem procurar os elementos para distinguir o ódio enquanto tal das suas manifestações patológicas e destrutivas, que são mais frequentemente associadas ao conceito.

 

O ódio e o outro

Entre as tradições pós-freudianas, autores como Jacques Lacan e Melanie Klein procuraram levar adiante a teorização freudiana sobre a destrutividade e a agressão, na qual o ódio aparece enquanto paixão fundamental. Lacan concede uma atenção especial à agressividade em suas primeiras obras, no contexto de uma teoria sobre os fundamentos imaginários dos processos de constituição do sujeito. Nos textos em que essa teoria se desenvolve (Lacan, 1938/2001, 1949/1966c), a situação prototípica do reconhecimento especular - o momento do desenvolvimento em que a criança descobre que a imagem no espelho é um reflexo do próprio corpo - é utilizada como ponto de partida para elaborar uma abordagem da gênese do sujeito psíquico em que a relação intersubjetiva desempenha uma função absolutamente central. O outro imaginário é o protótipo primordial do ego, na medida em que a criança tem, nele, o vislumbre antecipado de uma totalidade corporal integrada que ela ainda não vivencia em termos proprioceptivos. Isso se deve à prematuração do recém-nascido, ao estado inacabado do organismo ao nascer, mesmo em termos anatômicos e neurológicos. Daí o caráter constitutivo atribuído à identificação imaginária maciça com o outro - aquilo que Freud designou como identificação primária -, o que torna a alienação de si igualmente a condição originária do ego. Como indicado antes, ser suficientemente amado é condição de sobrevivência para o filhote humano. O que o espelho mostra é o modo como o sujeito é visto pelo outro, e conformar-se ao que o outro espera ver é, então, condição para a garantia de seu amor, pelo menos na fantasia. Daí decorre o caráter paradigmático da experiência do reconhecimento especular para a construção da teoria lacaniana nesse momento, embora evidentemente o problema do reconhecimento seja muito mais complexo e não se restrinja a esse aspecto. A temática do reconhecimento, por sua vez, aproxima Lacan do neo-hegelianismo francês, que lhe é contemporâneo. Nessa corrente filosófica, o reconhecimento desempenha um papel fundamental na compreensão do processo histórico de aparecimento da humanidade propriamente dita no âmbito do mundo natural (Arantes, 1992).

Essa corrente intelectual, marcada pela recepção do pensamento filosófico de Hegel em solo francês, de fato transforma a reconstrução lógica do advento do Espírito (a cultura humana) no mundo numa antropologia filosófica no pleno sentido da palavra. Autores como Alexandre Kojève (a principal referência lacaniana nesse campo) - influenciado, por sua vez, tanto por Hegel quanto por Heidegger e pelo marxismo - sustentam uma visão do processo de humanização do animal pré-humano baseada inteiramente no conflito. O reconhecimento, segundo essa visão, se dá numa situação de combate hipotético entre duas consciências, que procuram impor uma à outra o reconhecimento de sua humanidade. Esse confronto resulta em relações de servidão e dominação, em que a consciência que arriscou sua vida até o limite na luta pelo reconhecimento emerge como a figura histórica do senhor, enquanto aquela que recuou de sua reivindicação pelo medo da morte permanece a meio caminho entre o animal e o homem e aparece historicamente como o servo ou escravo. Esse último terá que encontrar outra via para afirmar a sua humanidade ao longo do processo histórico, o que acontecerá dessa vez através do trabalho, e não mais do combate (Kojève, 1947/2002). Essa visão da antropogênese, compreensivelmente, tem consequências funestas para qualquer teoria geral da natureza humana que dela possa proceder. Segundo Vincent Descombes (1979/1998), é uma concepção terrorista da história que se encontra em Kojève e, por extensão, naqueles cujo pensamento foi influenciado por ele, desde Lacan até o Merleau-Ponty de Humanismo e terror (1948/1980), por exemplo.

Lacan, de fato, transpõe o esquema filosófico de Kojève para o desenvolvimento infantil. O complexo nuclear de sua teoria inicial não é o complexo de Édipo freudiano, mas o complexo da intrusão, cuja situação prototípica é o conjunto de conflitos, ansiedades e fantasias que cercam o nascimento de um irmão. A rivalidade fraterna encarna, no ambiente familiar, o processo de constituição do ego na relação imaginária com o outro apresentada pelo estágio do espelho. Desde Caim e Abel, Esaú e Jacó, Etéocles e Polinice até O mestre de Ballantrae de Stevenson, não faltam exemplos mitológicos e literários para ilustrá-la. Para Lacan, os irmãos não competem por alimento nem por nenhum outro objeto natural, mas pelo reconhecimento aos olhos do outro, ou seja, por esse valor exclusivamente imaginário que Kojève denominara puro prestígio. O ódio direcionado ao semelhante resulta dessa rivalidade, e seu caráter originário faz Lacan afirmar que "o ciúme humano se distingue, portanto, da rivalidade vital imediata, já que ela forma seu objeto e não é determinada por ele; o ciúme se revela o arquétipo de todos os sentimentos sociais" (1938/2001, p. 43).

Quando aplica esse quadro de referência conceitual aos fenômenos da agressividade e da criminalidade (Lacan, 1948/1966a, 1951/1966b), o caráter imaginário das dinâmicas psíquicas envolvidas nesses comportamentos serve-lhe de argumento para a tese de que o ódio e a destrutividade dispensam uma hipótese tal qual o instinto de morte freudiano ou, mesmo, uma agressão adaptativa relacionada aos instintos do ego. Ao contrário, a destrutividade humana, sobretudo aquela voltada para o seu semelhante, se explicaria pelas origens imaginárias do sujeito numa relação inextricável de identificação e rivalidade mortífera com o outro. Em suma, há um "mal-estar na civilização" em Lacan, mas este não se explica pela frustração instintiva e pela ação silenciosa do instinto de morte, como acontece em Freud. As repercussões desse ponto de partida se estendem longe na obra de Lacan e se manifestam, por exemplo, em sua visão específica do ódio, desenvolvida mais tarde, como uma das paixões fundamentais do ser, ao lado do amor e da ignorância. A partir da inflexão em seu pensamento que põe o registro do real em primeiro plano, em detrimento do imaginário e do simbólico, que antes ocuparam esse lugar, ele vai igualmente conceder primazia ao ódio, mesmo que por uma via distinta da de Freud, considerando-o "o mais lúcido dos sentimentos" (Recalcati, 2012).

Melanie Klein, por sua vez, realiza uma espécie de síntese das duas perspectivas pelas quais o ódio é abordado em Freud (instintiva e intersubjetiva ou objetal). Por um lado, assume integralmente a segunda dualidade instintiva de Freud e constrói sua teoria a partir da substancialização dessas forças vitais, que atuam metaforicamente como fluidos de propriedades opostas (Petot, 1979/1991). Cada indivíduo nasceria dotado de certa proporção deles, com a qual suas defesas, então, teriam que lidar. A qualidade do ambiente pode favorecer a integração do ego e a atenuação das defesas primárias mais drásticas, mas um excesso de instinto de morte ao nascer parece condenar o sujeito à angústia, à desagregação e à patologia. Klein, por outro lado, põe todo o desenvolvimento psíquico, desde a origem, no contexto das relações objetais. As experiências de dor e satisfação engendram diretamente, no mundo interno da fantasia, uma variedade de objetos parciais, vivenciados como favoráveis ou hostis e sintetizados nas figuras prototípicas do seio bom e do seio mau (Baranger, 1981). As defesas esquizoides tratam de mantê-los separados, de forma que o ego possa experienciar a proximidade com o seio bom idealizado, ao mesmo tempo que se defende ou ataca, de modo paranoide, o mau objeto. Em suma, cada experiência de satisfação ou prazer é fantasiada como a presença ou o resultado da ação do bom objeto, enquanto cada experiência de dor ou angústia resultaria das maquinações do mau objeto. Esse sistema inicial de fantasias, angústias e defesas é o que Klein (1946/1986c), mais tarde, denominou posição esquizoparanoide, um conceito que, mais do que uma fase do desenvolvimento, designa certa configuração estrutural que pode retornar ao longo da vida. Nela, o bom objeto é amado incondicionalmente, e o mau objeto é incondicionalmente odiado, sem possibilidade de nuança ou meio-termo. Situações regressivas individuais ou coletivas podem reativar essa configuração a qualquer momento, o que se manifesta claramente na demonização ou no endeusamento de certos personagens, algo característico dos fenômenos de massa.6

Se as experiências positivas prevalecem sobre as negativas, permitindo que os processos de introjeção, através dos quais o ego se aproxima dos objetos, predominem sobre os de projeção, pelos quais ele se afasta deles, a integração concomitante e progressiva do ego e do objeto pode levar à posição depressiva, que tem como condição a percepção de que o bom e o mau objeto são aspectos de um mesmo objeto único total (Klein, 1935/1986a, 1940/1986b). Com isso, alteram-se drasticamente as angústias e as defesas correspondentes. A noção de que o mesmo objeto amado foi odiado e agredido em outros momentos conduz ao sentimento de culpa, a ansiedade depressiva por excelência, com profundas implicações para a visão da ética e da moralidade que decorre da teoria kleiniana (Kenny, 1986; Simanke, 1991). As defesas incluem agora a negação maníaca da agressão ao objeto, assim como a idealização ou reparação onipotente dele. Importa notar que a relação amor-ódio se torna muito mais complexa com o surgimento de uma ambivalência que é também constitutiva da relação de objeto. Como nenhum objeto pode satisfazer plenamente ou corresponder plenamente a seu lugar imaginário na fantasia inconsciente, o ódio e as defesas e ansiedades correspondentes são igualmente parte constitutiva da relação. Essas últimas só podem ser atenuadas com a continuidade dos processos de integração, que permitem a sublimação das ansiedades e o acesso a um funcionamento neurótico, deixando para trás, em princípio, a psicose estrutural das duas posições iniciais (Klein & Riviere, 1937/1970).

Até aqui, o pensamento kleiniano não rompe inteiramente com a perspectiva freudiana que vê na frustração instintiva a fonte principal do ódio tal como este se manifesta clinicamente na experiência. Tampouco adota uma posição intransigentemente pessimista: embora exposto às vicissitudes da bagagem inata e das circunstâncias ambientais, não é impossível que um sujeito razoavelmente integrado e equilibrado resulte desses processos (embora talvez se possa considerar que seja improvável). Tudo muda de figura com a publicação de "Inveja e gratidão" (Klein, 1957/1975). Antes, a aproximação ao bom objeto atenuava as ansiedades e as defesas e propiciava os processos de integração do ego. Por outro lado, o mau objeto era odiado, sobretudo por sua ausência ou negligência - o mau seio é, antes de tudo, o seio que não nutre, o seio que se nega enquanto fonte de gratificação. Com a introdução do conceito de inveja, o bom objeto, total ou parcial, passa a ser odiado não apesar de sua bondade e generosidade, mas justamente por causa dela. A noção de inveja de Klein se aproxima, desse modo, do ressentimento de Nietzsche, uma atitude negadora da vida que ele se esforça por distinguir do ódio propriamente dito (Siemens, 2015). A inveja não visa afastar o objeto invejado para permitir o surgimento de uma alternativa melhor. Ela visa, antes, despojar e esvaziar o objeto de sua riqueza e destruir a objetalidade enquanto tal. O ódio produzido pela inveja é direcionado à própria existência do objeto. É um ódio que tem como alvo a vida e o ser na sua totalidade. No plano clínico, a inveja primária se presta a explicar as formas mais acirradas e patológicas de ódio, que podem emergir mesmo na presença de um ambiente acolhedor e saudável. Klein torna assim o ódio totalmente independente da frustração instintiva, como Lacan o fizera por outras vias (Recalcati, 2012). O mesmo acontecera com Freud, em quem a segunda dualidade instintiva dissolve qualquer vínculo necessário entre ódio e frustração da libido, deixando pouco espaço para qualquer otimismo clínico, social ou metafísico que pudesse ser propiciado pelo estágio inicial da teoria. A inveja representa, em todos os aspectos, o além do princípio do prazer do pensamento kleiniano, com todas as suas consequências.

Há, contudo, autores que exploraram especificamente a questão do ódio e que se esforçaram em articular uma visão mais positiva dele, resgatando o papel que Freud lhe atribuíra inicialmente na constituição do ego e na sua diferenciação do objeto. Otto Kernberg, por exemplo, reconhece as funções biológicas da agressão e do ódio adaptativo a ela relacionado. Como se sabe, uma peça central de sua teoria é a tese de que os afetos, não os instintos ou impulsos, constituem os sistemas motivacionais primários para a ação humana. Nesse contexto, a raiva é considerada por ele um afeto primário que enseja uma reação automática de agressão defensiva. Dela podem derivar outros afetos, como a fúria, a irritação, o ódio e a inveja. Se a raiva se torna excessiva e cronicamente ativada, pode se estruturar como ódio, isto é, "a organização permanente de uma autorrepresentação enraivecida relativa a uma representação de objeto enraivecida" (Kernberg, 1998, p. 194). Além de certo ponto, esse processo pode dar origem à violência como uma forma extrema de agressão. Assim, embora a agressão e a raiva não sejam patológicas em si, Kernberg (1991, 1995) considera o ódio o afeto dominante na psicopatologia da agressão humana.

Pao (1965) já enfatizara, num contexto mais clínico e relacionado à prática hospitalar, os aspectos integrativos e funcionais do ódio. Para ele, a perseverança do ódio no tempo, ao contrário da efemeridade da raiva, além do fato de direcionar-se a objetos internos e não apenas externos, desempenha um papel importante na consolidação do ego e na própria construção da identidade do sujeito: "Ao ligar o passado e o futuro, o ódio estabelece uma sensação de continuidade e pode ser usado como uma defesa egossintônica, como a base de um relacionamento e como o núcleo da identidade pessoal" (p. 258). Galdston (1987) leva adiante esse tipo de consideração até formular, como Nietzsche, o que se pode considerar uma tipologia do ódio, que permite discriminar entre suas formas saudáveis e aquelas potencialmente patológicas. Ele é talvez o autor que mais decididamente atribui uma função positiva ao ódio no amadurecimento das funções do ego e no controle dos impulsos mais primitivos:

Minha tese central é que o ódio fornece uma adaptação homeostática da reação impulsiva de retaliação. O ódio permite a superimposição de um processo psicossomático sobre o reflexo sensório-motor de luta ou fuga em resposta aos estímulos do perigo percebido. O ódio permite ao ego recuperar a agressão através de um processo comparável ao luto pela libido perdida com um objeto decepcionante. (p. 371)

Mas é claro que essa função integradora não se consuma apenas permanecendo numa situação de ódio com relação ao objeto, por mais que esta, por si só, já contribua para atingir a constância de objeto, a diferenciação do ego e a construção da identidade. Se odiar é uma capacidade importante para o desenvolvimento, superar o ódio o é ainda mais. Com essa superação, a agressão pode ser dominada e mantida em níveis adaptativos aquém da sua exacerbação patológica:

A ênfase se põe aqui sobre a função do ódio como um modo de se relacionar com objetos que depende e contribui para atingir a constância de objeto, uma realização psíquica necessária para o efetivo funcionamento do ego. Meu argumento é que o desenvolvimento das habilidades de odiar e de superar o ódio são duas realizações cruciais para o crescimento do ego rumo ao domínio da agressão em relação ao mundo objetal. (p. 371)

Por isso, o esboço de caracterologia com relação ao ódio que resulta dessas considerações inclui: 1) aqueles que são incapazes de odiar; 2) aqueles que não conseguem parar de odiar; 3) aqueles que aprenderam tanto a odiar quanto a superar o ódio. No primeiro caso, há um desenvolvimento insuficiente do ego, que resulta numa atitude derrotista e submissa diante dos outros e do mundo e inconstante nas suas relações. No segundo, há um ego desenvolvido até certo ponto, mas fixado numa relação odiosa com o objeto, seja de forma assumida e explícita, seja de forma internalizada, reprimida e sintomática. Apenas no terceiro caso o ódio teria cumprido integralmente a sua função no desenvolvimento, dando origem a um ego forte o bastante para ser capaz de perdoar ou deixar para lá a agressão recebida ou fantasiada.

Embora outros exemplos pudessem ser citados, estes devem bastar para ilustrar o ponto em questão aqui. O ódio não é, necessariamente, um mal em si, sendo um fenômeno complexo e difícil de ser apreendido por uma única descrição (Lazar, 2003). Ele faz parte da natureza humana e desempenha um papel importante em sua constituição. O ódio é, mesmo, uma paixão primária, que está presente desde o início desse processo. Que ele possa se tornar destrutivo em alto grau é uma consequência das vicissitudes da constituição do sujeito psíquico, da intensidade relativa de certos fatores inatos e dos acidentes e traumas que podem ter dado origem às modalidades patológicas de narcisismo e de relação de objeto. Os autores que desenvolvem essas ideias retomam e exploram, assim, uma possibilidade já entrevista nas elaborações inaugurais de Freud sobre o tema. Com isso em mente - e a título de conclusão -, é possível discutir a posição freudiana e psicanalítica contra o pano de fundo da tradição filosófica, a fim de explicitar, pelo menos tentativamente, certas implicações antropológicas dessa posição.

 

Considerações finais: as múltiplas faces do ódio

Keith Green (2008) afirma que existem quatro grandes teorias do ódio no pensamento filosófico ocidental, a saber, as de São Tomás de Aquino, Espinosa, Nietzsche e Freud. Essa observação, por si só, põe a visão freudiana e psicanalítica num contexto filosófico bastante amplo e permite analisá-la comparativamente. Para Aquino e para Espinosa, o ódio não é uma paixão primária em nenhum sentido, e é condenável e injustificável tanto moral quanto cognitiva e racionalmente. A posição de Espinosa é, nesse sentido, mais drástica do que a de Aquino, pois este ainda reconhece a existência de um "ódio natural" defensivo, que pode ser mantido dentro de uma "justa medida": a raiva representaria o impulso para reagir ao agressor na medida necessária para a própria proteção, enquanto o ódio surgiria no momento em que essa reação passasse a visar a destruição total do objeto, considerada já um fim em si mesma e da qual se pode obter prazer. Para Espinosa, ao contrário, a raiva já seria uma expressão do ódio, que resultaria de uma ideia inadequada das causas externas para a tristeza e o sofrimento. Segundo ele, não há, portanto, absolutamente nenhuma possibilidade de atribuir qualquer virtude ou racionalidade ao ódio.

Para Nietzsche - e também para Freud, como se viu -, o ódio é uma paixão básica e primária e, em última instância, condição para o surgimento do amor. Não surpreendentemente, ambos se inclinam a reconhecer que o ódio não seja um mal em estado puro e que tenha um papel positivo a representar na existência humana, pelo menos em algumas de suas formas. Em Nietzsche, de fato, é possível distinguir o ódio propriamente dito (Hass) do desprezo (Verachtung), por um lado, e do ressentimento, por outro (Siemens, 2015). O ódio se manifesta numa relação entre iguais; o desprezo, numa relação entre o sujeito e alguém que ele julga inferior; o ressentimento, no sujeito que se põe numa posição de fraqueza e inferioridade diante de alguém que julga superior a si (mutatis mutandi, algo próximo à inveja de Klein). Essa distinção se baseia na consideração do ódio no contexto filosófico proporcionado pela vontade de potência, que se manifesta desde o nível mais básico da vida, na necessidade do organismo de consumir e assimilar outros seres, a fim de crescer e se aperfeiçoar. No plano das relações com o outro, o ódio aumenta na razão direta da resistência oferecida a esse processo de assimilação e de superimposição. Nesse sentido, o ódio se manifesta com toda a plenitude no confronto com outro igual, a quem se possa atribuir o mesmo valor e dignidade que se reivindica para si (Siemens, 2013). O verdadeiro ódio é, assim, o ódio entre pares. Ele pressupõe a admiração pelo inimigo, que é já o primeiro passo para o amor. O homem dotado de nobreza, diz Nietzsche,

sacode de si, com um movimento, muitos vermes que em outros se enterrariam; apenas neste caso é possível, se for possível em absoluto, o autêntico "amor aos inimigos". Quanta reverência aos inimigos não tem o homem nobre! - e tal reverência é já uma ponte para o amor... Ele reclama para si seu inimigo como uma distinção, ele não suporta inimigo que não aquele no qual nada existe a desprezar e muito a venerar! (1887/1987, p. 37)

Desse modo, o ódio é a contraparte dos processos de assimilação, assim como o desprezo é a contraparte dos processos de excreção, no plano fisiológico do organismo, em que a vontade de potência se manifesta na sua forma primordial. Rejeitar, desprezar ou condenar como maligno o objeto do ódio é, em última instância, não compreender o próprio corpo, é equivocar-se sobre as próprias paixões no seu nível mais fundamental. Essa visão se expressa ainda mais claramente nas palavras de Zaratustra: "Deveis ter apenas inimigos para serem odiados, não inimigos para desprezar. Tendes de ser orgulhosos de vosso inimigo: assim já ensinei uma vez" (Nietzsche, 1883/2011, p. 201).

Nietzsche é, com certeza, quanto à questão do ódio, o autor da tradição filosófica que mais se aproxima de Freud, não se podendo descartar alguma influência direta, embora não pareça haver evidências disso com relação a esse ponto específico. Se Freud, com efeito, articula uma das grandes teorias do ódio na história do pensamento filosófico ocidental, para qual visão geral da natureza humana essa teoria aponta? Qual é a antropologia que Freud legou aos seus seguidores, dos quais alguns desenvolvimentos foram recapitulados aqui? Como se viu, na contramão da posição mais frequente em quase toda a história da filosofia, Freud atribui primazia ao ódio, e não ao amor. O ódio é uma paixão primária, que introduz a distinção entre o ego e os objetos, entre o si mesmo e o outro, e torna possível o amor. O ódio, portanto, faz parte da bagagem instintiva e relacional de todo ser humano. Embora Freud tenha, ele mesmo, evoluído rumo a uma visão mais pessimista da condição humana e da possibilidade de felicidade, é possível se perguntar se essa primazia do ódio tem necessariamente consequências destrutivas. Ainda que autores como Lacan e Klein pareçam ter se inclinado para um prognóstico negativo, outros retomaram os aspectos mais positivos das elaborações freudianas e as exploraram em diversas direções, tanto no plano clínico quanto no metapsicológico. Kernberg, como visto, reconhece o caráter inato, biológico e adaptativo da agressão, que tem no ódio seu afeto nuclear. Mas a destrutividade doentia encontrada nas patologias narcísicas graves requer fatores suplementares para ser justificada, sejam eles traumáticos ou ambientais. Com isso, Kernberg se aproxima de concepções biológicas mais recentes, as quais, mesmo reconhecendo o caráter inato e evolutivamente determinado da agressão humana, colocam o homem numa posição apenas intermediária na destrutividade das espécies (Wilson, 1978), na contramão das visões mais sanguinárias da natureza humana que se podiam encontrar antes, seja na biologia do comportamento (Lorenz, 1963/2002), seja no próprio campo psicanalítico (Fromm, 1973). A psicanálise poderia talvez alinhar-se com outros campos do conhecimento científico em que se argumenta que, submetida a um exame objetivo, baseado em dados e em evidências empíricas rigorosas e quantificáveis, a violência tem decrescido na história humana recente, ao contrário do que uma percepção mais impressionista dos acontecimentos das últimas décadas poderia fazer crer (Pinker, 2011).

Isso não quer dizer, evidentemente, que o ódio e a destrutividade não possam assumir formas aterrorizantes nas patologias individuais ou sociais. A dor, o desencanto, a frustração de expectativas, a desesperança, a suscetibilidade à manipulação e à sugestão, uma constituição específica, entre tantos outros fatores, podem a qualquer momento fazer emergir o que há de pior na natureza humana, com as consequências desastrosas que todos conhecem. Por outro lado, a primazia do ódio na hierarquia das paixões significa que ninguém está livre ou acima dele. Odiar não é uma prerrogativa dos canalhas. Respondendo à pergunta de Sócrates, o animal humano talvez seja mais manso e singelo do que em geral se supõe. Mas no fundo de cada um há um Tífon à espreita, esperando por uma oportunidade de fazer ouvir o seu uivo e estender para fora uma de suas horrendas cabeças.

 

Referências

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Correspondência:
Richard Theisen Simanke
Rua Leonildo Gonçalves Regado, 214, casa 8
36038-420 Juiz de Fora, MG
Tel.: 32 99184-5504
richardsimanke@uol.com.br

Recebido em 10/4/2019
Aceito em 17/4/2019

 

 

1 Este trabalho foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço a Marina Massi o gentil convite para contribuir com esta edição. Infelizmente, por limitações de tempo, não foi possível preparar um estudo mais elaborado. Por isso, as considerações apresentadas aqui são provisórias em todos os seus aspectos, e o artigo como um todo deve ser tomado como o esboço preliminar de um argumento ainda em construção.
2 Freud afirma o caráter intrínsecamente fenomenal das paixões e afetos ao rejeitar a ideia de que possa haver sentimentos inconscientes stricto sensu: "Assim, a possibilidade do atributo da inconsciência estaria completamente excluída, na medida em que esta se refira a emoções, sentimentos e afetos. Mas, na prática psicanalítica, estamos acostumados a falar de amor, ódio e raiva inconsciente etc." (1915/1975r, p. 177). Descartes igualmente abre o trabalho sobre As paixões da alma afirmando esse caráter fenomenal das paixões e enfatizando seu valor metodológico: "Esse tópico [das paixões] ... não parece ser dos mais difíceis de investigar, pois todos sentem as paixões em si mesmos e não precisam procurar em outro lugar por observações para estabelecer sua natureza" (1649/1985 , p. 328). Ver também Tate (2017).
3 Acompanho aqui, em linhas gerais, a análise de Vleminck (2018). Ver também as duas seções iniciais de Recalcati (2012).
4 Para uma descrição e análise do processo de formação do conceito de narcisismo, ver Simanke (2009), sobretudo o cap. 3, pp. 124-142.
5 Para uma abordagem sistemática do papel do desamparo numa teoria geral dos afetos políticos fortemente baseada na psicanálise, ver Safatle (2015).
6 Embora não seja possível aqui explorar mais longamente esse ponto, há interessantes - e pouco conhecidas entre nós - tentativas de aplicar a teoria kleiniana à análise do contexto social e político. Ver, por exemplo, Rose (1993) e Alford (2001).

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