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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.2 São Paulo Apr./June 2019

 

DIÁLOGO

 

Fluidez de gênero e gênero como força interpelativa: discussão com Jacqueline Rose

 

Gender fluidity and gender as interpellative force: a discussion with Jacqueline Rose

 

Fluidez de género y género como fuerza interpelativa: discusión con Jacqueline Rose

 

Fluidité de genre et le genre comme force interpellative: discussion avec Jacqueline Rose

 

 

Adrienne HarrisI; Tradução Tania M. Zalcberg

IPsicanalista. Analista de Supervisão e Treinamento na New York University (NYU) Programa de Pós-Doutorado em Psicanálise e Psicoterapia

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo examina as implicações da fluidez de gênero e da permanência de gênero para fins de experiência clínica e social. Consideram-se as crises de desenvolvimento em torno da separação tanto para desenvolvimento masculino quanto para o feminino. Teorias de desenvolvimento, teoria de sistemas dinâmicos não lineares e interseccionalidade são propostas como modelos úteis, uma vez que contemplam a identificação no desenvolvimento.

Palavras-chave: fluidez, interseccionalidade, dinâmicas não lineares, melancolia, masculinidade, disfarce


ABSTRACT

This essay examine the implications of gender fluidity and gender fixity for clinical and social experience. The developmental crises around separation are considered for both male and female development. Developmental theories, nonlinear dynamic systems theory and intersectionality are proposed as useful templates for considering identification in development.

Keywords: fluidity, intersectionality, nonlinear dynamics, melancholy, masculinity, masquerade


RESUMEN

Este estudio examina las implicaciones de la fluidez de género y de la permanencia de género para fines de experiencia clínica y social. Se consideran las crisis de desarrollo en relación a la separación tanto para el desarrollo masculino como para el femenino. Teorías de desarrollo, teoría de sistemas dinámicos no lineales e interseccionalidad son propuestas como modelos útiles, pues contemplan la identificación en el desarrollo.

Palabras clave: fluidez, interseccionalidad, dinámicas no lineales, melancolía, masculinidad, disfraz


RÉSUMÉ

Cette étude examine les implications de la fluidité et de la permanence de genre, ayant pour but une expérience clinique et social. On a pris en compte les crises de développement au tour de la séparation, soit pour le développement masculin, soit pour le féminin. On propose des théories de développement, la théorie de systèmes dynamiques non linéaires et de l'intersectionnalité en tant que modèles utiles, étant donné qu'ils traitent de l'identification dans le développement.

Mots-clés: fluidité, intersectionnalité, dynamiques non linéaires, mélancolie, masculinité, déguisement


 

 

Introdução

Durante o ano anterior, escrevi, reescrevi e repensei a questão do assédio sexual e do #MeToo. Como muitas pessoas, eu imagino, fiquei chocada e profundamente envolvida nessas questões, em palestras, e-mails e leituras, observando a mudança, o progresso e o retrocesso do cenário. Descubro-me modificando, editando e retrabalhando quase semanalmente. O #MeToo como movimento e força social profundamente problemática passou por inúmeras e rápidas transformações. Parece também ter provocado diferenças geracionais muito vigorosas nas respostas, além de diferenças mais óbvias nas posições de gênero e identidade. Colaboradora silenciosa, testemunha e vítima rejeitada, entristecida, enfurecida, traumatizada e retraumatizada: a surpresa dessa experiência emergente se altera pelas surpresas de nossas diferenças significativas em como e o que pensamos, desejamos e imaginamos.

Jacqueline Rose (2016, 2018) nos abre amplo espaço na psicanálise e na cultura. O ensaio de Rose e seu trabalho de algumas décadas são um vigoroso argumento para a força de interpelação e o poder esmagador das diferenças de gênero/sexo nas culturas e na psique. A despeito de toda a conversa sobre fluidez de gênero e alcance cada vez maior das formas de identidade, corporificação e desejo, a lei férrea da diferença de gênero exerce seu poder. Confrontamos tudo isso com o #MeToo. Esse sistema impulsiona o motor do privilégio masculino, apesar de, com certeza, os homens estarem coagidos dentro desse projeto assim como as mulheres. Não difere do privilégio branco. Isso me faz querer ater-me a um termo usado em relação ao racismo, a fragilidade branca, e assim notar em especial a presença e o lugar dafragilidade masculina para pensar como funcionam as diferenças de gênero/sexo. Fragilidade de gênero, fluidez de gênero e prisão de gênero entremeadas.

Como uma espécie de homenagem à minha querida amiga Muriel Dimen (2003), escrevo este ensaio como uma série de anotações. Era a forma usada por ela com maravilhoso efeito.

 

1. Caça às bruxas: meditação sobre a prestidigitação política intelectual

Quero desconstruir o termo caça às bruxas, tanto como feminista quanto como psicanalista. Surgiu com frequência no discurso em torno do #MeToo e da questão de assédio sexual. Mais significativamente, surge em uma carta assinada por Catherine Deneuve (Andrews, Peigne & Vonberg, 2018) e em um ensaio escrito por Daphne Merkin (2018) para a seção de opinião do New York Times.

Como ocorre nesses textos, e em muitos outros, as implicações são nítidas. Os objetos da caça são os homens, o ataque para o qual vemos muitas versões de reações adversas (pequenas e grandes) é aos homens, e muitas vezes, por extensão, a Eros em geral e à sexualidade masculina em especial. Nesse discurso atual, as bruxas são com bastante evidência as mulheres bruxas desafiando os homens a respeito de propostas sexuais.

Observe-se, porém, que ocorreu algo estranho a esse termo. Do ponto de vista histórico, nas caças às bruxas, as mulheres eram as bruxas perseguidas e, provavelmente, afogadas ou queimadas na fogueira, ao serem presas. O ataque costumava ser levado a cabo sob a ortodoxia religiosa e, em geral, por homens. De maneira curiosa, ou nem tanto, invertemos os gêneros e, no caso, a bruxaria contemporânea de 2018 é uma mulher horrível indo atrás dos homens.

Ao seguir esse objeto peculiar, a caça às bruxas 2018, surge-me uma questão. Se homens e mulheres trocaram de lugar e os homens são a presa, o termo também não transformaria, de maneira inconsciente ou pré-consciente, os homens em mulheres vulneráveis? Não é a castração o grande medo, seja da ruína econômica, seja da humilhação e da agressão?

Ao pensar nisso, eu diria que Deneuve e Merkin enunciam esta ideia maluca - homens as bruxas, homens os caçados -, mas todos nós carregamos seus vestígios. Essa enorme mudança de maré na administração da exploração sexual nos faz temer a destruição dos homens, da sexualidade, do grupo Eros, para não falar do indivíduo. Tememos o colapso do vínculo libidinal, até ao nos esforçarmos para diferenciar predação de proposta e buscar a complexa questão do consentimento.

Esse é o trabalho que todos devemos fazer. Mas é difícil por inúmeros motivos. Não menos importantes são a mescla de surpresa com o imediatismo das respostas atuais às acusações de abuso e a incerteza acerca de resultados e formas de responsabilidade. Decerto ocorreu a muitos de nós que o desaparecimento imediato e a demissão de homens acusados desse tipo de assédio têm a ver principalmente com o medo de litígio no pano de fundo das empresas, como medida de responsabilidade.

Quero levantar a questão de reparação e reconciliação. Com um misto de esperança e receio, introduzo a ideia de justiça restaurativa, conceito muito desenvolvido no trabalho de Katie Gentile (2017) sobre violação de limites. E se imaginássemos que nomear o abuso fosse o começo de um processo, não o fim da visibilidade e viabilidade (muitas vezes econômica e, certamente, interpessoal) dos acusados (Harris, 2018)?

 

2. Fluidez de gênero, mas gênero como sofrimento

Ao refletir sobre gênero e suas vicissitudes, percebo que tenho ao menos duas possibilidades: pensar como psicóloga do desenvolvimento e como psicanalista. Faço isso a partir de uma perspectiva intersubjetiva e relacional, imaginando gênero como resultado imprevisível de comunicações, mensagens, processos interativos nos quais a criança em desenvolvimento está envolvida e se constitui. Antes, minha inspiração foi a teoria do caos, um sistema de desenvolvimento emergente não linear que permite a evolução de um processo bipessoal vigoroso (multipessoal). Atualmente, um tipo de modelo muito semelhante está disponível na obra de Laplanche, hoje muito mais traduzido e acessível em inglês (Laplanche, 1997, 1999, 2015; Scarfone, 2015).

O núcleo do ensinamento de Laplanche, representado nos trabalhos de Saketopoulou (2014, no prelo), Scarfone (2015), Stein (2008) e outros, centrale em quatro características essenciais: 1) a assimetria das díades iniciais do desenvolvimento, 2) o enigma das mensagens, a sexualidade nessas mensagens enquanto constitutiva do inconsciente na criança receptiva, 3) o processo de tradução, culminando em 4) possibilidade específica de outra narrativa après-coup.

Com base em Laplanche, podemos avaliar e compreender a volatilidade, o misto de fluidez e flexibilidade em que gênero e sexualidade surgem. Ao mesmo tempo, precisamos continuar a nos ocupar da força psíquica (e real) das interpelações de gênero. Ao tomar esse termo de Althusser (1971/2001), minha tentativa é realçar o poder do Estado de tornar efetiva a conformidade (de vários tipos), em suas muitas encarnações grandes e pequenas, por meio da vergonha e da culpa. Esse conceito está no cerne do trabalho que Guralnik (2016), Guralnik e Simeon (2010) e Rozmarin (2009) realizam a respeito do poder das forças sociais nos processos intrapsíquicos individuais, incluindo mas não se limitando a gênero e sexualidade.

Os movimentos teóricos de Laplanche preservam e reformulam os modelos freudianos de sexualidade. Ele pensa o projeto como restauração das formas originais dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, ao recuperar aspectos da teoria da sedução para a história do desenvolvimento. A pulsão, que ele considera como inaugural da sexualidade na criança, emana do adulto cuidador. As mensagens de genitor para filho inevitavelmente incluem as formações infantis e mais adultas da sexualidade no outro. Para Laplanche, portanto, a sexualidade é sempre estrangeira - no sentido de vir de fora e no sentido de ser inicialmente uma imagem armazenada em e como inconsciência.

Ao pensar em diferenças de gênero e em gênero em relação à sexualidade e a outros aspectos da identidade, começo realçando o interesse laplanchiano em assimetria. Não se trata apenas de a sexualidade ser enviada por outro, mas de esse outro ser essencialmente maduro, desenvolvido e sexual, tanto no sentido da sexualidade infantil quanto no sentido da pulsão adulta iniciante da sexualidade que começa na puberdade.

Tanto semelhante quanto diferentemente de Levinas (1998), Laplanche situa as origens da sexualidade e da identidade no envolvimento de uma pessoa dependente e imatura com um ser maduro. O desamparo está no centro da assimetria. Para Laplanche, isso constitui a localidade das origens ontológicas de sexualidade. Para Levinas, essa mesma situação cria as condições da nossa responsabilidade irredutível em relação ao outro. Essas diferenças são fascinantes e provocativas.

 

3. Gênero e desamparo: mascarada e condições fundamentais

Nas próximas seções, desejo situar a questão de pensar em gênero no contexto das circunstâncias inevitáveis do desamparo inicial, sempre terreno de interesse nos processos de apego, mas também de localização das origens/início da sexualidade infantil. As pressões em torno do desempenho ou construção de gênero são drásticas e transgeracionais. Podemos constatar que qualquer pessoa individual é inundada e, grosseira ou sutilmente, marcada pelas intensas exigências a respeito do desempenho de gênero.

Pretendo argumentar que o desamparo é dotação e aspecto inevitável da subjetividade humana, mas que o desenvolvimento dessa experiência é tolerado e vivido por homens e mulheres (meninos e meninas) frequentemente em estranha oposição. Dessa forma, reúno fenômenos que Laplanche parece manter separados com bastante frequência, a saber, gênero e sexualidade. No entanto, penso que se pode seguir seu argumento sobre as mensagens alienígenas do outro, construído em torno da sexualidade, e ver que o gênero inevitavelmente deve fazer parte dessas transmissões. A mãe se lembra do processo de amamentação dos filhos, a começar do prazer e do erotismo de alimentar o primeiro filho, um menino. Com grande remorso e tristeza, lembra-se das dificuldades de alimentar o segundo filho, uma menina, dificuldades que, em retrospecto, vinculam sua ansiedade a reações eróticas com uma menina. Nesse caso, é possível notar a influência das transmissões inconscientes, em que os sentimentos sexuais e a ansiedade ou prazer estariam entremeados de forma complexa, dependentes de várias forças, muitas vezes além da apreensão consciente inicial.

Argumentarei que as mulheres "mascaram" o desamparo como técnica para controlar a ansiedade dos outros - especialmente dos homens - quanto à competência, ambição ou agressividade feminina (real ou imaginária). Seguirei um argumento de Joan Riviere, de 1929. Suspeito que algumas dessas ansiedades tenham suas raízes na história das mensagens inconscientes, específicas de gênero, que meninas e meninos recebem. Essas mensagens e seus efeitos são muito suscetíveis a forças e condições individuais, de casal e constitucionais. Uma das dificuldades de trazer a obra de Laplanche para os debates contemporâneos de identidade é seu elevado nível de abstração. Talvez nosso maior desafio para usar o trabalho dele sejam as aplicações clínicas.

Agora, quero pensar de que maneira o gênero afeta os tipos de transmissão e mensagem enviados do "outro". Eu argumentaria - assim como Reis e Grossmark (2009) e Vaughans e Harris (2016) - que os homens são empurrados muito cedo para a independência e a separação e devem mascarar competência e independência, tanto cedo demais quanto de forma total.

A mascarada dos homens esconde vulnerabilidade, desamparo, sensibilidade e necessidade. A mascarada das mulheres esconde capacidade e pulsão. Maria Torok (1970) diz de modo um pouco diferente: inveja do pênis, experiência de desamparo - nos falta, nós não temos -, é a lealdade da mulher em relação à mãe. Ser mulher fálica é perigoso em virtude da excitação proibida e de outras formas mais explícitas de ódio e negação, bem como de inveja. As mulheres muitas vezes temem ser objeto de inveja, ideia que comecei a explorar nos anos 1980, mas que ainda parece bastante atual.

"Feminilidade como mascarada"

Joan Riviere escreveu esse ensaio em 1929, e ele é um dos textos fundantes das análises contemporâneas pós-modernas da feminilidade. Note-se a data da sua publicação, 1929, realmente um período de progresso para as mulheres na Europa e nos Estados Unidos. É um texto amado por lacanianos, feministas e pós-modernos, como um relato prototeorizante inicial do viver fronteiriço de desempenho, aspectos pouco percebidos da identidade feminina. Nesse artigo, ela apresenta material clínico interessante, traçando as dificuldades das mulheres em situações em que expectativas a respeito de desempenho, competência e exercício de ambição estivessem em jogo. O que ela observava era um complexo - hoje poderiamos chamar de encenação [enactment] - em que uma mulher seguiria ou acompanharia uma demonstração pública de competência ou habilidade com algo estranhamente coquete ou tolo, uma espécie de rescisão da demonstração bem-sucedida.

Esse processo, Riviere teoriza, seria a tentativa de tranquilizar qualquer homem que observasse a mulher competente de que ela não era realmente uma ameaça. De modo surpreendente ou não, isso ainda é frequente no repertório de desempenho de mulheres. Tenho uma jovem paciente, médica, no final da residência, que começou a rastrear (e a ficar angustiada ante) a estranha elevação do seu tom de voz, o fato de agitar o cabelo e agir de forma um pouco tola, especialmente quando seus professores lhe faziam perguntas sobre questões técnicas, em situações públicas de visita médica ou com os colegas. Estava irritada consigo própria, mas achava difícil se libertar. Perfeitamente competente e bem formada, com frequência falava como menina pequena.

Nesse contexto, quero abordar uma das situações especialmente fortes em que pode ocorrer assédio sexual entre homens e mulheres. Uma mulher acaba de receber um sinal ou símbolo de poder. Ela conseguiu algo ambicionado. Ou obteve a promessa de que será recompensada, promovida ou exaltada de alguma forma. Ao pensar nos problemas iniciais de separação e de agência, na medida em que diferenciam homens e mulheres, talvez possamos levar em conta a vulnerabilidade de uma mulher exatamente quando ela consegue sucesso e obtém poder. E também conjeturar a respeito da ansiedade masculina em torno dos movimentos femininos de poder. Não se trata de culpar a vítima, mas de ampliar nossas conjeturas acerca dessas formas de sexismo e de misoginia e de como esses ataques funcionam e continuam.

 

4. Gênero e repúdio ao desamparo: masculinidade melancólica

Nesse ponto, devo muito a Judith Butler (1997) e à sua análise de gênero e melancolia. Como argumentei em relação às mulheres e à feminilidade, somos levados a pensar além do indivíduo, na história e na ordem social. As pressões em torno do desempenho ou construção de gênero são sérias e transgeracionais. Hoje podemos perceber que qualquer pessoa - homens e meninos - é inundada e, grosseira ou sutilmente, marcada com as fortes exigências a respeito do desempenho de gênero. Como muitos atestam (Butler, 1997; Fanon, 1952/1967, 1961/1963; Goffman, 1963/1986; Rose, 2016; e outros em psicanálise), esses desempenhos e nossos esforços e fracassos constantes para satisfazer os critérios envolvem sofrimento.

Esse sofrimento, por sua vez, envolve uma espécie de desamparo que todos podemos sentir contra a força da cultura, em toda a sua força de interpelação. Meu argumento em relação à masculinidade centra-se nas dificuldades intergeracionais que homens, pais e filhos, têm com a vulnerabilidade e o desamparo. Acho que isso pode transpor linhas raciais, embora como Kirkland Vaughans e Jama Adams têm argumentado haja muita ansiedade em pais e filhos negros acerca dos riscos da agressividade, bem como da vulnerabilidade.

Assim, para considerar a masculinidade melancólica, começo das distinções traçadas por Freud entre melancolia e luto. Em primeiro lugar, há muitas sobreposições, muitas semelhanças: a sensação de perda, de pesar. Mas a diferença é igualmente impressionante. Para manter uma postura de melancolia, a pessoa faz movimentos psíquicos muito difíceis e dolorosos. Há perda de confiança no self, esgotamento da confiança e da autoestima, e em seu lugar autoagressão.

Para começar do pai melancólico, sugiro que essa pessoa vive com uma sensação de compromisso, mesmo que isso seja um bastião e seja sobreposto com uma espécie de desempenho de hipermasculinidade. A idealização de uma formação inatingível de gênero, na verdade, prejudica a persistência da identidade, afirmada de maneira potente, e a autoestima. Talvez fosse possível pensar também nos fantasmas da masculinidade, fantasmas que assediam pai e filho.

Abraham e Torok (1994) escrevem a esse respeito em um ensaio denominado de modo misterioso "Doença do luto e fantasia do cadáver saboroso". A realidade da morte é suspensa, e a fantasia não morto, mas adormecido reina na vida psíquica do enlutado. O projeto melancólico sempre subscreve as situações em que alguém - um paciente, um analista - preserva a vigilância e a preocupação com um objeto interno danificado ou moribundo. Traduzindo isso para a paternidade em particular, poderiamos imaginar a idealização de um pai esperado e danificado, mantido como sempre com a necessidade de ser reparado e cuidado, sempre de forma reprovadora e em risco de ser abandonado, transmitindo a decepção do pai em relação ao filho. Penso em um paciente de meia-idade que se lembra com muita vergonha da voz e do rosto ansioso e preocupado do pai, que lhe dizia na adolescência: "Precisamos fazer você andar como menino". Podemos observar a transmissão ansiosa do fracasso do desempenho, falha que destrói o vínculo pai e filho ou, antes, mantém um laço negativo sinistro, que se liga sem amor nem esperança. O paciente não conseguia se recuperar ou a seu pai, ambos pegos congelados, assombrados, impotentes contra a força de uma masculinidade misteriosa sempre fora do alcance.

Ecoando Rose, deixe-me citar Erving Goffman, escrevendo em 1963:

De modo significativo, há apenas um tipo de homem totalmente desavergonhado nos Estados Unidos: o jovem casado, branco, urbano, originário do norte, heterossexual, protestante, pai, universitário, com bom emprego, com boa compleição de peso e de altura e com recorde recente em esportes. (1986, p. 128)

Todos os outros, remanescentes, sofrem. Decididamente essa é uma preocupação de Rose (2016). Nesse ensaio, ela aborda principalmente o sofrimento dos trans, o alto preço das exigências impossíveis da diferença de gênero/sexo. Ao considerar essas poderosas pressões sobre a conformidade, em meio à fluidez de gênero, acho importante notar como a vergonha é proeminente, assim como as sequelas das exigências de conformidade de gênero. Quando Althusser começou a conceituar a interpelação, a suposição de resposta pessoal às demandas dos Estados foi a culpa. Agora, quando penso em torno de questões de integridade pessoal, corporal e significado, o afeto dominante é a vergonha. A partir de Schore (1994) e de outros, sabemos como pode ser tóxico e difícil tolerar a vergonha.

Como isso combina com a minha pauta de querer falar de pais melancólicos? E para quem o pai é melancólico? Penso em pais a respeito de quem é impossível fazer o luto. Donald Moss (2003) escreveu sobre sentir e ser inteiro enquanto homem na perspectiva de ser pai e de ser filho. Como se pensa que o amor do pai arruina o filho - filho ou filha? Essa talvez seja uma variação do complexo que Green (1986) enfocou: mães mortas também podem ser pais mortos, especialmente o pai frágil, evanescente, e portanto uma figura fantasmagórica, talvez um pai destruído por outra pessoa. O pai dele.

Voltemos ao exemplo clínico do homem de meia-idade que ainda se lembra, com vergonha e fúria, da insegurança de gênero, do horror do fracasso da heterossexualidade por transmissão ansiosa do pai. Apesar de toda a clareza que o paciente tinha sobre a ansiedade do pai a respeito de força, estoicismo e ser homem, a respeito da perturbação do senso de gênero do filho - na verdade, o que esse filho compreendia como sua homossexualidade emergente -, não obstante isso, a ferroada do comentário persistiu por toda a vida. Ao analisarmos sua reação de jovem adolescente, um acidente casual começou a se apresentar como tentativa passiva de suicídio, uma sensação de desamparo e de fracasso de poder sustentar uma masculinidade idealizada. Mas de quem?

Um pai melancólico, e esse é apenas um exemplo das muitas formas que essa melancolia pode assumir. É um pai envergonhado e destituído na tarefa de separação prematura da sua própria infância, carregando o peso intergeracional e sentindo de forma muito intensa o fracasso do desempenho de gênero nele ou herdado ou ambos. O problema é exatamente a recusa de reconhecer ou imaginar como tolerar o desamparo, a ternura e as ansiedades de separação, forçando um senso de individuação prematuro e inevitavelmente ambíguo. Esse self instável deve ser defendido com uma hipermasculinidade idealizada, perfeitamente destemida.

 

5. Diretrizes teóricas

Em minha mente havia dois conceitos ao preparar este artigo e pensar tanto em misoginia quanto no movimento #MeToo e, com maior amplitude, nos ódios incrustados na misoginia e no gênero melancólico de forma geral.

Um primeiro conceito sobre o qual tenho refletido, a respeito de todas essas questões, foi desenvolvido por Ruth Stein (2005): o pacto perverso. O que ela queria dizer com isso pode ser enfocado em indivíduos, em casais, em formações sociais e no espaço intersubjetivo. O pacto perverso, tal como ela imaginou, foi construído no negativo ou na reviravolta da realidade, ou em um modo de responder e de interagir baseado na destruição e na alienação, no desejo de sabotar o outro, de recusar a identificação e a comunicação. É uma relação dominada por dissociação, amnésia e recusa, recusa de imaginar uma humanidade compartilhada.

Ao falar de racismo, James Baldwin (1963/1992) diz em certo momento que a inocência causa o crime. Nesse caso, ele quer dizer inocência enquanto evacuação e recusa.

Um segundo conceito se encontra na obra de Donald Moss (2003), o qual desenvolve uma análise vigorosa dos ódios enraizados no antissemitismo, na homofobia, na misoginia e no racismo por meio do exame do ódio fóbico e do que ele oculta. Seu livro se chama Hating in the first person plural [Odiar na primeira pessoa do plural]. Primeiro, é um ato de ocultar, em que se esconde o pessoal por trás do plural, o grupo. Nós odiamos... a eles. É uma resposta coletiva racionalizada. O que se mascara, Moss considera, é o desejo da pessoa, com frequência entremeado de inveja. "Nós odiamos" mascara "Eu desejo". A esse respeito, podemos pensar em Fanon, que viu como a sociedade branca e individual ameaçava o corpo negro como objeto "fobógeno". Ele apreende o terror e a excitação, os sentimentos de saudade e de inveja reproduzidos como ódio.

Com referência aos conceitos de Moss, note-se que é o outro que incita a violência. Acho que esse fenômeno tem certo poder explicativo quanto à excitação maníaca que a candidatura de Trump promoveu em muitas pessoas, talvez na maioria de nós. O laço com o outro, em nós, é uma espécie de calcanhar de Aquiles, um ponto de vulnerabilidade em cada um intimamente constituído por outros e por alteridade.

Essa questão possibilita pensar no conceito de responsabilidade de Levinas, que tem seu ponto de origem no que ele chama de experiência pré-ontológica. Para Levinas, a condição inicial de desamparo é o evento inaugural que leva à responsabilidade que indivíduo nenhum pode recusar. Fomos mantidos vivos (essa é uma condição da espécie) por alguém que assumiu a responsabilidade por nós. Assim, essa responsabilidade continua sendo nossa obrigação. Mas, ao considerarmos o desenvolvimento masculino e minha tese de que a separação é estimulada cedo demais, é possível observar que o desamparo pode ser condição para a alienação e o temor, não só para a responsabilidade. A melancolia de gênero pode ser subscrita pela pressão prematura para se individualizar, uma comunicação/mensagem de que a vulnerabilidade é inaceitável.

Voltando aos argumentos de Moss, na inquietante elisão de "Eu desejo" a "Nós odiamos", o ódio fóbico é o resíduo das potentes infusões de excitação e desejo que emanam do outro. Mesmo que a inveja incite o antissemitismo, muitas excitações a respeito do corpo negro e da sexualidade alimentam o racismo nessas estranhas transformações inconscientes sobre as quais Moss escreve.

Ao abordar o gênero através das lentes da teoria dos sistemas dinâmicos não lineares e da teoria do caos (Harris, 2008), senti esperança de pensar em fluidez, multiplicidade, sistema aberto, cinco gêneros (Fausto-Sterling, 2000) e complexidades - tanto em relação às complexas, instáveis e muitas vezes incertas funções de gênero na vida psíquica e social quanto em relação à necessidade de desenvolver um modelo complexo de formações inconscientes e conscientes dentro da experiência da sexualidade e das vidas limitadas por gênero.

Eu não poderia ter imaginado as poderosas mudanças sociais na década após esse livro e a enorme e brilhante expansão da escrita psicanalítica e cultural, em que gênero e sexualidade estão sendo considerados. Grande parte da atual construção de camadas de representação e da complexidade de material e imaginário, o conceito de interseccionalidade, na medida em que faz o gênero se movimentar e transformar em formações significativas culturais e de classe, poderia estar no horizonte uma década antes.

Interseccionalidade e incompreensibilidade de perpetração

Kimberlé Crenshaw (1994) emprega o termo elisão mútua para descrever a força negativa que, como resultado da interseccionalidade, oculta de uma só vez e, como consequência, reforça simultaneamente a subordinação de grupos marginalizados multiplicados. Esta seção do texto desenvolverá esse conceito para revelar e explicar como a perpetração, enquanto identificação incompreensível, é outro aspecto crítico da elisão mútua descrita por Crenshaw.

Para essa autora, a interseccionalidade ocorre quando dois ou mais eixos potencialmente poderosos de identidade se justapõem de forma inerte, por meio dos quais, por exemplo, em sua tese sobre raça e gênero,

na medida em que podem transmitir o interesse das "pessoas de cor" e das "mulheres", respectivamente, uma análise, com frequência, nega de forma implícita a validade da outra. ... Essas elisões mútuas apresentam um dilema político especialmente difícil para mulheres de cor. Adotar qualquer uma das análises constitui a negação de uma dimensão fundante da subordinação [delas]. (Crenshaw, 1994, pp. 99-100)

A elisão mútua é, portanto, um processo social/coletivo inconsciente, por meio do qual pessoas que dividem duas ou mais categorias subordinadas no campo social caem em um buraco implícito e socialmente estabelecido no âmbito da lealdade política, em que se encena a negação de uma dimensão fundamental da sua subordinação. Em torno desse evanescente buraco, examino as perguntas "Quem está negando?" e "O que está sendo negado?" usando a lente da psicanálise, ao mesmo tempo que critico essa lente para investigar como a interseccionalidade revela não só a subordinação de certas pessoas, mas uma perpetração ativa, apesar de inconsciente, de outras pessoas por meio dessa negação. Como identificação incompreensível, a perpetração nessas complexas matrizes de poder é assim, e igualmente, psíquica e socialmente elidida no ninho interseccional.

 

6. Misoginia: o que é, por quê, a favor e contra quem

Nas décadas passadas, tivemos de notar, em muitos locais de conflito e de guerra militar, que a loucura na misoginia pode ser racionalizada de maneira diabólica quando o estupro é um modo sancionado de guerra e, mais recentemente, uma forma de limpeza étnica. Especialmente assustador nesse tipo de prática é o aniquilamento da subjetividade feminina e do respeito pela individualidade, não só nos atos de violência, mas na pauta subjacente. A limpeza étnica nem diz exatamente respeito às mulheres. Seu objetivo é a desmoralização do grupo. O ataque às mulheres é apenas uma ferramenta eficaz de dominação sobre os homens através do ataque à sua propriedade. A "condição de coisa" descartável e destruível das mulheres talvez seja o afloramento mais absoluto da misoginia.

Isso me leva a pensar nas análises de Shatan (1989) e de Trexler (1997) sobre guerra e estupro. Seu argumento central é que o estupro é usado como forma de vergonha psíquica com intenção de feminizar os soldados derrotados e, assim, instalar a humilhação como um aspecto nuclear da derrota. Nos exemplos desenvolvidos por Trexler a partir da guerra colonial ocidental e latina, o estupro homossexual tem o efeito de "feminizar" as vítimas. E em pensamento duplo total é a punição para soldados homossexuais, ou seja, fracos e femininos. É o crime e a punição. Isso é misoginia ou ódio à homossexualidade? E esse ódio depende da sua eficácia sobre os medos? Esses medos são de passividade, feminilidade, penetração, homossexualidade? Essas formações de misoginia podem fortalecer, mas também fragmentar estruturas frágeis de masculinidade, revelando sua porosidade à vergonha pelo espectro da feminização. Shatan escreveu acerca dessas questões à sombra da Guerra do Vietnã, vendo a misoginia como um eixo para o treinamento militar, treinamento que ele considerava uma indução psicótica de um desenho animado louco, mas frágil de masculinidade, um desenho animado com resultados letais para todos, a começar da pessoa e do seu alvo-vítima.

Desejo sugerir que o mais impressionante a respeito dessa forma de ódio social genérico é uma mulher específica, a mãe, que está sempre nos bastidores como mãe original odiada. Parece crítico para a tenacidade e a falta de vergonha da misoginia que nosso ódio pelas mulheres decorra de nossos sentimentos em relação a uma mulher em particular, a quem estamos intensa e intimamente ligados. Portanto, é um dos afloramentos do nosso projeto humano de administrar as confusões da sexualidade, amor e ódio na medida em que essas forças atuam em nossas experiências mais primárias de self e de self e outro. Creio que é essa experiência, um perigo inevitável e a instabilidade no epicentro em que se constitui o self, que dá à misoginia parte do seu poder incendiário. Mas são as forças sociais e históricas que envolvem e entram na subjetividade que tornam a misoginia tão imutável. Para compreender a misoginia, precisaremos notar que tanto o arcaico quanto o histórico são os determinantes da adoção intratável da misoginia.

Existem ao menos três maneiras diferentes de considerar o que é problemático. Em primeiro lugar, o poder do objeto materno inicial nunca é metabolizado e modulado, porque esse poder permanece demonizado na cultura e em diversas formações sociais. O problema é a demonização, não a potência. Em segundo lugar, as transações precoces mãe-filho transmitem a história, bem como o processo endógeno. A mãe que ama, deixa, libidiniza, contém ou fracassa, em qualquer um ou em todos esses projetos, não se refere a todas as mães, mas a uma mãe específica, na história, carregando consciente e inconscientemente as experiências (de saúde, jurídica, econômica, relacionada ao trabalho, interpessoal) por meio das quais as mulheres se constituem. Em terceiro lugar, há o poder das estruturas patriarcais, que extraem e capitalizam esses sentimentos profundamente emocionais que as mulheres em várias encarnações evocam em todos nós.

Nos homens, muitas vezes, a misoginia é o medo da força contaminadora da feminilidade, que pode se tornar confuso ou deslizar para o medo da homossexualidade. A questão de qual é o medo mais destacado ou primário é interessante. É a perda de clareza de gênero ou de convicção da masculinidade ou é o perigo do desejo proibido que exige que os homens policiem intensamente suas relações com as mulheres? A misoginia também é uma forma de os homens esconderem a necessidade ou a dependência em relação às mulheres.

A feminização nos homens como experiência consciente e interpessoal vivida é frequentemente a localidade para a nítida combinação de vergonha e agressividade. Os crimes de preconceito, especialmente os ataques a gays por homens, em geral são compreendidos como resultado de grande ansiedade em relação à sexualidade e ao gênero. O que é mais perigoso: ser feminizado, ser a figura "feminina" receptiva em um estupro homossexual, ou dar lugar a desejos homossexuais ou passivos? Se há medo da passividade, a que perigo se relaciona?

 

7. Inveja

Primeiro, penso que a misoginia enlaçada à inveja funciona como barreira para a agressividade da mulher ou para a avaliação da agressividade em outras mulheres. Essa repressão ou constrição da agressividade geralmente surge disfarçada de inveja (Harris, 1997). Vários fatores no desenvolvimento de muitas meninas podem comprometer uma experiência vigorosa de odiar e ser odiado. Intensa conexão relacional com a mãe, demandas muito precoces de cuidar, inclusive cuidar da própria mãe, demandas prematuras de pseudomaturidade: todos esses fatores são formas de reprodução da maternidade (Chodorow, 1976). Mas essa reprodução muitas vezes se dá à custa do senso de agência e da agressividade.

A misoginia e a inveja têm sido a contracorrente letal nos movimentos políticos das mulheres. Os veteranos do feminismo da segunda onda dos anos 1970 detalham seus contos particulares de aflição em uma coletânea editada por DuPlessis e Snitow, The Feminist Memoir Project [O Projeto Memória Feminista] (1998/2007). Conflitos sutis e óbvios entre mulheres sobre agência, domínio e criatividade em sexualidade criam uma leitura deprimente. Diante das dificuldades da inveja, da adversidade, da hierarquia e da diferença, as mulheres pareciam obrigadas a se envolver naquilo que agora podemos pensar como encenações de ataques ritualizados e destrutivos. "Não importava quanto as líderes fossem abnegadas, isso não era suficiente. A utopia transformou-se em canibalismo. O movimento comeu suas líderes. Cidade após cidade, elas caíram" (DuPlessis & Snitow, 1998/2007, p. 358). A presença da inveja faz pensar em metáforas extremas - a inveja é o verme nas maçãs douradas do feminismo, a mancha oculta na irmandade.

Tanto no espaço político quanto no privado ou doméstico, com frequência a misoginia está vinculada à inveja (Harris, 1997, 2002). Nesse caso, penso em como a inveja pode funcionar como toxicidade intergeracional, de amplitude fraterna, de mulher para mulher. A inveja pode refletir as falhas nos movimentos por igualdade, a tenacidade da privação e do esgotamento e a impossibilidade de tolerar decepção. A inveja funciona como freio escondido no desenvolvimento das mulheres, seja como pessoas autônomas, seja como pessoas interdependentes. Infelizmente, também com excessiva frequência as mulheres são as principais fornecedoras de uma espécie de ódio punitivo diante do esforço de outras mulheres. É pungente observar que as mulheres se sentem tão constritas em sua ambição e prazer de ser agentes ou de dominar que muitas vezes expressam o mais amargo e agressivo ataque a qualquer mulher que se atreva a colocar seu empenho em domínio público. Até o feminismo não serve como prótese para as formas pelas quais a inveja, com sua carga misógina, pode estragar o trabalho, o amor e a comunidade entre mulheres e através das gerações.

 

Conclusões

Os problemas que vêm à superfície no #MeToo são tanto fáceis quanto difíceis. Os fenômenos e os muitos locais de misoginia, ódio e inveja devem permanecer visíveis e problemáticos contra todo o nosso esforço (social e interno) de permanecer em silêncio, surdo ou cego. Somos deixados, acredito, com uma pergunta: nós (mulheres, principalmente brancas, de classe privilegiada), ou eles (homens), temos vontade de assumir essa mudança? A fragilidade branca é o encargo imposto às pessoas brancas que enfrentam o desafio de retrabalhar de forma fundamental a identidade e a história. A fragilidade de gênero em meio à mistura de fluidez e fixidez é a condição dos atuais problemas de gênero do Primeiro Mundo. É uma transformação possível? Temos coragem coletiva e individual?

 

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Correspondência:
Adrienne Harris
80 University Place, 5th floor
NYC NY 10003
adrienneeharris@gmail.com

Recebido em 10/1/2019
Aceito em 24/1/2019

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