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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.53 no.3 São Paulo jul./set. 2019

 

OUTRAS PALAVRAS
TRABALHOS PREMIADOS DO XXVII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICANÁLISE

 

Entre cabanas e refúgios: o sonhar da analista como ponte entre o estranho e o familiar1

 

Between huts and refuge: the analyst's dreaming as a connection for the strange and the familiar

 

Entre cabañas y refugios: el sueño de la analista como puente entre lo extraño y lo familiar

 

Entre cases et refuges: le rêve de l'analyste comme pont entre l'étrange et le familier

 

 

Fátima Maria Vieira Batistelli

Psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP). Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Especialista em psicanálise de criança e adolescente pelo Instituto Sedes Sapientiae. Membro da Clínica 0-3 - Intervenção nas Relações Pais-Bebê-Criança Pequena. Membro do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Correspondência

 

 


RESUMO

Como teoria e técnica, a psicanálise vem evoluindo e se transformando desde o seu surgimento. Nesse cenário, o processo psicanalítico tem sido cada vez mais entendido como vincular: o encontro de duas pessoas, duas mentes, com um mundo psíquico compartilhável. Como incluir então, dentro da visão psicanalítica, o trabalho com crianças com autismo, encarceradas nos seus refúgios, em que predominam sensações autogeradas em detrimento das interações e dos vínculos humanos? Além disso, as crianças com autismo, ainda que despertem em nós o familiar do encontro com o infantil, por meio da sua forma de se apresentar ao mundo nos põem em contato direto com vivências de estranheza, inquietude e assombro. Como fazer a ponte entre o não familiar que se nos apresenta e o familiar pertencente à natureza humana? Mediante vinhetas do atendimento de duas crianças com autismo, este trabalho busca compartilhar com o leitor como o nosso conhecimento psicanalítico pode ser usado e como o psiquismo do analista, submetido a intensas vivências de não representação, pode lançar mão da sua capacidade de sonhar e alucinar para ajudar essas crianças a lidar com o irrepresentável por trás dos refúgios autísticos.

Palavras-chave: autismo, psicanálise, irrepresentável, sonho, subjetivação


ABSTRACT

As theory and technique, psychoanalysis has been evolving and transforming since its beginning. Following this scenario the psychoanalytical process has been more and more seen as a link: two people meet, two minds, having a psychic world possible to be shared. How must one include, then, through the psychoanalytical vision, the work with autistic children, who are confined in their refuge, where self-generated feelings are dominant due to lack of interaction and human connections? Besides, at the same time autistic children may arouse in us the familiar encounter with childhood, through the way they show themselves to the world, they may also make us feel the direct contact with different experiences, restlessness and wonder. How can we, then, connect the non-familiar that is presented and the familiar that is part of human nature? Through vignettes from sessions with two autistic children, this work seeks sharing with the reader how our psychoanalytical knowledge may be used and how the analyst's psyche, after going through intense non-portrayal experiences, may be able to use their ability of dreaming and hallucinating in order to help these children to deal with the nonportrayal possibilities under the autistic refuges.

Keywords: autism, psychoanalysis, non-portrayal, dream, subjectivation


RESUMEN

Como teoría y técnica el psicoanálisis ha estado evolucionando y transformándose desde su surgimiento. En ese escenario, el proceso psicoanalítico ha sido cada vez más entendido como vincular: el encuentro de dos personas, dos mentes, con un mundo psíquico compartible. ¿Cómo incluir entonces, dentro de la visión psicoanalítica, el trabajo con niños con autismo, encarcelados en sus refugios, en los que predominan las sensaciones autogeneradas en detrimento de las interacciones y de los vínculos humanos? Además, los niños con autismo, aunque despierten en nosotros lo familiar del encuentro con lo infantil, a través de su forma de presentarse al mundo nos ponen en contacto directo con vivencias de extrañeza, inquietud y asombro. ¿Cómo hacer el puente entre lo no familiar que se nos presenta y lo familiar perteneciente a la naturaleza humana? A través de la ilustración de la atención de dos niños con autismo, este trabajo busca compartir con el lector cómo nuestro conocimiento psicoanalítico puede ser utilizado y cómo el psiquismo del analista, sometido a vivencias intensas de no representación, puede usar su capacidad de soñar y alucinar para ayudar a estos niños con lo irrepresentable detrás de los refugios autísticos.

Palabras clave: autismo, psicoanálisis, irrepresentable, sueño, subjetivación


RÉSUMÉ

En tant que théorie et technique, la psychanalyse a évolué et s'est transformée depuis son apparition. Dans ce décor, le processus psychanalytique est de plus en plus compris comme capable de créer des liens: la rencontre de deux personnes, de deux esprits, avec un monde psychique qui peut être partagé. Comment inclure alors dans la vision psychanalytique le travail avec des enfants autistes, renfermés dans leurs refuges où prédominent des sensations autogénérées en détriment des interactions et des liens humains. En outre, les enfants autistes, bien qu'ils réveillent en nous la familiarité de la rencontre avec l'infantile, au moyen de sa façon de se présenter au monde, ils nous mettent en contact direct avec des vécues d'étrangeté, d'inquiétude et d'épouvante. Comment faire le pont entre ce qui se présente sans être familier et le familier qu'appartient à la nature humaine ? Par l'intermédiaire de quelques vignettes de soins de deux enfants autistes, ce travail-ci cherche à partager avec le lecteur la façon dont nos connaissances psychanalytiques peuvent être employées et comment le psy-chisme de l'analyste soumit à des vécus extrêmes de non-représentation peut s'emparer de sa capacité de rêver et d'halluciner pour aider ces enfants à faire face à l'irreprésentable derrière les refuges autistiques.

Mots-clés: autisme, psychanalyse, irreprésentable, rêve, subjectivation


 

 

Se cada dia cai dentro de uma noite, Há um poço onde a claridade fica aprisionada. Há que se sentar à beira do poço das sombras E com paciência pescar luz caída.

PABLO NERUDA

Desde o nascimento da psicanálise, há mais de 100 anos, ela só vem evoluindo. A técnica psicanalítica surgiu baseada na finalidade de tornar consciente o inconsciente, na reconstrução do passado como busca de entendimento para os sintomas e comportamentos do analisando. Nas palavras de Freud, a "terapia analítica", assim como a escultura, se dava per via di levare, isto é, "não procura[va] acrescentar nem introduzir nada de novo, mas retirar algo, fazer aflorar alguma coisa, e para esse fim se preocupa[va] com a gênese dos sintomas mórbidos e o contexto psíquico da ideia patogênica que procura[va] remover" (1905/1972, pp. 270-271). Dentro desse panorama, o papel do analista era decodificar o inconsciente e assim obter a remoção dos sintomas. A técnica estava centrada em quatro regras fundamentais: a livre associação de ideias, a abstinência, a neutralidade e a atenção flutuante.

No entanto, ao longo dos anos, muita coisa foi repensada e transformada na técnica psicanalítica, acompanhando a evolução dos paradigmas teóricos da própria psicanálise, a começar por todas as transformações postuladas pelo próprio Freud e continuadas pelos seus seguidores diretos ou indiretos.

Os acréscimos trazidos por Melanie Klein à teoria e à técnica - a ênfase no mundo interno, nas fantasias inconscientes e nos fatos psíquicos que nele habitam, nas angústias mais primitivas de todo ser humano e em como elas se atualizam nas atitudes e sintomas - possibilitaram trabalhar também com os psicóticos. Além disso, a sua crença no jogo da criança como porta-voz de um mundo interno, rico em fantasias e angústias, que se apresentam por meio do brincar, tornou possível uma verdadeira análise infantil. Esse desenvolvimento teórico também permitiu um aprofundamento cada vez maior da análise dos pacientes "neuróticos". A importante contribuição de Klein (1946/1982) com o conceito de identificação projetiva não só enriqueceu a teoria psicanalítica como aprofundou a visão da transferência e da contratransferência presentes em toda análise. A ideia de identificação projetiva, enquanto processo psíquico, supõe que aspectos ou partes do self sejam projetados não sobre o objeto, mas para dentro dele, criando-se a sensação de controlá-lo.

A psicanálise continuou progredindo como teoria e técnica, e outros psicanalistas repensaram diversos conceitos, modificando-os e ampliando o seu alcance. Esse é o caso, por exemplo, das noções de continente-contido e de reverie, trazidas por Bion (1963/2004), e do próprio conceito de identificação projetiva. Segundo Ogden, "Klein sugere a dimensão intersubjetiva do processo de identificação projetiva", e Bion faz

várias contribuições importantes para o desenvolvimento do conceito de um componente interpessoal da identificação projetiva. ... Assim, a identificação projetiva para Bion não é simplesmente uma fantasia inconsciente de projetar um aspecto próprio no Outro e controlá-lo desde dentro; representa um acontecimento psicológico interpessoal no qual o projetor, por via de uma interação interpessoal real com o recipiente da identificação projetiva, exerce pressão sobre o Outro para que se vivencie e se comporte de forma congruente com a fantasia projetiva onipotente. (1996, pp. 38-39)

Todo esse avanço trazido por Bion amplia o nosso entendimento da comunicação inconsciente entre mãe e bebê e entre analista e analisando.

A isso se acrescentam as ideias de Winnicott (1983, 2000), o qual, estudando o significado do vínculo precoce entre mãe e bebê, introduziu conceitos como preocupação materna primária, mãe suficientemente boa, holding e manejo, que trouxeram acréscimos importantes para a teoria e propuseram novas formas de olhar a constituição do psiquismo, além de influenciar a maneira de pensar o setting analítico e o papel do analista dentro dele.

Desse modo, cada vez mais o processo psicanalítico foi sendo entendido como vincular, o encontro de duas pessoas, duas mentes, com um mundo psíquico compartilhável. No entanto, quando chegam até nós crianças com autismo, a situação é outra, na medida em que essas crianças estabelecem vínculos não humanos e, em vez de interações, vivem num mundo de sensações autogeradas, no qual as trocas se dão apenas em nível sensorial, e o outro elemento do par (o analista) é vivido como não existindo. Além disso, essas crianças são trazidas por pais que já não sabem mais como se relacionar com o filho, que não encontram caminhos e se sentem impotentes, que muitas vezes perderam ou temem perder as esperanças. Essas crianças, ainda que despertem em nós o familiar do encontro com o infantil, também nos remetem a vivências de estranheza, inquietude e assombro.

Ao analisar os vários matizes de significado da palavra heimlich, Freud nos traz, entre elas, o inquietante, que aparece na dúvida quanto a se um ser animado está realmente vivo ou, ao contrário, se um ser inanimado poderia estar vivo. As crianças com autismo, mesmo que mantenham fisicamente a singeleza e a beleza características das crianças, apresentam-se destituídas de vivacidade, com um olhar perdido no nada, sem palavras e fechadas para o contato, capturadas que estão no seu universo autístico, que a nós parece tão estranho e inacessível.

Como fazer a ponte entre o não familiar que se nos apresenta e o familiar, pertencente à natureza humana, que precisa ser construído e/ou reclamado (Alvarez, 1994)? Como enfrentar a estranheza, como abrir brechas, como encontrar água num açude que parece tão seco?

"Heimlich? O que você entende por heimlich?" "Bem... São como uma fonte enterrada ou um açude seco. Não se pode passar por ali sem ter sempre a sensação de que a água vai brotar de novo." "Oh, nós chamamos a isso unheimlich; vocês chamam de heimlich. Bem, o que faz você pensar que há algo secreto e suspeito acerca dessa família?" (Gutzkow). (Sanders, 1860, citado por Freud, 1919/1976, p. 280)

 

Os primeiros encontros

Marcos, de 3 anos, chega com os pais. Tendo passado por outros profissionais, eles trazem um diagnóstico de hiperatividade, recebido do neurologista, que também medicou o menino. Os pais contam que Marcos, desde bebê, é muito agitado, principalmente durante o sono. Enquanto dorme, joga o corpinho de um lado para o outro, de tal forma que às vezes se machuca. Durante o dia, a movimentação não para. Quando estava com 2 anos, chegou a sofrer um acidente caseiro em que teve uma parte do corpo queimada. Isso o fez ficar hospitalizado por 40 dias. Nessa época, as poucas palavras que falava se perderam, e ele nunca mais voltou a falar. Faz uns sons ininteligíveis, e segundo os pais é como se contasse muitas histórias com esses ruídos. Nelas, porém, nunca se distingue uma palavra compreensível, nem mesmo um sentido. É aparentemente afetivo, porque abraça e beija, o que a princípio levou os pais a descartar a hipótese de autismo, por considerarem esse comportamento como afetivo e relacional. O pai suspeitou inclusive de deficiência mental. Apesar da aparência de familiaridade com o infantil nos comportamentos de Marcos, algo estranho não podia deixar de ser notado.

Clara, de 3 anos, também é trazida pelos pais. A linguagem verbal está ausente. Apenas pronuncia alguns sons ininteligíveis, e muitas vezes com o olhar perdido no nada. Não chama as pessoas, nem mesmo os pais. Quando quer algo, busca a pessoa pela mão. Aceita colo, deixa-se abraçar, mas não abraça nem mantém contato visual. Não atende quando é chamada. Os pais dizem que ela gosta de pular e subir nos móveis. Gosta ainda de ver filmes da Disney, mas parece se misturar com a história: se o personagem chora, ela chora; se ele tem medo, ela se esconde. Balança as mãozinhas em flappings. Os pais a comparam com a irmã mais velha, quando esta tinha a idade de Clara, e não encontram correlação ou familiaridade.

A movimentação que se observa nessas crianças vai nos comunicando o quanto elas se encontram inundadas por estímulos não metabolizáveis, usando o aparato físico e sensorial para dispersar quaisquer sentimentos de angústia, mas de uma maneira esvaziada, que prescinde do vínculo. Não há lugar para o outro na relação, e ele é vivenciado como se não existisse. O outro, quando buscado, é apenas tomado como um prolongamento de si. A hiperatividade e o isolamento autístico são formas que usam para evitar os estímulos vividos como intoleráveis.

Como trabalhar com essas crianças? O nosso conhecimento psicanalítico é capaz de alcançá-las? Não há palavras, não há jogo simbólico, não parece haver um mundo interno povoado de fantasias, objetos vivos, emoções a serem compartilhadas numa dupla, não há nem mesmo uma dupla. Então, faz-se necessário que alguém se predisponha a construir esse que um dia será um par analítico; é preciso que o analista ocupe o lugar daquele que, com memória e desejo, ajude essa criança a resgatar algo da natureza humana, que é a busca pelo objeto. Nas palavras de Alvarez, "nascemos, e possivelmente somos até concebidos, buscando um objeto" (1994, p. 203), busca essa que, por alguma razão, essas crianças abandonaram. Ainda segundo Alvarez,

o papel do cuidador (primeiro como objeto externo e mais tarde como objeto internalizado) é de encorajar, focalizar, canalizar e intensificar qualquer grau de capacidade inata, desejo por coerência e capacidade de buscar o objeto que o recém-nascido tinha no início da vida. (p. 202)

 

Buscando caminhos

Nas primeiras sessões, Marcos entra na sala de atendimento gritando algo que a mãe traduz como "se esconder" e se dirige para trás de uma das minhas poltronas. A mãe informa que eles ultimamente estavam brincando de cabana em casa. Usando então algumas mantas que tenho na sala, faço uma espécie de cabana em volta da poltrona em que ele se encontra. Enquanto vou construindo esse espaço, Marcos fica aflito, grita, choraminga. Não aguenta esperar. Tem pressa. Agita-se. Grita também quando um buraquinho deixa entrar claridade. Quer a cabana toda fechada, e fica lá dentro com os carrinhos ou aviõezinhos que sempre traz nas mãos.

Eu, literalmente deixada do lado de fora desse casulo, vou chamando por ele como quem procura alguém que está longe e perdido: "Marcos, cadê você? Onde será que está o Marcos? Eu quero muito encontrá-lo" Ele fica bem quietinho. Ao mínimo movimento na cabana, eu digo: "Quem está nessa cabana? Será que é o Marcos?" Depois de um tempo, vou em busca dele, abrindo uma brecha nas mantas e mostrando-me feliz por encontrá-lo. Após algumas sessões com essa repetição, ele vai criando coragem e colocando uma mão, um pedaço de braço, um dos pés para fora da cabana, e eu passo a nomear as partes que vão aparecendo, até que surge um pedacinho do rosto e eu festejo o encontro: "Achei o Marcos!" Ele volta a se esconder, e o jogo, incentivado por mim, continua - em algumas ocasiões, por toda a sessão.

Há dias em que ele chega ao consultório gritando, se jogando no chão, não querendo entrar, esmurrando a porta, preferindo ficar mexendo em algo na sala de espera, ou mesmo na rua, que tenha um apelo sensorial forte. Outras vezes, entra chorando, por ter dormido no carro durante o trajeto e ter sido acordado ao chegar. Eu o carrego para a sala falando do desespero, mas não desistindo do nosso encontro, nem permitindo que ele desista. Nesses momentos, dentro da sala, Marcos grita e se joga nas paredes com muita força, caindo no chão. Passo a fazer, com os meus braços, um cerco para impedir essa movimentação, e digo que entendo o seu sofrimento e que não vou deixá-lo se machucar. Depois de um tempo, exaurido, ele se deita no meu colo e eu canto cantigas de ninar, como se embalasse um bebê aflito. Ele vai se acalmando, e quase sempre podemos voltar para a brincadeira de esconde-esconde atrás das mantas.

Aos poucos, Marcos flexibiliza a cabana, deixando brechas sem se aterrorizar, brechas pelas quais eu posso enxergá-lo e chamá-lo. Ele começa a demostrar sinais de prazer em se esconder e aparecer de surpresa. Sorri, dá gritinhos excitados, mas não descontrolados, e é sempre festejado por mim.

Com o tempo, ele passa a não necessitar tanto da cabana e a fazer uma fila com carrinhos em cima da mesa, usando, de uma forma interessante, a massa de modelar para cobrir cada um dos carrinhos, como se fosse um casco de tartaruga. Precisa que a fila esteja bem arrumada e reta, e fica muito tempo nessa arrumação. Depois, parece querer simular uma corrida, fazendo com que os carrinhos sejam arrastados em fila em volta da mesa. As características são muito mais de um ritual do que de uma brincadeira. É algo estereotipado, rígido. Como não consegue levar todos os carrinhos, põe a minha mão nos que sobram a fim de que eu dê continuidade ao movimento. Mas eu não me limito a continuar a sequência. Faço com que os carrinhos que eu seguro "falem" com os dele. Narro uma corrida: "O carrinho azul de Marcos corre na frente do carrinho vermelho da analista. Quem será o grande vencedor?'.

Gradualmente, Marcos vai se interessando pela brincadeira que inauguro. Começa também a fazer sons - por exemplo, de buzina e apito de largada. Bate o carrinho dele no meu e ri. Quando um carrinho cai no chão, pego um ursinho da caixa para resgatá-lo, ajudando-o a voltar à corrida, e Marcos passa a me imitar. O rostinho dele vai ficando expressivo. Quando me vê na sala de espera, já grita o meu nome e vem correndo ao meu encontro. Começa a usar cada vez mais palavras, pronunciadas incorretamente, mas possíveis de serem compreendidas. A brincadeira é repetitiva. Ele ainda grita e pula muito quando se sente excitado. De vez em quando, imita o carrinho e me bate, dando "trombada", mas já não está tão solitário. Marcos passa a descobrir que vale a pena compartilhar vivências. Elas ainda são concretas, por vezes disruptivas, mas já ganho um espaço para ajudá-lo a metabolizá-las e transformá-las em experiências de troca, de compartilhamento.

No livro Companhia viva, ao se referir ao trabalho de convocação que é importante ser feito por nós, analistas, quando atendemos crianças com autismo, Anne Alvarez escreve: "Terras improdutivas não pedem para ser recuperadas, mas as suas potencialidades ocultas para germinar podem florescer quando forem reclamadas" (1994, p. 66). A autora mostra que a postura mais ativa e interessada do analista é de suma relevância se quisermos resgatar essas crianças do lugar em que se refugiam, árido e esvaziado de sentido. Ainda assim, o trabalho parte do recorte de mundo que elas nos trazem: se é uma cabana, vai ser por meio da cabana; se são carrinhos, vai ser por meio dos carrinhos. Elas nos trazem sons, e precisamos compor trechos de melodias que elas possam, aos poucos, ter prazer em escutar, arriscando com o tempo as suas próprias composições. Isso vai permitindo, durante o processo, que as trocas sensórias sejam substituídas por trocas psíquicas e, com isso, que as vivências se transformem em experiência.

O holding psicológico, e em alguns momentos até mesmo físico, também pode vir a se tornar um elemento importante na busca para trazer essas crianças à dimensão do humano. Nas palavras de Thomas Ogden:

Holding é um conceito ontológico que Winnicott utiliza para explorar as qualidades específicas da experiência de estar vivo em diferentes estágios do desenvolvimento, assim como os meios intrapsíquicos-interpessoais mutáveis pelos quais a sensação de continuidade do ser se sustenta no decorrer do tempo. (2010, p. 122)

Dentro dessa visão, a palavra holding também aludiria ao lugar, na mente do analista, em que a criança possa se encontrar inteira, "reunir-se em um lugar" (Ogden, 2010, p. 125).

Por um tempo bastante significativo, a noção de que existem na sala duas pessoas que se relacionam é apenas teórica, pois na maior parte do tempo o analista se vê funcionando como a totalidade da dupla, precisando viver e deixar que a criança viva o dois em um, para que a partir daí ela vá desenvolvendo a sua subjetividade.

 

O colo-barriga: o dois em um

O atendimento de Clara tem início com três sessões semanais. Nas primeiras vezes, ela anda pela sala, mas não parece estar interessada em conhecer o espaço. Não há curiosidade. É um andar sem objetivos. Mexe em alguns objetos e brinquedos de forma aleatória. Pega alguns e começa uma atividade com eles: leva-os para cima da mesa e deixa-os despencar, enquanto emite um grito, sem nenhuma entonação afetiva. Depois que todos caem no chão, repete a cena, várias vezes - alguns dias, pela sessão inteira. Não me olha. Faz alguns sons ininteligíveis. Se tento me aproximar fisicamente, diz "Não", sem nem mesmo virar o rosto na minha direção. Vou apenas pronunciando frases do tipo "Eles caem assustados" "Desmoronam" "Gritam aflitos" Essas falas tinham a intenção de me manter pensando e, quem sabe, dar a ela um envelope sonoro para aquelas vivências repetitivas. Em algumas sessões, interrompe essa atividade para se deitar no divã e ficar olhando o ventilador girar.

Passa a separar os brinquedos feitos de pano, e portanto mais macios, dos demais e enfileirá-los num canto da sala. Não responde muito às minhas convocações. É como se eu não existisse. Depois de um tempo, descobre a água na sala contígua e passa a encher uma bacia pequena e a entrar nela, molhando partes do corpo na água, numa vivência totalmente sensorial. Vou tentando me aproximar e dar alguns contornos a essa atividade, a fim de que não fique só no nível sensorial. Mostro a marca que os seus pés fazem no chão ou as marcas da sua mão molhada. Invento musiquinhas para a água que escorre. Pela primeira vez, ela se interessa pelas minhas observações. Nomeio as partes do seu corpo que vão sendo molhadas e as que ainda estão secas. Aos poucos, Clara começa a interagir comigo. Já me pega pelas mãos para irmos a essa sala, me olha quando canto, sorri e passa a vir ao meu encontro quando vou buscá-la na sala de espera.

A partir disso, só entra e sai da sala se for no meu colo. Não quer mais transpor o espaço do dentro e fora com as próprias pernas. Eu a carrego porque sei que isso tem uma função importante no nosso processo. Essa função é ainda mais explorada quando Clara pega uma manta que sempre esteve sobre o divã, vem com ela para o meu colo e, com a minha ajuda, se cobre. Faz questão de deixar a cabeça coberta pela manta e o ouvido encostado no meu peito, possivelmente de forma que escute os meus batimentos cardíacos e o ritmo da minha respiração. Às vezes, fica a sessão inteira nessa posição; em outras ocasiões, intercala essas vivências com as atividades na água. Começa a pronunciar palavras como mama e papa e me chama ora de um, ora de outro. Os pais me contam que em casa ela também começa a usar papai e mamãe para chamá-los.

Esse caso mostra que, num primeiro momento, Clara precisou que eu soubesse respeitar e não invadir a distância que ela considerava segura entre nós. No entanto, também precisou que eu não desistisse e continuasse a procurar formas de atraí-la para a relação, de aprender a me adaptar aos seus ritmos e assim poder ir ao encontro dela de maneira mais ativa. Desse modo, ela foi criando coragem de abrir uma brecha para a minha entrada. Quando se refere às funções maternas, Alvarez (1994) diz que incluem não só respeitar e acolher certo grau de retraimento nos bebês, mas ainda exercer o papel ativo de trazê-los de volta para a interação com elas.

Na medida em que começa a nascer em Clara uma esperança no encontro, ela vem literalmente para o meu colo, buscando vivências que precisam ser experimentadas muito mais do que revividas - a necessária vivência ilusória do dois em um, de estar sendo gestada para o nascimento psicológico (Mahler, 1982), podendo assim transformar o que até agora havia ficado irrepresentável.

 

As funções psíquicas do analista

No livro Irrepresentável, o casal Botella escreve: "Não é a perda do objeto, mas o perigo da perda da sua representação, e por extensão o risco da não representação, que marca o desamparo" (2002, p. 27). Eles ressaltam que elementos sensoriais não representados, isto é, que não puderam sofrer transformações, têm um efeito desorganizador no psiquismo da criança, e que as condutas autísticas, muitas vezes, se relacionam com a área da não representação. É com esse universo que o analista de uma criança com autismo, ou outras patologias graves, tem que se haver em diversas ocasiões: "O ego do analista, posto à prova, fragilizado - como talvez é o ego daquele que dorme, enfraquecido pela regressão narcísica do sono -, diante do perigo da não representação, vai reagir" (p. 31).

Quando vou buscar Clara na sala de espera, ela está nos braços do pai, uma pessoa bastante afetiva, que investe muito no relacionamento com a filha, capaz de uma dedicação bem maior do que a da mãe. Hoje, porém, ela parece muito triste e tem os olhos úmidos. O pai não sabe explicar o comportamento de Clara. Subo com ela no colo, como tem acontecido nesses tempos, e ela deita a cabeça no meu ombro, como quem se entrega. Falo da tristeza grande - quem sabe, pela falta de alguma coisa importante. Vou tentando nomear o que observo. Às vezes, ela diz "Mamãe, mamãe", como alguém que está perdido em algum lugar longínquo. Em certo momento, ameaça descer do meu colo, mas, nem bem se solta de mim, volta rapidamente. Falo do medo da perda - talvez, o medo de que eu possa sumir, desaparecer.

Depois de um tempo, Clara desce e vai correndo pegar a manta. Coloca-a nas minhas pernas e senta-se embaixo, como se fizesse uma cabana. Fica ali quietinha. Às vezes, volta a dizer "Mamãe", mas agora parece menos chorosa e angustiada. Ficamos assim por um longo período, durante o qual eu adormeço e sonho que estou num velório, conhecido e familiar, atrás de Clara, conduzindo-a para fora desse espaço, de forma que possamos sair das salas onde os mortos se encontram. Acordo assustada desses minutos, precisando pensar bastante neles para tentar compreendê-los e elaborá-los, a fim de que não sejam vividos, por mim, como falha ou incapacidade de sustentar a situação. Para entender esse momento, volto ao casal Botella:

No nível da prática, rapidamente compreendemos que, para ter acesso a esse universo, o único meio possível estava na capacidade do analista de abandonar em alguns momentos o universo da representação. Graças a uma regressão formal do pensamento, num apagamento do representacional, o psiquismo do analista abre-se ao alucinatório e atinge, assim, zonas do psiquismo do analisando inatingíveis de outro modo: a dos traumas que não puderam ser representados. (2002, p. 21)

Naquela sessão, Clara trazia um desamparo que não tinha palavras, possivelmente o vazio da não representação, que precisou de um trabalho da mente inconsciente da analista para poder ser recebido como uma comunicação e ser metabolizado, a fim de que, com o tempo e o processo analítico, fosse transformado pela própria Clara.

Tempos depois, com 9 anos, Clara - que já fala, e também já escreve, lê e acompanha a série escolar que lhe corresponde - chega para a sessão e me diz que, naquela noite, teve um pesadelo horrível: "Acordei e não tinha mais ninguém no mundo. Era tudo vazio". Eu pergunto se não tinha mais pessoas, e ela reforça: "Não tinha mais nada nem ninguém. Nem pessoas, nem lojas, nem objetos, nada mesmo"

Agora Clara já pode experimentar os próprios sonhos e pesadelos; já é possível falar em um mundo psíquico habitado por fantasias, objetos internos, e não mais um mundo só de vivências sensoriais. Eu, no meu sonho durante a sessão, buscava dar forma às vivências de não representação por meio de símbolos como mortos e velório. Clara, muito tempo depois, já podendo sonhar os próprios sonhos, fala do vazio, do desamparo, da ausência total de objetos, um símbolo para as vivências de não representação. Segundo Ogden, "sonhar a nossa própria experiência é adquirir a posse dela no processo de sonhá-la, pensá-la e senti-la" (2010, p. 45).

O casal Botella afirma que, em outras situações, em contato com elementos sensoriais não representados, o analista pode transformar esses elementos mediante "construções em formas figuradas, tal como uma lembrança" (2002, p. 29), uma imagem sugerida espontaneamente pelo analista e capaz de ajudar o paciente a entrar em contato com vivências terroríficas, propiciando com isso o trabalho de elaboração psíquica.

 

Da cabana aos túneis: uma saída/um nascimento

Marcos, mesmo se envolvendo em outras atividades, que a analista se esforça por transformar em jogos compartilhados, ainda procura permanecer nas cabanas. Hoje elas já podem ser mais flexíveis e, se uma das partes desmonta, Marcos já aguenta, sem tanto desespero, que a analista a conserte. O jogo é sempre o de ter que ser encontrado, buscado. Ele se mostra feliz e apreensivo com essa busca. É uma cabana que protege, mas que também isola.

Numa das sessões em que a atividade de se esconder se repete, resolvo usar mais uma manta para garantir que a cabana fique fechada. Ao fazê-lo, me vem à mente a imagem de um túnel, formado com a parte sobressalente da manta. Quando Marcos tenta sair por esse lado e encontra dificuldades, digo: "Agora temos um túnel. Você pode sair por ele". Marcos imediatamente acata a ideia e vem deslizando por esse prolongamento da manta, que fica sobre o divã. Ele se arrasta deitado e, no final do túnel, emerge a cabecinha. Festejo: "Nasceu! Viva!" Marcos sorri abertamente para mim e volta muitas vezes a representar esse "nascimento".

Aos poucos, ele começa a dizer, quando emerge do túnel: "Surpresa!". Penso que ele pode agora, com a imagem do túnel, sonhada por mim, brincar de nascer, um nascimento festejado, uma surpresa agradável, diferentemente do que ele vivenciou no próprio nascimento, ocorrido num momento muito conturbado da vida dos pais, o que fez a mãe sentir-se culpada por ter engravidado. Numa dessas ocasiões, logo que emerge do túnel, realmente para a minha surpresa, ele levanta a blusa e me mostra as marcas e cicatrizes que tem no abdômen e no peito, do acidente sofrido aos 2 anos, e diz: "Dodói" Quer que possamos falar dos "dodóis", que agora podem ser representados e chorados, e não só vividos como aterrorizadores.

O trabalho psicanalítico com Clara, Marcos e outros pacientes com autismo que temos a possibilidade de atender mostra o quanto a psicanálise pode alcançá-los, ainda que por muito tempo um vínculo não esteja presente. Antes mesmo de termos condições de construir um vínculo, uma interação dialógica, precisamos ajudar essas crianças a emergir da aridez e esterilidade dos seus refúgios autísticos. Não se trata de buscar as raízes traumáticas, os conflitos inconscientes, mas de possibilitar o processo de individuação dessas crianças, o nascimento psicológico. Assim como uma mãe o faria com o seu bebê bem no início da vida, o analista precisa funcionar como um "colo psíquico protetor", de forma que o cerne protegido possa iniciar o processo de tornar-se um ser, de dentro para fora. Como diz Winnicott, "através do cuidado suficientemente bom, através das técnicas, da sustentação e do manejo geral, a casca passa a ser gradualmente conquistada, e o cerne pode começar a tornar-se um indivíduo" (2000, p. 166). Desse modo, a criança com autismo pode se permitir trocar a previsibilidade das suas manobras autísticas e do mundo das sensações autogeradas pela imprevisibilidade do encontro com o humano, das vivências emocionais.

Tudo isso só é possível se o analista conseguir sustentar a ilusão - aquilo que Winnicott considerava imprescindível na relação mãe-bebê, uma ilusão de autocriação que depende completamente do meio ambiente. Nas palavras de Winnicott: "Magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança" (1971/1975, p. 71). Só a partir daí o bebê, assim como a criança com autismo em análise, é capaz de experimentar a desilusão, necessária e inevitável, não mais como catastrófica e ir aos poucos ingressando na área intermediária de experimentação - entre a realidade psíquica interna e o mundo real -, que Winnicott denominou de transicional, aí sim podendo começar a brincar.

Para finalizar, tomo mais uma vez emprestadas as palavras de Ogden:

A experiência sobre a qual a psicanálise se assenta é um paradoxo. A psicanálise é um conjunto de ideias e princípios técnicos em transformação - mais um feixe de varetas do que um todo sem emendas - que foi se desenvolvendo durante o curso do século passado; e, contudo, ao mesmo tempo, é responsabilidade do analista reinventar a psicanálise para cada paciente e continuar a reinventá-la durante o curso da análise. (2010, p. 22)

 

Referências

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Botella, C. & Botella, S. (2002). Irrepresentável: mais além da representação (M. E. J. N. Schneider, P. C. Ramos & V. Dresch, Trads.). Porto Alegre: Criação Humana.         [ Links ]

Freud, S. (1972). Sobre a psicoterapia. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, Trad., Vol. 7, pp. 267-278). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905)        [ Links ]

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Mahler, M. (1982). O processo de separação-individuação (H. M. Souza, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Ogden, T. H. (1996). Os sujeitos da psicanálise (C. Berliner, Trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Ogden. T. H. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos (D. Bueno, Trad.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

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Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (I. C. S. Ortiz, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (2000). Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (D. Bogomoletz, Trad.). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Fátima Maria Vieira Batistelli
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fvbatistelli@uol.com.br

Recebido em 24/6/2019
Aceito em 12/7/2019

 

 

1 Texto vencedor do Prêmio Mário Martins, conferido durante o XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado em Belo Horizonte (MG), de 19 a 22 de junho de 2019.

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