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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.1 São Paulo ene./mar. 2020

 

INTERFACE

 

O testemunho e a denúncia: sobre a transição do pai assassinado para o pai morto

 

The witness and the accusation: about the transition from murdered father to dead father

 

El testimonio y la denuncia: sobre la transición del padre asesinado para el padre muerto

 

Le témoignage et la dénonciation: à propos de la transition du père assassiné au père décédé

 

 

Manola Vidal

Membro associado e docente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Mestre e doutora em saúde da mulher e da criança pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF-FIOCRUZ). Pós-doutora em psicanálise e saúde mental pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho propõe que a denúncia midiática construída em rede por coletivos de mulheres vítimas de violência sexual contribui para a integração e a elaboração psíquica de traumas relativos a crimes de violência sexual. Apresenta a hipótese de que a denúncia no espaço público, através de redes de apoio virtuais, autoriza o diálogo entre a teoria psicanalítica e os estudos feministas. Esse diálogo será aqui realizado por meio de categorias analíticas relativas à transição entre o pai assassinado e o pai morto: os silêncios consentido e da fantasia, o testemunho, e a denúncia enquanto lugar de fala.

Palavras-chave: pai assassinado, pai morto, estudos feministas, violência sexual, testemunho


ABSTRACT

This paper proposes that the mediatic accusation networked by groups of women victims of sexual violence contributes to the integration and psychic elaboration of traumas related to crimes of sexual violence. It presents the hypothesis that accusation in public space, through virtual support networks, permits us to dialogue between psychoanalytic theory and feminist studies. This dialogue will be carried out here through analytical categories concerning the transition between the murdered father and the dead father, the consented and fantasy silences and the testimony.

Keywords: murdered father, dead father, feminist studies, sexual violence, a testimony


RESUMEN

Este trabajo propone que la denuncia mediática construida en red por colectivos de mujeres víctimas de violencia sexual contribuye a la integración y elaboración psíquica de traumas relacionados a los crímenes de violencia sexual. Presenta la hipótesis de que la denuncia en el espacio público, a través de redes de apoyo virtuales, nos autoriza al diálogo entre la teoría psicoanalítica y los estudios feministas. Este diálogo se realizará a través de categorías analíticas relativas a la transición entre el padre asesinado y el padre muerto, los silencios consentido y de fantasía y el testimonio.

Palabras clave: padre asesinado, padre muerto, estudios feministas, violencia sexual, testigo


RÉSUMÉ

Cet article propose que la dénonciation médiatique mise en réseau par des groupes de femmes victimes de violence sexuelle contribue à l>intégration et à l>élaboration psychique de traumatismes liés à des crimes de violences sexuelles. Il présente l'hypothèse que la dénonciation dans l'espace public, par l'intermédiaire des réseaux de support virtuels, nous autorise à établir un dialogue entre la théorie psychanalytique et les études féministes. Ce dialogue sera mené ici au moyen des catégories analytiques concernant la transition entre le père assassiné et le père décédé, les silences consentis et fantasmés et le témoignage.

Mots-clés : père assassiné, père décédé, études féministes, violence sexuelle, témoignage


 

 

Introdução

Este trabalho entende que o processo de transição conceituai entre o pai assassinado e o pai morto pode ser observado a partir da relação entre a denúncia e o testemunho feitos por mulheres vítimas de violência sexual. Compreende a denúncia com base em conceitos da teoria feminista, e o testemunho, em conceitos da teoria psicanalítica. Utiliza como material de investigação o conteúdo midiático realizado em espaço público por mulheres vítimas de violência sexual pelo médium João de Deus. O diálogo entre as teorias feminista e psicanalítica acontecerá através de categorias analíticas relacionadas à transição entre o pai assassinado e o pai morto: os silêncios consentido e da fantasia, o testemunho, e a denúncia enquanto lugar de fala. Dessa forma, acredita-se que este trabalho contribui para o conhecimento sobre determinado modo de produção de subjetividade associado aos estudos sobre a violência contra a mulher.

Como as redes de comunicação contemporâneas integram as esferas autônomas da sociedade civil, as experiências compartilhadas das vítimas de violência sexual pelo médium João de Deus tiveram imensa visibilidade. A visibilidade midiática, como espaço público de denúncia, apresenta uma dinâmica de ação que inclui a atividade de coletivos sociais organizados - no caso, a atividade de mulheres que se identificaram a partir de uma situação de sofrimento comum (Hansen, 2013). Em relação ao material produzido dessa maneira, realizou-se um recorte específico, priorizando-se o longo período de silêncio entre a violência sofrida e sua visibilidade pública. Ao refletir sobre o silêncio das vítimas, presente em uma cultura que contemporaneamente privilegia a denúncia de violência contra a mulher, nos aproximamos da complexidade dos processos subjetivos implicados.

João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, é um famoso médium brasileiro, que criou o centro espírita Casa Dom Inácio de Loyola em 1976 e que ganhou fama internacional por seu trabalho com curas e cirurgias espirituais. Em dezembro de 2018 começaram a surgir notícias sobre a existência de mulheres vítimas de violência sexual, mulheres que o haviam procurado para atendimento espiritual ou para trabalho voluntário ou que, no caso de uma de suas filhas, mantinham com ele uma relação de parentesco. Essas notícias, ao serem lançadas no espaço público, se desviaram do padrão de comunicação instituído por políticas ligadas a promoção, prevenção e punição da violência contra a mulher brasileira a partir da Lei Maria da Penha (2006). Assim, a comunicação no espaço público midiático apresentou uma característica facilmente observada e comum às experiências compartilhadas: o longo período de silêncio entre a violência sofrida e sua divulgação. No espaço público midiático se realizaram interações entre os atores coletivos da sociedade civil - do grupo de mulheres com a sociedade e o sistema político. Dessa forma, em detrimento dos dispositivos de comunicação instituídos por lei, somos remetidos a uma nova característica das pesquisas sobre o ambiente religioso. Essa nova característica soma-se àquelas que anteriormente privilegiaram uma concepção universalista, voltada para a decodificação das cosmologias e dos universos simbólicos em detrimento de temas como a violência (Monteiro, 2012). A ligação entre o sagrado, a violência, a culpa e o sexual é hoje investigada com base no sofrimento de mulheres em instituições religiosas, seculares ou não, utilizando-se relatos acerca do uso opressivo da palavra de Deus por homens reconhecidos como líderes carismáticos (Botelho, 2018). Podemos conhecer então as rupturas produzidas na continuidade do exercício da fé, no vínculo com a comunidade ou grupo religioso, e um processo de mudança na representação e percepção de si como um ser amado e aceito por Deus.

O diálogo proposto entre as teorias feminista e psicanalítica, que será realizado através de categorias analíticas relacionadas com a transição entre o pai assassinado e o pai morto, espera contribuir para um panorama teórico recente e em construção. Sua interface mais conhecida é aquela que, partindo do campo de conhecimento feminista, constrói críticas e interpretações de conceitos psicanalíticos relativos à trama edípica. Temos então, inicialmente, que a teoria feminista aborda os pressupostos psicanalíticos por meio de duas linhas principais de investigação: a anglo-americana, voltada para o componente histórico-cultural como explicação da opressão social, e a francesa, voltada para as realizações simbólicas dos processos formadores da identidade e do inconsciente feminino e articulada à escrita feminina (Cixous, Cohen & Cohen, 1975; Irigaray, 1993). Nos anos 1990, Judith Butler (1990/2010), Donna Haraway (1991) e Rosi Braidotti (1994) ampliaram o diálogo iniciado com a teoria psicanalítica, apresentando-nos duas novas direções: a teoria das relações de objeto (Inglaterra e Estados Unidos), centrada na relação mãe--bebê como alternativa ao paradigma do complexo de Édipo, e a teoria lacaniana, que critica a posição do falo como significante único, apesar de reconhecer sua lógica estrutural como necessária à ordem simbólica (Brennan, 1989).

 

Categorias analíticas relativas à transição entre o pai assassinado e o pai morto

Silêncio consentido e silêncio da fantasia

O silêncio das mulheres após a experiência de violência sexual será investigado por meio da relação entre o silêncio consentido e o silêncio da fantasia. O silêncio consentido se refere aos diferentes aspectos da cultura e da organização sociojurídica da sociedade e será abordado a partir de concepções teóricas sobre o cinismo, o poder e a dominação. O silêncio da fantasia diz respeito à configuração edípica que fundamenta a ordem social e o papel do outro na transmissão da fantasia inconsciente. Sua abordagem compreende o trauma com base na concepção sobre a vergonha traumato-gênica e as figuras metafóricas do pai assassinado e do pai morto.

O silêncio consentido após a violência sexual é confirmado por pesquisas como um fenômeno mundial (Das, 2007; Gammeltoft, 2016). No ambiente religioso encontra-se ligado a determinada relação entre o poder e a dominação (Weber, 1987a). O poder enquanto capacidade de induzir e influenciar pode se utilizar de coerção, manipulação ou normas estabelecidas, mas a dominação é o direito adquirido de se fazer obedecido. Entre os tipos de dominação está a carismática, na qual a obediência é para com um líder qualificado e que, como conceito, não se reduz a qualidades pessoais, mas a um princípio de legitimidade que fundamenta relações políticas e engendra estruturas sociais (Totef, 2005). A dominação carismática na esfera religiosa é bidimensional, pois se constitui enquanto fonte de legitimidade através de suas instituições e de princípios que põem em xeque a ordem política estabelecida (Weber, 1987b).

O silêncio consentido também pode ser observado a partir de certas qualidades do cinismo que se mostram, na contemporaneidade, como universais e difusas, produzindo uma racionalidade de falsa consciência, a da mentira. É diferente da ideologia, que tem por máxima "Eles não sabem o que fazem, mas o fazem" (Marx & Engels, 1974) e que apresenta a característica do funcionamento psíquico do recalque (Zizek, 1992). A repetição cínica pressupõe uma consciência do agir alienado (Sloterdijk, 2012), e sua máxima seria "Eles sabem o que fazem e continuam a fazê-lo", evidenciando-se uma estrutura paradoxal, em que lei e transgressão caminham juntas. Portanto, a repetição cínica caracterizaria o mal-estar na cultura atual, apresentando-se como o estado de consciência de um sujeito-tipo das massas, que em seu modo de existir participa coletivamente de um realismo conformado. O cínico do presente deixa-se compreender como um caso-limite de melancolia, que tem seus sintomas depressivos sob controle, preservando a capacidade de trabalho apesar de tudo e depois de tudo. O sujeito cínico vive da discordância entre os princípios proclamados e a prática social da função, existindo onde não há crítica possível e produzindo em seus processos de subjetivação a dispersão do sentimento de si. No lugar da crítica há perplexidade. Dor e prazer reduzem o sensível à paralisia do ressentimento. O cinismo paralisante do ressentimento produz o silêncio pautado na ilusão de ser dominado por um poder alienante, que distancia sabedoria e prática.

Com a consciência cínica, saímos do campo ideológico e podemos nos aproximar de determinadas figuras da psicopatologia, valendo-nos da relação entre a dominação carismática e o objeto totalitário (Zizek, 1992). O líder religioso da dominação carismática seria instrumento da vontade de um superego que toma para si a necessidade de realizar a crueldade canibalesca, não sendo o superego da censura, mas o superego obsceno do pai primevo, pois, mais do que proibição, há permissividade, o que nos aproxima do funcionamento da horda primitiva. Lasch (1991) diz que, quando a demanda social não assume a forma de um código integrado no ideal do ego, permanecendo no nível de uma ordem superegoica pré-edipiana, o grande outro, sociossimbólico, assume cada vez mais os traços libidinais da mãe nutriz, que exerce um despotismo benévolo e um superego mais severo do que protetor do desamparo.

Os aspectos do silêncio consentido que se referem ao cinismo e ao superego arcaico nos remetem à injúria narcísica, ou seja, ao trauma narcísico das mulheres vítimas de violência sexual, cuja qualidade da experiência afetiva é a da vergonha traumatogênica. Para iniciar a compreensão da vergonha traumatogênica, nos aproximamos de Krystal (1988). A autora caracteriza a regressão dos afetos com base no estado psíquico de impasse, em que se dá uma dissociação entre a realidade externa e a percepção de coesão do si mesmo, que é conhecida e negada, produzindo-se experiências de estados contraditórios do ego e de duplos encontros na realidade externa. A dissociação é seguida por um estado de comando no qual um ego observador e um superego julgador (Sandler, 1967) produzem uma onipotência de julgamento interior que desencadeia determinada forma de defesa, definida por Wurmser (1996, 2000) como a onipotência de responsabilidade. Esta será uma defesa diante do superego julgador que produz um "estado totalitário da mente".

Assim, o estado psíquico de impasse, produzido pela vergonha trauma-togênica, é avaliado por um ego observador como submissão, por ter perdido a oportunidade de reagir de forma agressiva ou assertiva em face da situação de violência. Inicia-se então o trabalho do superego julgador, caracterizado por Wurmser (2015) através da fantasia de onipotência de responsabilidade, a partir de duas variantes: a transformação mágica e a transformação trágica da realidade interna. A transformação mágica (Freud, 1913/1996c) é a do pensamento onipotente, que por meio de um princípio mágico de proteção se defende de um julgamento autocondenatório e hipertrofiado. A transformação trágica é a da mudança profunda de consciência, baseada no sofrimento que produz o insight e leva a uma ação. Tanto a transformação mágica quanto a trágica estariam ligadas à dissociação psíquica diante da percepção da realidade e de si mesmo a partir da situação de impasse.

A identificação com a representação interna do agressor (Broucek, 1993; Shengold, 1989) produz os processos de objetificação de si mesmo mediante os estados de cegueira da alma, que são o desrespeito para com as próprias necessidades e autonomia emocionais e o assassinato da alma, as repetitivas experiências emocionais da vítima com o agressor nas quais as superestimações se alternam com a deprivação emocional. Portanto, o estado psíquico da onipotência de responsabilidade responde ao julgamento interno e hipertrofiado do superego às situações de vergonha traumatogênica igualando o trauma externo ao julgamento interno, criando um círculo vicioso de vergonha. O julgamento interno e a onipotência de responsabilização (Wurmser, 2000) produzem uma espiral da vergonha, alimentada pelo sentimento de culpa. O círculo vicioso da vergonha e da culpa caracteriza determinada especificidade do conflito superegoico: por um lado, se a realidade do trauma for aceita, a ameaça de ser invadido pela vergonha poderá trazer o risco da regressão dos afetos; por outro lado, se não houver a responsabilização onipotente pelo trauma, poderá acontecer o retorno da passividade ligada à anestesia e à ale-xitimia. Esse círculo vicioso constrói o impasse característico da subjetividade destituída de autonomia, demonstrando que no silêncio consentido cada passo que distancia o sujeito da situação traumática internalizada é vivido como ameaça de aniquilamento, pois os processos de simbolização são deficitários para o desfusionamento da situação traumática. A dissociação não permite existir coesividade psíquica para o abandono das defesas vinculadas às transformações mágica ou onipotente, e aí temos uma dupla vitimização: a da experiência da violência em si e a do sacrifício da própria identidade através da dependência patológica alimentada pelo círculo vicioso da vergonha e da culpa.

O silêncio da fantasia pode ser compreendido a partir de duas figuras metafóricas: o pai assassinado e o pai morto. É possível observar a diferença entre ambos tanto na psicopatologia quanto em diferentes aspectos da cultura e da organização social e jurídica das sociedades. O pai assassinado é o pai primitivo, anterior ao tabu do incesto e ao surgimento da lei e da cultura (Lacan, 1999). É descrito como o pai narcísico, idealizado (Rosolato, 1969). A diferença entre o pai assassinado, narcísico (Freud, 1913/1996c), e o pai morto, simbólico (Freud, 1939/1996b), é central para a configuração edípica. A transição do pai assassinado para o pai morto fundamenta a ordem social e o papel do outro na transmissão da fantasia inconsciente, implicando a noção de sacrifício, que ultrapassa o prazer. Dessa forma, podemos compreender que o silêncio da fantasia está ligado à psicopatologia do ideal, pois o pai pré-edípico, o pai da horda primitiva, coloca-nos a questão da identificação direta e primária, que não supõe a diferença entre pai e mãe, homem e mulher, produzindo processos de subjetivação frágeis, relativos à identificação direta com um traço, e não com um objeto, sendo distinta da identificação estruturadora, a edípica.

 

Testemunho

A relação entre o testemunho e o processo de transição do pai assassinado para o pai morto é possível pelo uso de outra figura metafórica: o pai espancado. Compreende-se que a elaboração psíquica dos aspectos traumatogênicos da vergonha se realizou através da construção, pelo testemunho, da representação de um pai espancado pelas vítimas, que passa a ser apresentado à opinião pública. Ao compreender o espaço midiático enquanto espaço público (Hansen, 2013; Silva, 2006), contribuímos para o processo de reconstrução do modelo de esfera pública a partir das mídias de formação da opinião. A formação da opinião pública delimitaria os espaços e funções da participação popular na vida política democrática, e os fluxos de comunicação política seriam cada vez mais constituídos pelas mídias. A visibilidade midiática supera a rígida dicotomia entre a comunicação estratégica e a comunicação dos atores coletivos, possibilitando a estes uma via direta para com a sociedade e o sistema político.

A figura metafórica do pai espancado é apresentada por Julia Kristeva e Rosine Perelberg. Em Kristeva (2008, 2009), a partir de observações clínicas, a fantasia do pai espancado potencializa a transição do pai assassinado para o pai morto. Suas origens estariam no limiar entre a organização sádico-anal e a situação edípica, ocorrendo quando há uma falha na internalização da função paterna como uma capacidade simbólica. A ausência do pai em sua função simbólica é erotizada na fusão entre as pulsões de vida e de morte. Perelberg (2015) sugere que a figura do pai espancado se torna um importante achado enquanto fantasia de transição, podendo ser definida como uma transformação da fantasia da cena primária. A fantasia do pai espancado e suas transformações foram observadas no curso da transferência como uma construção derivada das associações livres no contexto do trabalho de interpretação. Essa fantasia poderia ser considerada uma parte da tarefa do desenvolvimento do ego, e a internalização de impulsos sádicos através do pai e sua elaboração seriam fatores importantes para a dinâmica psíquica. A alternância entre a submissão masoquista e o espancamento sádico seria crucial para a transição do pai assassinado para o pai morto quando há falha na função simbólica paterna; possibilitaria ao objeto ser representado na reelaboração do passado pelo sujeito, no trânsito de movimentos do princípio do prazer para o da realidade e na capacidade do luto e da simbolização.

Kristeva (2009) propõe a transformação da compreensão freudiana da cena de uma criança espancada (Freud, 1919/1996a) para a do pai espancado refazendo a leitura de Totem e tabu, sugerindo que a fantasia do pai espancado para morrer está ligada à fundação da fé cristã e também à ressexualização do ideal do pai. Implica na interpretação de uma criança é espancada a necessidade, por um lado, de examinar a culpa que sublinha o assassinato do pai e, por outro, o desejo por ele. O espancamento expressa o desejo pelo pai no complexo de Édipo negativo, antes de o processo de sublimação ter lugar. O paciente perverso lutaria com um núcleo melancólico que não pode ser elaborado, que é o assassinato do objeto primordial perdido para sempre. Mesmo sendo um objeto nunca tido, o paciente perverso tenta recuperá-lo através do sadismo e da crueldade. A fantasia de um pai espancado é uma forma de obter condições de enfrentar o núcleo melancólico que existe na transição entre o pai assassinado e o pai morto nas situações em que a ausência do pai é erotizada. Desse modo, a figura metafórica do pai espancado, necessária à transição do pai assassinado para o pai morto, leva a compreender mais profundamente os processos de subjetivação produzidos pelo testemunho midiático das mulheres vítimas de violência por João de Deus. A partir da visibilidade midiática no testemunho, João de Deus foi denunciado por mais de 500 mulheres, configurando-se uma das maiores quebras de silêncio na história das denúncias de violência sexual contra a mulher no Brasil e no mundo.

 

Denúncia enquanto lugar de fala

Por meio do material investigado, vemos que os testemunhos individuais ou de pequenos grupos em programas de televisão não tiveram o efeito social de uma denúncia, ou seja, não provocaram o Ministério Público. A aceitação pelo Ministério Público das queixas e a prisão do médium somente foram possíveis após os testemunhos midiáticos de crimes já prescritos impulsionarem a denúncia de crimes recentes. Os testemunhos de crimes prescritos foram desqualificados pela defesa do médium, pois narravam experiências ocorridas entre 4 e 34 anos antes. Essa desqualificação é característica em relação ao testemunho de mulheres vítimas de violência (Fleury & Meneghel, 2015). Da mesma forma, o silêncio delas pode ser reconhecido como elemento de uma força social com capacidade para estruturar as relações entre sexos e gêneros, ligada a crimes que ocorrem tanto quando há intimidade como quando não há (Segato, 2014). A desqualificação do testemunho e o silêncio são manifestações da violência estrutural pelo fato de normatizarem, modelarem e regularem as relações de gênero.

Através da patologia do reconhecimento (Kelly, 2013), podemos compreender que o exercício da dominação tem o poder de conferir reconhecimento à fala de uns e não à de outros. A luta pelo reconhecimento é uma lógica do colonialismo e da opressão muito difundida a partir da dialética do senhor e do escravo (Hegel, 2013), na qual o modelo do reconhecimento pelo outro e a produção de subjetividade somente são possíveis no exercício da relação de dominação característica da dialética entre senhor e escravo. O não reconhecimento pelo outro colapsa a consciência de si e diminui o senso de agência do self, impossibilitando o acesso ao significado de bens culturais por meio dos quais os testemunhos circulam. No caso do testemunho midiático, a patologia do reconhecimento apontou para a demanda de denúncia e de reconhecimento por esferas sociais que não somente a da opinião pública do outro vitimado. Em determinadas circunstâncias sociais, em que há uma patologia do reconhecimento, existe o paradoxo no qual o testemunho por si só não se constitui como denúncia e a vítima não é espelhada pelo outro social, correndo o risco de ser alienada da experiência de uma subjetividade constituída com autonomia. Com isso, podemos compreender que o testemunho midiático também se aproxima da teoria da objetificação (Freddrickson & Roberts, 1997).

Sem o endereçamento ao outro, sem a escuta do testemunho como processo de denúncia, o eu não existe, e se a subjetividade depende da habilidade de endereçar ao outro uma mensagem a ser reconhecida, a subordinação, consequência do não reconhecimento, será uma forma extrema de objetificação, característica das normas de disciplina que tornam o sujeito socializado (Foucault, 2010). A subordinação disciplinar tem uma interface com o extremo da objetificação, produzindo a alienação subjetiva, a subjetividade destituída de autonomia. A subordinação erode a condição de possiblidade de subjetividade. Há gradações de subordinação e de objetificação, que correspondem a níveis de erosão de subjetividade. O não reconhecimento do testemunho como denúncia é a aniquilação da história e da subjetividade, criando situações de desumanização, quando o testemunho se torna inútil. A denúncia é em si mesma um testemunho da própria subjetividade, é a narrativa da opressão que conta a história da própria objetificação. Somente o testemunho reconhecido como denúncia por instâncias legais restaura a subjetividade e o autorrespeito, retirando o sujeito da experiência de objetificação e contribuindo para a elaboração da vergonha traumatogênica. Assim, o testemunho reconhecido como denúncia torna-se um acontecimento cuja origem está em um espaço social de tensão, que determinará a posição do sujeito e as infinitas respostas sociais a sua subjetividade.

A resposta social aos processos subjetivos contidos nos depoimentos midiáticos se realizou quando a denúncia midiática ocupou um lugar de fala (Ribeiro, 2017), colocando-se enquanto um lugar a ser ocupado também por vítimas recentes, aquelas que poderiam denunciar um crime não prescrito. A denominação lugar de fala tem origem na teoria do ponto de vista (Harding, 2004), uma das articulações dos estudos feministas com as ciências socias. Refere-se à fala que provém do ponto de vista da mulher ou de grupos, principalmente de grupos específicos de mulheres, que estariam mais bem equipados para compreender determinados aspectos do mundo e de si mesmos. Apresenta uma epistemologia que propõe que a experiência das mulheres seja o ponto de partida para o conhecimento, confrontando-se a normatização hegemônica. Diz respeito a experiências historicamente compartilhadas e ligadas às condições sociais que permitem acesso aos lugares de cidadania em situações de inequalidade, provocando uma ruptura com as categorias anteriormente utilizadas nos estudos sobre as desigualdades sociais, como raça, gênero, classe e sexualidade, que então são substituídas pelo reconhecimento social da fala. Enquanto condição de constituição de um grupo através de experiências compartilhadas, a fala mostra que o ativismo é o lócus social da consciência discursiva. Os saberes produzidos por grupos discriminados vão além de serem contra discursos hegemônicos: são lugares nos quais uma postura ética se aplica ao debate público. Pensar um lugar de fala é romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado, e a identificação com esse lugar possibilitou às vítimas recentes provocar a manifestação do Ministério Público.

 

Conclusão

De que maneira o reconhecimento social do depoimento midiático como denúncia produz uma subjetividade com autonomia? Acompanhamos autores que utilizam o sadismo contido na figura metafórica do pai espancado como um intermediador necessário para a transição entre o pai assassinado e o pai morto. No entanto, ao articular a figura do pai espancado ao depoimento reconhecido juridicamente como denúncia que ocasionou a prisão de João de Deus, podemos considerar também a relação entre os processos psíquicos e os processos político-sociais, porque a denúncia midiática possibilitou a ocupação de um lugar de fala por mulheres que procuraram o Ministério Público no prazo em que seus depoimentos seriam tratados como denúncias. Dessa forma, utilizaremos os processos ligados ao senso de revolta e à criatividade em Kristeva (2000) para, neste momento de conclusão, relacionar os processos psíquicos aos processos sociais e políticos.

Sem a capacidade de criar e interpretar, sofremos o que Kristeva chama de novas doenças da alma. Imaginação é o espaço psíquico essencial da transformação; espaço psíquico é o espaço entre o organismo humano e seus objetivos, entre o biológico e o social. O senso de revolta, na recuperação da imaginação do espaço psíquico, é o de uma revolução. A revolta é designada por Kristeva como uma revolta íntima ou uma revolta psíquica contra a mecanização tecnológica da cultura, da mídia do espetáculo - a revolta do retorno para o interior do espaço psíquico. O senso de revolta íntima é a recuperação do espaço psíquico através da criatividade. Não é uma revolta em grande escala, mas uma pequena revolta, que pode fazer diferença para toda a humanidade. A criatividade está no interior do espaço psíquico e nos permite lidar tanto com os traumas internos quanto com as agressões sociais. A criatividade metaboliza, transforma e sublima, e assim tem de existir um potencial de revolta psíquica pelo sem cessar da interpretação de nossa experiência de pensamento mediante o agenciamento da imaginação. Kristeva compara a revolta da imaginação, a criatividade, a uma revolta política. Considera que o poder transformativo da semiótica é o poder da negatividade, não a negatividade de Hegel, pois ele enfatiza o papel da negatividade que não pode ser sublimada, mas a negatividade da operação semiótica negativa - negatividade como motilidade, força pulsional e poder de transformação, sendo associada ao poder da imaginação e da criatividade, condições para existir uma revolução psíquica. A negatividade é identificada com a energia pulsional.

Próximas dessas noções de Kristeva estão as ideias de Fanon (1952/1986), o qual também, diferentemente de Hegel, diz que o escravo não quer o reconhecimento do mestre, mas o reconhecimento de si mesmo, e que o reconhecimento de si mesmo se dá através de uma atividade criativa, autocriativa, necessária para a luta contra a opressão do não reconhecimento. O poder de criar significado e ultrapassar a lógica do reconhecimento pelo senhor produziria o agenciamento da parte oprimida. Kristeva (2000) observa que a revolução é individual e social, da menor para a maior revolta, e demanda "espaço psíquico" para uma identificação com o social amoroso. Sugere que a revolução social requer amor. Aqui compreendemos que foi a recuperação do amor pelo pai, após seu espancamento por meio da denúncia midiática, que possibilitou a internalização do pai morto. Dessa forma, a criatividade contida no agenciamento pela denúncia midiática reinseriu o testemunho como próximo a uma atividade psíquica de elaboração. A revolta criativa desse tipo de testemunho se fez reconhecer nas redes de mulheres organizadas através da sororidade, pois reuniu vítimas, e não vítimas de João de Deus; arremessou a violência do ambiente religioso para a esfera pública, expandindo a experiência de solidariedade que nos ofereceu um fato novo e importante. Esse fato se refere à situação na qual a denúncia não se utilizou dos dispositivos jurídicos instituídos e relativos à política de enfrentamento da violência contra a mulher, que instrumentalizam a denúncia. Com isso, nos permitiu compreender que, em relação aos estudos psicanalíticos sobre a violência contra a mulher, convivemos em uma cultura que não oferece suporte simbólico suficiente para o relato de si.

 

Referências

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Correspondência:
Manola Vidal
Rua Sacopã, 587, Lagoa
22471-180 Rio de Janeiro, RJ
manolavidal@gmail.com

Recebido em 22/5/2019
Aceito em 6/3/2020

 

 

Este artigo é dedicado ao grupo Cowap Brasil e, em especial, a Almira Rodrigues.

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