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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.2 São Paulo Apr./June 2020

 

PANDEMIA

 

A abelha, o psicanalista e o sonho: este mal de arquivo em tempos de pandemia

 

The bee, the psychoanalist and the dream: this archive fever in times of pandemic

 

La abeja, el psicoanalista y el sueño: este mal de archivo en tiempos de pandemia

 

L'abeille, le psychanalyste et le rêve : ce mal d'archive en temps de pandémie

 

 

Tânia Corghi VeríssimoI; Paulo EndoII

IPsicanalista pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Mestra pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Pesquisadora membro do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Democracia, Política e Memória do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Membro da Rede de Atendimento Psicanalítico
IIPsicanalista, pesquisador e professor livre-docente do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da Universidade de São Paulo (USP). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Democracia, Política e Memória do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Bolsista de produtividade (nível 2) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pesquisador responsável pelo projeto Fapesp intitulado "Sonhar o trauma, sobreviver às catástrofes, resistir ao desaparecimento"

Correspondência

 

 


RESUMO

Tomando como ponto de partida os trabalhos de Jacques Derrida "As pupilas da universidade" e Mal de arquivo, este artigo busca refletir sobre o sonho como marco representativo de uma mudança de paradigma ao arquivo psicanálise, consolidando esta como ciência e clínica comprometida com uma modalidade inédita de escuta ofertada ao inconsciente e à produção de memória. Estabelecido esse ponto, pretende também pensar o fenômeno da proliferação de sonhos ocorrido na pandemia de covid-19, compreendendo o sonho como mal de arquivo. Essa formação, de fato, extraordinária irradia múltiplos efeitos tanto ao sonhador quanto à cultura que ele assim retrata, significando por si só importante elaboração a ser escutada.

Palavras-chave: sonho, psicanálise, mal de arquivo, Derrida, pandemia


ABSTRACT

Starting from the works of Jacques Derrida "The pupils of the university" and Archive fever, this article aims at reflecting about the dream as a representative mark from paradigm change of the psychoanalysis archive, consolidating it as a science and clinic committed to an unprecedented kind of listening offered to the unconscious and the production of memory. Having established this point, it also intends to think about the dream's proliferation phenomenon that occurred in the covid-19 pandemic, understanding the dream as an archive fever, this truly extraordinary formation that radiates multiple effects both to the dreamer and to the culture that it translates, being itself an important elaboration to be listened to.

Keywords: dream, archive fever, psychoanalysis, Derrida, pandemic


RESUMEN

Tomando como punto de partida los trabajos de Jacques Derrida "Las pupilas de la universidad" y Mal de archivo, este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre el sueño como un hito fundamental que representa un cambio de paradigma ante el archivo del psicoanálisis, consolidándolo como una ciencia y una clínica comprometida con un tipo de escucha sin precedentes ofrecido al inconsciente y a la producción de memoria. Una vez establecido este punto, también tiene la intención de pensar en el fenómeno de la proliferación de los sueños que se produjo en la pandemia de covid-19, al entender el sueño como un mal de archivo, esta formación verdaderamente extraordinaria que irradia múltiples efectos tanto al soñador como a la cultura que retrata, lo que significa en sí mismo una importante elaboración para ser escuchada.

Palabras clave: sueño, mal de archivo, psicoanálisis, Derrida, pandemia


RÉSUMÉ

Prenant comme point de départ les ouvrages de Jacques Derrida « Les pupilles de l'université » et Mal d'archive, le présent article vise à réfléchir sur le rêve comme marque représentative d'un changement de paradigme concernant l'archive psychanalyse, le consolidant comme science et clinique compromise avec une modalité inédite d'écoute offerte à l'inconscient et à la production de la mémoire. Une fois ce point établi, on a également l'intention de réfléchir sur le phénomène de la prolifération des rêves qui a eu lieu pendant la pandémie, en comprenant le rêve comme un mal d'archive, cette formationvraiment extraordinaire qui irradie deseffets multiples, aussi bien vers le rêveur que vers la culture qu'il dépeint ainsi, ce qui est en soi-même une importante élaboration à être écoutée.

Mots-clés : rêve, psychanalyse, mal d'archive, Derrida, pandémie


 

 

Bastante conhecido é o estatuto conferido aos sonhos para a construção da delicadeza do ofício do psicanalista, bem como o status oferecido à obra freudiana A interpretação dos sonhos, esse clássico e eloquente material que não coincidentemente marca o início de um século e se estende vivamente pelo seguinte, intacto em valor e importância para a contemporaneidade.

Freud jamais escondeu sua apreciação à obra. No prefácio à terceira edição inglesa, de 1931, ele diz:

Este livro, com a nova contribuição à psicologia que surpreendeu o mundo quando de sua publicação (1900), permanece essencialmente inalterado. Contém, mesmo de acordo com meu julgamento atual, a mais valiosa de todas as descobertas que tive a felicidade de fazer. Um discernimento claro como esse só acontece uma vez na vida. (Freud, 1900/1987, Vol. 4, p. 38)

Passado mais de um século, neste ano de 2020, sonhos proliferam, roubam a cena em quantidade e vivacidade, reclamando espaço de compreensão. No último mês de abril, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria feita com diferentes pesquisadores que retrataram algumas das peculiaridades da vida após o advento da pandemia de covid-19, como o considerável aumento de produções oníricas durante o período de isolamento social. Entre as falas dos entrevistados, destaco a de um psicanalista, idealizador do projeto "Inventário de sonhos 2",1 pesquisador atento à problemática dos sonhos em sua trajetória clínica e acadêmica, e que compara o fenômeno atual de proliferação de sonhos ao ocorrido em situações de trauma social que marcaram a história mundial, como o Holocausto, o Apartheid e os regimes ditatoriais.

Segundo Paulo Endo, a análise desse universo onírico transbordante em tempos traumáticos pode permitir dar uma dimensão pública, social, política e poética ao momento que vivemos:

Há coisas que estamos vivendo, e que já estão aparecendo no mundo, que é o que aparece em cenários de ditadura, totalitarismo ou guerra, quando as pessoas não podem acessar os elementos básicos, materiais, sociais e públicos para elaborar a morte do seu morto. ... Achamos que o sonho é um produto extraordinário porque ele pensa em uma outra lógica, que em vigília nós não conseguimos pensar. (Moraes, 2020)

Ambas as citações apresentadas, ambos os cenários, com mais de 100 anos de distância entre si, permitem ousar dizer que as expectativas de Freud foram de certo modo atendidas. "Acheronta movebo", disse Freud (1900/1987, Vol. 4, p. 17), consolidando o estudo dos sonhos como via régia ou canal privilegiado de acesso ao inconsciente, um divisor de águas com efeitos que se irradiam até os dias atuais.

Com a chegada da pandemia, o isolamento social fez-se discurso e medida compulsoria, sem data para acabar e sem qualquer marcador temporal seguro que anunciasse o fim de uma dramaticidade histórica. Grande parcela da população mundial, no íntimo de suas casas, passou a computar diariamente o número de mortes trazidas pelo novo vírus. O Brasil, por sua vez, país que ocupa um dos primeiros postos no ranking de desigualdade social no mundo, sofreu um duplo apocalipse (Ramos, 2020): de um lado, a chegada do desconhecido vírus; de outro, a flagrante crise política engendrada por um governo de extrema direita, culminando em maiores dificuldades para o enfrentamento da doença.

De fato, a pandemia e a política brasileira transformaram a morte em pauta cotidiana, instalando o trauma, evidenciando o desamparo humano. No entanto, também fizeram lembrar que a instalação do traumático de poder siderante aponta para a necessidade de desvelarmos contrapontos, encontrarmos novas zonas de iluminação em meio aos excessos e às paralisações. Tornaram igualmente possível conceber diferentes efeitos dessas crises, como a sobrevivência num tempo engessado em espaços repetitivos, tendo por contraponto o sobressalto do psiquismo em seu trabalho de produção, adensamento e narração de sonhos que figuram ameaças, deslindam e condensam afetos e revelam consequências profundas e singulares ante o contexto inesperado e inédito. Ora, mesmo em tempos traumáticos, sonhos desvelam e revelam. Essas relíquias da noite põem e repõem traduções, sons, figuras e sincretismos, além de acolher o absurdo e o sem-sentido da realidade imediata. Persistem em produzir enredos (im)possíveis, que pairam sobre a angústia do sonhador, bem como sobre a realidade social, histórica e política à qual ele é pertinente, protagonista e partícipe.

A partir dos trabalhos de Jacques Derrida "As pupilas da universidade" (1999) e Mal de arquivo (2001), este artigo busca refletir sobre o sonho como marco representativo de uma mudança de paradigma ao arquivo psicanálise, consolidando esta como ciência e clínica comprometida com uma modalidade inédita de escuta ofertada ao inconsciente e à produção de memória. Estabelecido esse ponto, pretende também pensar o fenômeno da proliferação de narrativas de sonhos ocorridos na pandemia, compreendendo o sonho como mal de arquivo. Essa formação, de fato, extraordinária irradia múltiplos efeitos tanto ao sonhador quanto à cultura à qual as narrativas se endereçam, insistindo por si só numa multiplicidade multívoca de processos elaborativos que provocam a escuta em geral e a escuta psicanalítica em particular.

 

A interpretação dos sonhos e a saída da colmeia

No ano de 1999, na Universidade Cornell, Derrida, a propósito de uma conferência inaugural que o consolidaria com o título honroso de professor-at-large, foi convidado a falar sobre a universidade em seu papel, em sua razão de ser, em sua essência. O filósofo, professor-at-large, propõe assim uma série de questionamentos voltados à universidade.

Há hoje para a universidade uma razão de ser? Perguntar-se se a universidade tem uma razão de ser é perguntar "Por que a universidade?", mas com um "Por quê?" que pende mais para o lado do "Em vista de quê?". (Derrida, 1999, p. 124)

Derrida trata do ver e do ouvir na universidade. Seguindo uma trilha aristotélica, aponta que preferimos "sentir pelos olhos" e parte da equação que relaciona diretamente o ver e o saber, provocando-a de um modo que desde então nos implica:

Mas, quando se tem a vista, tem-se o suficiente? Saber desvelar as diferenças será suficiente para aprender e para ensinar? Em certos animais a sensação engendra a memória, o que os torna mais inteligentes (phronimôtera) e mais dotados para aprender (mathetikôtera). Mas, para saber aprender e aprender a saber, a vista, a inteligência e a memória não bastam, é mister também saber ouvir, poder escutar o que ressoa (tônpsophôn akouein). Brincando um pouco, eu diria que se deve saber fechar os olhos para escutar melhor. ... A abelha sabe muitas coisas, pois vê, mas não sabe aprender, pois faz parte dos animais que não têm a faculdade de ouvir (me dunata tôn psophôn akouein). (pp. 125-126)

A provocação de Derrida, em princípio dirigida à universidade, trata sobretudo do fundamental poder ouvir, bem como dos perigos de se fechar para a possibilidade de escutar, constituindo assim uma espécie de colmeia, que enfim impossibilitaria a arte de saber aprender e aprender a saber a um só tempo.

Evidentemente, tal provocação se aplica bem à universidade. No entanto, aqui também se faz bem-vinda a nós, psicanalistas, que na construção de nosso trabalho jamais poderemos prescindir de nossa preciosa matéria-prima: a escuta. Aproveitando a metáfora de Derrida, podemos dizer que psicanalistas, grupos e associações de psicanálise não deveriam ser abelhas atuando dentro das respectivas colmeias, pois agindo assim não estariam fazendo nada além de atestar a própria condição de mera surdez e zunido e a produção de inocuidade mundo afora.

E se psicanalistas não devem ser abelhas, consideraremos aqui A interpretação dos sonhos um marco para a saída da colmeia, culminando na transmutação/transformação do psicanalista em nova espécie, capaz de falar por ser capaz de escutar. Este, desde A interpretação dos sonhos, ganhará a capacidade de não mais ser abelha - logo, de não mais habitar colmeias impermeáveis à escuta, podendo reconhecer-se parte de outra espécie, ouvinte e circulante, não somente aberta à escuta dos sonhos de sujeitos falantes que sabem fechar os olhos para escutar melhor, mas também guardiã da construção de um novo paradigma de sujeito, memória e escuta.

Lembremos que não à toa encontramos, mesmo que de modo não consensual, a designação período pré-psicanalítico para referir-se aos trabalhos de Freud publicados antes de 1900. Embora saibamos que tal divisão terminológica não representa qualquer demérito às produções "pré-psicanalíticas" - reconhecendo a fundamental importância de trabalhos como a "Comunicação preliminar" (1893) e os Estudos sobre a histeria (1895), tecidos em parceria com Breuer, o "Projeto para uma psicologia científica" (1895) e as cartas a Fliess -, ela só virá salientar o livro A interpretação dos sonhos enquanto marco.

Pensemos nos Estudos sobre a histeria e no "Projeto". A atenção da psicanálise ao corpo e seus sintomas e sua busca por compreendê-los foram pontos inaugurais de seu método. Desde o início, teoria e prática estiveram envoltas com o corpo doente e suas manifestações, no escopo dos estudos sobre a inquietante histeria, ocupada com a efetuação de passagens que implicaram mudanças significativas na compreensão do sujeito, a partir da elaboração do que seria um aparelho de memória.

Em 1893, no trabalho escrito com Breuer, Freud apresenta seu paradigma de tratamento, que faria frente à hegemonia médica. Explicita sua técnica terapêutica, o método catártico, acessado através da hipnose de pacientes histéricas e ilustrativo de suas concepções de memória e sujeito na época: uma memória a ser evocada em contraponto aos obstáculos levantados pelo esquecimento, que deveria ser eliminado; e um outro que ofereceria sua escuta numa perspectiva de resgate, de ressureição de algo que, entendia-se, justamente por não ter sido lembrado, tornava-se causa de uma doença.

Citamos um trecho descritivo dessa lógica aplicada à memória:

Esses achados - de que, no caso dessa paciente, os fenômenos histéricos desapareciam tão logo o fato que os havia provocado era reproduzido em sua hipnose -tornaram possível chegar-se a uma aplicação sistemática. Cada sintoma individual nesse caso complicado era considerado de forma isolada; todas as ocasiões em que tinha surgido eram descritas na ordem inversa, começando pela época em que a paciente ficara acamada e retrocedendo até o fato que levara à sua primeira aparição. Quando este era descrito, o sintoma era eliminado de maneira permanente. (Breuer & Freud, 1893-1895/1987, pp. 68-69)

Empenhava-se Freud, nesse momento, em retroceder a um fato que precisaria ser lembrado pela paciente, buscado nos recônditos de uma gaveta da memória armazenadora, para que enfim se pudesse aceder ou atingir a cura, a qual, nessa época, vale frisar, seria o mesmo que a remissão de sintomas. Temos aqui Freud em uma postura investigativa linear, na busca por uma aparição primeira que, caso fosse lembrada, resultaria na cessação do sintoma - logo, na eliminação da doença.

É no bojo dessa discussão sobre determinado paradigma de um sujeito de memória que pensamos sobre quem é o outro que escuta o sujeito em sofrimento, pautando sua posição na psicanálise, que até então não concebia o inconsciente como sistema de memória, nem o sonho como via privilegiada de acesso ao inconsciente pela via da interpretação.

Nos Estudos sobre a histeria, Freud está imbuído de uma concepção de memória marcada pela ideia de armazenamento de conteúdos, o que o pautava a conduzir sua escuta e sua intervenção na crença em uma completa eliminação de lacunas e esquecimentos por via da fala. A escuta, nesse sentido, visaria o preenchimento de partes faltantes, mal lembradas ou esquecidas no discurso. Em outras palavras, seria preciso recorrer a um depósito fixo continente de conteúdos de memórias esquecidas para eliminar o mal do esquecimento, causador do adoecimento psíquico. O esquecimento, nesse momento, viria atrapalhar um processo de memorização que supostamente deveria funcionar num curso linear e contínuo.

Freud parecia supor que chegaria a um marco zero da memória, a um ponto, a uma cena de onde tudo seria passado a limpo. Parecia inferir que esgotaria o conjunto de causas precipitantes do sintoma conforme a paciente falasse. Empenharia, assim, um esforço para preencher uma lacuna com uma explicação, evocando lembranças.

Quem seria então o psicanalista imiscuído nesse fazer? Um detetive em ação, pronto para encontrar provas que ratifiquem seu ponto de partida? Alguém capaz de supor antecipadamente a fala como um arquivo-roteiro, que linearmente compreende começo, meio e fim? Fechado para a novidade, trancadas as suas portas para o imprevisível, ficaria difícil descolá-lo da imagem da abelha derridiana, presa a uma colmeia circular, de onde tanto é possível falar e pouco é possível escutar.

Constata-se que a psicanálise, antes de 1900, marcada por uma concepção de psiquismo fincada na lógica da hipnose e da catarse como método terapêutico, embora subversiva e atenta a aspectos não observados pelo modelo médico-neurológico conservador, trouxe para a cena um paradigma de tratamento ainda bastante impregnado por uma leitura tradicional e dicotômica do humano.

Waisberg (2006) compreende que Freud, com A interpretação dos sonhos, rompeu com um modelo explicativo sustentado em bases somáticas, na perspectiva epistemológica da psiquiatria e da psicologia explicativas do século XIX, constituindo um campo epistemológico original. Em sua compreensão, A interpretação dos sonhos marcou a construção de uma teoria psicanalítica do sentido, e será a partir desse ponto capital, em que Freud demonstra a decisiva importância do sonho enquanto formação do sistema inconsciente, que se poderá analisar como a psicanálise se distingue da hermenêutica tradicional.

A autora observa que, ao introduzir o conceito de sobredeterminação para pensar a construção onírica, Freud inaugura o sonho como tese emblemática de que o homem não possui o centro que acreditava ter, nem no plano universal, nem no plano biológico, nem no seu próprio psiquismo. Entende também que, na medida em que essa importante obra inaugura o método da interpretação, este que tem caráter inacabado, mostra-se, antes de tudo, uma via de reconhecimento de que não há verdade essencial e imutável a ser descoberta, obrigando o intérprete do sonho a retornar à interpretação sem pretender esgotá-la.

Talvez possamos dizer que, desde então, diferentemente do "Projeto" e dos Estudos sobre a histeria, a mensagem transmitida por Freud na construção do inconsciente como sistema de memória e do sonho como via régia para seu acesso seria dedicada ao não esquecimento do esquecimento enquanto força operativa da memória. No capítulo 7 de A interpretação dos sonhos, não por acaso, há um trecho dedicado ao tema do esquecimento dos sonhos no qual se desvinculam o sonho e a memória de um lugar de retorno aos fatos - de resgate de um material que deveria, ao ser narrado pelo sonhador, ser fielmente reproduzido tal como ocorreu factualmente - e se apresenta o território obscuro do sonho mutilado pela infidelidade da memória, esta que perdeu partes importantes, que apresenta apenas fragmentos, os quais serão relembrados com peculiar incerteza.

Encontramos nesse momento, portanto, ao lado da ideia de superação de resistência pelo resgate do sonho para o discurso, a ênfase de Freud na potência da resistência e em sua centralidade na constituição psíquica. Segundo ele, "não se deve esquecer que, na interpretação de um sonho, tem-se como oponentes as forças psíquicas que foram responsáveis pela sua distorção" (1900/1987, Vol. 5, p. 556). Assim, o trabalho psicanalítico, nesse cenário, aparece voltado para o manejo de forças psíquicas inarredáveis, lidando com o corpo que carrega a marca da indissolubilidade da tensão, da permanência do conflito e da dualidade, das dúvidas e desconfianças de um psiquismo tendencioso, contingente.

Esses desejos de nosso inconsciente, sempre em estado de alerta e, por assim dizer, imortais, fazem lembrar os legendários Titãs, esmagados desde os tempos primordiais pelo peso maciço das montanhas que um dia foram arremessadas sobre eles pelos deuses vitoriosos e que ainda são abaladas de tempos em tempos pela convulsão de seus membros. (pp. 505-506)

Atentemos ao deslocamento. Freud parte de uma obra por ele intitulada Estudos sobre a histeria, revelando a posição de um estudioso dedicado a debruçar-se sobre uma inquietante patologia. Alguns anos depois, elabora A interpretação dos sonhos, texto que reposiciona o lugar do outro que escuta o sofrimento psíquico, dando-lhe o papel de quem irá cada vez menos restringir-se a estudar sobre algo para cada vez mais falar com o outro. Surge assim o interpres, tradutor, que estará inter, entre, numa posição intermediária e mediadora daquilo que surge entre o manifesto e o latente, parcialmente compartilhado porque não todo claro nem todo pertencente à mesma língua do outro falante.

Conceber a memória de outro modo oferece ao analista outra posição: a de quem toma o sonho não mais apenas como formação psíquica advinda de um aparelho de memória, mas também como um arquivo que demanda agora um intérprete. A partir de então, sonhos não serão somente arquivos passíveis de interpretação, mas elaborados para que sejam interpretados, de modo que será justamente a sustentação de sua abertura o passaporte para a retirada do arquivo de um lugar recluso - e portanto estéril, prisioneiro.

Ainda que consideremos os avanços metapsicológicos empreendidos por Freud com a chegada da segunda tópica, temos de reconhecer que, com A interpretação dos sonhos, estamos decididamente em novo tempo, o qual estabelece a transmutação da abelha em nova espécie, hábil à escuta, e a consequente saída da colmeia como condições para a admissão do ouvir enquanto meio de aprendizagem com um sujeito que sonha, criando um mundo sobre si e sobre o mundo que o cerca. Agora, trata-se menos de fazer um estudo sobre, e mais de acolher arquivos entremeados por caminhos isentos de obviedade e/ou ordenação, rumo a derivações imprevisíveis.

 

Sonho: mal de arquivo em pandemia

Estabelecida a nova paisagem, de fora da colmeia, a partir do alcance da possibilidade da escuta, ampliamos também a visão. E o sonho, algumas vezes aqui referido como arquivo, desde essa passagem não poderia senão vir pensado em sua amplitude e complexidade, tal como concebido por Derrida no Mal de arquivo (2001), isto é, enquanto registro aberto ao porvir, à derivação e à invenção de novos desejos juntamente e para além das forças da censura e da resistência, bem como das ameaças de extermínio postas em sua própria constituição.

Há uma série de considerações a respeito do arquivo derridiano - esse que traz o mal em sua dimensão constituinte - que nos levam a tomar o sonho como mal de arquivo por excelência.

Se lembrarmos que Derrida parte da crítica à concepção metafísica do arquivo, logocêntrica e dicotômica, e concebe o mal de arquivo por meio da desconstrução dessa concepção vigente, estabelecendo como seus princípios a não linearidade, o não binarismo e o não fechamento, devemos admitir prontamente que não haveria espaço para localizar o sonho no território metafísico, mas sim no campo desconstrutivo aberto para esse novo arquivo. Dito de outro modo, não há sonho que se assente em lógica linear alguma, que esteja referido a uma trilha ordenada, sequencial, cronológica, logocên-trica. Ao contrário, sonhos são, em sua essência, portadores da não clareza, da não linearidade, da antinomia não dicotômica que eventualmente pode ser encontrada durante o pensamento e em vigília. Lembrando a já mencionada observação de Freud, tal como os legendários Titãs em batalha constante com o esmagamento das montanhas, sonhos se produzem em meio às resistências.

O sonho enquanto mal de arquivo desvela sua organização própria, e não por acaso associa-se ao que Derrida denominou perturbação, ou seja, o turvar da visão - uma turvação a supostos obstáculos à clareza, mas que no Mal de arquivo, vale frisar, não terá somente o sentido de turvação da visão, obstrução ou impedimento a esta; a perturbação do arquivo deriva de um mal de arquivo, o que, somente no idioma francês, abriria para um novo significado. Por exemplo, a expressão em mal de arquivo/estar com mal de arquivo assume conotações bastante diferentes de um mal ou perturbação:

É arder de paixão. É não ter sossego, é incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde ele se esconde. É correr atrás dele ali onde, mesmo se há bastante, alguma coisa nele se anarquiva. É dirigir-se a ele com um desejo compulsivo, repetitivo e nostálgico, um desejo irreprimível de retorno à origem, uma dor da pátria, uma saudade de casa, uma nostalgia do retorno ao lugar mais arcaico do começo absoluto. Nenhum desejo, nenhuma paixão, nenhuma pulsão, nenhuma compulsão, nem compulsão de repetição, nenhum "mal de", nenhuma febre, surgirá para aquele que, de um modo ou outro, não está já com mal de arquivo. (Derrida, 2001, pp. 118-119)

Assim, o mal de arquivo expõe sua configuração marcada pela tensão, necessariamente. Por um lado, a iminência do apagamento via censura; por outro, a rebelião que muito bem acompanhamos, característica do trabalho onírico, que luta e traz o desejo infantil do sujeito à tona, fazendo-o tantas vezes despertar de seu sono, angustiar-se com um sonho mobilizador dos afetos mais diversos, mais ambivalentes - ambivalência sexual primeiro, evi-tação e repetição do traumático depois.

O campo afetivo e intenso mobilizado pelos sonhos - esse mal de arquivo -aponta também para a reflexão sobre o lugar do outro, sobre a qualidade da escuta do psicanalista, que, conforme já indicado, de fora da colmeia, diante dessa tensão insolúvel, não pode apenas fazer um estudo sobre, devendo antes posicionar-se frente à não clareza exposta pelo sonho, arquivo essencialmente inconcluso, a partir do qual o sonhador associa e constrói caminhos impossíveis de prever. Tomando o sonho, essa "linguagem que como mal de arquivo tanto existe quanto padece" (Endo, 2018, p. 87), temos "a adoção de uma nova posição subjetiva em sua abordagem, em um trabalho que não se faz meramente intelectual e que obrigaria o labor de um páthos necessário para seu enfoque e acesso" (Veríssimo, 2019, p. 54).

O páthos necessário para o enfoque e o acesso ao arquivo, vale frisar, parte aqui do reconhecimento do psicanalista ao tomar o arquivo em sua dimensão política, considerando a impossibilidade de dissociar os aspectos impositivos, heterônomos, coagidos das camadas singulares constituintes de cada arquivo. As camadas dos arquivos são os sujeitos que os constituem. Como já mencionado, sonhos põem e repõem traduções e desenhos sui generis, visando a construção de enredos possíveis, que não dizem apenas sobre a angústia do sonhador, mas também sobre a realidade social, histórica e política que o circunda e que, ao mesmo tempo, o conforma e o performa. Serão, nesse sentido, os sonhos narrados compreensíveis como sismógrafos do tempo presente (Beradt, 2017).

De fato, sonhos se mostram importantes medidores dos abalos sísmicos/psíquicos dos sujeitos e do mundo, medidores que por si só elaboram. A metáfora de Beradt é elucidativa, ainda mais quando articulada à construção de autores que nunca temeram terremotos e debruçaram-se sobre eles com afinco. Novamente o exemplo é Freud, que quando dedicado a escutar o sofrimento histérico/histórico estabeleceu nexos fundamentais entre a singularidade do sintoma da mulher histérica e a histeria como sintoma social, expressão de conflitos ligados à moral de um discurso europeu, vitoriano e vienense. Pensemos ainda em Derrida, filósofo que jamais alijou a filosofia de seu engajamento político, dando ao arquivo sua face e voz também política, ligada ao mal, àquilo que historicamente se tenta destruir, recalcar, apagar, obscurecer.

Considerar Freud e Derrida nesta discussão pressupõe, portanto, a disposição para atentar aos conflitos suscitados pela existência do mal, sustentando a perspectiva da dualidade na construção de algum enredo sobre os arquivos da história, sejam estes os sonhos, as guerras ou seus eloquentes corolários: os sonhos de guerra.

Isso posto, cabe ao psicanalista que busca sua implicação com as questões decisivas de seu tempo perscrutar (ou per-escutar) as formas e cataclismas que se revelam a partir do trabalho singular de cada sonhador como pontuação nos discursos sem fendas, sem silêncios, sem hiatos e negacionistas da falta. Atenção às guerras, aos sonhos traumáticos de guerra, à cultura em sua inerente face de destruição e ao extraordinário da pandemia de covid-19. O que revelam os sonhos fabricados em tempos pandémicos? De qual guerra tratam ou quais seriam os terremotos que insistem em retratar? Retomando o cenário do duplo apocalipse que assola o país, quais os pesadelos nevrálgicos do tempo presente que tentamos custosamente escutar, pensar, perlaborar?

A pesquisa "Sonhos confinados em tempos de pandemia" - iniciada com três universidades públicas brasileiras, a Federal de Minas Gerais (UFMG), a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de São Paulo (USP), e que ganhou adesão de especialistas do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte - consiste em outro projeto empenhado na perscrutação dos terremotos traduzidos pelos sonhos na pandemia. Os pesquisadores observaram que as pessoas estavam sonhando mais e com maior vividez.

Iannini (2020) afirma: "Percebemos, por meio das redes sociais, que tinha muita gente interessada em sonhos, fazendo pesquisas, músicas e obras de arte sobre esse assunto. E percebemos esse interesse renovado pelo tema como um sintoma da época". De acordo com Miriam Debieux Rosa,

o estudo também revela que as pessoas parecem estar mais atentas à sua vida onírica e, inclusive, sonhando mais ou pelo menos lembrando mais. ... "É como se estivessem criando um outro tipo de relação com seus sonhos, como se essa relação pudesse se prolongar em associações que vão para além do costumeiro momento de acordar após ter sonhado, estranhar-se momentaneamente e seguir a vida." (Silveira, 2020)

Podemos ler esse aumento significativo de produção e vivacidade afetiva como resposta e tentativa de elaboração de um momento social catastrófico. O psiquismo, em um contexto de constrição social, perda de referenciais simbólicos de estabilidade e tendência ao apagamento, prolifera e intensifica produções como contrapontos agora necessários à sua sobrevivência. Essa dualidade ganha relevo quando o que está em pauta é a morte em sua crueza, tanto pelo excesso intratável advindo da ruptura brusca consequente à chegada de um vírus desconhecido, com propriedades letais, quanto pela conduta negacionista apresentada pela liderança política máxima do país.

A população de um país se sente desamparada quando seu ou sua líder falha em reconhecer a gravidade de uma crise humanitária e a ruptura que ela provoca no tecido social e da subjetividade. Ele precisa, ao lado da demonstração de empatia, oferecer à população respostas concretas. O líder que não dá conta desse desafio não pode oferecer um futuro. Se os governantes e a sociedade não reconhecem e assumem as respectivas responsabilidades por aquilo que foi provocado, dificilmente o trauma poderá ser superado. (Tanis, 2020)

Ora, se sofremos duplo apocalipse - sanitário e político -, a guerra é redobrada, e assim sonhos proliferam na tentativa de responder à altura, em esforço hercúleo para inventar uma nova gramática, narrando o sujeito e o mundo. Surgem insistentes e resistentes respostas à sobrecarga da realidade, sendo os sonhos propulsores de grande trabalho psíquico, como criações íntimas/singulares e públicas/políticas no enfrentamento simultâneo ao vírus e ao emudecimento, ao desmentido, fazendo recordar a máxima ferencziana do trauma não como acontecimento, mas como desmoronamento da confiança em si e no mundo, dada a falta de reconhecimento fundamental pelo outro.

Não seria exatamente essa a incessante rebelião efetivada pelos sonhos? Esse trabalho onírico, um labor labiríntico insurgente contra o mutismo, mas a favor do silêncio? O "Acheronta movebo" freudiano no momento da introdução de sua grande obra? O insumo necessário para a saída da colmeia e para a escuta dos tremores que nos afligem na busca por traduções?

Tais perguntas remontam ao compromisso da psicanálise, novamente com as palavras, com a escuta - a escuta de tensionamentos intransponíveis à cultura (Kultur); daquilo que é mudo, que emudece pelo excesso, mas ganha visibilidade na medida em que o sonhador fecha os olhos e atinge, ainda que imaginariamente, a possibilidade de alcançar algum destinatário para o seu padecimento, as formações fragmentadas daí derivadas, seu mal de arquivo.

A psicanálise segue em seu fundamento ético de escuta diante da tensão, do trauma gerador de rupturas e ameaça à integridade psíquica; e retoma seu propósito de construção de arquivos, registros e memórias históricas, admitindo em sua escuta o mal de arquivo, ou seja, o jogo de contrários conflituoso que compõe a possibilidade do apagamento e da efetivação de uma narrativa, mesmo que não esteja em condições de dizer qual será o itinerário tomado pelo sujeito na cultura do mal-estar.

A meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos humanos de agressão e autodestruição. ... Atualmente os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes é difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem. Eles sabem disso; daí, em boa parte, o atual desassossego, sua infelicidade, seu medo. Cabe agora esperar que a outra das duas "potências celestiais", o eterno Eros, empreenda um esforço para afirmar-se na luta contra o adversário igualmente imortal. Mas quem pode prever o sucesso e o desenlace? (Freud, 1930/2010, pp. 121-122)

Freud é claro em relação ao inexorável desassossego humano, à indecidibilidade dos caminhos a serem tomados pela cultura, ora pendentes ao desenlace e à destruição, ora pendentes ao enlace psíquico e ao "sucesso" de Eros. O indecidível e intransponível cenário conflitivo, a perene perturbação e a permanência do mal impõem, portanto, um dever: a tessitura de caminhos de inventividade, de escuta para os conflitos da cultura, para o terror, ainda que estejamos avisados sobre a impossibilidade de sustentação de qualquer ideal conclusivo.

Se voltarmos o olhar para o cenário pandémico e para o isolamento social como discurso e medida compulsória que nos assaltou sem data para acabar; se retomarmos a proliferação de sonhos como resposta conhecida ao traumático da história em diferentes episódios, designaremos aos psicanalistas cidadãos não só o desafio, mas a convocação de oferecer escuta ao que não cessa de se (re)produzir. Faremos também a constatação de que, diante da quebra de laços sociais consequente ao isolamento e às inúmeras ameaças políticas sofridas em nosso país, geradoras de maior desamparo, é preciso oferecer um destino possível aos sonhos, esses rebeldes que não deixam de insistir em sua existência suigeneris. Sonhos, como mal de arquivo, são abertos, inconclusos, pertinentes e impertinentes, existentes e não existentes, pertencentes e não pertencentes ao mundo e ao sonhador. Eles revelam nosso apego e desapego ao mundo e às experiências e figuram um devir jamais levado a cabo.

Nas situações mais crepusculares multiplicam-se as sortes, e do período de crise, como se diz, de decadência ou de renovação, está a provocação para pensar que reúne no mesmo instante o desejo de memória e a exposição de um futuro, a fidelidade de um guardião bastante fiel para querer guardar até a sorte do futuro, em outros termos, a singular responsabilidade pelo que ele não tem e que ainda não existe. Nem sob sua guarda, nem sob seu olhar. Guardar a memória e guardar a sorte, isso é possível? Como sentir-se contador do que não se tem, e que ainda não existe? Mas por qual outra coisa sentir-se responsável senão pelo que não nos pertence? Pelo que, como o futuro, pertence e cabe ao outro? E a sorte, isso se guarda?

Não será, como seu nome indica, o risco ou o acontecimento da queda, até mesmo a decadência, o destino que espera no fundo da "garganta"? Não sei. Não sei se é possível guardar ao mesmo tempo a memória e a sorte. Sou, antes, tentado a pensar que uma não se guarda sem a outra, sem guardar a outra e sem guardar outra. (Derrida, 1999, pp. 156-157)

A sorte está lançada quando fechamos os olhos. E como disseram Freud e Derrida, cada um a seu modo, ela não se faz sem memória, que não se faz sem escuta, sem resistências, e não acontece sem espaço para repetição e elaboração. Assim se faz um arquivo.

Sonhos são perturbadores, guardiões do sono nem sempre à altura de sua missão guardiã. São tecelões da sorte. São mal de arquivo que se debate e se renova a cada crepúsculo e que, diante da possibilidade de receber a necessária escuta, poderá empenhar seu próprio itinerário. De fora da colmeia, narrativas oníricas, poesias e traduções a respeito da dureza e da angústia com a qual hoje convivemos são e serão muito bem-vindas. Constituirão grande acervo a serviço da memória de algo que a duras penas, entre sonos, insônias, pesadelos e sonhos, fomos, somos e seremos bravamente capazes de atravessar.

 

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Correspondência:
Tânia Corghi Veríssimo
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Paulo Endo
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pauloendo@uol.com.br

Recebido em 20/7/2020
Aceito em 14/10/2020

 

 

1 O "Inventário de sonhos 2: sonhos de pandemia" é uma pesquisa iniciada no seio da pandemia de covid-19, idealizada pelos psicanalistas brasileiros Paulo Endo, Edson Luiz André de Sousa e Denise Mamede. Atualmente o acervo de sonhos conta com quase 1.200 sonhos relatados e se encontra em fase de análise e apresentação dos primeiros resultados.

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