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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.2 São Paulo abr,/./jun. 2020

 

OUTRAS PALAVRAS

 

Ressentimento e os sofrimentos identitários de um jovem xiita1

 

The resentment and Identity Suffering of a Shiite Youth under the bombings in southern Lebanon committed by Israel in 2006

 

Resentimiento y los sufrimientos identitarios de un joven chiita

 

Le ressentiment et la souffrance identitaire d'un jeune chiite sous les bombardements perpétrés par Israël en 2006 dans le sud du Liban

 

 

Jamil Zugueib Neto

Professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisador convidado do mestrado em cultura árabe e hebreia da Universidade de Granada, Espanha

Correspondência

 

 


RESUMO

O artigo procura exemplificar o grau de traumatismo sofrido por um jovem nos bombardeios cometidos por Israel em 2006, no sul do Líbano, contra a comunidade xiita. O registro faz parte de 20 histórias de vida colhidas em pesquisas de campo realizadas em cidades afetadas, e pretende-se que exemplifique os efeitos desses eventos na comunidade. Depois de décadas, os integrantes do grupo etno-confessional participam de uma conjuntura nacional de enfrentamentos mortíferos entre suas comunidades. Do outro lado da fronteira, Israel volta a atacá-los. Esse contexto, que os situa em duas frentes de perigo, torna constantes os eventos catastróficos em sua história recente. São analisadas as disposições psíquicas do jovem e o papel da identificação grupal no enfrentamento das situações catastróficas. Será sublinhada a produção do ódio a partir do traumatismo sofrido, para analisar, na conclusão, seu papel na resiliência psíquica e na dinâmica identitária.

Palavras-chave: xiitas, bombardeios israelenses, Líbano, trauma, ressentimento


ABSTRACT

The article seeks to exemplify the degree of trauma suffered by a young man in the bombing of the Shiite community committed by Israel in southern Lebanon in 2006. This record is part of twenty life histories collected from field surveys conducted in affected cities, and it is intended to exemplify the effects of these events in the community. The ethno-confessional group participates in a national conjuncture of deadly clashes between their communities, after decades. Across the border, Israel attacks them again. This context that places them in danger, make catastrophic events constant in their recent history. The psychic conditions of the young person and the role of the group identification in the confrontation with the catastrophic situations are analyzed. The surge of hatred from trauma will be highlighted, in order to analyze in conclusion, its role in psychic resilience and in their identity dynamics.

Keywords: shiites, israeli bombardments, Lebanon, trauma, resentment


RESUMEN

El articulo trata de ejemplificar el grado de traumatismo sufrido por un joven en los bombardeos contra la comunidad chií cometidos por Israel en el sur del Líbano en 2006. Este registro forma parte de veinte historias de vida recogidas a partir de investigaciones de campo realizadas en ciudades afectadas, y se pretende que ejemplifique los efectos de estos eventos en la comunidad. El grupo etno confesional participa después de décadas de una coyuntura nacional de enfrentamientos mortíferos entre sus comunidades. Al otro lado de la frontera, Israel vuelve a atacarlos nuevamente. Este contexto que los sitúa en dos frentes de peligro, vuelve constantes los acontecimientos catastróficos en su historia reciente. Se analizan las disposiciones psíquicas del joven y el papel de la identificación grupal en el enfrentamiento con las situaciones catastróficas. Se subrayará la producción del odio a partir del traumatismo sufrido, para analizar en la conclusión su papel en la resiliencia psíquica y en su dinámica identitaria.

Palabras clave: chiitas, bombardeos israelíes, Líbano, trauma, resentimiento


RÉSUMÉ

L'article cherche à illustrer le degré de traumatisme subi par un jeune homme lors des bombardements contre la communauté chiite commis par Israël dans le sud du Liban en 2006. Ce registre fait partie de vingt histoires de vie recueillies lors de recherches sur le terrain, menées dans les villes touchées, dans le but d'expliquer les effets de ces événements sur la communauté. Depuis des décennies, les membres du groupe ethno-confessionnel participent d'une conjoncture nationale d'affrontements meurtriers entre leurs communautés. De l'autre côté de la frontière, Israël les attaque à nouveau. Ce contexte qui les place sur deux fronts de danger rend constants les événements catastrophiques dans leur histoire récente. On analyse les dispositions psychiques du jeune et le rôle de l'identification du groupe dans la défense contre les situations catastrophiques. Ce sera souligné la production de la haine à partir du traumatisme subi, pour analyser, dans la conclusion, son rôle dans la résilience psychique et dans sa dynamique identitaire.

Mots-clés : chiites, bombardements israéliens, Liban, traumatismes, ressentiment


 

 

Título original do artigo: Ressentimento e os sofrimentos identitários de um jovem xiita sob os bombardeios no sul do Líbano cometidos por Israel em 2006

O presente trabalho se propõe a apresentar o depoimento de um jovem estudante xiita do sul do Líbano, que esteve sob os bombardeios cometidos por Israel em 2006, na chamada Guerra dos 33 dias. Esses ataques visavam alegadamente à destruição do Hezbollah. A milícia xiita foi fundada em 1984 para resistir à invasão israelense do sul do Líbano iniciada em 1982 e, de fato, conseguiu repelir o exército invasor após 18 anos de combates, no ano 2000.

O método de histórias de vida foi a metodologia escolhida em uma pesquisa que objetivou detectar o grau do traumatismo comunitário e os fatores que contribuíram para a resistência psíquica. Esse estudo será publicado em forma de livro brevemente.2 Uma observação primeira é que somos obrigados a restringir a explanação do contexto sócio-histórico, o que afeta drasticamente sua melhor compreensão. Vamos nos fixar somente em um caso, pretendendo que seja exemplo do traumatismo/dor moral sofrido pela comunidade e sublinhando aqui o ódio provocado nos jovens não engajados nos combates. No total recolhemos 20 histórias de indivíduos que habitam cidades próximas da fronteira com Israel e que foram bombardeadas nessa última guerra. A idade deles varia entre 23 e 74 anos. As questões giraram em torno da memória familiar/coletiva, das identificações ao discurso comunitário e das situações traumatógenas vividas desde a guerra civil (1975-1990). A análise do conteúdo possibilitou dividir esses indivíduos em três conjuntos: os jovens não engajados politicamente, os combatentes e os mais velhos.

Os eventos analisados constituem mais uma catástrofe social que permeia a história desses sujeitos. Aos atritos ideológicos e enfrentamentos armados entre as comunidades etno-confessionais que concorrem na direção do país, conjugam-se as sucessivas intervenções políticas e militares de potências estrangeiras, que acontecem desde o século XIX. Bombardeios e invasões do território nacional repetem-se ao longo de toda essa história. Tal contexto configura-se como um campo de afetação traumática que atravessa gerações, palco que determina um espaço relacional cuja dimensão da experiência subjetiva vai propiciar a criação e a apreensão de sentidos aos excessos da situação (Maia, 2003).

Essa guerra, em que o primeiro-ministro israelense de então declarou que faria o Líbano retroceder 40 anos, acabou em fragoroso fracasso, obrigando as tropas ao primeiro recuo na história de suas invasões. Esse fato colocou em desgraça moral os dirigentes sionistas no poder. Surpresas pela resistência e pelos contra-ataques do Hezbollah, as forças israelenses recuaram depois de 33 dias e deram por terminada a guerra. O total de mortes entre os combatentes do Hezbollah não é conhecido. Entretanto, houve 1.183 civis mortos, 4.059 feridos e perto de 1 milhão de pessoas deslocadas de suas casas (Mermier & Picard, 2007).

A resistência da milícia foi festejada em todo o Oriente, não só entre os muçulmanos, enquanto seu líder proclamava, em meio às louvações dos comandados, sua "vitória divina". A pesquisa procurou explorar esses eventos mobilizadores da paixão nacionalista e da invocação dos mitos fundadores, acontecimentos que provocam, como disruptores, entre as diferenciadas reações, o entusiasmo combativo proposto pelo ideal do eu confessional.

Como confissão, os xiitas (20% da população muçulmana mundial) não se diferenciam em relação aos pressupostos escatológicos da maioria sunita. Sua fundação teve início por discordâncias sucessórias de Mohamad (Maomé). A Batalha de Kárbala, em 680 d.C., marca profundamente o grupo em sua determinação política. A morte de Hussein, que comandava o grupo dissidente, provoca desdobramentos ideológicos imputados ao sentido da morte de seu mito fundador, que resumimos: a luta pela justiça e a não aceitação de uma situação de submissão humilhante.

Na estruturação desses laços sociais, a cultura viabiliza uma organização própria, que vai modelar a estruturação psíquica inconsciente de seus componentes (Kaës, 1998). Desse modo, a ideologia que se engendra no pensamento comunitário e que se desprende de seus mitos fundadores será introjetada como objeto idealizado, chave de orientação e de interpretação da realidade circundante. A percepção e o sentido dado ao traumático serão, então, mediados pela leitura ideológica, que oferece também os recursos simbólicos para seu enfrentamento. Entretanto, seja como estímulos estressantes contínuos, seja como um evento traumático pontual, a violência, a curto ou a longo termo, vai evidentemente alterar a dinâmica do funcionamento mental do sujeito.

Sublinhemos que os testemunhos recolhidos, a cultura grupal e o trauma em sua dupla face, individual e coletiva, circunscrevem uma situação paradoxal específica, cuja ressonância subjetiva é incerta e variada. Os depoimentos mostram que, embora o psiquismo estenda os meios de autoproteção para se preservar dos traumas, sua reorganização tem um custo. O cenário de morte após os bombardeios e a falta de perspectiva em sua vida futura provocaram em nossos exemplos o luto ou a desolação melancólica. "No luto é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia é o próprio ego" (Freud, 1917/1974, p. 278).

Ilustraremos essa experiência de dor observando o conteúdo do ressentimento entre representantes dos três conjuntos. O ódio dos jovens contrasta com o dos combatentes, que instrumentalizam o afeto nas estratégias de combate. Os mais velhos apaziguam-se pelo pragmatismo.

Os jovens:

NORMA: Apesar de me sentirforte, atualmente acho que todos nós precisamos de apoio psicológico. A guerra contra Israel é sem fim, pois suas invasões não param. Não sei como podemos ainda ensinar nossos filhos a cultura da paz. Quero que aprendam de mim que os sionistas de Israel são nossos inimigos. Como esquecer nossa fuga aterrorizante e a humilhação?

NANCI: Eu estava sozinha, e o pavor das bombas caindo ao lado da minha casa é indescritível. Todo o ódio que tenho é de Israel, que destruiu tudo e plantou o medo e a morte em todos os cantos. O ódio e a honra ferida continuam nesses momentos de perda de nossa vida. O que vai acontecer agora? Eu sou inquieta, instável. Às vezes, sinto que vou me matar. Mas reflito que devo continuar nesta vida que me foi imposta. Quando volto a me lembrar daqueles dias, sinto como se estivesse em uma sequência de um filme. Não consigo exprimir esses sentimentos.

Os combatentes:

HAMAD: Apesar da dor, quando se trata de guerra contra Israel, há sempre o sentimento de orgulho para nós mujahidins [guerreiros que lutam no caminho de Deus]. Somos os injustiçados. O Hezbollah representa a resistência libanesa, e não é ele que está combatendo Israel, mas sim o contrário. O caminho para se renovar é a autocrítica, avaliando as ações e as reações. Quanto mais autocrítica e objetiva a pessoa for, mais ela estará se renovando. Devemos ter disciplina e confiar em nossos líderes. Qualquer ação irresponsável, sujeita à impetuosidade, serve ao inimigo. Os atos coletivos e organizados são os que superam as dificuldades da melhor forma.

Os mais velhos:

RABIYA [diretora de uma escola secundária]: Por que devo encará-los [os israelenses] com compreensão? Vivo me protegendo de um futuro ameaçador. A terra, minha família, minha cultura. Vivo em meu país e, de repente, o inimigo está a três quilômetros daqui e quer me matar. Construímos uma escola de seis andares durante quatro anos. Voltei no dia seguinte ao encerramento dos bombardeios e estive nas ruínas da escola. Consegui não chorar, quando todo mundo ao redor chorava. Pensei que isso não levaria a nada. Pessoalmente as guerras me deixam em situação de crise. Nasci na guerra e não vivi uma fase de equilíbrio social para sentir algo de novo nisso. Para nós, Deus nos pede o trabalho e o esforço [jihad]. Enquanto faço aquilo que satisfaz a Deus, me sinto bem. Com ou sem guerra, aprendi a não sonhar, vivo conforme as circunstâncias. [Sua relação com o ódio:] Internamente, sinto os israelenses desorientados. E até poderia dizer que são inimigos temporários.

A contribuição de Ferenczi (1934/2011) sobre a clivagem (Nanci) auxilia a compreensão do funcionamento do eu na situação traumática. Sua desestruturação pelo excesso de estímulos causado pelo choque provoca a interrupção de parte da atividade psíquica consciente, resultando na repetição de afetos dissociados (como um filme) que encobrem as experiências traumáticas. Tal mecanismo é a tentativa de irrupção representacional dessa experiência que não pôde ser simbolizada. A consequente desorganização vai enfraquecer o sentido de si mesmo e a expressão de afetos mais primitivos, além de favorecer a perda dos referenciais da situação. Portanto, o choque causado pela potência desorganizadora de certos eventos vai abalar a resistência psíquica e a ação, exigindo do sujeito uma reconfiguração subjetiva para enfrentar ou se acomodar à nova realidade. Ferenczi centrava seu interesse no equilíbrio entre o indivíduo e seu meio mutável, o que implicava uma mudança na metapsicologia freudiana, segundo a qual o princípio do prazer buscaria um equilíbrio estável do aparelho psíquico.

Entretanto, após o abandono da teoria da sedução, Freud (1920/1948) toma em consideração o despreparo para a situação e a intensidade do evento que desorganiza os mecanismos defensivos do indivíduo. O fator surpresa para Nanci desencadeia o choque desestruturador, que desperta o terror na situação sentida como ameaçadora. Seu transbordamento, como acontecimento de excessos, será dimensionado na relação do sujeito com o meio circundante. A realidade psíquica será a soma de traços deixados por essas experiências relacionais, enquanto a realidade exterior será aquilo que a percepção dá a conhecer do mundo ao redor. É essa realidade psíquica de cada um que nos dirá se um acontecimento foi ou não traumático (Canavês, 2015).

Na sequência, apresentaremos recortes da experiência do jovem Daher, que sintetiza toda a comoção da comunidade e as feridas narcísicas que incidem em suas identificações. Daher é um estudante universitário de 23 anos, solteiro.

Nasci em 1986. A ocupação israelense do sul do Líbano estava no início. Em 2000 houve a libertação. Eu tinha 15 anos. Isto é, vivi 15 anos sob a ocupação e os atos agressivos daquele exército. Toda pessoa que morou no Sul se lembra disso. Todos têm lembranças repletas de medo, terror e sufocamento da liberdade. Ninguém dormia tranquilo. Todo mundo tinha medo de ser detido ou ter a casa destruída. Uma coisa que piorava era o fato de que não víamos os israelenses diretamente, mas víamos seus agentes, a milícia contratada por Israel e os espiões a seu serviço. Tudo provocava medo, e isso piorava ao vê-los em seus postos de controle. Assim que começaram os bombardeios, sentimos que nossa vez estava chegando. Nossa cidade é pequena, e por isso dá para saber onde cai cada bomba. Tudo parece perto. Em certo momento, minha mãe sofreu um colapso nervoso, e me assustei muito. O pior momento foi deixar meu pai e partir de Khiam. Meu avô, um senhor de idade, recusou-se a sair de sua terra, e por isso meu pai teve de ficar. São marcas que não se esquecem. Desde o momento em que nasci, o Líbano esteve em guerra: luta interna ou guerra contra Israel. Nenhum libanês vive em um estado de equilíbrio emocional. As pressões que sofremos são de ordem financeira, psicológica, social e política.

A situação é muito difícil, a vida é dura, a situação econômica é péssima. Mas tem muitas coisas que nos dão apoio e auxiliam a resistir a essa situação: o acolhimento da família, as amizades, participar das reuniões do partido... Isso traz um pouco de tranquilidade psicológica. A situação nos aproxima muito. Conversamos, jogamos baralho, fumamos narguilé.

As lembranças que não se esquecem:

Um primo do meu pai foi capturado e levado para a prisão de Khiam. Minha avó também foi detida. Os dois foram brutalmente torturados. Um dia eu voltava da escola e vi um tumulto na frente da casa do meu primo. Perguntei qual era o problema, e me explicaram que meu tio Bilal tinha sido levado para a prisão. E aí perdi a consciência, joguei minha mala e comecei a gritar e chorar. Toda família em Khiam sofreu com a presença dos israelenses. Dois tios meus morreram como civis. Um era formado em química, e o outro fazia curso de informática. Estavam dormindo. Entraram pessoas e os mataram. Esse fato ocorreu em 1982, durante a presença de Israel no Líbano. As imagens que passam dessa guerra na televisão até hoje me provocam angústia e repúdio. Além disso, como você sabe, houve um massacre em Khiam. Quando os israelenses entraram na cidade, os moradores jovens conseguiram correr, mas ficaram os velhos, que se recusaram a sair. Eles foram reunidos numa praça e depois massacrados. A lembrança mais triste foi a destruição do edifício de cinco andares dos meus pais e tios. Apesar do sentimento de honra depois da vitória sobre o inimigo israelense, há um sentimento de dor por perder coisas queridas - minha casa, minhas coisas que juntei desde a infância. A perda é mais psicológica do que material. Se meus filhos me perguntarem um dia como era minha vida ou minha casa, não tenho nenhum registro disso. Vêm depois as lembranças da libertação, que foi o momento mais feliz. Como a guerra me afetou pessoalmente? Por ter minha casa destruída, e com ela minhas lembranças, minhas fotos, meus livros, minhas coisas. Tenho uma grande tristeza por isso. Parecem detalhes insignificantes, mas na verdade constituem partes da minha vida. Minhas lembranças ocupam um grande lugar em minha vida.

As condições psíquicas:

Minha situação psicológica muda de um dia para o outro. Às vezes estou pessimista; outras vezes sou otimista. Tenho uma visão pessimista da situação do Líbano se continuar sua história da mesma maneira. Meus passos futuros? Sou estudante universitário. Tenho mais um ano para terminar o curso, para conseguir a licenciatura técnica. Assim que terminar e conseguir uma oportunidade de trabalho no exterior, viajarei sem hesitação e sem pensar. Talvez chegue um dia em que não lembrarei que existe um país no mapa que se chama Líbano. No momento tenho como prioridade minha formação profissional, e se achar um trabalho dentro do Líbano claro que lhe darei a prioridade. Viver dentro do próprio país é muito melhor do que se fixar fora. A ideia de abandonar minha casa, sem saber se um dia poderei voltar, e quem sabe encontrá-la destruída, é muito dura. O Líbano é sempre ameaçado, por ter um inimigo como vizinho. Os libaneses sempre se sentirão agredidos, e sempre estaremos intranquilos enquanto nosso governo não oferecer proteção a nossas fronteiras, aos cidadãos, e acabar com os assassinatos políticos. O Líbano, como diz o lema dos políticos, é o país da vida. Eu quero viver em paz. No Líbano, você deve ter esperança para poder sobreviver. Sem esperança, sem sonhos e sem ambição, não tem como sobreviver nesse país nem enfrentar as dificuldades. É preciso acreditar que o futuro será melhor.

Sobre a identificação coletiva:

Sou libanês acima de tudo, e depois digo que sou da seita xiita e se sou filiado a tal partido. É motivo de honra pertencer à seita xiita, mas no final sou árabe. Talvez eu deva dizer que me orgulho de ser libanês e árabe. Eu, por exemplo, apesar de ser afiliado ao movimento Amal,3 tenho amigos maronitas, católicos, ortodoxos, sunitas, drusos e de diferentes tendências políticas. Sabendo que são os conflitos políticos que estão distanciando as pessoas entre si, os jovens precisam ter consciência de que a política não deve afetar nosso relacionamento. Vivíamos juntos desde o momento em que surgiu esta terra. Até o ano de 1975, quando estourou a guerra civil, muçulmanos e cristãos viviam como irmãos e vizinhos.

A política e a religião:

São os políticos que me fazem sentir vergonha ao dizer que sou libanês. Não acho que o objetivo deles é servir o povo, mas sim correr atrás de seus interesses pessoais. É o que fizeram os políticos e as autoridades religiosas aqui no Líbano. O político utiliza conceitos da religião para firmar suas ideias, e o homem de religião, xeique ou patriarca, emprega a política em seu discurso. A política deve se separar da religião. A formação política não significa seguir os passos de meus pais. Depende de minha convicção pessoal e de meu entendimento nas escolhas.

Os motivos para continuar a guerra:

O primeiro motivo é que Israel continua ocupando algumas terras libanesas, as fazendas de Chebaa, que para alguns é uma área minúscula, mas que representa uma fonte de água e de riqueza turística. Militarmente é um ponto estratégico por sua localização. Pode ter um metro ou quinhentos, mas é um pedaço libanês. O conflito então é por causa dessa ocupação e dos prisioneiros que se encontram em Israel. Historicamente falando, desde o momento da formação do Estado israelense e do movimento sionista, começou a inimizade entre árabes e israelenses. O conflito se iniciou desde a Declaração Balfour [1917], pela qual os ingleses decidiram transferir os judeus para a Palestina.4 A relação com Israel, portanto, é de inimizade eterna, principalmente no que diz respeito aos xiitas. Muitas referências em nossa religião indicam que qualquer relação com Israel é proibida. A guerra entre o Hezbollah e Israel, em minha opinião, é eterna, até Israel não existir mais. Israel é o maior inimigo, e sabemos que eles cobiçam nossa terra e nossa água, e sem esquecer a ideia deles "do Nilo ao Tigre". A cobiça israelense sempre existirá e, portanto, continuará sendo uma ameaça para nós.

 

Comentários: as perdas múltiplas e o sofrimento identitário

A afetação psicológica e as questões identitárias que se engatam na falta de perspectiva para o futuro tornam a situação presente mais dramática para os jovens. Se Nanci se encontra ainda sob os efeitos do choque e melancolicamente submergida em seu atormentado imaginário, o sofrimento de Daher não o deixa inerte; mesmo atravessado por seus fantasmas e sua instabilidade psicológica, a esperança está presente em seus projetos de vida, ainda que nebulosos e contraditórios.

Pleno de rancor e com um eu enfraquecido pelas múltiplas perdas acontecidas, suas ruminações procuram a direção que pode tomar sua vida. Para ele, o inimigo sionista é eterno, assim como a desorganização social de seu país, onde a hipocrisia dos políticos segue caminhos definitivos nessa direção. Seu campo de afetação, composto de eventos que se superpõem e de dimensões traumatizantes diferentes, provoca a constante invasão em sua consciência de situações humilhantes, de perigo e de morte de seus familiares. O que ele repete com veemência nessas perdas irreparáveis é a perda de seu capital simbólico, relicário afetivo que refletia suas identificações. A configuração desse campo deixa suas impressões no corpo de Daher, modulando a eloquência da expressão afetiva, a perduração do rancor e um pensamento por vezes fatalista e contraditório na procura de novos sentidos para a vida. É o testemunho provocado pelas marcas sensíveis (Reis, 2004) dos eventos traumáticos que desenha seu real de angústia e de melancolia. Esse é o sintoma provocado pelo recorte de sua percepção e que o induz a clamar por um Líbano idealizado em meio a esse entorno desolador: "O Líbano ... é o país da vida. Eu quero viver em paz'.

Adicionadas a essas perdas, a expectativa de novos bombardeios e a possibilidade de atentados confirmam para ele que a violência e a destruição em seu país são uma constante que vai se prolongar. Essa falta de sustentação de um campo social confiável enfraquece a animação de investimentos narcísicos que se amarrem a um projeto de vida mais de acordo com seu ideal do eu, o que poderia compensar suas angústias atuais.

Daher sofre subjetivamente um rompimento de continuidade do eu. Há ruptura violenta de uma construção que já era abalada pelo temor em sua infância, mas que era sustentada pelo acolhimento familiar e por um ambiente razoavelmente controlado. No entanto, subitamente, o bombardeio instaura a perplexidade pela perda do abrigo e dos apoios de referência, empurrando-o ao sentimento de desamparo e de indignação. O real impactante não foi subjetivado e, portanto, há estranheza com relação ao entorno, impedindo a identificação com a nova realidade. O Outro, como polo de orientação em que ele poderia se reconhecer, é posto em dúvida ou denegado. As ruínas constituem agora o polo de sua relação com o meio externo, escombros que afetam porque refletem as ruínas interiores. A impossibilidade de subjetivação dessa realidade, carregada de fantasmas vivos em sua consciência, se inscreve no corpo de Daher como cenas vigorosas, que o tempo ainda recente não oferece condições para a elaboração.

No trabalho "Luto e melancolia" (1917/1974), Freud distingue esses conceitos. No luto, o sujeito entra em depressão pela perda de um objeto de amor concreto ou ideal, que deixa em seu lugar um vazio subjetivo. Espera-se, contudo, que haja recuperação da organização psíquica e que o objeto perdido se distancie através de uma elaboração simbólica da perda. O vazio poderá, dessa forma, ser preenchido pelo traço do objeto desaparecido, agora tornado um ponto de identificação, podendo também abrir esse espaço para outras significações compensatórias. Em outros indivíduos, porém, as mesmas causas produzem uma profunda depressão, pelo apego a situações e objetos perdidos, que se congelam em imagens e se colam como fantasmas na consciência. A força desse vínculo implanta a melancolia, a qual, por sua tenacidade, arrasta esses objetos mortos, impedindo um trabalho de separação e distanciamento. Seus reflexos no sujeito serão o desinteresse pelo mundo exterior, a inibição de toda a atividade e a diminuição dos sentimentos de autoestima, chegando à autorrecriminação.

Se Daher pudesse enterrar aos poucos seus objetos perdidos e aplacar sua ira, o esvanecimento da sombra deles poderia livrá-lo desse congelamento, direcionando-o para um reconhecimento e uma reapropriação do que restou entre as novas e heterogêneas configurações que o meio pode lhe oferecer. Desse modo, o vazio que se instala em seu corpo e que fragiliza seu sentimento identitário poderia recomeçar a ser preenchido. E novas significações sustentariam o fio com o passado, sem que por isso tivesse de carregar seus espectros insepultos. Estamos diante de um sujeito ameaçado em sua potencialidade transformadora, que no entanto invoca a esperança como último recurso para uma vida melhor.

Para continuar esses comentários, vamos recorrer a um texto cujo título, "A dor dos vencidos e dos vencedores" (Birman, 2009), se apoia no trabalho citado de Freud. A dor dos vencidos é analisada a partir dos sofrimentos da personagem principal da peça As troianas, de Eurípides, escrita entre 415 e 412 a.C. Joel Birman, o autor, explora bem essa situação no drama de Hécuba contemplando uma Troia em chamas. A ficção comentada pelo psicanalista veste como uma luva a experiência do real de Daher.

 

Dores que atravessam o tempo: Hécuba e Daher

O sofrimento de Hécuba, mãe e avó que chora diante de sua Troia destruída, sintetiza toda a grande dor dos que sobreviveram. A escravização de uns e o desaparecimento de outros que transmitiram sua linhagem constituíam toda a sua herança afetiva. São perdas quase insuportáveis e marcam o sofrimento maior que uma guerra pode causar. O sentimento dessa humilhação devastadora torna impossível apagar esse imaginário. A dificuldade está no fato de que a guerra destruiu tudo e deixou uma multiplicidade de perdas e dimensões de sofrimento, não mais restando à personagem algo em que se apoiar.

O momento ainda recente desses eventos traumáticos afeta de tal maneira Hécuba que torna impossível uma retração subjetiva para que ela possa iniciar o enterro simbólico de seus mortos. Birman sublinha essa dor, como ferida lancinante que se inscreve, antes de tudo, na própria carne do sujeito, o primeiro plano da experiência psíquica. A intensidade das perdas, tanto as reais quanto as ideais (a nação, a comunidade, a pátria), é tal que dificulta as elaborações necessárias para que o trabalho de luto se complete. Freud (1917/1974) aponta três processos na elaboração da perda. O primeiro é a incorporação do objeto perdido, como forma canibalística de incorporá-lo e assim mantê-lo como parte de si. O segundo é a tentativa de estabelecer a introjeção do objeto, a qual ainda seria ineficaz, uma vez que procura retê-lo por imagens. O terceiro é a identificação, e é esse processo que pode levar à superação da perda. Através dessa operação, o luto pode se completar, deixando de ser representado em um imaginário que se cola no presente do sujeito.

Na identificação, que é sempre parcial, trata-se da apropriação simbólica de um traço do objeto perdido. O objeto passa a fazer parte simbolicamente do sujeito quando algo que o representa se inscreve nas cadeias significantes, que marcam sua subjetividade. O traço que o representa, e segundo o vínculo estabelecido durante a interação mantida entre os dois, é que vai permanecer como símbolo de algo. Um sorriso, uma atitude etc. E como traço, o objeto ausente se acrescenta como representação no eu do sujeito que o perdeu (Freud, 1921/1981). O luto se realiza não como imitação, mas na forma pela qual essa marca se exterioriza na ação, no sentir e na maneira de pensar. Essas impressões tornam-se mecanismos inconscientes, evidentemente, que se acrescem, enriquecendo o eu em sua trajetória de desenvolvimento.

No drama de Hécuba, porém, as perdas são tantas que as feridas narcísicas fazem-na se entregar à melancolia, permanecendo, nos registros da incorporação, a cultuar seus objetos eternamente. Com sentimentos que giram em torno da perda da autoestima, da perda da honra e da vergonha de ter sido vencida, ela é submetida a um estado de coisa nas mãos dos vencedores. A velha mulher é tomada, então, pelo sentimento de indignação por lhe terem arrancado, nessa sujeição, sua inscrição no gênero humano. Hécuba perde sua autoestima diante de tanta morte e de tudo que se destruiu. Ela acaba se representando como se não fosse mais nada e, por isso, se agarra melancolicamente às imagens de seus objetos perdidos. Uma experiência psíquica desse talhe leva o indivíduo, pelo peso de seus afetos, aos limites da possibilidade de desejar. Ameaçada nessa capacidade humana fundamental, ela torna-se uma morta-viva - uma morta-viva que atinge o âmago da experiência de quem se submete a uma derrota, à perda do sentimento de honra pela impossibilidade da defesa de seus bens, de sua tradição e de sua afiliação. Com o orgulho de sua estirpe esmagado, sobra a ela somente fazer imprecações aos inimigos gregos, desejando toda a infelicidade que o destino possa lhes reservar. A ela resta a vergonha e a perda da altivez de ser uma troiana, tomada que é pela indignação. Se ela não é mais nada, ela perde sua antiga posição social, que lhe assegurava uma vida qualificada, e isso a faz cair na condição de vida nua (Agamben, 2002), uma vida puramente biológica, sem nenhuma qualidade simbólica.

Terminemos aqui as considerações sobre a tragédia de Hécuba e retornemos aos sofrimentos do jovem Daher, exercitando agora alguns paralelos com a velha troiana. Em seu flagelo, o jovem nos diz explicitamente que as lembranças ocupam um grande espaço em sua vida. A eloquência com que ele depõe expressa o grau de vivacidade desses objetos perdidos, que pairam em seu psiquismo, como que flutuando num espaço sombrio. Não estando simbolizados ainda, permanecem como objetos imaginários, rodando em torno do psiquismo e pregados ao eu do jovem sujeito.

O culto dedicado pelo jovem a seus objetos de referência identificatória cristaliza-se como algo insepulto. E assim o jovem cai na melancolia, colado a esse conjunto fantasmagórico, que preenche seu vazio. Como Hécuba, ele perdeu tudo - sua casa, sua cidade, seus pertences pessoais, valorizados como seu capital simbólico; e mais, alguns representantes de sua genealogia, ou seja, o amparo e as referências de suas origens. O ponto crucial será a nostalgia da perda real, provocando o arrastar dos objetos mortos que se imiscuem em sua dor de existir. A dificuldade de elaboração de Daher se aprofunda, pois, para perder seus objetos imaginários, ele teria que contar com algo para se reconstruir. Isso exigiria contar com uma sustentação no presente que pudesse se desenvolver como projeto dirigido ao futuro. E essas condições não existem, pelo menos em seu imaginário, porque a crueza de seu entorno destruído materializa esse real de desamparo. A permanência dessa situação e a perspectiva de um futuro sombrio deixam-no suscetível ao prolongamento dos efeitos dos eventos traumatizantes. Contudo, ele tenta - muitas vezes, diga-se -projetar-se em um ideal mais ou menos realizável, como que estabelecendo uma forma de apaziguar sua amargura: "No Líbano, precisa-se ter esperança e sonhar para sobreviver". A carência aciona estratégias no jovem para a busca de uma identidade que se aproxime imaginariamente a seu eu ideal: a realização profissional e a vida em paz num Líbano democrático e equitativo confessionalmente, situação que a história lhe mostra como impossível até o presente. Ele se revolta com essa conjuntura e idealiza a história de um país contado por seus pais; histórias de inexistência de problemas nos relacionamentos comunitários, "desde sua fundação até o início da guerra de 1975".5 Na verdade, observamos que períodos sem conflitos político-confessionais foram muito estreitos, principalmente depois dos massacres de 1860 (Beydoun, 1984). Corm (1986) se refere a essas relações intercomunitárias como uma cultura da discórdia. Isso não quer dizer que não havia boas relações dentro do povo que vivia em regiões multiconfessionais.

No entanto, o ódio maior é dirigido ao inimigo israelense, augurando uma guerra eterna, contra um governo consensualmente taxado como sequioso de suas terras e que instaura a humilhação no mundo árabe. Evidentemente, sua autoestima é abalada, pois já perdeu tudo, e nada há por que valha a pena lutar. Se ele deseja também esquecer seu Líbano, a solução é fugir e procurar a emigração, exilando-se dessa realidade extremamente frustrante.

Ao lado da perda da autoestima, um Daher perdedor se depara com o âmago de sua crise, a ferida em sua honra. Mas nessa dor o jovem tem um suporte que a contrabalança: a vitória das milícias de sua comunidade sobre o inimigo. A identificação com a resistência armada acrescenta representações que aplacam suas dúvidas quanto à honradez de sentir-se libanês e árabe, questão que o divide e que se expressa na ambivalência de permanecer no acolhimento de sua terra ou lançar-se ao desterro, na tentativa de apagar de vez a memória da existência de suas raízes.

A honorabilidade que ele percebe em sua comunidade, quanto ao sentimento de libanidade, apesar de ser augurada, é de tal modo manchada pela ética dos homens políticos e pelas guerras intercomunitárias, que só lhe resta, em vista de sua impotência, lançar imprecações pela vergonha que eles lhe provocam. E assim como Hécuba em sua dor, perde a possibilidade de se manter altivo, perde o atributo ético fundamental do orgulho, de pertencer e de se enquadrar na epopeia humana de (re)construir seu país. Sem a soberba e a altivez identitária, Daher só pode cair na vergonha e no rancor - vergonha da história de violências intestinas e das armações politiqueiras, e rancor por Israel e seus colaboradores. Em vista dessa realidade, só lhe resta indignar-se, sentimento que, malgrado sua contribuição na perenização do sofrimento, o incita a um trabalho psíquico. Mesmo apático, a pulsão não esmorece, e Daher mantém-se ativo e alerta, sustentado pelo ódio que o alimenta subterraneamente e que une suas pulsões - contraponto da entrega e do dobrar-se em uma regressão narcísica unicamente melancólica. Seu ódio, portanto, concorre para a afirmação de si mesmo, contra sua despersonalização e o risco de se desorganizar em seus propósitos. Essa exaltação de sentidos contribui para a manutenção de um sentimento de unicidade e de domínio do eu, que é seguidamente ameaçado de se diluir na angústia (Denis, 2006). Mas o sentimento de humilhação não se esvanece. Vilipendiados seus valores e ameaçadas suas origens, esse vazio o empurra para uma vida abjeta, o reverso do que ele obtinha em um passado recente, mesmo que limitado, de sua segurança básica - o alojamento e o orgulho familiar. Para se considerar um homem honrado, faltam-lhe suas posses, simbólicas e materiais. E, sem conseguir uma retração subjetiva para que se inicie o enterro simbólico de seus objetos perdidos, a fantasmagoria preenche seu vazio e o coloca na condição de pária, na insignificância a que se viu reduzido.

Nesse depoimento vivido e contundente de um sujeito que se vê arrastado pela história, cabe uma observação. O que poderá ser reparado e restabelecido, em casos como esse, será insuficiente para livrar do sentimento de humilhação, da vergonha e do ressentimento. No recalque ou na assimilação, sempre restarão alguns traços a rodar pelo campo psíquico, e mesmo distanciados pelo tempo eles poderão emergir à consciência como sentimentos de amargor ou de vergonha.

 

Referências

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Correspondência:
Jamil Zugueib Neto
Plaza Aljibe de Trillo, 6, Albayzín
18010 Granada, España
jzugueib@gmail.com

Recebido em 21/3/2019
Aceito em 1/7/2020

 

 

1 Artigo derivado de pesquisa pós-doutoral realizada na École des Hautes Études en Sciences Sociales (ehess) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2 A obra, a ser editada pela UFPR, terá por título Psicanálise e catástrofe social: do trauma individual ao trauma coletivo: os xiitas do sul do Líbano sob os bombardeios de Israel em 2006.
3 Da palavra árabe amal, que quer dizer "esperança". Amal é a abreviação de Batalhão de Resistência Libanesa. Apesar de no passado ter entrado em confronto armado com o Hezbollah por divergências estratégicas, esse grupo (laico) faz parte do "eixo de resistência" a Israel e é logicamente aliado à Síria e ao Irã. Nabih Berri, seu líder, é presidente da Câmara dos Deputados há quase 30 anos.
4 A declaração dizia exatamente: "O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina" ("Balfour Declaration", 2020).
5 No depoimento de Daher, cabe a observação de que podemos considerar a fundação do Líbano como Estado-nação independente somente em 1943, com a independência do mandato francês. Sobre as origens do Líbano histórico, perde-se no tempo o povoamento daquelas montanhas. Na Bíblia, o cedro e aquelas terras são citados inúmeras vezes. Seriam mesmo a visão do paraíso. No século XVII, o emirado druso do Monte Líbano, sob a liderança de Fakhr al-Din II, é considerado a fundação do Líbano moderno.

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