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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.3 São Paulo July/Sept. 2020

 

OUTRAS PALAVRAS

 

Casais para casais: a coterapia como ação interpretativa1

 

Couples for couples: co-therapy as interpretive action

 

Parejas para parejas: la coterapia como acción interpretativa

 

Couples pour couples : la cothérapie comme une action interprétative

 

 

Christopher ClulowI; Amita SehgalII; Tradução Paulo Sérgio de Souza Jr

IPhD consultant couple psychotherapist and senior fellow of The Tavistock Institute of Medical Psychology, London
IIMA, PhD consultant couple psychotherapist and visiting lecturer at Tavistock Relationships, London

Correspondência

 

 


RESUMO

A psicoterapia influencia através de comunicações tanto implícitas quanto explícitas. Ter dois terapeutas apresenta aos casais uma nova relação com a qual os mundos internos dos parceiros podem interagir. Isso oferece uma experiência potencialmente transformadora para a integração de mentes e relacionamentos destruídos. Após uma revisão crítica dos argumentos originalmente oferecidos no Reino Unido para o uso de dois terapeutas em psicoterapia psicanalítica de casais, e incorporando pesquisas que destacam a significância do casal parental para o desenvolvimento da capacidade triangular na primeira infância, os autores - que trabalham como coterapeutas há muitos anos - consideram e ilustram o valor da coterapia como uma forma daquilo que Ogden descreveu como ação interpretativa. A ação interpretativa se relaciona com meios não verbais, pelos quais os terapeutas comunicam o seu entendimento da dinâmica intersubjetiva inconsciente que afeta o processo terapêutico.

Palavras-chave: coterapia, psicoterapia de casais, psicanálise de casais, ação interpretativa, Tavistock Relationships


ABSTRACT

Psychotherapy influences through implicit as well as explicit communications. Having two therapists presents couples with a novel relationship with which the internal worlds of partners can interact. This offers a potentially mutative experience for integrating fractured minds and relationships. Following a critical review of the arguments originally offered in the UK for using two therapists in couple psychoanalytic psychotherapy, and incorporating research that highlights the significance of the parental couple for developing "triangular capacity" in infants, the authors (who have worked as co-therapists for many years) consider and illustrate its value as a form of what Ogden (1994) described as "interpretive action". Interpretive action relates to non-verbal means by which therapists communicate their understanding of unconscious intersubjective dynamics affecting the therapeutic process.

Keywords: co-therapy, couple psychotherapy, couple psychoanalysis, interpretive action, Tavistock Relationships


RESUMEN

La psicoterapia influye a través de comunicaciones tanto implícitas como explícitas. Tener dos terapeutas ofrece a las parejas una nueva relación con la que sus mundos interiores pueden interactuar. Esto ofrece una experiencia potencialmente transformadora para la interacción de mentes y relaciones en crisis. Tras una revisión crítica de los argumentos originalmente ofrecidos en el Reino Unido para el uso de dos terapeutas en psicoterapia psicoanalítica de parejas, e incorporando investigaciones que destacan la significación de la pareja parental para el desarrollo de la "capacidad triangular" en la primera infancia, los autores - que trabajan como coterapeutas hace años - consideran e ilustran el valor de la coterapia como una forma de lo que Ogden (1994) describió como "acción interpretativa". La acción interpretativa se relaciona con los medios no verbales por los cuales los terapeutas comunican su entendimiento de la dinámica intersubjetiva inconsciente que afecta el proceso terapéutico.

Palabras clave: coterapia, psicoterapia de parejas, psicoanálisis de parejas, acción interpretativa, Tavistock Relationships


RÉSUMÉ

La psychothérapie influence par l'intermédiaire des communications aussi bien implicites qu'explicites. Le fait d'avoir deux thérapeutes offre aux couples une nouvelle relation avec laquelle peuvent interagir les mondes internes des partenaires. Cela procure une expérience potentiellement transformatrice pour l'intégration des cerveaux et les rapports ravagés. Après une révision critique des arguments originalement offerts dans le Royaume Uni concernant l'emploi de deux thérapeutes en psychothérapie psychanalytique de couples, en incorporant des recherches qui mettent en évidence la signification du couple parentale pour le développement de la « capacité triangulaire » dans la petite enfance, les auteurs - qui travaillent comme cothérapeutes depuis plusieurs années - envisagent et illustrent la valeur de la cothérapie en tant qu'une espèce de ce qu'Ogden (1 944) a décrit comme une « action interprétative ». L'action interprétative a des rapports avec des moyens non verbaux à l'aide desquels les thérapeutes communiquent sa compréhension de la dynamique intersubjective inconsciente qui atteint le processus thérapeutique.

Mots-clés: cothérapie, psychothérapie de couples, psychanalyse de couples, action interprétative, Tavistock Relationships


 

 

Introdução

A história da psicanálise da primeira metade do século XX revela uma relutância em tratar casais. O seu fundador, Sigmund Freud, teria enfaticamente advertido que, "se você combina a resistência do seu paciente com a resistência do marido (ou esposa) de seu paciente, você está perdido; não faça isso" (Fisher, 1999, p. 127). Quando se tentou fazer terapia de casal, os parceiros foram atendidos separadamente como indivíduos, nunca juntos como casal. Posteriormente, houve um esforço conjunto para conectar a psicanálise e os casais, caracterizando uma nova abordagem da psicoterapia de casal. No Reino Unido, esse esforço foi iniciado e desenvolvido pela Clínica Tavistock e pela Tavistock Relationships [Tavistock Relacionamentos] (Balfour, 2020; Clulow et al., 2018; Kahr, 2017), com utilização pioneira de dois terapeutas no tratamento de casais: a prática da coterapia. Este artigo descreve alguns dos argumentos a favor e contra o uso de coterapeutas na psicoterapia de casais, propondo uma nova justificativa radicada no conceito da ação interpretativa de Ogden (1994).

 

Origens da coterapia com casais

No Reino Unido, um dos legados da Segunda Guerra Mundial foi a determinação de apoiar o casamento, dadas as pressões de deslocamento e de reabilitação que a guerra havia colocado sobre as famílias. Esse impulso contribuiu para a fundação, em 1948, do Family Discussion Bureau [Departamento de Discussão Familiar] (hoje Tavistock Relationships), e, em 1949, da Tavistock Clinic Marital Unit [Unidade Matrimonial da Clínica Tavistock]. Ambas as entidades começaram como projetos-piloto, oferecendo coterapia para casais.

Exceto em casos de formação, o modelo Tavistock que predomina atualmente no trabalho psicanalítico com casais (Morgan, 2019; Nathans & Schaefer, 2017) - no qual ambos os parceiros são atendidos juntos por um terapeuta - é produto de numerosas revisões do método original desenvolvido pelos pioneiros do trabalho com casais no Family Discussion Bureau (Bannister et al., 1955). No início, a ansiedade em ser aceito dentro dos escalões da prática psicanalítica convencional pode ter influenciado o modelo adotado pelos membros da equipe com formação em trabalho social - os quais, em sua maior parte, eram mulheres, então chamadas de assistentes sociais -, que atendiam os parceiros em separado e essencialmente interpretavam a transferência do indivíduo. Parte da justificativa para atender os parceiros separadamente era aumentar suas forças egoicas e, assim, fortalecê-los para se envolverem de uma forma diferente com seus cônjuges. Ainda que dois terapeutas fossem designados para cada casal, eles trabalhavam primordialmente em sessões paralelas com os parceiros, que eram atendidos em salas separadas. Os terapeutas utilizavam sua contratransferência, experimentando como seria estar no lugar do(a) parceiro(a) ausente, acessando dessa maneira a dinâmica inconsciente do relacionamento do casal. Um fórum clínico semanal, presidido por um(a) psicanalista com formação médica, proporcionava os meios para se conectar e aprender com essas experiências individuais, bem como com as fantasias que elas geravam a respeito dos parceiros e terapeutas que estavam fora do campo de visão. Esse conjunto de "forças racionais e irracionais permitia, tanto no cliente quanto no(a) assistente social, colocá-las em jogo de modo criativo" (Pincus, 1960, p. 238).

Assim como as pessoas com formação em trabalho social (em sua maioria terapeutas mulheres do Family Discussion Bureau), os terapeutas da Marital Unit (em sua maioria homens com formação médica) ficavam receosos em atender os parceiros juntos, por medo de se afastarem "da tradição psicanalítica que decreta a sacrossanta privacidade da relação terapêutica do um a um" (Dicks, 1967, p. 203). Também havia apreensão a respeito do que poderia ser desencadeado. Dicks foi advertido pelo psicanalista Michael Balint contra as "consequências explosivas" que poderiam ocorrer, e escreve em 1967 que para ele "o receio de tratar casais juntos ainda é proeminente, de modo geral" (pp. 197 e 201). Isso, sem dúvida, influenciou a sua fundamentação da coterapia conjunta inicialmente em termos de contenção - para terapeutas, casais e encaminhadores.

Terapeutas continentes: para os terapeutas, o fato de haver duas pessoas administrando sessões potencialmente muito carregadas tinha claramente uma serventia - uma ficando liberada para observar, e a outra, para interpretar. Além do mais, o trabalho em conjunto oferecia apoio para aguentar firme a antecipada tempestade emocional que atender casais juntos suscitaria, ajudando a fortalecer as relações entre o pessoal que trabalhava na Unit. Também oferecia uma formação para terapeutas que estavam aprendendo o seu ofício.

Casais continentes: se os terapeutas se sentissem seguros, isso ajudaria os casais a se sentirem seguros. Dicks argumentou que era algo vantajoso para o casal, contendo assim a relação, dada a agressividade que poderia ser desencadeada no relacionamento. Ele escreveu alguns anos após o início das sessões conjuntas: "Muitas vezes, o começo da terapia do casal é para encontrar figuras paternas pertencentes a ambos, figuras essas capazes de aceitar a realidade de tais sentimentos, de 'aguentá-los' sem rejeição e de ficar lá para interpretar" (1967, p. 201).

Encaminhadores continentes: a Marital Unit frequentemente avaliava casais que lhe eram encaminhados por outras agências. A fim de ajudar casais que haviam sido encaminhados para diagnóstico, juntaram-se tanto tarefas investigativas como terapêuticas. Devido a essa junção, oferecia-se apoio aos encaminhadores, a quem os casais retornariam para o grosso de seu tratamento.

Para Dicks, o medo inicial de atender casais juntos foi logo reduzido, e cada vez mais ele e seus colegas foram trabalhando, individualmente, com casais. Além da diminuição do medo, havia uma série de outras razões para isso:

• Dois terapeutas para cada casal era algo que saía caro em termos de tempo e dinheiro, e envolvia a sincronização das agendas.

• Dois terapeutas poderiam piorar a situação, caso a relação entre eles inflamasse em vez de conter a angústia. Alguns pares de terapeutas não funcionam, podendo ter um impacto negativo sobre os casais na terapia.

• Os desenvolvimentos teóricos a respeito das relações de casal sugeriam que um(a) terapeuta poderia ser a opção de tratamento preferível. Estavam sendo elaborados conceitos que focalizavam os mundos internos dos cônjuges como uma entidade que poderia impulsionar a formação de alianças colusivas, impedindo o desenvolvimento. Entre esses conceitos, destacava-se o objeto interno compartilhado de Teruel (1966), enfatizando a semelhança, e não a diferença, inconsciente. Argumentou-se que a integração do self dividido no casal dividido poderia ser mais bem administrada na mente de um(a) terapeuta do que na de dois, e que dois terapeutas poderiam conservar certa propensão a separar os objetos internos bons dos objetos internos maus no interior do casal.

A despeito desses fatores, a Marital Unit continuou a providenciar coterapeutas aos casais, dessa maneira reduzindo a dependência da inferência, ao identificar projeções na relação do casal (uma vez que o casal e os terapeutas tinham experiência direta um com o outro); a questão da contratransferência dos terapeutas seguiu sendo importante como ferramenta diagnóstica e terapêutica (Gill & Temperley, 1972). Identificações com terapeutas de mesmo gênero ou de gênero diferente tiveram uma influência estabilizadora, balanceando o trabalho e criando potencial para que aspectos projetados de cada parceiro fossem encontrados em seus terapeutas, liberados nesse contexto e, depois, integrados internamente.

 

Outras influências no trabalho conjunto e nas práticas coterapêuticas

A terapia sistêmica familiar entrou em cena no final dos anos 1950, adotando a abordagem de ver todos os membros de uma família, juntos, no tratamento de crianças com distúrbios emocionais e comportamentais, já que esses distúrbios dizem respeito a todos os membros da família. Os terapeutas familiares, inclusive aqueles com formação psicanalítica - ver, por exemplo, Byng-Hall (1995) -, na busca de seus objetivos frequentemente usaram coterapeutas, às vezes posicionando-os fora da sessão, atrás de uma divisória com transparência unilateral, com os terapeutas mantendo contato entre si por telefone. Nessas circunstâncias, o coterapeuta pode ser um grupo de pessoas que geram hipóteses, à distância, a respeito de um distúrbio sistêmico. Não é difícil enxergar isso como uma forma de administrar uma postura de observador participante na terapia, mas uma terapia na qual a dinâmica de uma sessão pode ser distorcida pela curiosidade a respeito do deus ex machina escondido atrás da divisória. De fato, era como uma supervisão in vivo, mas sem levar em conta que, por mais escondidos que os coterapeutas estivessem, eles estavam muito presentes na mente dos membros da família e constituíam algo mais que uma presença observadora neutra.

O britânico Robin Skynner, na época um proeminente analista de casais, famílias e grupos, que, com sua esposa, dirigia grupos para casais (um arranjo coterapêutico elogiado por Dicks), advogou pela utilização de dois terapeutas principalmente por eles proporcionarem uma experiência de diferentes papéis dentro de uma família.

Dois terapeutas de sexo oposto oferecem alguma vantagem por meio do fornecimento de modelos de papel e de relacionamento, já que muito aprendizado ocorre através da emulação consciente e da identificação inconsciente, bem como através do apoio e da ajuda mútua que os coterapeutas dão um ao outro no entendimento do processo de grupo. (Skynner, 1976, p. 254)

A relação coterapêutica não apenas poderia proporcionar experiências alternativas do modelo de papel de gênero para combater confusões e conflitos experimentados no crescimento, mas, sobretudo, poderia proporcionar um modelo de relacionamento - os terapeutas cooperando em vez de competirem um com o outro, e renunciando à noção onipotente de controle ou posse da terapia à qual os terapeutas solo poderiam estar vulneráveis. Atualmente é possível questionar o viés heteronormativo do argumento de Skynner, e assinalar que ele fez vista grossa para a realidade de que a maioria das parcerias coterapêuticas, mesmo naquela época, era do mesmo sexo (os terapeutas individuais suscitando transferências tanto maternas quanto paternas). No entanto, o seu argumento destaca e reconhece a significância da relação de coparentalidade para as relações de casal.

Mais recentemente, um outro par de terapeutas casados (David Scharff e Jill Savege Scharff) filmou sessões de coterapia para ilustrar a sua abordagem de trabalho psicanalítico com casais e famílias, e eles continuam a oferecer coterapia para fins de formação e pesquisa. Embora não tenham teorizado a respeito dos princípios da coterapia e os seus relatos escritos descrevam principalmente o trabalho com famílias, algumas ilustrações da terapia de casal mostram que estavam cientes da significância terapêutica do relacionamento deles e de como se contrabalançavam nas sessões - ver, por exemplo, Savege Scharff e Scharff (2011) e Scharff e Savege Scharff (2011).

Esse entendimento continua influenciando a prática coterapêutica, na qual os terapeutas se engajam um com o outro conscientemente nas sessões, demonstrando a sua curiosidade por aquilo que o colega possa estar pensando, bem como a sua capacidade de conviver com as diferenças entre si. A vantagem dos terapeutas refletindo um com o outro, na presença do casal, a respeito do que estão observando é que assim eles modelam um processo de contenção e mentalização que, em algumas situações, pode causar menos tormenta do que o fato de fazer interpretações diretas (Keogh & Gregory-Roberts, 2017). No trabalho psicanalítico com famílias conturbadas, descobriu-se que a coterapia oferece uma estrutura representacional que é continente para o casal parental e para a criança sintomática (Rossetti-Lopes & Scarano-Hemsi, 1992). Quando os terapeutas trabalham em cenários multiculturais, e eles mesmos vêm de diferentes contextos, os seus "laços de amizade" podem atuar como uma influência mediadora entre a cultura de origem de cada parceiro e a cultura anfitriã, auxiliando-os a se adaptarem não apenas um ao outro, mas também ao ambiente cultural dentro do qual o relacionamento deles deve funcionar (Jaitin, 2019).

 

Um ou dois terapeutas?

Por trás da modelagem consciente de papéis e relacionamentos encontra-se uma conjunção, interna e inconsciente e de relacionamentos. Ambos os casais no consultório - o de pacientes e o de terapeutas - afetam um ao outro. É comum a todo pensamento psicanalítico sobre a coterapia o reconhecimento de que o envolvimento com a experiência intersubjetiva tem o potencial de acessar identificações e dinâmicas inconscientes, abrindo caminhos para testes de realidade e experiências potencialmente restauradoras que podem ser geradas por aquilo que, aparentemente, é insignificante. Um fragmento clínico ilustra esse ponto.

Um casal chegou à terapia após o marido ter um caso, e a esposa, em seguida, tomar a decisão de pedir que ele fosse embora. Eles estavam vivendo separados há alguns meses antes de o marido buscar terapia, esperando que isso convencesse a esposa de que ele estava arrependido e ela o deixasse voltar para casa. Em muitos aspectos o casamento deles seguia um padrão tradicional: ele saía para trabalhar, e ela criava os filhos. Ambos queriam uma reconciliação, mas ela havia perdido a confiança nele por conta do caso. Temia que ele retomasse o relacionamento com a outra mulher e queria se proteger de ser magoada de novo. O caso havia ressaltado uma dinâmica negativa no casamento, na qual ele esperava que ela cuidasse da casa e cozinhasse para ele, de modo que se sentisse valorizado. Ele priorizava o trabalho, deixando a esposa sentindo-se relegada a segundo plano em relação à carreira dele. Ele esperava um relacionamento nos termos dele, e foi buscar excitação sexual e emocional fora do casamento quando sentiu que a esposa estava monótona e indisponível, largava a casa desarrumada, deixava a geladeira vazia e, implicitamente, não se importava com ele - comportamento que pode ser visto como o protesto não explicitado de sua esposa.

Em certa ocasião, o marido disse, sem maiores explicações, que não conseguiria vir a uma consulta, deixando os terapeutas em dúvida de que era um compromisso mais importante e que tinha prioridade. Um terapeuta ecoou o medo da esposa de que o marido poderia estar evitando se envolver na terapia e sugeriu oferecer um horário alternativo para que ele pudesse vir. O outro tinha a visão oposta e observou que era importante manter o cronograma e que deveriam ser firmes. Essas posições poderiam ter se tornado polarizadas, e caso houvesse apenas um terapeuta poderia ter preponderado uma identificação ou com a esposa (acomodar para mantê-lo no relacionamento) ou com o marido (insistir que o relacionamento fosse nos termos dos terapeutas). Em vez disso, eles pensaram que poderiam estar refletindo a dinâmica do casal. Quando surgiu o assunto, ambos os parceiros assumiram que a ausência do marido significava que não haveria sessão. Os terapeutas questionaram isso, indagando se por acaso a esposa não gostaria de utilizar o tempo para ela própria - uma mensagem que validava a sua capacidade individual para trabalhar no relacionamento deles. Ela surpreendeu-se ao aceitar essa sugestão.

Com efeito, os terapeutas utilizaram o seu entendimento teórico para regular o afeto que, de outra forma, poderia ter se tornado um divisor entre eles, vinculando uma experiência de diferenças, com a percepção de que podiam estar sendo levados por uma dinâmica inconsciente no relacionamento do casal. Isso lhes permitiu, como casal de terapeutas, fazer uma intervenção que abordou e rebalanceou a tensão que o casal de pacientes estava experimentando entre autonomia e interdependência.

Uma maior capacidade de engajar dinâmicas intersubjetivas constitui a principal justificativa para a designação de dois terapeutas para um casal. Isso não apenas reduz a competição pela atenção do(a) terapeuta - o que pode ser um problema quando o terapeuta trabalha sozinho - ou fornece uma experiência potencialmente nova para o casal que trabalha para entender e ajudar com o problema deles (Clulow, 2019), mas também pode tocar um substrato afetivo inconsciente, moldando o seu comportamento como casal. Nessas circunstâncias, a estrutura terapêutica (dois terapeutas) e o processo (resolução da contratransferência entre o casal de terapeutas) podem se combinar para oferecer contenção à desregulada experiência afetiva de um casal (Clulow, 2018). Embora atualmente a Tavistock Relationships utilize a coterapia principalmente como uma experiência de formação, sem dúvida por causa de considerações acerca de recursos e de preferências pessoais, Fisher (1999) indagou, de modo provocativo, se o receio de Dicks em atender casais juntos não havia sido substituído pelo receio de trabalhar com um coterapeuta. Consideramos que ele esteja falando menos do medo que alguém possa ter de expor o seu trabalho a um colega do que do receio de que uma relação entre colegas se emaranhe em um enactment contratransferencial.

O sucesso da coterapia depende da qualidade da relação entre os terapeutas fora da sessão. Desde os primeiros dias isso foi reconhecido como fundamental; os terapeutas "devem se sentir suficientemente seguros uns com os outros para suportar, por vezes, visões bastante divergentes a respeito do caso, e para compartilhar e tolerar incertezas a respeito do resultado" (Bannister & Pincus, 1965, p. 77). Se a relação de coterapia for segura, as conturbações - em cada um individualmente e entre eles - durante as sessões serão abertas à reflexão e à expressão. Em contrapartida, se houver competição, rivalidade oculta, desoneração ou medo de se expressar e se envolver com as diferenças, os terapeutas não fornecerão um modelo cooperativo de parceria, nem se oferecerão como uma base sobre a qual forças magnéticas inconscientes no casal podem interagir e se construir. Se os terapeutas se fundirem para resistir à pressão do casal de pacientes, ou despertarem inveja ou apreensão pela forma como operam juntos, e falharem em refletir sobre o significado daquilo que está se passando entre eles, será improvável que o casal de pacientes seja beneficiado pela experiência, podendo até mesmo sofrer consequências iatrogênicas negativas.

Isso levanta importantes questões a respeito do uso da coterapia como uma experiência de formação. Embora o fato de colocar o aluno com um colega com mais conhecimentos ofereça uma experiência de aprendizagem potencialmente valiosa, qualquer desequilíbrio nesse tipo de atendimento (que provavelmente será inevitável, dado o contexto de formação e a necessidade de avaliação contínua) poderia distorcer a terapia, alimentando divisões e alianças negativas - especialmente em relação ao poder e à competência percebidos. O sucesso da dupla está ligado ao fato de o casal de terapeutas desenvolver uma relação de trabalho que lhes permita aceitar e refletir sobre a realidade de que aquilo que acontece no consultório não é apenas o produto do casal que procura ajuda, mas também da interação das quatro pessoas na sala. Isso pode ser mais facilmente administrado por meio da união de alunos entre si do que com terapeutas seniores, embora outras dinâmicas possam então entrar em jogo, como rivalidade e competição. Em ambos os casos, uma terceira perspectiva, na forma de um(a) supervisor(a), provavelmente será útil para criar o espaço psíquico para ver e se envolver com o que está acontecendo.

Outras questões foram levantadas acerca da conveniência da prática coterapêutica. Alguns terapeutas descobriram, trabalhando juntos num impasse do relacionamento de um casal, que a situação se resolvia facilmente quando um deles se retirava (Monzo, comunicação pessoal, 2019). Ao abordar esse fenômeno, Sandin (2001) sugere que a experiência triangular gerada por terapeutas que trabalham sozinhos com casais cria uma oportunidade particular de acessar dinâmicas triangulares não resolvidas em suas histórias. Além disso, a rede mais limitada de relações transferenciais-contratransferenciais permite uma intensidade de experiências que talvez seja diluída quando quatro pessoas estão na sala. Conscientizando-se da complexidade dos fatores envolvidos na avaliação a respeito de quais casais podem se beneficiar de dois terapeutas em vez de um(a), a autora sugere que casais que estão fusionados em seu relacionamento, e têm dificuldades com a separação e a diferenciação, podem ser mais auxiliados por um(a) terapeuta só - o qual visivelmente sobrevive sozinho se oferecendo como objeto transacional - do que por dois, os quais podem proporcionar uma experiência excessivamente complicada ou confusa para que esses casais façam uso dela. Por outro lado, casais altamente conflitantes, que enfrentam dificuldades associadas à inclusão e à exclusão em suas famílias internas e externas, podem precisar da contenção de um casal de terapeutas para aprender com a experiência.

Morgan (2019) concorda, argumentando que a coterapia pode ser particularmente valiosa para casais em que é difícil pensar, em que existe o risco de acting out, quando há uma sensação de impasse na terapia ou quando os casais estão muito desestruturados e numa relação altamente conflitiva. A coterapia pode então ajudar os terapeutas a manter o estado de espírito do casal, resistir a ataques ao enquadre terapêutico e aumentar a sua disponibilidade para receber e processar projeções. Seja com um(a) ou com dois terapeutas, a questão-chave será o formato que melhor proporcione uma sensação de segurança para o casal (e para os seus terapeutas), que é o pré-requisito para um sucesso terapêutico. Julgando o nível ideal de ansiedade necessário para motivar e possibilitar mudanças, acrescentaríamos que, com a contenção adequada, a coterapia pode ter outros benefícios, incluindo o de desfrutar e celebrar experiências positivas, assim como o de arriscar um pouco de humor - inclusive brincadeiras entre os terapeutas em pontos de divergência: efeito de regulação tanto para cima quanto para baixo.

 

Mensagens da pesquisa

Pesquisas sobre o desenvolvimento estão nos ensinando a respeito da importância da relação do casal parental para a segurança emocional das crianças. Não é só a modelagem dos papéis que importa, mas também os padrões das relações de coparentalidade e como isso é recebido pelos filhos. A coparentalidade, por via indireta, afeta a capacidade individual dos pais. Entretanto, isso não é suficiente para explicar a segurança emocional que a coparentalidade oferece às crianças (Harold & Leve, 2012). O casal parental é em si mesmo um objeto a ser introjetado, e a ele se somam outras relações familiares que podem ser incorporadas ao mundo interno da criança em desenvolvimento.

Aqui está, então, um argumento diferente para a coterapia: prover casais com um casal funcional, provavelmente em termos da significância edípica, que possa contrabalançar suposições geradas pela fusão parental interna de cada um dos parceiros. A presença de um casal funcional é particularmente relevante quando se está trabalhando com pressões para formar relacionamentos exclusivos, para sucumbir à intrusão ou à exclusão, para competir pelo objeto desejado e para dividir e governar aqueles percebidos como detentores do poder. A pesquisa com a primeira infância nos diz que, a partir de 3 meses, os bebês dispõem de uma nascente capacidade triangular, evidente na forma como eles respondem ao trabalho conjunto dos pais, e que o seu comportamento a esse respeito durante o primeiro ano de vida prenuncia se as alianças familiares posteriores serão cooperativas, colusivas ou caóticas (Fivaz-Depeursinge & Corboz-Warnery, 1999; McHale et al., 2008). Descobertas como essa enfatizam menos a influência potencialmente disruptiva dos desejos e fantasias edípicos de uma criança pequena do que a inserção social da capacidade triangular fundada na experiência que, na primeira infância, a criança tem com a relação de coparentalidade desde o início da vida - relação que pode ser uma fonte de segurança emocional, e não uma ameaça para ela. A transferência dessa lógica para o consultório permite, por analogia, que a coterapia proporcione uma experiência interpretativa socialmente inserida, capaz de ter um efeito mutativo, bem como uma estrutura para interpretar o comportamento através da linguagem.

 

A coterapia como ação interpretativa

Ao escrever a respeito da coterapia, Dicks comentou que, "do ponto de vista da transferência, ela tinha a vantagem de combinar um casal com outra 'díade', que podia servir - e servia de fato - como figuras parentais" (1967, p. 200). Embora Dicks estivesse ciente quanto à significância da transferência de cada parceiro com seus terapeutas, ele não tinha ciência da potencial significância da relação coterapêutica como sendo, ela própria, um ato interpretativo capaz de ter uma particular significância vivencial para o casal.

Ogden define ação interpretativa como

a comunicação que o(a) analista faz de sua compreensão quanto a um aspecto da transferência-contratransferência com o(a) analisando(a) por meio de outra atividade que não a de simbolização verbal. Às vezes, tal atividade é desconectada de palavras - por exemplo, a expressão facial do(a) analista enquanto o(a) paciente permanece na porta do consultório; às vezes, a atividade do(a) analista (como meio de interpretação) toma a forma de "ação verbal" - por exemplo, a fixação do valor, o anúncio do fim da sessão ou a insistência de que o(a) analisando(a) ponha fim a uma determinada forma de agir ou atuar (acting out); às vezes, a ação interpretativa envolve a voz, mas não palavras - por exemplo, o riso do(a) analista. (1994, p. 220)

Ele acrescenta que a ação deve ter um significado dentro do campo intersubjetivo gerado pelo(a) analista e pelo(a) analisando(a), além de criar um clima geralmente solidário ou mutativo, especificando que o seu foco "está no uso da ação como um meio interpretativo através do qual o(a) analista veicula aspectos específicos de seu entendimento do significado transferencial-contratransferencial inconsciente" (p. 220).

As duas ilustrações de caso a seguir mostram de que maneira a coterapia pode ser o produto de um entendimento como esse, seja ela conscientemente conhecida ou pré-conscientemente intuída.

 

Uma "posição impossível"

Uma terapeuta vinha atendendo um casal sozinha, um casal em que a esposa estava preocupada com a implacável hostilidade de uma filha do seu casamento anterior em relação ao seu marido atual. Embora a filha fosse adulta e não morasse com eles, o comportamento dela estava afetando o casamento. Apesar de sua paciência, o padrasto dizia ter a sensação de que nada do que ele dissesse ou fizesse parecia fazer diferença para a animosidade que ela lhe dirigia. A esposa perguntou se a terapeuta poderia atender a filha para ajudar a acalmá-la, acrescentando que a própria filha iria receber isso com bons olhos, a fim de que a mãe pudesse ver que era justificada a fúria permanente que ela tinha do padrasto.

A terapeuta ficou intrigada com o pedido da filha, e entendeu que isso representava o desejo que ela tinha de intrometer-se no casal parental e na terapia deles, ao passo que também notou a dificuldade do casal em resguardar o seu relacionamento dessa intromissão. No entanto, ela não queria descartar o pedido delas e o potencial positivo que nele pudesse estar contido. Sugeriu, então, que os três participassem de uma consulta familiar na qual convidaria um colega para se juntar a ela. Ao fazer isso, tinha o intuito de proteger o casal e a terapia deles, ao mesmo tempo que abordava um problema que eles estavam enfrentando em seu ambiente familiar imediato.

Quando a família chegou para a consulta e as apresentações foram feitas, o terapeuta disse que sabia muito pouco a respeito da situação deles e que tinha ficado se perguntando o que é que cada um queria com a reunião. A mãe disse que esperava que isso pudesse ajudar a filha a superar algo da raiva que ela tinha tanto dela quanto do marido. O padrasto disse que estava com a esposa desde que a filha dela tinha 8 anos de idade, que a amava muito e só queria que ela fosse feliz. A filha disse que não tinha nada em mente, que havia vindo para ouvir o que a mãe e o padrasto tinham a dizer a respeito do problema que tinham com ela.

O casal tentou abrir a discussão, explicando o que os chateava. A filha estava irritadiça, combativa, raivosa e provocadora, dizendo coisas como: "Se eu estou sem emprego, se não estou pagando as contas, se estou ficando com um monte de gente... o que é que vocês têm a ver com isso?". Grande parte de sua raiva era dirigida ao padrasto, que se esforçou muito para resistir ao convite de entrar na briga. Ele disse que se sentia numa "posição impossível", e que não conseguia fazer nada certo. A filha fez um breve comentário sobre o fato de o pai ser um "inútil".

O terapeuta assumiu que ela estava se referindo ao padrasto, mas pensou em perguntar apenas para ter certeza, acreditando que o pai biológico houvesse saído de casa quando ela era um bebê e que, desde então, não tivesse havido mais nenhum contato. Sim, disse a filha; ele tinha saído de casa quando ela era um bebê, mas havia mantido contato com ela até os 11 anos de idade, desaparecendo da vida dela depois disso. Ao detalhar a sua experiência, ficou claro que ela tinha um relacionamento importante com o pai biológico até a mãe voltar a se casar de novo, e isso foi indo por água abaixo à medida que ele foi se afastando. Como ela se sentiu a respeito disso? Com raiva e chateada, ela respondeu; mas não era o tipo de coisa de que ela pudesse falar com a mãe e o padrasto, porque isso teria desestabilizado as coisas em casa. A mãe disse o quanto ela se sentiu desamparada durante a adolescência da filha, e que se achava um fracasso aos olhos dela. O terapeuta fez alguns comentários a respeito de ambos se sentirem numa posição muito difícil, e que certamente era impossível para um padrasto compensar a perda de um pai biológico. A filha ficou chateada e chorosa, assim como a mãe.

A família voltou para um retorno. Nesse meio-tempo, os pais continuaram a se encontrar com a terapeuta para as suas sessões de casal. Nessa segunda consulta, a filha foi muito mais suave e gentil com a mãe e o padrasto. Ela disse que, após o primeiro encontro, procurou o pai biológico e teve uma discussão com ele por tê-la abandonado.

Refletindo sobre essa experiência, é possível enxergar a formação de uma parceria coterapêutica como ação interpretativa de duas maneiras: trazer um terapeuta homem para o trabalho tinha conscientemente o intuito de proteger e fortalecer o casal contra uma ameaça de intromissão externa; essa parceria estabeleceu na terapia um limite claro em torno do casal, algo que poderia ser particularmente útil para uma mãe apreensiva, talvez culpada, que se viu dividida entre ser leal com a filha ou com o marido. Ademais, havia alguma sabedoria inconsciente em convidar um homem para o campo terapêutico, porque o "homem desaparecido", o pai biológico, era a pessoa com quem a filha precisava se reconectar a fim de direcionar a sua raiva e a sua angústia para o devido lugar. Foi o que ela fez, aliviando tanto a si quanto aos pais de um fardo emocional que estava corroendo não apenas o casal, mas também as relações familiares mais amplas.

Schaefer (2020), comentando esse caso a partir da perspectiva de quem trabalhou com rupturas em famílias mistas após divórcios altamente conflituosos, indagou a respeito do turbulento impacto negativo que os filhos podem ter sobre o casal parental que veio a se formar posteriormente (e, portanto, sobre a terapia com esse casal), bem como a respeito do papel que isso pode ter desempenhado na formação do casal coterapêutico. Ele viu o papel do terapeuta homem como estando em algum lugar entre um coterapeuta e um consultor interno, o que permitiu maior movimento e segurança na terapia do que o assegurado por uma terapeuta só. Nesse contexto, ele se perguntava se acaso seria esse um exemplo não apenas de ação interpretativa, mas também daquilo que Symington (1983) descreveu como o ato de liberdade do(a) analista para efetuar mudanças terapêuticas.

 

Um triângulo de teste

Outro casal buscou ajuda para quebrar um ciclo desastroso de comportamento desenvolvido entre eles como resposta a momentos de angústia que vieram à tona. Por exemplo, quando o marido se sentia magoado por algo que a esposa havia dito ou feito, ele se fechava em vez de expressar a sua tristeza, o que a deixava sentindo-se confusa, abandonada e punida. Nessas condições, ela o criticava, agravando ainda mais o seu afastamento - o que, por sua vez, piorava a irritação e as críticas por parte dela. No período imediatamente anterior à terapia, cada um deles havia sofrido perdas significativas em sua vida, aumentando a necessidade da esposa de se conectar com o marido, bem como a necessidade dele de se afastar dela. No momento em que buscaram ajuda, ambos se sentiam carentes, magoados, solitários e mal compreendidos no casamento.

Eles foram atendidos por um terapeuta com o qual a esposa estabeleceu uma forte aliança. Após algum tempo trabalhando juntos, o marido achou que a terapia deveria terminar porque eles não estavam chegando a lugar nenhum. A esposa discordou. Ela tinha a sensação de que o terapeuta havia entendido a experiência dela no interior do casamento e contido as suas ansiedades, possibilitando que ela fosse menos insistente e crítica em suas aproximações do marido. Ela também achava que a terapia estava beneficiando a relação deles dois, já que o casal vinha discutindo menos em casa.

O terapeuta estava perfeitamente ciente da tensão edípica gerada pela necessidade que a esposa tinha de estar "dentro" de um relacionamento exclusivo para se sentir emocionalmente contida, bem como pela necessidade que o marido tinha de estar "fora" de um relacionamento que ameaçasse o seu equilíbrio emocional. Deixar a terapia estava de acordo com a sua necessidade de reduzir o nível de conturbação afetiva que a terapia lhe estava causando, mas isso se sobrepunha à necessidade que ela tinha de se sentir emocionalmente conectada. O oposto era verdadeiro em relação à perspectiva de continuar a terapia. Isso criou um conflito real para o terapeuta, uma vez que era muito difícil se envolver com a experiência de um parceiro sem parecer estar descartando a do outro. Quando o marido disse que não queria mais participar da terapia, o terapeuta aventou a possibilidade de convidar uma colega para se juntar a eles, como forma de nivelar o balanço das sessões. O casal concordou, e o enquadre terapêutico foi alterado para incluir uma coterapeuta.

Algumas das primeiras sessões que se seguiram a essa reconfiguração focalizaram as implicações de mudar a dinâmica da terapia, com dois terapeutas em vez de um. A mudança impactou a esposa mais negativamente do que o marido, que parecia encorajado pela terapeuta reencenando a dinâmica entre eles, de modo a destacar como cada um desempenhava um papel na manutenção dos danos no casamento. A coterapeuta estava ciente de ter uma forte reação contratransferencial em relação à esposa, uma raiva que ela administrou primeiro silenciando (em resposta a sentir-se excluída pelo trio original), e depois abordando o dilema de expressar a agressividade do casal. O terapeuta experimentou uma mistura de alívio (com o fato de que a coterapia parecia estar segurando o marido na terapia) e consternação (com o fato de que o custo de manter isso poderia ser o conluio que o levava a fazer vista grossa a significativos atos de mau comportamento do marido). As identificações dos terapeutas com os gêneros opostos eram visíveis e ameaçavam replicar, em seu relacionamento, o nível de experiência emocional incontida com o qual o casal estava se defrontando em seu casamento.

A exploração das raízes da agressividade da esposa foi difícil inicialmente, ao passo que, para o marido, o foco de atenção na esposa proporcionou o alívio de sentir que ele não era o vilão da história. Enquanto ele lutava para se envolver com as raízes de sua própria agressividade, o senso de justiça atrelado a não se sentir "no banco dos réus" abriu algumas portas para que ele entendesse a própria experiência, bem como a experiência dela. Enquanto a terapia ia progredindo, o casal falava abertamente sobre a importância de ter dois terapeutas para se sentirem ouvidos e compreendidos, o que permitia certo espaço de reflexão entre eles e os protegia da interferência destrutiva de suas relações triangulares internalizadas. Isso mudou as identificações, nas sessões, entre os gêneros diferentes, permitindo que a terapeuta se conectasse com a esposa e fosse por ela valorizada; assim como o terapeuta, pelo marido. Os terapeutas entenderam isso como indicação de um movimento na direção de resolver os sentimentos ambivalentes que cada um deles tinha em relação aos pais - sentimentos que conseguiram administrar por meio da divisão de seus respectivos casais parentais internalizados.

De acordo com Ogden, "a significância da ação interpretativa reside em sua capacidade de veicular ao(à) analisando(a) aspectos do entendimento do(a) analista quanto aos significados transferenciais-contratransferenciais inconscientes, quando eles não podem ser comunicados ao(à) paciente apenas na forma de interpretação verbalmente simbolizada" (1994, p. 220).

Com os casais descritos, acreditamos que a decisão de envolver um(a) coterapeuta foi um ato interpretativo - um ato interpretativo que transcendeu a linguagem em seu impacto mutativo. Além disso, a própria relação coterapêutica pode ser descrita como algo que proporcionou uma experiência interpretativa ao fazer frente a pressupostos disfuncionais a respeito dos casais parentais que estavam comprometendo a competência triangular dos parceiros.

Ao destacar o potencial da parceria coterapêutica, que pode transcender as limitações da linguagem, não estamos procurando promovê-la como uma abordagem preferencial da terapia de casais, ou sugerindo que ela melhore o seu resultado. A maioria das terapias será - por necessidade, quando não por preferência - conduzida por terapeutas que trabalham sós. Isso terá suas vantagens, que não serão obtidas pelos(as) terapeutas que trabalham em conjunto. O nosso objetivo é simplesmente apresentar a prática coterapêutica como um modo opcional de ação interpretativa.

 

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Correspondência:
Christopher Clulow
christopher.clulow@outlook.com

Amita Sehgal
amita.sehgal@icloud.com

Recebido em 3/8/2020
Aceito em 6/10/2020

 

 

Revisão técnica Almira Rossetti Lopes e Oswaldo Ubríaco Lopes
1 Trabalho original publicado em setembro de 2020, com o título "Couples for couples: co-therapy as interpretive action". Couple and Family Psychoanalysis, 10(2),143-156. https://doi.org/fjsg. Ele aparece nesta versão traduzida com o consentimento da Phoenix Publishing House.

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