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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.55 no.1 São Paulo jan./mar. 2021
REFLEXÕES TEÓRICO-CLÍNICAS
Contribuições de Ferenczi, Balint e Winnicott à questão do prazer
Contributions from Ferenczi, Balint and Winnicott on the pleasure issue
Contribuciones de Ferenczi, Balint y Winnicott a la cuestión del placer
La contribution de Ferenczi, de Balint et de Winnicott à la question du plaisir
Stephanie Brum
Psicóloga formada com honras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em teoria psicanalítica pela UFRJ. Doutoranda em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Nebulosa Marginal. Atende em consultório particular no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro / stephanie-brum@hotmail.com
RESUMO
Neste artigo a autora se propõe a examinar o desenvolvimento do conceito de prazer a partir do trabalho de Ferenczi, Balint e Winnicott. Com base em pontos-chave tratados por cada um dos autores, busca estudar uma modalidade de prazer que, diferente do proposto pela psicanálise clássica, não se encontra necessariamente referida a uma economia psíquica ou à ideia de descarga.
Palavras-chave: prazer, descarga, Ferenczi, Balint, Winnicott
ABSTRACT
In this article the author proposes a study on the development of the concept of pleasure from the work of Ferenczi, Balint and Winnicott. Based on key points worked by each of the authors, she seeks to study a pleasure category that, different from that proposed by classical psychoanalysis, is not necessarily related to a psychic economy or the idea of discharge.
Keywords: pleasure, discharge, Ferenczi, Balint, Winnicott
RESUMEN
En este artículo la autora propone examinar el desarrollo del concepto de placer a partir del trabajo de Ferenczi, Balint y Winnicott. Desde puntos clave trabajados por cada uno de los autores, busca estudiar una modalidad de placer que, a diferencia de la propuesta por el psicoanálisis clásico, no esté necesariamente relacionada con una economía psíquica o la idea de descarga.
Palabras clave: placer, descarga, Ferenczi, Balint, Winnicott
RÉSUMÉ
Dans cet article, l'auteur propose d'examiner le développement du concept de plaisir à partir des travaux de Ferenczi, Balint et Winnicott. Du point de vue des éléments clés travaillés par chacun des auteurs, nous cherchons à étudier une modalité de plaisir qui - différemment de celle proposée par la psychanalyse classique - n'est pas nécessairement liée à une économie psychique ou à l'idée de décharge.
Mots-clés: plaisir, décharge, Ferenczi, Balint, Winnicott
Introdução
Ao nos dedicarmos ao estudo do prazer, somos confrontados com uma problemática que, seguindo as linhas propostas pela psicanálise clássica, se instaura a partir de uma economia psíquica. Nesse panorama nos deparamos com um prazer sexual que, de acordo com o apontado por Freud em 1905, se inscreve sobre um corpo polimorficamente perverso. Essa ideia nos coloca diante de um corpo capaz de experienciar prazer através das diversas zonas erógenas cuja aposta do desenvolvimento ainda culmina em certa primazia da genitalidade. Nesse contexto, embora tenhamos que o prazer seria acessado pelas diversas zonas a partir dos movimentos de descarga, não podemos deixar de lado o encontro e a relação que concomitantemente se estabelece entre o bebê e seu cuidador já no texto freudiano. Partindo desse gancho localizado na obra freudiana, nos direcionamos a duas relativizações importantes propostas por Ferenczi sobre a vinculação entre prazer e uma economia psíquica pautada no movimento de descarga.
A primeira delas aparece em Thalassa: ensaio sobre a teoria da genitalidade (Ferenczi, 1924/2011c), com o conceito de anfimixia e a ideia de que a vida psíquica seria marcada por uma série de catástrofes (que podem ser estruturantes ou desestruturantes). Posteriormente, em "Confusão de línguas entre os adultos e a criança" (Ferenczi, 1933/2011a), o autor apresenta sua teoria do trauma, com a cisão como principal defesa nesse contexto. A teoria do trauma ferencziana se constituiu como ponto controverso em seus escritos por muitos anos, sendo deveras questionada por alguns e considerada uma reatualização da antiga teoria da sedução freudiana (Breuer & Freud, 1895/2016) por outros. Contudo, o texto apresentado por Ferenczi no xii Congresso Internacional de Psicanálise, em Wiesbaden, em setembro de 1932, além de trazer questões próprias à dinâmica do trauma, marca uma distinção entre o que seria uma ternura infantil e um apaixonamento adulto. É justamente essa distinção, até então inédita, entre sexualidade infantil e sexualidade adulta que Balint recupera anos mais tarde. Apropriando-se da proposição de Ferenczi e desenvolvendo-a, Balint formula algumas considerações sobre duas modalidades de prazer, que se inscrevem por meio da distinção entre sexualidade e relação de objeto. Embora esse autor da escola inglesa não tenha dedicado muitos de seus estudos à temática do prazer, suas considerações nos permitem ampliar esse campo, abrindo caminho para pensarmos em modalidades de prazer que não se encontrariam tão fortemente vinculadas a uma economia psíquica pautada pelo movimento de descarga. Nesse sentido, por meio de seus estudos em que enfatiza a relação, e não apenas uma teia conflitual inconsciente, nos deparamos com uma perspectiva distinta no que tange à questão do prazer.
Proponho pensarmos o percurso traçado entre as obras de Balint e Ferenczi como desenvolvido e estruturado por Winnicott, que se dedica à investigação do desenvolvimento emocional como fruto de uma gama de processos que se tornam possíveis graças a uma unidade dual inicialmente constituída entre mãe e bebê (Winnicott, 1945/2000b). Logo, podemos afirmar que, embora Winnicott não negue a metapsicologia freudiana, ele também não se apropria dela (Fulgencio, 2013), propondo toda uma gama de processos próprios ao desabrochar psíquico que se dariam a partir do contato com o outro, inicialmente inserido na mutualidade. Desse modo, ainda que Winnicott não se dedique especificamente ao estudo do prazer, encontramos em sua obra um panorama relacional e um processo de constituição do indivíduo que, seguindo as ideias propostas por Balint, se enunciam como um caminho fértil para esse estudo. Acreditamos que a abordagem conjunta dos três autores mencionados nos permitirá sair gradativamente de um panorama econômico e adentrar o campo das relações objetais, no qual poderemos de fato estudar a questão do prazer de maneira a não restringi-lo a um viés econômico.
Das catástrofes thalássicas à confusão de línguas
Ferenczi é um autor que surge como divisor de águas em mares conceituais. Apesar de seu pensamento revolucionário e próprio, o principal autor da escola húngara de psicanálise se mantém atrelado aos pressupostos freudianos, tecendo considerações que decerto contribuíram para o que posteriormente será denominado de escola das relações objetais.
No que diz respeito à questão do prazer, Thalassa: ensaio sobre a teoria da genitalidade (Ferenczi, 1924/2011c) apresenta duas significativas considerações que distanciam nosso entendimento sobre a temática do prazer do proposto até então. A primeira delas é o conceito ferencziano de anfimixia. Esse conceito expressa sua inovação ao apontar a sexualidade genital como fruto do somatório das formas de prazer experienciadas ao longo da vida do sujeito. Isso mostra a importância de todo o percurso vivenciado e das formas de prazer já experienciadas na própria genitalidade. Por um lado, tal ponto mantém em pauta certa primazia da genitalidade e, por outro, dilui seu lugar de destaque ao levar em conta a relevância de trabalharmos essa temática a partir da presença de formas outras de acesso ao prazer na própria vivência de um prazer genital. Desse modo, a anfimixia instaura uma faceta revolucionária ao tratar a sexualidade infantil não como uma etapa que deve ser superada a fim de alcançar a genitalidade, mas como vias pelas quais o prazer pode ser acessado, e que constituem (e continuam presentes em) uma posterior sexualidade genital. No entanto, como de costume, Ferenczi permanece atrelado ao pensamento freudiano, mantendo a sexualidade referida a uma ideia de primazia da genitalidade, uma vez que esse seria o objetivo a ser alcançado ao longo do desenvolvimento psicossexual.
Outro ponto apresentado por Ferenczi em 1924, e que não podemos deixar de lado em nossas considerações, é a ideia de que o desenvolvimento se daria a partir de um conjunto de catástrofes, sendo estas estruturantes e desestruturantes. As catástrofes promoveriam uma modificação no psiquismo, implicando assim sua estruturação ou movimentos de ruptura de edificações já estabelecidas. Contudo, esse movimento se enuncia como algo de grande valia no processo de constituição e consolidação psíquica, pois até mesmo um trauma desestruturante pode se apresentar como medida de conservação da vida. Pensando nisso, Ferenczi (1926/2011b) propõe seu conceito de afirmação do desprazer, a partir do qual mesmo medidas drásticas tomadas em prol da sobrevivência do indivíduo podem se enunciar como prazerosas, uma vez que se expressariam como a menos desprazerosa das alternativas, garantindo a sobrevivência psíquica do sujeito. Vejo tais apontamentos como indícios de uma vinculação entre prazer e a manutenção da vida, ainda que para isso a economia psíquica deva ser relativizada ou mesmo reconsiderada.
Seguindo essas ideias sobre as catástrofes thalássicas, em "Confusão de línguas entre os adultos e a criança" (Ferenczi, 1933/2011a) é apresentada a distinção entre uma linguagem infantil e uma linguagem adulta. Enquanto os adultos se encontrariam inseridos na linguagem da paixão, remetida a uma sexualidade genital, as crianças se encontrariam referenciadas à linguagem da ternura, dotada de um caráter lúdico que não diz respeito à genitalidade. Ao contrário do que poderiamos pensar, tal apresentação não desconsidera as proposições freudianas sobre uma sexualidade infantil. De maneira oposta, reafirma e garante um lugar de destaque para esta, cujas experiências são vividas na infância, porém desprovidas do sentido atravessado por uma sexualidade genital, própria do adulto.
Embora a ternura comporte em si indícios de um amor genital, estes se remetem apenas à fantasia, sendo vivenciados de maneira lúdica. Tais considerações nos levam a entender a própria dinâmica edípica como uma brincadeira através dos olhos do infante, na qual a criança fantasia a troca de lugar com um dos progenitores e a união com o outro, sem com isso ter em vista uma relação genital. Levando isso em conta, podemos perceber já no texto ferencziano um enfoque da própria relação, assim como o papel fundamental do ambiente na constituição psíquica. Da mesma forma, também atentamos para as consequências que falhas nesse sentido podem desencadear. "Na realidade, elas [as crianças] não quereriam, nem poderiam, dispensar a ternura, sobretudo a ternura materna" (Ferenczi, 1933/2011a, p. 118).
Desse modo, o modelo de constituição psíquica ferencziano nos coloca diante de um indivíduo que, desde seus primórdios, apresenta uma abertura para relacionar-se com o mundo a sua volta. É devido a essa potencialidade de contato que se torna possível a ele constituir-se e criar o mundo. Isso se dá em meio a uma relação precoce e indistinta, que possibilita o movimento inicial de introjeção do mundo, que por outro lado implica o entendimento de que, no início do desenvolvimento, o universo conhecido é o universo do outro, o qual empresta ao infante suas fantasias para que elas possam ser apropriadas até que o sujeito seja capaz de adquirir um lugar de autoria na criação da própria teia fantasmática. Isso nos permite afirmar que o sujeito ferencziano está, desde o início, voltado para o outro, tendo lugar de destaque o processo de introjeção, que, junto com a projeção e o esforço de agregação, dará origem posteriormente a um eu (Ferenczi, 1909/2011d).
Assim, o desenvolvimento é marcado por um jogo inicial de projeções e introjeções no qual o outro adquire um papel de mediador no processo de criação e reconhecimento da realidade, na medida em que se coloca como objeto passível de introjeção (Ferenczi, 1909/2011d). O processo de introjeção torna-se possível após um movimento inicial de projeção primitivo, em que o indivíduo projeta no mundo o que lhe surge enquanto forma de desprazer. Diante da inevitabilidade de manter alguma cota de desprazer, acontecerá um movimento ativo de assunção desse desprazer, que é inevitável como parte do psiquismo do indivíduo. A partir desse primeiro momento, o processo de introjeção se instaura, e o indivíduo passa a angariar para seu mundo interno os sentidos do mundo e dos objetos que o compõem, complexificando e enriquecendo seu aparelho psíquico. Por outro lado, também se enfatiza a importância do encontro inicial entre a criança e o outro que dela cuida, o qual teria um papel fundamental na constituição do mundo e na capacidade de criação do próprio sujeito sobre a realidade compartilhada. Tendo em vista essa função primordial do outro, somos levados a conceber uma relação de dependência no que tange ao próprio desenvolvimento do indivíduo. Afinal, é a figura do adulto, de quem a criança depende física e psiquicamente, que se põe à disposição enquanto objeto a ser introjetado que permite a seu mundo interno adquirir a matéria-prima necessária para a produção dos sentidos que lhe são próprios.
Além disso, a concepção ferencziana de tentativa de retorno a um estado de plenitude intrauterino, no qual o sujeito se depara com a condição de nada desejar encerrada pelo trauma do nascimento - que se constitui como trauma estruturante -, nos faz questionar o papel desse outro também diante das experiências traumáticas. Desse modo, levando em conta a grande importância que o adulto adquire no desenvolvimento, questiono se não lhe caberia o papel de uma figura de confiança capaz de garantir um terreno no qual o traumatismo possa ocorrer de maneira estruturante e segura para o indivíduo.
Pensando nisso, somos direcionados à linguagem da paixão, na qual se encontraria o adulto na teoria do trauma ferencziana. A linguagem da paixão é apresentada como uma forma de loucura por parte do adulto, que toma a criança como um igual. "Se paixão quer dizer loucura, a partir do momento em que ela é própria do adulto, está ligada à genitalidade. Uma maneira peculiar de erotizar o próprio corpo e o corpo da criança que essa última não conhece" (Pinheiro, 2016 p. 124). Aqui vemos mais uma inovação teórica de Ferenczi, que nos mostra uma faceta do complexo de Édipo na qual o adulto também está implicado e influenciado, não se tratando apenas de algo referente à criança (Ferenczi, 1933/2011a). Ou seja, é justamente a confusão de línguas por parte de um adulto enlouquecido em sua relação com o infante o que provoca a experiência traumática. Nesse ponto, vale destacar que o que confere o caráter desestruturante à experiência não é o abuso sexual em si -seguindo o modelo usado por Ferenczi para a apresentação de sua teoria do trauma -, mas a negação do ocorrido por um segundo adulto de confiança do infante. Isso se deve ao fato de a experiência da criança sobre o ocorrido ser negada por essa figura de confiança, ao que damos o nome de desmentido. É o desmentido que impede que a experiência seja introjetada e adquira sentido próprio para o infante, causando assim um curto-circuito em sua cadeia representacional e uma perda de certeza sobre si mesmo e sobre as próprias experiências vividas.
Esse novo panorama apresentado por Ferenczi no que diz respeito não apenas à constituição subjetiva como também ao próprio desenvolvimento sexual nos permite lançar um olhar distinto sobre a questão do prazer, trazendo contribuições enriquecedoras à construção da nossa linha argumentativa. Vejamos agora as considerações de Balint, tomando suas ponderações apresentadas em 1936 como ponto central de nossa argumentação - afinal, é nesse texto que, a partir da distinção feita por Ferenczi entre linguagem da ternura e linguagem da paixão, Balint traça uma perspectiva diferente do proposto até então acerca da problemática do prazer.
Da ternura infantil ao prazer não delimitado pela paixão
Como membro do chamado Middle Group, Balint traça suas considerações sobre um panorama no qual não se expressam apenas conflitos edípicos ou questões referentes ao pulsional. Para esse autor, a própria constituição do vínculo e o desenvolvimento posterior de uma relação de objeto se enunciam como ponto basal. Nesse sentido, reconhecemos que Balint parte da concepção apresentada por Ferenczi de uma forma de satisfação que não se inscreve nas linhas de uma erogeneidade adulta para o desenvolvimento de um pensamento que se direciona às questões e desafios referentes ao próprio vínculo. O autor dedicou grande parte de seus estudos às relações primárias, inscritas ainda em um terreno de indiferenciação com o mundo. Ou seja, é nas vias desse contato inicial que o sujeito se constitui enquanto tal, assim como tem acesso ao que Balint (1968/1993) denominou de a falha básica. Esta se configura como uma falha no período inicial do desenvolvimento, chamado pelo autor de amor primário. A falha básica se configura como uma não adaptação do meio e do objeto primário em um período pré-verbal do desenvolvimento, no qual a relação se encontra inscrita em um regime dual instaurado entre o infante e seu cuidador. Essa inadaptação desencadeia uma sensação de inapetência para com a vida, uma dificuldade no estabelecimento e manutenção de vínculos, no acesso ao prazer e na capacidade de amar. O trabalho analítico no campo da falha básica busca promover um movimento regressivo, no qual o analista se torna capaz de adaptar-se às necessidades do paciente, promovendo assim reparações fundamentais nas relações primárias e a possibilidade de um novo começo.
Em "Clinical notes on the theory of the pregenital organisations of the libido" (Balint, 1935/1986a) são apresentadas algumas considerações sobre a delimitação das distinções entre o desenvolvimento da relação de objeto e o desenvolvimento dos objetivos sexuais, que teriam sido confundidos como uma coisa unitária por Freud e pela psicanálise clássica. Balint parte do reconhecimento das relações de objeto nos pacientes neuróticos, afirmando que
essas pessoas se esforçam para alcançar relações normais com seus objetos de amor, mas em vez disso são compelidas a desenvolver outra coisa. Nos sintomas, essa "outra coisa" vem à luz, ou os sintomas são determinados pela defesa contra essa "outra coisa", (p. 52)
Nesse texto Balint ainda afirma que, enquanto para a psicanálise clássica tais sintomas foram considerados uma regressão ou uma fixação no desenvolvimento, ele se deterá apenas em seu desenvolvimento no que tange às problemáticas das relações de objeto.
Seguindo por essa linha, uma premissa fundamental de seu pensamento é o desejo de ser amado, o que nos coloca ante um sujeito cuja natureza do desejo é passiva e expressa uma posição também passiva. Contudo, esse desejo de ser amado não diz respeito propriamente a algo erótico, mas terno. Em concordância com esse ponto, Costa destaca: "Balint afirma que a sexualidade é a fonte pulsional do amor, mas trata-se de uma sexualidade não sensual" (1998, p. 109). A ênfase das proposições balintianas se encontra justamente nessas relações ternas, as quais, assim como para Ferenczi, são iniciais e próprias a uma sexualidade infantil, adquirindo desse modo um caráter lúdico e espontâneo (Balint, 1936/1986b).
Essas considerações culminam em um refinamento na distinção apresentada entre prazer, paixão e desejo. Para Balint, tanto o desejo quanto o prazer se expressam sob uma faceta terna ou apaixonada. Dessa forma, o desejo de ternura pode ser apaixonado, o que não acarreta o alcance da satisfação por meio de um prazer apaixonado. Tal ponto confere à ideia de descarga excitatória um lugar restrito a uma vertente erógena do prazer apaixonado, enquanto o desejo de ternura apaixonado se encontra referido ao desejo de ser amado - algo primário e fundamental.
Balint refinava sua psicologia do amor, fazendo uma distinção entre paixão, desejo e prazer. A paixão era a qualidade de intensidade que podia estar ou não presente nos outros dois fenômenos. A relação amorosa primária sadia permitia a experiência do desejo apaixonado, mas não a do prazer apaixonado. Não existe oposição entre paixão e ternura como propunha Ferenczi, mas sim entre prazer apaixonado e prazer terno. (Costa, 1998, p. 111)
É importante notarmos que, nesse panorama, a ternura não seria uma pulsão erótica inibida em sua meta, mas uma forma própria de relação inicial que tem em vista uma satisfação não apaixonada, ou seja, não sexual. Tal perspectiva nos lança em um terreno no qual a satisfação se vê apartada de uma vinculação unitária com a ideia de sexualidade, sendo aproximada da ideia de um vínculo ou uma relação satisfatória que não se daria a partir da inibição. Essa argumentação torna possível considerar que as relações objetais podem culminar na satisfação independentemente da presença de uma sexualidade apaixonada. Ou seja, as contribuições de Balint retiram a satisfação do domínio do sexual, propondo que ela também possa ser alcançada em decorrência de uma modalidade terna de relação, remetida a um caráter lúdico e a um modelo pautado na questão do afeto.
A distinção entre um desenvolvimento relacional e um desenvolvimento de objetivos sexuais, assim como a proposição de uma vertente terna e uma apaixonada, culmina em um posicionamento sobre a questão do prazer. As formulações de Balint sobre o prazer estão no texto "Eros and Aphrodite" (1936/1986b), no qual o autor critica o posicionamento de Ferenczi no que tange ao prazer. De acordo com Balint, apesar de Ferenczi apresentar considerações inovadoras através do conceito de anfimixia, ele o inscreve como a soma total de mecanismos iniciais de prazer, o que o mantém atrelado a uma certa primazia do genital. Nesse ponto se enuncia o grande desenvolvimento teórico de Balint sobre o tema ora tratado, desenvolvimento que, embora tome como ponto de partida as considerações de Ferenczi, se enuncia enquanto algo distinto delas. O contraponto entre os dois autores consiste na taxativa distinção feita por Balint entre um prazer primário e um prazer final: "Sugiro que o prazer primário e o prazer final são dois modos separados de experimentar prazer, semelhantes, mas fundamentalmente diferentes" (p. 74).
Para Balint, o prazer primário seguiria as linhas da ternura, levando-nos a nomeá-lo de prazer terno. Essa forma de acesso ao prazer estaria presente desde sempre, sendo classificada como algo permanente, na medida em que é possível desde o nascimento até a morte. Já o prazer final, o qual nomearemos de prazer apaixonado, não seria possível desde sempre; ele se tornaria acessível para o sujeito em decorrência da puberdade.
Essa distinção nos coloca diante de uma modalidade de prazer que, diferente de um prazer apaixonado, não é dotado de sexualidade, encontra-se referido às funções do eu e ao brincar, não apresentando temporalidade definida nem implicando necessariamente a ideia de descarga, assim como não se remeteria a um órgão específico. Balint acrescenta que essa forma de prazer está ligada à possibilidade de gratificação, o que a vincula à ideia de satisfação. Em contrapartida, enquanto dedica ao prazer apaixonado a capacidade de tornar o adulto imune à emergência da ansiedade, afirma desconhecer a função do prazer terno.
O vislumbre das proposições balintianas nos põe em face de uma vertente sexualizada de prazer e de uma vertente relacionai, afetiva e constitutiva. Tal perspectiva nos prepara para abordar essa problemática a partir das contribuições de Winnicott, mesmo o autor não tendo se dedicado especificamente ao estudo das relações de prazer. O presente percurso nos permitiu traçar as linhas de uma modalidade de prazer que se afasta da ideia de sexualidade, e até mesmo de uma economia psíquica, estando mais próxima de uma faceta lúdica, assim como referida às funções do eu. Isso nos leva a recorrer especificamente às concepções de Winnicott sobre a constituição de um terreno subjetivo, a criação de um espaço potencial e o brincar.
Um prazer não proveniente do movimento de descarga
Seguindo a discussão proposta, o percurso teórico traçado até aqui entre a obra de Ferenczi e a de Balint nos direciona ao pensamento winnicottiano. A meu ver, esse autor não apenas faz apontamentos sobre o proposto por seus predecessores, mas constrói toda uma teoria que lhe é própria. Podemos reconhecer como marca de seu pensamento a mistura dual mãe-bebê, que se tece sobre as linhas de uma mutualidade inicial. A dependência absoluta, na qual o bebê humano se inscreve, possibilita que o infante vivencie e constitua a própria dimensão emergente de si através de uma gama de processos inerentes ao desenvolvimento emocional primitivo (Winnicott, 1945/2000b). Além disso, suas teorizações não se encontram referidas a um panorama metapsicológico. O ponto de partida winnicottiano parece ser antes a saúde psíquica e os processos que permitem ao indivíduo ter uma experiência de vida do que o adoecimento psíquico decorrente de conflitos inerentes a uma dinâmica inconsciente. É importante notar, seguindo as afirmações de Fulgencio (2013), que a metapsicologia não teria sido descartada ou renegada por Winnicott, mas refundada. Desse modo, conceitos como ego, superego e id foram repensados levando em conta a imaturidade inicial do bebê humano. Com base nessa modificação proposta pelo panorama conceitual de Winnicott, percebemos uma importante mudança de paradigma, que confere papel central a formulações como self, continuidade de ser, sustentação e adaptação - real - do ambiente nos momentos iniciais.
Neste ponto, reconhecemos na obra de Winnicott um refinamento e elaboração de ideias já tracejadas por Balint, o que se justifica na medida em que suas considerações têm em vista o desabrochar de um indivíduo que é, tomando para isso uma dimensão que se inscreve em grande medida nas linhas do afeto, não se restringindo apenas a uma dinâmica pulsional. Penso que o desejo de ternura, apresentado por Balint e que se inscreve como objetivo central do ser humano - ser amado pelo outro -, ganha em Winnicott uma dimensão referente ao próprio existir. Afinal, o enfoque sobre a questão afetiva, expressa pelo cuidado e pela sustentação maternos, garante ao bebê o suporte necessário para que ele venha a se constituir como indivíduo. Nesse sentido, proponho considerar a existência no texto winnicottiano de um prazer que não provenha unicamente do movimento de descarga, encontrando-se consequentemente desatrelado da genitalidade.
Como vimos antes, a partir das formulações ferenczianas, Balint propõe uma modalidade de prazer que não decorre do movimento de descarga, e tampouco está vinculada à sexualidade. Essa forma de alcançar o prazer traz consigo um caráter lúdico inerente à ternura, assim como se encontra presente durante toda a vida do sujeito. Levando isso em conta, nos voltamos ao modelo do brincar trabalhado por Winnicott (1971/1975). Segundo o autor, o brincar seria uma atividade prazerosa em si, expressa de maneira independente do sexual, que chega ao fim caso a excitação se eleve demasiadamente. A faceta lúdica apresentada enquanto prazerosa por Winnicott se enuncia como uma aquisição própria ao espaço potencial, tendo por fonte processos extremamente precoces do desenvolvimento emocional.
Sabemos que, na passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, o infante já adquiriu certa separação com relação ao mundo a sua volta. Tal distinção permite à criança fazer uso dos objetos e fenômenos transicionais (Winnicott, 1951/2000c), que se constituem como a primeira posse não eu do infante - representando sua relação com a figura materna. A importância da capacidade de usufruir dessa terceira área da experiência, que se estabelece a partir do espaço potencial, se inscreve na possibilidade de que a criança vivencie algo de interno em seu contato com a realidade, utilizando-se dos objetos externos para representar seu mundo interno. É justamente nesse ponto que a faceta prazerosa das experiências próprias do espaço potencial se enuncia, diante da capacidade de habitar um espaço no qual esse interjogo entre interno e externo é possível, sem com isso perder a noção de existência já adquirida. Ou seja, vivenciar uma dimensão verdadeira de si em contato com a realidade, sentindo-se integrado, ao mesmo tempo que se reconhece como um ser distinto, sendo também percebido e acolhido em sua autenticidade por um outro.
Devemos reconhecer que essa modalidade de prazer não se origina apenas em virtude do espaço potencial. Ela tem fontes muito mais profundas e primitivas. Para Winnicott, todo bebê possui uma potencialidade única, que se encontra presente desde a vida intrauterina, expressando-se inicialmente por meio da agressividade primária - que aqui se encontra referida a um potencial motor (Winnicott, 1955/2000a). Inseridos em uma mistura dual, a mãe suficientemente boa promove oposição à agressividade primária do infante, fornecendo um limite primário à ação corporal do bebê, assim como uma delimitação inicial de um corpo que gradativamente começa a ser construído e apropriado. Essa aquisição só pode ser alcançada por meio da continuidade e da previsibilidade dos cuidados prestados ao lactente, que sustentam sua própria existência ainda em desenvolvimento. Nesse sentido, reconhecemos que a ideia de continuidade da existência é algo fundamental para que o infante usufrua do espaço potencial.
Além disso, é o cuidado materno bem adaptado, contínuo e previsível que garante um terreno fértil para o infante dar à luz seu potencial criativo. De acordo com Winnicott, a criatividade diz respeito a "um colorido de toda a atitude com relação à realidade externa" (1971/1975, p. 108). Tendo isso em vista, a ideia de criatividade ganha importância ímpar no texto winnicottiano, referindo-se a uma expressão particular do verdadeiro self que confere um colorido pessoal à experiência. É justamente a possibilidade criativa que garante a apropriação da experiência e o sentimento de que a vida vale a pena ser vivida. Desse modo, criatividade é quase sinônimo de saúde psíquica, ou seja, expressão do estar vivo.
Devemos reconhecer que a criatividade originalmente se expressa através da apercepção criativa, que seria "a experiência subjetiva que o bebê tem da mãe e do ambiente desde o início", o que garante uma aproximação entre o que é vivido e o colorido pessoal que aos poucos vai sendo adicionado à experiência; dessa forma, "é a partir do sentimento de haver criado o mundo que se estabelece tudo aquilo que é verdadeiramente importante" (Abram, 1996/2000, pp. 89 e 243).
Contudo, um ambiente adaptado nem sempre está disponível para o infante, e assim o sentimento oposto, de inutilidade, provoca uma sensação de que nada importa, pois de fato não é possível reconhecer-se em seu viver. Sem a expressão da sua criatividade, a experiência não é apropriada pelo indivíduo; o mundo se torna cinzento, e o infante não tem esperança de poder adquirir algo de bom em sua relação com ele. Tudo o que poderíamos reconhecer como vitalidade do self passa a ser protegido dos avanços desse ambiente hostil em um núcleo que também o isola, podendo até mesmo não permitir o reconhecimento da realidade enquanto tal.
Tendo isso em vista, afirmamos a criatividade como o viver em si, dotado de particularidades que nos são únicas, uma expressão livre e espontânea que constitui o viver enquanto algo pessoal e próprio, quase como a impressão digital da existência. Outro ponto importante a ser assinalado é a relação entre a criatividade e uma experiência que é vivida no momento presente, garantindo com sua apropriação o que poderíamos reconhecer como a sensação de bem-estar própria dos estados não excitados, tal qual destacado por Freud em O mal-estar na civilização (1930/2010). Isso nos faz conceber esse processo como o catalisador da experiência de ser, que se torna possível não apenas a partir da capacidade de expressão de um gesto espontâneo, mas do reconhecimento deste e da possibilidade de viver algo que é próprio e inerente ao sujeito em conformidade com o mundo externo. Nesse sentido, identificamos o viver criativo, paradoxalmente, como causa e consequência do verdadeiro self, na medida em que, ao mesmo tempo que se apresenta como forma de expressão dessa parte verdadeira do indivíduo a cada gesto, é também em decorrência de sua expressão que sua consolidação e seu reconhecimento poderão acontecer, o que nos leva a referir a criatividade ao intervalo do espaço potencial, no qual se inscrevem os fenômenos transicionais e a experiência do brincar. De acordo com Winnicott (1971/1975), o brincar é uma experiência criativa, capaz de garantir uma continuidade no tempo e no espaço, configurando-se como forma básica do viver.
Devemos ressaltar que, quando, em um momento posterior, o brincar pode ser compartilhado, ele não pode se basear em uma excitação instintual, ao contrário do que se poderia esperar. "Quando uma criança está brincando, se a excitação física do envolvimento instintual se torna evidente, então o brincar se interrompe ou, pelo menos, se estraga" (Winnicott, 1971/1975, p. 67). Todavia, Winnicott (1958/2007) aponta a existência de um orgasmo do ego, referido como uma experiência altamente satisfatória, à qual sujeitos de alguma maneira inibidos em sua capacidade de satisfação instintual podem recorrer com grande frequência. Nesse ponto, o autor fala de experiências como ir ao teatro, ouvir um concerto, ter uma amizade e até mesmo o brincar da criança, afirmando que através dessas experiências podemos reconhecer a ênfase que o clímax tem. No entanto, logo em seguida observa:
Na minha opinião, se comparamos um brinquedo feliz de uma criança ou a experiência de um adulto em um concerto com a experiência sexual, a diferença é tão grande que não faria mal usar um termo diferente para a descrição das duas experiências. Qualquer que seja o simbolismo inconsciente, a quantidade da excitação física real é mínima em um tipo de experiência e máxima na outra. (Winnicott, 1958/2007, p. 37)
Essa afirmativa de Winnicott permite considerar que o que está em jogo no orgasmo do ego é o reconhecimento de que tais experiências são fonte de satisfação para o sujeito, uma satisfação não sexual. Portanto, o brincar não se encontra remetido a uma experiência instintual; diz respeito a uma experiência de expressão, reconhecimento, vitalidade e continuidade do verdadeiro self. Lejarraga (2015) ressalta que na saúde as práticas sexuais próprias da infância devem ter o status de brincadeiras sexuais, aludindo a um caráter terno que a concepção do brincar garante - remetendo à concepção de Ferenczi (1933/2011a) de que a sexualidade infantil estaria inscrita na linguagem da ternura.
É nesse sentido que o brincar se torna de extrema importância em nossa argumentação, enunciando-se como modelo de uma modalidade da experiência não relacionada à satisfação pulsional, mas que possibilita "sentir prazer em brincar" (Winnicott, 1971/1975, p. 82). Todas essas considerações nos levam ao reconhecimento de um exemplo do "prazer da experiência" no brincar, a partir do qual o indivíduo pode perceber e se relacionar com o mundo, seus objetos e eventos como reais. Vale destacar que é em decorrência dessa forma de inserção na realidade que o sujeito poderá construir vinculações e movimentos comunicativos com o entorno.
O desenvolvimento dessa modalidade de prazer não remetida à genitalidade se daria através da expressão inicial de um potencial de vida próprio a cada indivíduo em particular por meio da agressividade primária, acompanhado de uma resposta também única do cuidador, que reconhece, contém, dá corpo e voz ao potencial infantil. É justamente essa experiência inicial ainda inserida no terreno da mutualidade o que permite ao lactente usufruir, em um momento posterior de seu desenvolvimento, de um espaço potencial, no qual é possível habitar um espaço intermediário, em que as barreiras entre o self e o mundo se rebaixam, sem que se perca o sentimento de continuidade de existência em meio a experiências compartilhadas. Nesse sentido, concordamos com a afirmação de que Winnicott "amplia a ideia do prazeroso, apontando para formas de prazer que não podem ser reduzidas ao prazer instintivo sexual" (Lejarraga, 2015, p. 47).
Considerações finais
O caminho traçado neste artigo nos permitiu percorrer um campo no qual a sexualidade apaixonada se vê distanciada de uma corrente terna. A proposição de Ferenczi no que diz respeito à sexualidade infantil, graças ao conceito de anfimixia, nos possibilita contemplar a faceta terna que, segundo esse autor, se inscreve na própria sexualidade. Posteriormente, Balint se contrapôs a Ferenczi, afirmando que não se trata do desenvolvimento de uma única linguagem - que se inicia na ternura e culmina na paixão -, mas de dois processos distintos em si. Seguindo linhas de pensamento paralelas às desses dois autores, considero que Winnicott não apenas tece um novo panorama no que tange ao desenvolvimento emocional, mas também nos apresenta uma forma de prazer referida à sensação de continuidade, à capacidade de viver e expressar-se verdadeiramente em um mundo capaz de receber, amparar e dar lugar a essa expressão verdadeira de si. Desse modo, o interjogo entre o interno e o externo proposto no modelo do brincar nos direciona a essa faceta do prazer que se inscreve não apenas na capacidade de ser, mas também em ser reconhecido enquanto tal.
O estudo das relações de prazer sob essa ótica - não restrita ao plano do sexual e de uma satisfação libidinal - nos faz lançar luz sobre os estados de tranquilidade e bem-estar, tão pouco problematizados pela psicanálise clássica, reconhecendo seu papel fundamental nos processos que culminarão na emergência de um indivíduo capaz de se expressar espontaneamente no mundo. Nesse sentido, afirmo a procedência de trabalharmos também com formas de prazer que não se expressam necessariamente em decorrência do movimento de descarga de um excesso excitatório, mas como dotadas de uma potencialidade ímpar no que se refere à capacidade de um bem viver próprio à saúde psíquica - uma forma de prazer que se enuncia na experiência do próprio existir e de que a vida vale a pena ser vivida.
Referências
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Recebido em 11/02/2020
Aceito em 20/10/2020