SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.55 issue3Entrevista: Carmen C. MionStrange things in the field of analysis author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.55 no.3 São Paulo July/Sept. 2021

 

INTERCÂMBIO

 

Campo incorporado e reverie somático

 

Embedded field and somatic reverie

 

Campo incorporado y reverie somático

 

Le champ incorporé et la reverie somatique

 

 

Giuseppe Civitarese; Tradução de Carlos Malferrari

Membro da Sociedade Psicanalítica Italiana (SPI). Pavia / gcivitarese@gmail.com

 

 


RESUMO

Em análise, qualquer reverie (potencialmente) abre espaço para entrar em contato com o primeiro estágio do pensamento inconsciente - em que as sequências de elementos alfa são sintetizadas pela função alfa -, de onde então provêm as derivações narrativas do pensamento onírico acordado. Reverie, em outras palavras, é a capacidade de o analista entrar em contato com os pictogramas que adquirem vida durante o trabalho analítico e definem constantemente a posição do paciente e do analista e a qualidade emocional do vínculo entre eles, à maneira de um dispositivo de gps. Reveries não são apenas imagens e ideias, mas também sensações, sentimentos e ações. Neste artigo, o autor concentra-se nesse último tipo de reverie - que pode ser chamado de somático ou, em ressonância com o gestualismo [action painting] na arte, gestual - e apresenta algumas breves ilustrações clínicas. O importante é olhar para tais produções como enraizadas no campo, ou seja, como se estivessem no terceiro inconsciente, que nasce quando dois sujeitos se aproximam o suficiente um do outro. Visto que paciente e analista estão em comunicação constante, não só no nível consciente mas também no inconsciente, não há evento do campo analítico que não possa ser visto como uma cocriação de ambos.

Palavras-chave: sonhos, teoria de campo, Bion, reverie somático/gestual, intercorporalidade


ABSTRACT

In psychoanalysis any reverie (potentially) opens space for one to be in touch with the first stage of the unconscious thought - when the sequences of alpha elements are synthesized by the alpha function - where narrative derivation from dreamy awakened thoughts come from. Reverie, in other words, is the possibility for the analyst to be in touch with the pictograms that come alive during the analysis and constantly define the patient's position as well as the analyst's, besides the emotional level they have created, as a gps works. Reveries are not only images and ideas, but also sensations, feelings, and actions. This article focuses on this last type of reverie - which we can call "somatic" or, as action painting in art, "action reverie" - and it includes some clinical illustrations. It is important to see such illustrations as embedded in the field, that is, as if they were in the third unconscious (which starts when two people are close enough to each other). Considering that patient and analyst are constantly communicating, consciously and unconsciously, there is no event from the analytical field that may not be seen as both people's co-creation.

Keywords: dreams, field theory, Bion, somatic/action reverie, intercorporeality


RESUMEN

En análisis, cualquier reverie (potencialmente) abre espacio para contactar con la primera etapa del pensamiento inconsciente - donde las secuencias de elementos alfa son sintetizadas por la función alfa - de donde proceden las derivaciones narrativas del pensamiento onírico acordado. Reverie, en otras palabras, es la capacidad del analista en contactar con los pictogramas que adquieren vida durante el trabajo analítico y definen constantemente la posición del paciente y del analista y la calidad emocional del vínculo entre ellos, a la manera de un dispositivo gps. Reveries no son solamente imágenes e ideas, sino sensaciones, sentimientos y acciones. Este artículo enfoca ese último tipo de reverie - que podemos llamar de "reverie somático" o, en resonancia con el gestualismo [action painting] en el arte, "reverie gestual" - y presenta algunas breves ilustraciones clínicas. Lo importante es mirar para esas producciones como arraigadas en el campo, o sea, como si estuvieran en el tercer inconsciente (que nace cuando dos sujetos se acercan lo suficiente uno al otro). Ya que paciente y analista están en comunicación constante, no solo en el nivel consciente, como también en el inconsciente, no hay ningún evento del campo analítico que no pueda ser visto como una creación conjunta de ambos.

Palabras clave: sueños, teoría de campo, Bion, reverie somático/gestual, intercorporalidad


RÉSUMÉ

En analyse, toute reverie ouvre (potentiellement) la voie pour que l'on se mette en contact avec le premier stage de la pensée inconsciente - où les séquences d'éléments alpha sont synthétisées par la fonction alpha - d'où proviennent alors les dérivations narratives de la pensée onirique réveillée. Reverie, en d'autres termes, c'est l'aptitude de l'analyste à se mettre en contact avec les pictogrammes qui deviennent vivants pendant le travail analytique et qui définissent constamment le point de vue du patient et celui de l'analyste, et encore la qualité émotionnelle du lien entre eux, à la façon d'un dispositif de gps. Reveries ne sont pas seulement des images et des idées, mais également des sensations, des sentiments et des actions. Cet article se concentre sur ce dernier genre de reverie - que l'on peut appeler « somatique » ou selon la gestualité (action painting) dans l'art, « reverie gestuelle » - et présente quelques illustrations cliniques brèves. L'important, c'est de regarder telles productions comme si elles étaient enracinées dans le champ, c'est-à-dire, comme si elles étaient dans le tiers inconscient (qui naît lorsque deux sujets s'approchent suffisamment l'un de l'autre). Vu que le patient et l'analyste sont en communication constante, non seulement dans le niveau conscient, mais également dans l'inconscient, il n'y a pas d'évènement analytique qui ne puisse être vu comme une cocréation des deux.

Mots-clés: rêves, théorie de champ, Bion, reverie somatique/gestuelle, inter-corporalité


 

 

Sonhando no corpo

À medida que o tempo passa, torno-me cada vez mais convencido da importância, em análise, da comunicação entre corpos. O que chamei de vínculo simbiótico (Civitarese, 2008/2010) é o contexto de continuidade que permite a aceitação da diferença. Esse contexto compartilhado é geralmente invisível. Se não provoca dor, sequer é sentido, mas é percebido quando surgem fortes tensões que colocam em perigo o setting no exato momento em que elas revelam a tessitura deste. As tensões podem decorrer de violações no setting formal da análise, em termos de espaço e tempo, mas também, por outro lado, de violações no setting interior. Não vejo uma descontinuidade, e sim uma continuidade entre ambos. Não existe um intercâmbio que seja apenas simbólico. Palavras são sempre utilizadas também como significantes. Elas participam da geração do ambiente concreto no qual a análise ocorre, mas às vezes exercem pressão tão intensa que se torna quase física - e é sentida distintamente como tal -, como se estivéssemos de fato sendo tocados, acariciados, repelidos ou acalentados. Com certo paciente, várias vezes precisei me conter para literalmente não tapar meus ouvidos, como se suas palavras estivessem perfurando minha carne e me fazendo sangrar. Em outras ocasiões, sofri sintomas de neurose cardíaca devido ao acúmulo de tensão. Em outros casos ainda, é o silêncio que nos faz sentirmo-nos cativos de uma camisa de força intolerável ou presos em um espaço claustrofóbico e atemporal.

Essas situações claramente envolvem uma grave dificuldade de simbolizar e indicam a ausência de fundamentos para um funcionamento mental mais maduro, isto é, de um contexto de suficiente familiaridade ou continuidade do ser. Para restabelecer o movimento, o caminho da simbolização pode passar pela capacidade de o analista manter a faculdade da imaginação - ou, ainda antes, pela capacidade de reverie sensorial: "Não pensar nem fantasiar, mas sim recordar e vivenciar a sensação interior" (Bernstein, 1975-1976, p. 540).

É preciso sonhar no corpo (ou melhor, no "campo somático") o que ocorre, a fim de entrar em contato com a crise e conferir-lhe uma representação inicial - representação essa que proporciona, ela mesma, salvação virtual. Nos termos do modelo do campo analítico de Bion, reveries sensoriais (ou melhor, reveries corporais - ou seja, aqueles sem conteúdo representacional imediato ou qualidade perceptiva imediata) são uma maneira de provocar transformações iniciais na direção do pensamento. Em particular, tal como acontece com reveries "verdadeiros" e derivações narrativas no caso das emoções, os reveries sensoriais tornam possível não só apreender as vicissitudes dos níveis de identidade mais fundamentais, ou mais subterrâneos, que estão em jogo, mas também construir um continente, uma estrutura ou uma chora semiótica (Kristeva, 1974/1984), a fim de conferir sentido ao informe, ao infinito e ao insensível. A meu ver, apenas a teoria de campo bioniana pode nos ajudar, ao "desrealizar" qualquer texto (até mesmo aqueles escritos no corpo) - por exemplo, atribuindo sensações a "fantasias" procedimentais/implícitas inconscientes compartilhadas -, tornando possível recuperar o setting interior e permitindo-nos pensar o que estamos vivenciando como um fenômeno intersubjetivo, um fenômeno que tenha alguma relação com o que o paciente está sentindo, ou melhor, com o campo emocional inconsciente estabelecido em conjunto pelo analista e pelo paciente.

Apresentarei em seguida algumas vinhetas sobre pacientes com dificuldade permanente para simbolizar ou cuja capacidade de simbolização foi temporariamente debilitada. Em todos os casos, o setting tem papel protagonista, destacando-se pouco a pouco com clareza crescente de um pano de fundo inicialmente indistinto. Quase sempre silencioso, sobe aqui ao palco, na primeira vinheta, como o medo, ou a convicção, de que a análise será interrompida; na segunda, como uma violação involuntária por parte do analista; e, na terceira, como o aparecimento surpreendente da dimensão institucional positiva da identidade.

 

Politicamente correta

Ela entra e deita-se no divã. Até o momento, a frequência da terapia de E - duas sessões por semana - indica que apenas metade, ou dois terços, dela encontra-se presente aqui. Aspectos substanciais de sua vida permanecem, para todos os efeitos, completamente cindidos - os relacionadas com agressão e sexualidade, por exemplo. Além disso, vínhamos avançando à maneira de uma garotinha curiosa que enche o pai de perguntas. Eu notara a capacidade "diabólica" de E me fazer falar e explicar, o que às vezes ocupava quase toda a sessão. Eu aceitara esse jogo, maravilhando-me uma vez mais com a singularidade de cada terapia, com o quanto cada uma difere de todas as demais (e com o quanto eu mesmo me comportava e sentia coisas muito diferentes perante uma pessoa ou outra). Essa parecia-me a única maneira de criar um vínculo. Certa manhã, E menciona como ela achava irritante ter de ser politicamente correta. Não via por que deveria evitar termos como preto para se referir a negros ou bicha para falar de homossexuais. Ela utiliza esses termos com seus amigos negros e gays. Para ela, está tudo bem, e seus amigos certamente não têm problema algum com isso - de modo nenhum! Sinto-me incapaz de conter minha irritação. Falando calmamente, indico a ela que, claro, excessos são sempre irritantes e podem levar ao fanatismo; entretanto, seja como fosse, as palavras podem ser como pedras, pois veiculam ideologia, implicam definições do outro em relação a nós mesmos e, em última análise, dão origem à exclusão e à violência. Além do mais, devemos sempre questionar até mesmo nossas boas intenções, pois não somos tão senhores de nós quanto gostaríamos de pensar.

Contudo, no que havia se tornado uma espécie de rixa entre nós, meus argumentos se chocam contra uma parede de borracha. Ouço-me dizendo em voz exasperada que parecemos estar falando duas línguas diferentes e que lamento muito isso. A essa altura, passa pela minha cabeça que E poderá decidir não retornar, o que significaria uma ruptura catastrófica do setting. Mas sinto que eu quase preferiria que assim acontecesse.

Só quando a sessão termina e tenho de me esforçar para ser gentil é que começo a perceber o que aconteceu. Em primeiro lugar, eu nem praticara a transformação em sonho (Ferro, 2008) nem interpretara. Deixara de haver qualquer vestígio de um setting interior, e emoções tão violentas nunca tinham irrompido dessa forma antes. Só agora eu podia dizer que conhecia E melhor. Só agora eu podia postular a existência de áreas cindidas de sua personalidade, ou locais inegociáveis no campo analítico, talvez porque os conteúdos ku klux klânicos (kkk ♂) precisassem ser banidos para que não provocassem danos irreparáveis. Afinal, talvez essa tenha sido a maneira que E escolhera para me fazer ver o quão intolerantes com ela as outras pessoas eram, incluindo eu mesmo agora - e ainda por cima achando-me com toda a razão. Não havia ela me induzido a rejeitá-la? Não havia eu esquecido que Philip Roth, um de meus autores favoritos, escrevera um romance contra o politicamente correto? Feridas e cicatrizes em ambas as partes passaram a ressoar de modo explosivo umas com as outras, dando origem a algo inteiramente novo.

Meu objetivo com esta vinheta é demonstrar a importância de não tentar ser esperto demais com o paciente. Com isso, podemos evitar imergir na dinâmica mais turbulenta do relacionamento. Esperteza seria apenas uma forma mais sutil de rejeição. O que de fato importa é colocar-se à disposição, dentro de certos parâmetros, mesmo que cometamos erros, e em seguida refletir e retomar. Os "pretos", "bichas" e "sapatões", como personagens, tomavam o lugar de uma massa informe de emoções impensáveis. A transformação que veio a ocorrer posteriormente, no restabelecimento de um vértice psicanalítico e na capacidade de conter a raiva que irrompera na sessão, foi a condição necessária para compreender E por dentro, para entender como ela deve ter se sentido e como se sente agora, e para aceitá-la em vez de repeli-la. Há, porém, uma personagem que é protagonista no campo, a saber, a insensibilidade de E à violência das palavras (uma surdez que eu também passara a ter), e que aguardava ser transformada - e que, naturalmente, em termos transferenciais, deveria ser percebida como a surdez dos outros a ela que ela vivenciava. É como se E tivesse me perguntado: "Se eu lhe mostrar as partes mais sujas de mim, o que você fará? As levará em conta e as aceitará ou me botará porta afora?". Na verdade, ela estava me perguntando se estaria tudo bem ela ser "politicamente incorreta" e, desse modo, se tornar mais integrada.

 

Espaçamentos

Enquanto ouço L, meio desatento, dou uma rápida olhada em meu relógio de mesa. O ponteiro dos minutos está quase chegando ao 9. É hora de parar, penso, e interrompo a sessão. Só quando L já saiu é que me dou conta de que encurtei sua sessão em 10 minutos: a sessão que começa na hora cheia e termina às 15 para é a da paciente seguinte. Eu me comportara mal. Por outro lado, L e eu temos dito há algum tempo que ela é "boazinha demais".

Talvez, ao sobrepor sua sessão à da paciente seguinte (Irene, uma legítima "garota má") e, desse modo, fazer L sentir raiva, eu inconscientemente também tentara extrair dela um aspecto cindido de si mesma, que eu de alguma forma percebo, mas que jamais vem à tona. Minha violação involuntária do setting, uma espécie de ponctuation lacaniana, também se deveu ao fato de as sessões de L não serem agendadas para o horário que costumo começar a trabalhar pela manhã. Em tal contexto, a violação adquire ainda outro significado - o de que uma fissura pode ser utilizada para restaurar o todo. Na verdade, a sobreposição quiástica de L e Irene (na verdade, "Irene", ou seja, a outra paciente que se tornou personagem do campo analítico na terapia de L) e de suas sessões me permite ver ambas sob uma nova perspectiva.

Repito o mesmo erro duas ou três vezes, sentindo-me cada vez mais envergonhado e desapontado. Claro, a "garota má" que permanecia de atalaia dentro de L acaba acordando e se fazendo ouvir, tornando-se assim o assunto de nossas conversas. De repente, a análise de L, tão enfadonha e estéril até aquele momento, torna-se envolvente e produtiva. De algum modo, conseguimos sair da atmosfera melíflua e conivente a que estávamos presos e construir um espaço representacional para sua intensa raiva inconsciente contra um objeto interno controlador e intrusivo (ou, alternativamente, ausente e indiferente). E é significativo que somente após o descrito progresso na análise de L fomos capazes de reconhecer esse sentimento e sua natureza.

Tais violações acidentais do setting (visto como o local onde o vínculo simbiótico se estabelece) podem ser extremamente úteis, pois às vezes ajudam a trazer à tona o metaego, isto é, os aspectos psicóticos/regressivos/primitivos da personalidade depositados no ritmo repetitivo do setting (Bleger, 1967/2012). Também podem permitir que tipos ainda mais primitivos de disritmias psíquicas adquiram representabilidade, criando assim as condições necessárias para sua transformação/evolução. Desse modo, o que antes não era representável pode ser finalmente visto ou "encenado". Nesse sentido, a "extrassístole" produzida no ritmo do setting pelas sessões abreviadas pode ser entendida como a manifestação sensorial de um evento traumático enraizado no inconsciente inacessível.

Por um lado, o fato de tais traumas serem reproduzidos no contexto da análise tem um significado positivo. Na verdade, na medida em que sua repetição também sugere certa propensão à representabilidade, eles têm uma conotação produtiva. No entanto, por outro lado, a qualidade "silenciosa" desses traumas realça seu efeito negativo, ou seja, o fato de efetivamente evadirem qualquer forma de representabilidade. Em ambos os casos, a menos que a repetição defronte a capacidade de reverie do analista, ela não se tornará um ponto de partida para a transformação. Com L, ocorreu esse encontro, quando o seu rosto e o de Irene se sobrepuseram em minha "visão" quase alucinatória (como o de Elisabeth e de Alma em Persona, de Ingmar Bergman). Esse tipo de alternância tem várias camadas simultâneas de significado. Em um nível superficial e mais desenvolvido (edipiano), revela a cisão de L ou seus sentimentos reprimidos de raiva. Em um nível pré-edipiano mais profundo - no qual, a meu ver, estão as raízes do problema de L -, é o equivalente simbólico de como uma mãe pode chegar a não ver sua filha como ela é, apenas como gostaria que ela fosse. Por isso, poder-se-ia argumentar que essa alternância, indubitavelmente também induzida por L, proporcionou-lhe a oportunidade de representar o que talvez tenha sido sua primeira e insuportável experiência da disritmia/dissonância produzida por uma (relativa) ausência mental do objeto. Por sua vez, a experiência traumática inicial de L pode ter deixado algumas áreas de sua mente incapazes de conter emoções "cálidas", como aquelas que caracterizam estágios mais desenvolvidos da vida mental e dos relacionamentos.

 

Bebericação espelhada

S sempre chega no horário. Na verdade, como sua sessão é a primeira da manhã, às vezes ela me aguarda na rua, do lado de fora. Antes de iniciarmos o trabalho, esse encontro tornou-se agora parte de nosso ritual. Pego o elevador, e ela sobe as escadas. Com isso, simulamos um encontro, uma separação fugaz e um reencontro feliz. Entramos no apartamento e, em seguida, no consultório. Ela se senta no divã, retira uma garrafa de água mineral da bolsa, bebe e se deita. Há algum tempo, também mantenho uma garrafa de água mineral com gás ao meu alcance, mas é só com S que noto, para meu profundo espanto, depois de repetir o gesto várias vezes automaticamente, que eu também dou um gole, "como se num espelho", ao mesmo tempo que ela. Uma ação banal - ou, se preferirmos, uma encenação [enactment] - torna-se repentinamente prenhe de vários outros significados. Percebo imediatamente que algo que me exaspera há algum tempo, o componente "conversa fiada" que caracteriza nossos diálogos, é para S essencial - ou seja, é parte de uma situação de espelhamento que antecede qualquer iniciativa possível rumo à diferenciação.

Uma espécie de unissonância sensorial e física (como a de ser um só e o mesmo corpo) é necessária como base para uma unissonância mais emocional e consciente. Será que eu dar um gole de San Pellegrino (e, ao escrever isso, também estou colocando minha auréola de santidade, como alguém que já suportou sessões prolongadas e enfadonhas) constitui também uma espécie de ação interpretativa inconsciente (Ogden, 1994)? Seria como, em nível mais evoluído, uma preparação para enfrentar certa aridez emocional que estamos prestes a vivenciar logo em seguida? Haveria então uma fronteira bem definida entre os níveis físico e simbólico, e entre sujeito e objeto? Não somos parte de um "sistema protomental" (Bion, 1961/1991) no qual todas essas barreiras podem ser consideradas absolutamente permeáveis?

 

À janela

Mario é um menino de 11 anos que foi adotado ainda bem pequeno. Ele sabe que os pais não são seus pais biológicos e está obcecado pela ideia de encontrar sua "verdadeira" mãe a esmo na rua. Em casa, para mitigar a ansiedade que às vezes o aflige, ele coça a pele e chega a fazer cortes nos braços. Foi ideia sua pedir para conversar com um médico, e a terapia proporcionou-lhe certo alívio quase de imediato. Ele sempre chega no horário. Os pais sempre o deixam na porta. No final de cada sessão, ao término de sua hora, junto com o terapeuta ele olha pela janela para ver se já há alguém a esperá-lo. Mario diz que os pais não tocam a campainha porque não querem incomodar.

Este é mais um exemplo de como determinada maneira de fazer as coisas, que tenha se tornado um hábito, adquire tonalidades mais amplas de significado. Também aqui não se pode falar de uma verdadeira "ação interpretativa", dada a espontaneidade e a simplicidade não premeditada do gesto. Observando-se mais de perto, contudo, trata-se de um gesto que se apresenta como uma espécie de entendimento em ação de um elemento essencial da vida emocional no campo analítico. É como se o analista acompanhasse Mario em espírito enquanto ele vaga pelas ruas na esperança de que um dia o olhar de sua mãe e o seu se cruzem, e ele possa ler nos olhos dela uma possível explicação para sua doença. O ato de despedir-se é um "corte". Cada pergunta é uma questão de vida ou morte: "Eles virão me buscar? Alguém se lembrará de mim?". Como em um verdadeiro reverie - que é o que todo reverie efetivamente se torna quando examinamos seu significado em supervisão - a ação expressa um profundo senso de acolhimento e aceitação; ela contém e confirma o investimento do analista em seu paciente.

 

Cara a cara

Quase um ano após iniciar a análise, A inesperadamente pede para continuar as sessões cara a cara, explicando que prefere assim. A analista percebe imediatamente que algo essencial mudou, mas não consegue dizer exatamente o quê. A lhe aparece agora sob uma nova luz. Ele não é mais apenas uma pessoa em dificuldade, que descreve obsessivamente pensamentos quase desconexos e surreais, mas alguém que conversa sobre sua maneira de lidar com questões práticas e tomar decisões.

Pela primeira vez, a analista nota especificamente seus olhos azuis: "São exatamente como os de Charlton Heston!", ela pensa.

Curiosamente, dada a natureza mais concreta das conversas que eles vêm tendo, a analista se surpreende ao se dar conta de que está prestando muito mais atenção que antes à situação presente, chegando quase a esquecer certos aspectos do passado que se repetiam com monotonia insuportável.

Podemos agora nos perguntar se a ação encenada em conjunto de modificar um aspecto do setting material não refletiria um tipo de autocompreensão inconsciente no campo incorporado da análise, a saber, que aspectos importantes do relacionamento não tinham sido suficientemente "vistos" sob o arranjo anterior. Teria havido foco excessivo na realidade biográfica e material do paciente, e talvez por esse motivo ele não tenha se sentido suficientemente visto? Talvez, para A, fosse importante ser plenamente conhecido pela analista a fim de alcançar primeiro maior integração aos olhos dela? Talvez ele conseguisse enfim "seduzi-la" - no sentido de fazê-la gostar de si.

 

Toque

Francesca, de 18 anos, chega ao primeiro encontro acompanhada de sua mãe. A analista fica com uma impressão um tanto confusa, pois não está claro qual delas precisa de tratamento. Francesca lhe foi encaminhada por uma colega que já havia atendido a mãe, e foi a mãe quem marcou a consulta pelo telefone.

Francesca se sente diferente das outras: é muito magra, tem cabelos abundantes e no passado atravessou episódios de bulimia e autolesão, que lhe causam forte sentimento de culpa. Ela tem medo de perder os dentes e os cabelos... Leu que uma das consequências de interromper a pílula pode ser a queda de cabelo... A analista lhe diz que ela nem de longe aparenta ter cabelos escassos... (e, nesse momento, pensa em Sansão)... Enquanto Francesca fala, a analista olha para ela, fascinada... Repara que ela tem um lindo rosto arredondado, dois olhos pequenos, um coque macio e cachos pendentes... Parece uma dama do século xix.

Durante uma sessão, em dado momento Francesca se levanta da cadeira e diz: "Apalpe você mesma... Não é tão espesso assim...", e deixa a analista sentir a maciez de seu coque. E então associa o fato de ter pouco cabelo à genética. Sua mãe igualmente tem pouco cabelo, e ela vê uma diferença entre o antes e o depois... "...Eu também tenho falhas na cabeça onde há pouco cabelo!", acrescenta.

O que acho notável aqui é o gesto de Francesca levar a analista a tocar em seus cabelos: em termos do sonho do corpo, o restabelecimento da continuidade física com o objeto por um instante é equivalente a um pedido inconsciente de ajuda para alcançar uma unidade somatopsíquica básica - a unidade que, no nascimento, só pode ser o resultado de um vínculo corporal simbiótico, de ser um só e o mesmo corpo. O gesto também poderia ser tomado como uma espécie de entendimento, ou melhor, de pré-compreensão, de algo pré-categórico, uma atuação [acting out] que dessa vez parte da paciente, de seu corpo pensante. Ou, mais precisamente, do campo incorporado, ou seja, da área da comunicação intercorporal que estabelece um corpo pensante bipessoal - um só corpo, pois o corpo nunca é apenas material e, como está sempre imerso na sociabilidade humana e é sempre afetado pela linguagem, é também o lócus de produção de significado.1

Mas o que acho ainda mais intrigante é a forma de expressão escolhida por minha colega ao redigir o caso que trouxe para a supervisão: ela faz amplo uso de reticências, que reproduzi ao transpor suas anotações em discurso indireto.

É como se ela tentasse introduzir intervalos ou "espaçamentos" que permitissem a Francesca distanciar-se, mas sem expô-la ao medo de sentir-se apartada do corpo da mãe, identificado agora com o corpo da analista ou com o campo. No texto que ela distribuiu, na verdade não há nenhum espaço após os sinais de pontuação (nesse caso, reticências), como se quisesse mostrar (mais do que simplesmente mencionar) não só um movimento de escape [break away], mas também a necessidade de permanecer firmemente ancorada ao objeto. Ao mesmo tempo, as reticências representam as "falhas na cabeça" de Francesca: regiões de alopecia, mas na realidade falhas ou fissuras em seu pensamento. As espinhas que ela importuna e das quais extrai pus têm significado semelhante. A imagem que vem logo à mente é o pôster anunciando o filme O senhor das armas, estrelado por Nicolas Cage. Se olharmos de perto, veremos que o rosto de Cage no pôster é formado por cartuchos e balas - mas também podem parecer minas [em inglês, mine ("mina" ou "meu", "minha"); em italiano, mine].

De fato, ao se examinar sua história um tanto confusa, vê-se uma série de vicissitudes que têm a ver com relacionamentos dos quais ela foi excluída, ou dos quais ela deliberadamente se isolou, namoradas sendo roubadas ou namorados sendo roubados por amigas; talvez se devesse tentar descobrir por que no "sonho" da supervisão acabamos chegando às minas (curiosamente, em francês, mine, cognato com mien [meu], significa "aspecto exterior" ou "face").

O vínculo simbiótico existe em dois níveis - corporal e mental. A unissonância física é necessária para estabelecer unissonância emocional e provém da sensação de pertencer a um fluxo constante de ações, hábitos e sentimentos. A arte revela como o conhecimento surge por meio do movimento e como entramos em sintonia com o que nos cerca. Ao ingressarmos na instalação de Richard Serra no Guggenheim de Bilbao, nos sentimos contidos pelo espaço, e nossa experiência é afetada pelas formas entre as quais nos movemos. Vestimos a arquitetura como se fosse uma segunda pele na qual nos sentimos à vontade, ou sob pressão, ou ansiosos. Da mesma forma, "vestimos" o setting como se fosse uma peça de roupa.

De modo geral, portanto, a comunicação entre corpos é entendida como um diálogo entre posturas, que é depois trazido de volta ao nível visual, à percepção visual - ainda que, na realidade, ele também seja olfativo, tátil, auditivo e proprioceptivo. Se habitamos um espaço, poder-se-ia dizer que o estamos lendo com nosso corpo? Ou que o estamos interpretando? Não seria a mesma coisa que passar os olhos de relance por uma página? Vestígios da experiência de movimento não permaneceriam no corpo? E o movimento não seria um modo de conhecimento? Se sonhar é uma função psíquica pela qual tentamos constantemente digerir a experiência, podemos dizer que a digestão/compreensão/transformação inicial é essencialmente física?

 

O corpo pensa

Seu sangue puro e eloquente
falava em seu rosto, e tão distintamente lavrava,
que quase se poderia dizer que seu corpo pensava.

JOHN DONNE

Bion nos diz que, para percebermos as "alucinações" do paciente, devemos confiar nas nossas e negar ativa e totalmente sua realidade material. Entretanto, construir um modelo de como o processo de simbolização se dá em análise requer conceituação tanto da comunicação não verbal quanto da comunicação verbal, incluindo a parte não verbal contida na verbal, que geneticamente precede o estabelecimento de um ego e das capacidades autorreflexivas.

Ora, o corpo do analista é um lugar no campo intersubjetivo sensorial/somático/semiótico/incorporado de uma análise e, como tal, registra suas crises principalmente como violações do setting. Será que essas violações podem ser vistas como transformações em alucinose no corpo, ou como alucinações no corpo em um primeiro momento e, se forem seguidas de um despertar (uma interpretação, mesmo implícita), como reveries "somáticos"?

A possível vantagem de considerá-las assim é facilitar uma compreensão somatopsíquica integrada e não cindida. Parafraseando Ogden (2003), também se poderia afirmar que, na maioria das vezes, o inconsciente não reprimido fala com uma qualidade de veracidade de que a experiência consciente geralmente carece. (Conforme observa Sandler [1976, p. 40], "há um 'trabalho da compreensão' inconsciente que se dá em direção paralela, mas oposta, à do trabalho do sonho descrito por Freud".)

De fato, os reveries emanam do inconsciente, que é visto como a função psicanalítica da personalidade que busca constantemente reencontrar uma integração psicossomática básica, não porque abstrações (etimologicamente, a máxima simplificação/depleção que se pode obter da experiência dos sentidos sem perda completa de significação) não sejam úteis, mas porque são as emoções e os conceitos que, juntos, conferem significado à existência, e não os conceitos por si só. É por isso que utilizo aqui a expressão reverie somático, e não encenação [enactment], que deriva de um modelo de inconsciente diferente daquele da teoria de campo bioniana.

Como essas vinhetas mostram, nós "interpretamos" o paciente (as turbulências do campo) também com nossos conhecimentos procedimentais implícitos, que não são diretamente redutíveis a palavras, conceitos ou representações. Essas são interpretações vividas, que a princípio são totalmente irrefletidas, mas que mais tarde podem vir a se tornar conscientes. O verdadeiro despertar, contudo, é alcançado por meio da interpretação reflexiva: é precisamente tal qualidade que justifica descrever esse tipo de conhecimento semiótico como reconhecidamente corporal, mas também como reverie. É claro que, para interpretá-lo como reverie, precisamos de uma estrutura conceitual adequada, que confira ordem e disciplina a nossas intuições. Em nosso caso, isso é dado pela teoria do campo analítico. Até mesmo ações ou comportamentos não intencionais que sejam expressão de um hábito mudarão ao longo da sessão se a teoria do inconsciente mudar.

Essas metáforas corporais - outro nome que poderíamos dar a elas - são simbolizações reais, e não equações simbólicas. Por quê? Porque não estamos trabalhando dentro do "sonho", mas depois de despertarmos do sonho. A definição de sonhar tem de incluir o despertar. Somente então o sonho nos proporciona os insights de que vivemos simultaneamente em vários mundos e de que temos uma realidade interior que é inteiramente virtual, ainda que, à sua maneira, tão concreta quanto a realidade material. No caminho inverso, equações simbólicas verdadeiras são as personagens da realidade material no texto analítico quando são tomadas apenas como tais, e não desconcretizadas ou transformadas pelo sonho.

Visto que os seres humanos adquiriram a capacidade de pensar seus próprios pensamentos - ou seja, adquiriram uma mente, no sentido em que normalmente a entendemos, isto é, como produto da cultura -, não faz sentido cindi-la do corpo. O motivo é simples: a relação entre mente e corpo é de generatividade mútua e recursiva. Não é suficiente afirmar que nossas estruturas cognitivas representam projeções de como somos constituídos biologicamente e de como nos movemos (em outras palavras, não basta dizer que o corpo cria significado); também precisamos atestar que a mente cria o corpo ao participar do desenvolvimento humano como um poderoso fator de adaptação. Assim, a maneira como atribuímos sentido à experiência procedimental e semântica será sempre o resultado do entrelaçamento indissolúvel entre biologia e socialidade. Para nós, a biologia jamais pode ser meramente biológica, nem a cultura pode ser completamente separada do corpo. Como já foi dito, o corpo é, na verdade, uma metáfora encarnada. Se a metáfora é como pensamentos são criados, até mesmo os pensamentos mais abstratos, então o corpo é pensamento. O corpo pensa com ideias "musicais", com formas de inteligência que não podem ser separadas da sua manifestação tangível: "ideias negativas ... cognoscíveis pela diferença", que não possuímos, mas pelas quais somos possuídos (Carbone, 2011, p. 27).

Mas o que o corpo pensa? Na totalidade de seu ser e a cada momento, o corpo pensa ou transforma a emoção primária que nasce do atrito com a realidade. Qual seria, então, o sentido de excluir a ação da análise, relegando-a à categoria de encenação? A rigor, não faria o menor sentido, ainda que siga o princípio da economia, isto é, a ideia de simplificar a observação e a experiência do campo. As metáforas por meio das quais o corpo conhece a realidade são muito mais opacas que as metáforas linguísticas, semanticamente falando pelo menos. Elas não são destituídas de significado, mas são mais complexas. Portanto, é como se houvéssemos decidido prescindir delas tanto quanto possível. Às vezes, porém, temos de lidar com as ações do paciente e com as nossas. Até hoje, vimos essas ações como resultado de descargas de impulsos e as examinamos da mesma maneira como olhamos para lapsos, sonhos e sintomas, a saber, a partir do conceito de inconsciente reprimido. No entanto, se nossa ideia de inconsciente mudar e o considerarmos cada vez mais como uma função psicanalítica da personalidade, então a ação também será vista sob uma óptica diferente. Se o pensamento onírico do inconsciente se tornar a poesia da mente, então a ação será equivalente à performance do artista.

Bastaria então que todos nós nos tornássemos analistas/performers? Não, porque - repito - a análise precisa traçar para si um campo de observação que seja o mais limitado possível. Concentramo-nos na palavra porque a linguagem está muito mais próxima do polo de abstração e é menos ambígua do que a linguagem corporal. Com isso, porém, pagamos o preço de sacrificar, ao menos em parte, as emoções e o corpo.

Outras práticas psicoterapêuticas não fazem esse sacrifício, mas podemos nos contentar com o corpo que está nas palavras e com a dimensão da intercorporalidade onde ocorrem até mesmo os intercâmbios mais abstratos. O fato é que, quando uma ação entra em cena de algum modo inconsciente, não a vemos automaticamente como uma ruptura do setting, mas sim como uma tentativa de reinstaurar/sanar o setting. Na verdade, é precisamente a qualidade inconsciente da ação que expressa sua utilidade potencial. É por isso que podemos falar de reverie, pois a ação aparece sem ser convidada; ela surge como um hóspede inesperado, cuja chegada nunca deixa de nos surpreender.

 

Referências

Bernstein, J. S. (1975-1976). The autistic character. The Psychoanalytic Review, 62,537-555.         [ Links ]

Bion, W. R. (1991). Experiences in groups. Routledge. (Trabalho original publicado em 1961)        [ Links ]

Bleger, J. (2012). Symbiosis and ambiguity: a psychoanalytic study. Routledge. (Trabalho original publicado em 1967)        [ Links ]

Carbone, M. (2011). La chair des images: Merleau-Ponty entre peinture et cinéma. Vrin.         [ Links ]

Civitarese, G. (2010). The intimate room: theory and technique of the analytic field. Routledge. (Trabalho original publicado em 2008)        [ Links ]

Ferro, A. (2008). The patient as the analyst's best colleague: transformation into a dream and narrative transformations. The Italian Psychoanalytical Annual, 2,199-205.         [ Links ]

Kristeva, J. (1984). Revolution in poetic language. Columbia University Press. (Trabalho original publicado em 1974)        [ Links ]

Lanfredini, R. (2014). Essere una cosa che sente: il sotto-categoriale in Maurice Merleau-Ponty. Rivista di Psicoanalisi, 60,433-453.         [ Links ]

Ogden, T. H. (1994). The concept of interpretive action. The Psychoanalytic Quarterly, 63,219-245.         [ Links ]

Ogden, T. H. (2003). What's true and whose idea was it? The International Journal of Psychoanalysis, 84,593-606.         [ Links ]

Sandler, J. (1976). Dreams, unconscious fantasies and "identity of perception". International Review of Psychoanalysis, 3,33-42.         [ Links ]

Vanzago, L. (2014). La psicoanalisi ontologica di M. Merleau-Ponty. Rivista di Psicoanalisi, 60,455-468.         [ Links ]

 

 

Recebido em 6/4/2021
Aceito em 20/4/2021

 

 

1 Em filosofia, outras ideias interessantes, úteis para nossa discussão, vêm de Merleau-Ponty. Como escreve Vanzago (2014), "a tese fundamental que emerge das análises de Merleau-Ponty pode ser resumida na afirmação de que a subjetividade corpórea primordial não é unívoca, mas plural. Em outras palavras, não há um ipse separado e original que seja posto em relação com outros sujeitos, mas sim uma estrutura relacional na qual diferentes subjetividades se encontram imersas desde o início. ... Essa forma de intersubjetividade, porém, está baseada na situação de intercorporalidade e indistinção primordial, da qual se alimenta sem nunca superá-la em definitivo. Isso permanece verdadeiro em todas as fases do desenvolvimento do sujeito, de modo que até mesmo as estruturas mais complexas de intersubjetividade mantêm um núcleo de intercorporalidade sincrética inicial". E ainda: "A linguagem é algo muito mais profundo e vital do que um simples invólucro do pensamento. Merleau-Ponty sustenta que Freud tem razão quando afirma que há um investimento na linguagem. ... A linguagem falada, aliás, amplifica e capta a comunicação intercorpórea já existente. Corpo e linguagem são como cordas que movem marionetes e que invisivelmente atraem sujeitos falantes uns aos outros". Fica claro como a reflexão sobre o subcategórico e o "antissubjetivismo radical" (Lanfredini, 2014), que caracterizam o pensamento de Merleau-Ponty, são inestimáveis para conferir uma base sólida a uma teoria do campo analítico.

Creative Commons License