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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.55 no.4 São Paulo out./dez. 2021

 

TEMÁTICOS

 

Sobre a supervisão

 

About supervision

 

Sobre la supervisión

 

Sur la supervision

 

 

Alain VanierI; Tradução de Luiz Eduardo Prado

IMembro do Espace Analytique, Paris. Psicanalista. Psiquiatra. Doutor em psicologia clínica e professor emérito da Universidade de Paris 7 - Denis Diderot. Paris / alain.vanier@icloud.com

 

 


RESUMO

A supervisão é um elemento fundamental do tripé de formação - análise pessoal, supervisão e seminários - ao qual todas as correntes analíticas aderiram, seguindo Freud. Mas a função da supervisão permanece problemática, e os trabalhos que tentam esclarecê-la são particularmente poucos em comparação com aqueles que lidam com a análise do analista ou com o ensino. Este texto busca identificar sua especificidade.

Palavras-chave: controle, supervisão, formação, Freud, Lacan


ABSTRACT

Supervision is a fundamental element of the tripod of training - personal analysis, supervision, seminars - on which all analytic currents after Freud have agreed. But the function of supervision remains problematic, and the works that attempt to establish it are particularly few in number compared to those that deal with the analysis of the analyst or with teaching. This text attempts to identify what might be its specificity.

Keywords: control, supervision, training, Freud, Lacan


RESUMEN

La supervisión es un elemento fundamental del trípode - análisis personal, supervisión, seminarios - de formación en el que han coincidido todas las corrientes analíticas posteriores a Freud. Pero la función de supervisión sigue siendo problemática, y las obras que intentan establecerla son particularmente escasas en comparación con las que se ocupan del análisis del analista o de la enseñanza. Este trabajo intenta identificar cuál podría ser su especificidad

Palabras clave: control, supervisión, formación, Freud, Lacan


RÉSUMÉ

La supervision est un élément fondamental du trépied - analyse personnelle, supervision, séminaires - de la formation sur lequel tous les courants analytiques après Freud se sont d'accordés. Mais la fonction de la supervision reste problématique, et les travaux qui tentent de la fonder particulièrement peu nombreux au regard de ceux qui traitent de l'analyse de l'analyste ou de l'enseignement. Ce texte tente de repérer ce qui peut être sa spécificité.

Mots-clés: contrôle, supervision, formation, Freud, Lacan


 

 

A supervisão ou controle1 aparece como sintoma da crise irredutível de transmissão que marca a história da psicanálise. Em 1922, a análise didática tornou-se obrigatória, mas sem a necessidade de ser tão completa quanto a análise terapêutica. Em 1927, sob a influência de Ferenczi, sentiu-se que os analistas deveriam ser analisados mais do que seus pacientes. No entanto, 80 anos depois, o contraste entre a abundância de trabalhos sobre a análise didática, a análise do analista, e a escassez da literatura sobre o controle é impressionante - com exceção, sem dúvida, do que foi produzido pelo Quarto Grupo, que fez dessa questão o eixo central de seus problemas institucionais. Em outros lugares, há muito pouco, a não ser um texto crítico e polêmico aqui e ali, o que mostra uma dificuldade persistente, presente desde o início dessa prática, cujas diferentes concepções têm estado em tensão desde o tempo de Vilma Kovács (1936) e seu artigo fundamental. Não há muito a acrescentar a esse texto, pois a maioria dos problemas relacionados ao controle já estão indicados nele. As tensões na concepção e na realização do controle ainda não foram resolvidas hoje, especialmente se considerarmos as nossas práticas.

Quase 40 anos atrás, Conrad Stein (1977) questionou o status psicanalítico do controle na formação. Ele distinguiu "três opções". O controle poderia ser: 1) uma forma de monitoramento do candidato e de sua prática inicial; 2) uma nova psicanálise, porque muitas vezes é uma demanda disfarçada de análise; ou 3) o ensino de uma técnica. A essas três opções, podemos acrescentar, com Jean Clavreul (1984), um modo de defesa da respeitabilidade das instituições psicanalíticas.

Esses diferentes pontos ainda fazem parte das práticas de controle? Discuti-los desestabiliza certa complacência que muitas vezes rege a relação do psicanalista "reconhecido" com seu próprio saber. Além disso, a necessidade de um controlador "reconhecido" ou muitas vezes "experiente" nessa prática pode ser questionada. O saber em jogo na análise é cumulativo? Se o que está em jogo no controle é que o analista saiba um pouco sobre o que faz, a questão permanece, como Nathalie Zaltzman (2008) a formulou: o que se espera do controle que não pode ser alcançado de outra forma?

O elo do controle com a instituição está na origem da análise de controle: "Os estagiários devem se reportar em intervalos curtos ao diretor da policlínica", escreve Sándor Radó (1985). O diretor e depois outros, envolvidos nessa prática de controle, podem interromper o tratamento se o candidato for incompetente. Deve-se lembrar que o termo francês contrôle é formado por contre (contra) e rôle (função), e se refere a um registro mantido em duplicata, um servindo para verificar o outro (daí "contra"). Essa possibilidade, que parece ter caído em desuso, abriu caminho para uma das derivações do controle, o controlador dirigindo o tratamento através do controlado, um verdadeiro exercício de ventriloquismo analítico. Observamos, porém, na ata de fundação da Escola Freudiana de Paris que "o controle é necessário ... antes de tudo para proteger a pessoa que vem a ela na posição de paciente" (Lacan, 2001, p. 235). Entretanto, essa preocupação em proteger o usuário introduz, no âmago da formação, algo contraditório à análise.

Conrad Stein (1977) evoca, com uma coragem que deve ser sublinhada, sua experiência pessoal com o controle, cujo impasse, segundo ele, reside na conjunção de três homens: o controlador, o analista e aquele que encaminhou o paciente; três homens que formam uma instituição, levando o último ao suicídio; a constituição de um grupo é sempre baseada numa repressão, se não numa rejeição. Stein sublinha a utilidade do controle, mas contesta sua exigibilidade para fins de "reprodução das espécies analíticas", nas palavras de Eitingon.

Certamente, ao transferir o tempo de articulação do controle para a instituição, algo parece mudar. Ao criticar o dispositivo a priori que permite à instituição autorizar a prática analítica - ou seja, uma passagem ao ato da instituição, autorizando a prática acompanhada do controle instituído - Lacan afirmou que "o psicanalista se autoriza somente a si mesmo" (2001, p. 243), o que deve ser entendido como uma observação, e não como uma licença generalizada. Por conseguinte, é apenas no a posteriori que a instituição toma conhecimento - ou não - de uma prática que se realiza sem sua autorização, da qual tampouco decide a duração. No entanto, o início da prática costuma ser resultado de uma atuação, o que pode ser trabalhado analiticamente. Seria o controle o lugar para esse trabalho? Essa não é sua função principal, mas não é raro que seja usado para tal elaboração. Daí podemos chegar ao controle realizado com o próprio analista, iniciado pelos húngaros, ou pelo menos à persistência de uma análise pessoal durante os primeiros controles.

Para voltar a esse ponto, devemos admitir que nunca escapamos da questão da instituição. Ela alcança a pessoa que a contorna, pela escolha dos controladores, por seu peso nos métodos de reconhecimento, o que, se não mais se relaciona com a prática, garante a formação para a qual o controle contribui.

Outro aspecto do controle é a ideia de ensino de uma técnica. Um livro como o de Greenson (1977) dá a medida desse ponto. Surge então a questão do que esperar da análise pessoal se o método for transmitido em uma companhia estrita. O risco é o de uma prática que só produza normas.

No entanto, quem pode dizer que nunca deu conselhos ou indicações durante um controle? A impossibilidade de Freud de escrever um tratado sobre técnica e a refutação de Lacan a esse termo - propondo antes ética, para contrariar a ritualização da prática e situar a posição do psicanalista de maneira distinta - fizeram o termo técnica cair em desgraça. Podemos de fato sustentar que não há técnica analítica? Talvez ela tenha lugar no ponto paradoxal a que o analista é conduzido ao fim de sua própria análise - talvez aí resida a função do controle, se estivermos dispostos a entender o termo técnica de forma diferente de suas ressonâncias contemporâneas. Sem dúvida, há uma dimensão de "profissão", a ser criticada em termos de "hábito", o que levou Maud Mannoni (1985) a recomendar controles múltiplos com psicanalistas diferentes, ou Joyce McDougall (1984) a propor para a formação do psicanalista um controle com um lacaniano clássico, com um kleiniano clássico, assim como com alguns winnicottianos e com um analista infantil.

Outra faceta, apresentada por Vilma Kovács, enfatiza a contratransferência, para que "o estudante aprenda a maneira correta de lidar com ela". Essa extensão da análise didática deveria trazer à consciência do candidato "suas tendências libidinosas até então reprimidas, familiarizá-lo com a estrutura de seu caráter". Ao contrário da abordagem educacional de outros cursos de formação, "o analista deve estar sempre ciente de seus desejos, enraizados em seus instintos". Nessa perspectiva, o controle acontece durante a análise pessoal e deve ser "realizado do início ao fim pelo analista didata" (1936, p. 350).

A radicalização dessa abordagem nos leva de volta à análise pessoal do analista. Roger Perron (2002) aponta que, ao chamar muita atenção para a contratransferência, há o risco de transformar o controle em análise. Jean-Luc Donnet (2008) também sublinha os limites do discurso sobre a contratransferência. De fato, ele pode levar ou a um novo período de análise ou a uma nova supervisão. Essa hesitação não ressalta a dificuldade em distinguir entre controle e análise? O controle seria a continuação da análise por outros meios? É verdade que muitas demandas de controle são demandas de análise e, em alguns casos, de análise inicial. Mas reduzir o controle à análise pessoal deixa sua função e sua especificidade em aberto. Todos estão de acordo quanto à sua necessidade, mas não quanto a suas modalidades.

Moustapha Safouan proporá como definição de controle "a análise da transferência e da contratransferência do analista controlado" (1975, p. 212), no sentido de que analisar a transferência é tratar o desejo, sendo a transferência ao mesmo tempo o caminho para o reconhecimento do desejo e aquilo que o impede. Não é útil voltar aqui à contratransferência - essa "noção bastante aproximativa", segundo François Perrier (1969/1994, p. 135) - a não ser para nos lembrar que o fenômeno não pode ser negado. Ele designa algo essencial, que diz respeito ao controle no mais alto grau, mas o próprio termo corre o risco de reduzir a posição do analista a uma concepção dual da situação analítica, de indivíduo para indivíduo, o que é muito imaginário. A ênfase do psicanalista no monitoramento das próprias emoções como guia de tratamento leva às vezes a apresentações caricaturais, nas quais o relato de um tratamento é reduzido ao relato das experiências do psicanalista, em que não se consegue fazer nenhuma ideia do paciente em questão.

Parece-me que essas diferentes facetas do trabalho de controle e as críticas correspondentes se referem à variedade do que se apresenta no que se pode chamar de clínica do controle - que, deve-se notar, ainda está para ser produzida. Ela é altamente variável de acordo com os analistas, os pacientes etc. Há demandas de controle que são demandas de análise, e esse aspecto pode ficar ausente do controle, porque a demanda de controle tende a recolocar em cena o sujeito suposto saber, o que também tornaria a demanda um procedimento de resistência à análise. Algumas demandas estão relacionadas ao fato de que a queda do sujeito suposto saber no princípio do movimento da cura não está ligada ao processo analítico, mas a uma dificuldade na análise pessoal, que é interrompida pela resistência a esse desaparecimento.

Há demandas de controle que são demandas de autorização, em que, por exemplo, a pessoa que demanda vem apresentar sucessivamente cada situação a fim de obter repetidamente permissão para se engajar na cura.

Há demandas de controle que são dirigidas ao conhecimento a ser compartilhado diante da solidão - ou mesmo da desordem - em que o jovem psicanalista se encontra quando descobre, no melhor dos casos, que sua bagagem teórica é de pouca ajuda. Ele então espera um aumento na técnica para preencher o vazio que sente na situação de transferência. Esse sentimento de impotência ou de impostura do jovem analista, que o leva a recorrer ao conhecimento como remédio para preencher o vazio, não disfarça o fato de que a impostura está no coração da relação analítica, como lembrou Jean Clavreul (1984)? O autor acrescentou que não é ruim para o iniciante sentir isso, porque, na verdade, faz parte da transferência que se tome o analista didata como suporte de uma outra pessoa. De fato, é preferível que ele não se considere o Outro ou O analista, especialmente porque o que está em jogo é menos a adição de um conhecimento do que a identificação da posição que ele ocupa no dispositivo. O que está em jogo, poderia dizer Lacan, não é apenas o que o analista pretende fazer com o paciente, mas também o que o analista pretende que o paciente faça com ele. O que o psicanalista sabe não é o que ele deveria saber. Ele aprendeu com sua análise o que o determina, desvinculou-se de suas identificações, e deve saber o que o orienta nesse nível, e deve ainda se livrar do que impede o aparecimento de um conhecimento, desse conhecimento de outra ordem que está em jogo na análise. Clavreul enfatizou que, nesse sentido, controle não é a transmissão de um conhecimento, mas a descoberta daquilo que obstrui o desejo de conhecer e faz o analista prosseguir com os pacientes a experiência iniciada em sua própria análise. O que obstrui são as teorias implícitas do analista - seus preconceitos, diria Freud -, que devem ser derrubadas para que outro conhecimento possa surgir.

Em resumo, é uma questão de desmistificar a posição do psicanalista. O texto de Lacan (1966) "A direção do tratamento" se desdobra entre uma afirmação inicial - é o analista quem dirige o tratamento, no sentido de que ele não dirige o paciente ou a vida do paciente, mas orienta o tratamento - e uma fórmula final - é o desejo inconsciente que orienta o tratamento (o desejo do analista, ele poderia ter dito mais tarde, como que unindo as duas proposições). Por tudo isso, não há motivo para confundir o tempo do passe com o do controle. Enquanto o passe é o momento desse desejo, e seu procedimento, o dispositivo para compreendê-lo, o controle não é o controle do advento do desejo do analista, mas o trabalho da forma como o analista o impede. O passe não suprime o controle, que é uma condição necessária mas não suficiente para resolver a totalidade do problema da transmissão.

Do mesmo modo, a questão institucional pode ser reduzida à questão da comunidade. O que os psicanalistas têm em comum, senão o exercício deste vínculo social que é a psicanálise, que isola para cada um o que não pode ser posto em comum? Mas é também o que põe em ação a comunidade dos analistas e o movimento pelo qual o analista sustenta o desejo de saber que o anima. O próprio Conrad Stein (1977), ao contestar o controle e afirmar que as demandas de controle podem ser todas reduzidas a demandas de análise, admitiu que com essa perspectiva nos deparamos com a miragem da análise absoluta, de uma análise sem restos, cujo efeito de abertura não se fecharia. Mas existe um resto que não é possível eliminar e que se pode relacionar com o ponto cego da análise, com o objeto no sentido que Lacan dá a esse termo, esse fragmento do real que a simbolização não trata completamente. É nesse lugar que uma certa dimensão, um savoir-faire, e não uma técnica, pode entrar em jogo no controle, de modo que a construção compense a interpretação quando esta se tornar impossível. Assim, eu gostaria de sustentar, com Maud Mannoni (1985, p. 26), que em questões de controle é aconselhável "aceitar o que se apresenta", sem obsessão sobre a pureza da demanda de controle, e considerar antes, como nas premissas de uma análise, que aí também é nosso dever conduzir a parte solicitante ao controle analítico ao preço dos numerosos - às vezes longos, mas inevitáveis - desvios, que são os de qualquer prática consistente de controle, se for analítica. As figuras mencionadas, as "opções" no sentido de Conrad Stein, me parecem ser os caminhos dos enredos imaginários que, apesar de tudo, levam ao controle. Como nos preliminares de uma cura, trata-se - o efeito do ato - de instituir a psicanálise. Os analistas não têm que refazer o caminho de Freud, repetir seu gesto - o abandono da hipnose -, porque é isto que nos é dirigido, uma demanda a um mestre que saberia. É nesse sentido que entendo a recomendação de Conrad Stein (1977) de que devemos ser "pioneiros da psicanálise", uma fórmula que está de acordo com os conselhos de Freud para abordar cada tratamento como se fosse o primeiro.

Se considerarmos essas opções de controle como figuras imaginárias do que é o controle analítico, fica claro que o controle não é uma questão simples. Para isso, vou confiar em Lacan (1966), em uma das raras definições de controle - talvez a única - que ele deu, muito cedo, no início de seu ensino. Nessa breve passagem, ele começa com uma observação trivial: o controlador, como uma terceira pessoa, muitas vezes ouve melhor do que o controlado. Em primeiro lugar, porque está afastado do embaraço imaginário da situação analítica, menos preso à deriva de identificações; mas também porque a situação de controle, uma situação de testemunho indireto, obedece às leis ordinárias da transmissão: o emissor recebe do receptor sua própria mensagem de forma invertida. O lugar de terceiro do controlador, portanto, significa que ele ouve melhor e, assim, pode se fazer ouvir. No controle, o controlador "manifesta uma segunda visão ..., o que torna a experiência pelo menos tão instrutiva para ele quanto para o controlado". O autor acrescenta:

A razão para esse enigma é que o controlado desempenha o papel de filtro, ou mesmo de refrator do discurso do sujeito, e assim se apresenta ao controlador uma estereografia pronta, que já revela os três ou quatro registros nos quais ele pode ler a divisão constituída por esse discurso. Se o controlado pudesse ser posto pelo controlador em uma posição subjetiva diferente daquela implícita pelo sinistro termo controle (vantajosamente substituído, mas somente em inglês, por supervisão), o melhor fruto que colheria desse exercício seria aprender a manter-se na posição de subjetividade secundária em que a situação coloca imediatamente o controlador. Ele encontraria aí a maneira autêntica de alcançar o que a fórmula clássica da atenção difusa, ou distraída, do analista expressa apenas muito aproximadamente. (p. 253)

Lacan proporá vários termos para substituir o de controle, como superescuta, mas assumirá o termo inicial análise de controle. Deve-se notar, além disso, que o termo controle permaneceu na orientação lacaniana.

"Manter-se na posição de subjetividade secundária" poderia ser traduzido como a divisão do sujeito, a posição dividida do analista, embora essa leitura seja anacrônica à luz do texto. O papel do controlador é apenas o de ler por cima do ombro do analista? Nosso consultório, o real da nossa clínica, nos divide. Diante disso, pode ser tentador buscar novas identificações, para reforçar o ego - por exemplo, a demanda dirigida a um analista admirado.

Entretanto, é menos como sujeito que intervimos no tratamento do que com essa divisão que marca o desejo e põe o objeto em jogo nos controles - o objeto como falta, mesmo que seja como semblante que é solicitado, uma passagem obrigatória. É esse lugar do objeto oferecido como semblante para o qual o analista não tem lugar que Lacan põe no princípio do discurso analítico - objeto da própria divisão do analista como fracasso de qualquer mestria. Esse objeto é um princípio de alteridade radical, é o que garante a alteridade do Outro que o neurótico se dedica a fazer existir, o que constitui a própria mola da transferência. O objeto a é demandado ao lado do objeto parcial contra o fundo do objeto perdido, mas sustentado, fundado no que a cura irá desnudar, o objeto como real, como esse nada que fundamentalmente falta, nunca perdido. Nesse sentido, eu diria que o objeto transicional de Winnicott tem a função de dar uma sensação de perda à falta.

O psicanalista é um lugar, um operador no tratamento. Esse lugar só pode ser ocupado por alguém que tenha passado pela experiência de uma análise. O lugar que o analista ocupa, sustenta desde o engano inicial, quando a demanda lhe é dirigida, só é possível se ele não se perder no labirinto de unificação de identificações para o qual é convidado. Assim, essa posição de "subjetividade secundária" manifesta a divisão do analista quando ele trabalha. Entre os dois polos de sua divisão, o que ele apresenta é o lugar da sua escuta, o que é posto em jogo nessa divisão é esse nada que é o próprio real do objeto que falta. Isso é o que vem a ser articulado, desdobrado nessa situação secundária - e não dupla, como a etimologia da palavra francesa contrôle pode indicar -, articulada à colocação em cena desse terceiro cujo lugar o controlador ocupa por um tempo. Controlar, portanto, com "outros" - para que o analista possa então sustentar "a experiência que temos de controlar todos os dias", controlar esse quase nada crucial, cujo ajuste, o lugar certo, é decisivo para a cura. O controlador encarna assim um dos polos dessa divisão. O controle articula o que falta em conhecimento para que a experiência possa ser totalizada, uma falta na qual se manifesta aquilo "que é possível captar em um piscar de olhos além dos limites do conhecimento" (Vanier, 2010, p. 115).

 

Referências

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Recebido em 21/9/2021
Aceito em 5/10/2021

 

 

1 Os psicanalistas franceses utilizam com mais frequência o termo controle do que supervisão.

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