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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.55 no.4 São Paulo out./dez. 2021

 

TEMÁTICOS

 

 

O terceiro analítico supervisório: o processo supervisório, o campo supervisório e a transformação contínua

 

The supervisory analytic third: supervisory process, supervisory field, and the continuous transformation

 

El tercer analítico de supervisión: el proceso de supervisión, el campo de  supervisión y la transformación continua

 

Le tiers analytique de supervision : processus de supervision, champ de supervision et transformation continue

 

 

Candice Pasqualin de CamposI; Fernanda CrestanaII; Luciane FalcãoIII

IMembro aspirante do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Porto Alegre / candicepcampos@gmail.com
IIMembro aspirante do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Porto Alegre / fcrestana@gmail.com
IIIPsicanalista. Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Porto Alegre / lufalcao60@gmail.com

 

 


RESUMO

As autoras propõem a hipótese da existência de um fenômeno que ocorre no processo de supervisão e que nomeiam como o terceiro analítico supervisório. Partem da ideia de que algumas representações sem representação simbólica do aparelho psíquico do paciente - que se mantêm nesse estado durante a sessão de análise - poderiam sofrer algum tipo de transformação durante o processo de supervisão. Fenômenos perceptivos que acontecem no aparelho psíquico do sujeito e no campo analítico, como o trabalho de figurabilidade e a simbolização primária, também podem acontecer numa sessão de supervisão. As autoras mostram que esse processo incide tanto na mente do supervisionando quanto na do supervisor e sucede em três tempos: 1) sessão de análise, 2) sessão de supervisão, e 3) reflexão e narrativa. Começam com uma breve revisão teórica dos conceitos de Darstellbarkeit, figurabilidade psíquica e simbolização primária. Depois, descrevem como se dá a apreensão de representações sem representação simbólica, ou seja, representações não simbolizadas, através do processo supervisório, e então propõem a ideia do terceiro analítico supervisório. Por fim, apresentam alguns exemplos clínicos.

Palavras-chave: Darstellbarkeit, supervisão, figurabilidade, simbolização primária, terceiro analítico supervisório


ABSTRACT

This study proposes the hypothesis on the existence of a phenomenon that occurs in the supervisory process, and that will be named as the supervisory analytic third. It begins with the idea that some representations without symbolic representation of the patient's psychic apparatus, who remains in this state during the analysis session, could suffer some kind of transformation during the supervision process. Perceptive phenomena that occur in the subject's psychic apparatus and in the analytic field, such as the figurability work and primary symbolization, can also occur in a supervision session. The authors show that this process focuses on both the supervisee's and supervisor's minds, and takes place in three moments: 1) analysis session, 2) supervision session, and 3) reflection and intelligibility. The text begins with a brief theoretical review of the concepts of Darstellbarkeit, psychic figurability, and primary symbolization. The second part describes how the representations without symbolic representations, that is, representations that are not symbolized, are apprehended; through the supervisory process, and then proposes the idea of the supervisory analytic third. Finally, some clinical examples are presented.

Keywords: Darstellbarkeit, supervision, figurability, primary symbolization, supervisory analytic third


RESUMEN

El artículo propone la hipótesis de la existencia de un fenómeno que se produce en el proceso de supervisión y que se denominará tercer analítico de supervisión. Se parte de la idea de que algunas representaciones sin representación-simbólica del aparato psíquico del paciente - que permanece en este estado durante la sesión de análisis- podrían sufrir algún tipo de transformación durante el proceso de supervisión. Los fenómenos perceptivos que se producen en el aparato psíquico del sujeto y en el campo analítico, como el trabajo de figuración y simbolización primaria, también pueden producirse en una sesión de supervisión. Las autoras muestran que este proceso se centra tanto en la mente del supervisor como en la del supervisando y tiene lugar en tres tiempos: 1) sesión de análisis, 2) sesión de supervisión y 3) reflexión e inteligibilidad. El texto comienza con un breve repaso teórico de los conceptos de Darstellbarkeit, figurabilidad psíquica y simbolización primaria. La segunda parte describe cómo se produce la aprehensión de las representaciones sin representación-simbólica, es decir, de las representaciones no simbolizadas a través del proceso de supervisión y, a continuación, propone la idea del tercero analítico de supervisión. Por último, se presentan algunos ejemplos clínicos.

Palabras clave: Darstellbarkeit, supervisión, figurabilidad, simbolización primaria, tercer analítico de supervisión


RÉSUMÉ

L'article propose, en tant qu'hypothèse, l'existence d'un phénomène qui a lieu dans le processus de supervision et qui sera nommé le tiers analytique de supervision. Il part de l'idée que certaines représentations sans représentation symbolique de l'appareil psychique du patient - lequel reste dans cet état pendant la séance d'analyse, - pourraient subir quelque type de transformation au cours du processus de supervision. Les phénomènes perceptifs qui se produisent dans l'appareil psychique du sujet et dans le champ analytique, tels que le travail de figurabilité et la symbolisation primaire, peuvent également avoir lieu lors d'une séance de supervision. Les autrices démontrent que ce processus affecte aussi bien la psyché de la personne en supervision que celle du superviseur et se déroule en trois étapes : 1) la séance d'analyse, 2) la séance de supervision et 3) les réflexions et l'intelligibilité. L'article débute par une brève révision théorique des concepts de Darstelbarkeit, de figurabilité psychique et de symbolisation primaire. Dans la deuxième partie on décrit comment l'appréhension des représentations sans représentation-symboliques se déroule-t-elle, c'est-à-dire, les représentations non-symboliques, par l'intermédiaire du processus de supervision, et on propose ensuite l'idée du tiers analytique de supervision. Pour finir, quelques exemples cliniques sont présentés.

Mots-clés: Darstellbarkeit, supervision, figurabilité, symbolisation primaire, tiers analytique de supervision


 

 

A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é, pois, uma imagem que por uma razão qualquer se apresenta a mim carregada de significado, mesmo que eu não o saiba formular em termos discursivos ou conceituais. A partir do momento em que a imagem adquire uma certa nitidez em minha mente, ponho-me a desenvolvê-la numa história, ou melhor, são as próprias imagens que desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si.
ITALO CALVINO

 

 

Introdução

Em 6 de dezembro de 1896, Freud (2015) apresenta a seu amigo Fliess sua teoria da memória, composta por três tipos de traço de experiências vividas pelo sujeito: Wz (Ps), signos de percepção, o primeiro registro mnésico perceptivo, a primeira matéria psíquica (Freud, 1920/2006, 1923/2011, 1900/2019), incapaz de chegar à consciência como tal, mas ordenada por uma associação por simultaneidade; Ub (Ic), uma memória ordenada conforme outras relações, o que mais tarde chamará de representação-coisa; Vb (Pc), a memória pré-consciente, terceira reescritura, ligada à representação-palavra.

No decorrer da sua obra, esse aparelho de memória sofre algumas modificações. Em 1900, surgem o signo de percepção e o signo de pensamento. A junção desses investimentos permite um processo alucinatório dos traços anteriores, de maneira semelhante ao que acontece com o sonho e seu conteúdo representativo. Em "Recordar, repetir e elaborar" (1914/1976b), Freud diz que existem tipos de lembrança infantil que podem permanecer inacessíveis à consciência, mas que podem retornar de diferentes formas psíquicas - o agir, o sonho e a formação alucinatória -, as quais equivaleriam a lembranças. Em "Construções em análise" (Freud, 1937/1976a), afirma que esse retorno ocorreria na presença do analista, via transferência, num trabalho de construção que, no melhor dos casos, se tornaria uma convicção. Observa que a formação alucinatória poderia ser o equivalente de uma lembrança de períodos em que a criança ainda não tinha adquirido a linguagem.

Nossa intenção é compreender se esses traços de percepção, esses primeiros registros mnésicos de experiências vividas pelo sujeito, poderiam surgir de diferentes formas psíquicas num processo de supervisão. Muitos desses fenômenos já foram estudados por vários psicanalistas como parte do processo analítico, estudos que nos servirão de base teórica. Partimos, então, da ideia freudiana de que alguns traços mnésicos que se inseriram no aparelho psíquico não seguiram um caminho progrediente que lhes permitisse construir uma representação-palavra, permancendo não ligados no caldeirão do id, sem possibilidade de transformação. Essa impossibilidade, muitas vezes, estaria vinculada a situações traumáticas que permanecem atuais, sem condições de realizar um trabalho de simbolização, ou seja, seriam representações sem representação simbólica. Lembramos que ausência de conteúdo representado simbolicamente não significa ausência de acontecimento psíquico.

Apresentamos a hipótese de que esse caminho progrediente, se não tiver acontecido na sessão de análise entre paciente e analista, possa acontecer durante o processo de supervisão, para posteriormente ser vivenciado entre analista e paciente. Analista (com seu paciente) e supervisor (com seu supervisonando) ocupariam o lugar dos objetos primários capazes de investir esses traços e, portanto, enlaçá-los nas cadeias representacionais.

Darstellbarkeit: figurabilidade, presentabilidade

Darstellbarkeit é para Freud um dos elementos que participam do trabalho do sonho. No capítulo 6 de A interpretação dos sonhos (Freud, 1900/2019), Darstellbarkeit aparece como um procedimento específico desse trabalho, ao lado do deslocamento, da condensação e da elaboração secundária. É o substantivo do verbo darstellen, que coloquialmente significa explicar, descrever, mostrar, representar, tornar visualizável. Darstellen implica duplo movimento: "dar uma forma captável" e "mostrar"; portanto, colocar algo "na dimensão da linguagem (inteligível aos sentidos, por exemplo assumindo a forma pictórica, auditiva ou de códigos, ou ainda tomando a forma de língua verbal, da música etc.) e em seguida mostrar" (Hanns, 1996, p. 377).

Tradutores optaram por verter esse termo como figurabilidade, representabilidade, ou mesmo presentabilidade.1 Há controvérsias sobres essas escolhas, e não teremos espaço aqui para detalhá-las. Mas pensamos que o importante na escolha do termo é a compreensão de que Darstellbarkeit 1) é um movimento, "refere-se às condições objetivas ou às possibilidades de um conteúdo ser representável - ser colocado em imagens ou mostrado" (Hanns, 1996, p. 381) e 2) na obra freudiana é diferente de uma Vorstellung (representação).

Estamos interessadas em compreender se existe a possibilidade de que uma Darstellbarkeit ocorra num processo de supervisão, ou seja, de que elementos psíquicos muito primitivos do aparelho psíquico do paciente tomem forma captável durante um processo supervisório2 quando essas presentificações não puderam atingir algum tipo de linguagem na sessão analítica.

Obviamente consideramos que qualquer movimento que aconteça na mente da dupla implicada no campo analítico e supervisório será entendido como hipótese ou talvez mera construção. A validação do resultado desse processo não poderá se tornar uma afirmação categórica, apenas um suposto produto de um processo transferencial e contratransferencial. Sempre que se tratar de designar e compreender um processo inconsciente, identificando-o e nomeando-o, toda representação-palavra será apenas aproximativa.

 

O trabalho de figurabilidade: contribuições do casal Botella

César e Sára Botella (2001, 2007a, 2013) optaram por traduzir Darstellbarkeit como figurabilité. No entanto, Freud não descreveu a especificidade desse elemento do sonho, o que se tornará fonte de pesquisa para o casal Botella. A figurabilidade seria, para eles, uma

capacidade emergente que ocorre durante a regressão tópica do pensamento, ... [uma] tendência da via regrediente regida pelo princípio de convergência-coerência, correspondente ao que Freud nomeou como "uma função inerente ao psíquico" ... que exige unificação, coerência e inteligibilidade; na sua capacidade de transformação (no sentido bioniano) e na de integração (no sentido winnicottiano), a figurabilidade tem um papel de reorganizador do conjunto da vida psíquica. (Botella & Botella, 2007b, pp. 83-84).

O trabalho de figurabilidade seria um processo psíquico fundador, que se desenvolve através da via regrediente e é determinado pela tendência a fazer convergir os dados do momento - estímulos internos e externos - em uma única unidade inteligível. Visa "ligar os elementos heterogêneos presentes numa simultaneidade atemporal sob a forma de atualização alucinatória, na qual a forma original mais elementar será uma figurabilidade" (Botella & Botella, 2001, p. 66). O estado regrediente do pensamento em sessão é indissociável da existência de uma zona de não representação no centro do psiquismo, constituindo-o e participando do funcionamento inconsciente.

Esse trabalho de figurabilidade acontece por meio do trabalho em duplo (Botella & Botella, 2001), operado entre dois psiquismos e permeado pela necessidade de complementaridade. Essa necessidade é às vezes tal que o objeto psíquico só é completo na união do trabalho de dois psiquismos, conforme a ideia de Green (1974/1990). Esse trabalho em duplo é um "ato complexo, feito por vezes pela passividade e pela apropriação, revelador, criador de dados psíquicos"; nele "não existe identificação no sentido próprio do termo, mas uma capacidade perceptiva primitiva, imediata, comparável à figurabilidade, à percepção endopsíquica do sonho", capaz de revelar e criar dados psíquicos (Botella & Botella, 2001, pp. 113 e 115). Tem uma qualidade processual que permite ao analista a produção de uma figurabilidade reveladora de um tipo de traço, da ordem do perceptivo, que jamais acedeu a uma representação e que poderá enfim se representar graças à sua integração no trabalho de figurabilidade do analista.

A transformação criativa que acontece durante a sessão analítica e na de supervisão é o equivalente econômico/dinâmico do processo de um sonho noturno, com a sessão funcionando como o trabalho onírico. A via alucinatória em sessão seria uma construção em análise (Falcão, 2008; Freud, 1937/1976a), o überdeutlich considerado como um efeito da intensidade sensorial somática que permite alcançar uma alucinação. A figurabilidade se torna produtiva à medida que indica ao analista um caminho que ele possa seguir na sessão; é um sinal de alerta (Falcão, 2011).

 

Darstellbarkeit e presentabilidade: contribuições de Laurence Kahn

Diferentemente do que propõem os Botella (2007a), Laurence Kahn (2012) entende que a palavra Darstellbarkeit não comporta, na sua forma em alemão, nada que se associe à noção de figura, de imagem. Teria a função de articular uma ação: tornar algo presente. Darstellbarkeit se refere a Darstellung, que se vincula com qualquer coisa que se presentifica à consciência perceptiva. Essas presentificações que se tornam conscientes podem tomar formas variáveis, incluindo formações que não recorrem à imagem. A presentificação permite a realização de satisfação, é imediata, desligada da obrigatoriedade temporal, da esperança e da espera. "Ela se faz ser porque se faz perceptível" (Kahn, 2012, p. 50). A autora acredita que apenas a presença de uma imagem não seria suficiente para as elaborações. É preciso criar zonas onde os dois protagonistas da situação analítica - incluindo aí a sessão de supervisão - se deem conta dessa presença, a transportem para o campo da presentificação e a elaborem na transferência sob a forma de uma representação.

Aquilo que se presentificou na sessão precisará ser transformado numa narrativa, que por sua vez conterá uma modalidade de inserção, um poder de metamorfose da matéria sensível ao ritmo do discurso, em que o sintagma toma parte. Uma desarmonia entre a intensidade e a referência vai prender o que está em falta no analista, levando a outra escuta. Compreender, para Kahn, consiste sempre em juntar um elemento perceptivo à informação do próprio corpo: a "primeira experiência de discernimento tem necessariamente entrelaçadas as imagens motoras com os traços mnésicos do objeto da satisfação" (2012, p. 195).

Em nosso entendimento, as concepções de Kahn estariam de acordo com a ideia de Roussillon a respeito da simbolização primária, compreendendo que essa simbolização liga dois tipos de imagem, ou seja, dois traços diferentes do objeto. Para a autora, a simbolização primária também está presente no trabalho do sonho. No entanto, entende que o que Freud nomeia como signo de percepção, primeira inscrição psíquica, torna-se precisamente o pivô de uma disjunção que ainda não aparece, mas que está pronta para operar no seio da entidade afeto.

 

Simbolização primária: contribuições de René Roussillon

Como Kahn (2012), Roussillon traduz Darstellbarkeit como presentificação, mas justamente por causa dessas confusões desenvolveu a noção de simbolização primária e secundária (Roussillon, 1999, 2013). Diferentemente dos Botella, entende que existem formas de simbolização primária que também ocorrem em presença do objeto, e não somente em sua ausência. Entende que a designação de experiências sem representação, encontrada com frequência na literatura psicanalítica quando uma experiência traumática ocorre, só poderia significar sem representação simbólica. Afirma que, se houve sideração, pavor ou terror, isso aconteceu exatamente em razão de certa representação da cena traumática que, no mínimo, será a representação de uma ausência de representação aceitável. Uma representação simbólica contém o traço de um movimento reflexivo que a torna presente e a reconhece como representação psíquica, fazendo com que ela se subjetivize como representação, e não apenas como percepção. O trabalho de simbolização primária é o trabalho que recebe o primeiro registro para ser apreendido como representação; é neste e através deste trabalho que a representação é concebida como re-presentação, nova presentificação interna - que poderá ser refletida como tal e tornar-se consciente do que é.

A simbolização primária corresponde aos primeiros processos de transformação no aparelho psíquico. É

a "primeira matéria" da experiência, o traço mnésico perceptivo que contém o traço sensório-motriz do impacto do encontro do sujeito com um objeto ainda mal diferenciado, mal identificado, que mistura parte do sujeito e parte do objeto a uma possibilidade de cenarização suscetível de "tornar-se linguagem", suscetível de ser narrada a um outro sujeito, de ser compartilhada e reconhecida por um outro sujeito, e assim tornar-se integrável na subjetividade. (Roussillon, 2001, p. 231)

Por meio desse processo, os traços perceptivos serão transformados em representações-coisa, ou seja, acontecerá o primeiro trabalho de metabolização da experiência e da pulsão (Roussillon, 1991, 1995). Entre a primeira inscrição mnêmica, a perceptiva, e a segunda inscrição mnêmica, a conceptual, ocorre um trabalho psíquico de metabolização, um trabalho de representação e de capacitação autorrepresentativa desse trabalho. Esse aspecto é crucial para diferenciá-lo do trabalho de simbolização secundária, que conduz às representações linguísticas (Falcão, 2017, 2020; Roussillon, 2009, 2010).

Há um modo de simbolização que se produz em presença do objeto, e não somente em sua ausência; um modo de simbolização que simboliza o modo de presença e de encontro com o objeto. O sentimento de satisfação depende do prazer do objeto, e não apenas da descarga das excitações pulsionais ligadas à erogeneidade de zona, ou conectadas à diminuição das tensões ligadas à autoconservação (Roussillon, 2010). A simbolização não liga uma representação a um objeto; antes, liga dois traços do objeto no interior da vida psíquica - pensamento que, nos parece, estaria próximo da ideia dos Botella de que a figurabilidade liga elementos heterogêneos presentes no aparelho psíquico. A teoria da simbolização depende da representação que se faz do número de traços e da ligação que existe entre esses diferentes traços.

 

O terceiro analítico supervisório: processo supervisório,3 campo supervisório e transformação contínua

As ideias teóricas dos Botella, Kahn e Roussillon, apesar de apresentarem alguns aspectos divergentes, do nosso ponto de vista e para este nosso estudo, não são excludentes, uma vez que as três propostas dão importância para as primeiras inscrições psíquicas, para a forma como elas se constituem no aparelho psíquico diante de objetos primários traumatizantes e para os destinos delas. Os autores estão de acordo quanto à existência de fenômenos mnésicos que jamais chegarão à consciência. Consideram fundamental a disponibilidade do analista para percorrer um caminho regrediente, possibilitado pelo processo de transferência e contratransferência. Concordam que isso se torna insuficiente se não houver a capacidade de transformar o movimento psíquico em uma narrativa que ofereça alguma compreensão do movimento ocorrido.

Do nosso ponto de vista, um processo supervisório capaz de transformações apresenta elementos complexos que percorrem esses mesmos caminhos.

Utilizamos aqui a expressão processo supervisório (em vez de supervisão) para destacar o movimento, o trabalho psíquico, a existência de um montante de energia pulsional que circula nesse processo que necessita de investimento do supervisor e do supervisionando. Freud (1900/2019) falava em trabalho do sonho a fim de mostrar que, para fabricar um sonho, vários elementos e mecanismos do aparelho psíquico entram em ação, assim como os Botella falam em trabalho de figurabilidade para deixar claro que, se ocorre uma figurabilidade, é porque há trabalho psíquico em andamento.

Para um processo supervisório ocorrer, será necessário o estabelecimento do que Vollmer et al. (2007) chamaram de campo supervisório. Eles entendem que, durante o processo de supervisão, é formada uma estrutura denominada campo supervisório - uma expansão do conceito de campo analítico descrito pelo casal Baranger4 nos anos 1960 -, com características semelhantes às do campo intersubjetivo criado pela dupla analisando-analista. Ali se encontra um interjogo de identificações projetivas com objetos provenientes do mundo interno do paciente, que são revividos na relação analítica e transpostos para o campo supervisório. Os autores compreendem que as identificações projetivas, como descritas por Bion, na sua dimensão comunicativa e intersubjetiva, dominam o setting e depois se transpõem para a relação do analista com o supervisor. A experiência afetiva vivida pela primeira dupla vai ser revivida pela segunda. A partir desse movimento, o supervisor torna-se observador e participante da sessão, experienciando a situação emocional transmitida pelos objetos internos contidos nesse campo supervisório; ao utilizar sua capacidade negativa para sonhar, pode tomar consciência da realidade ainda não conhecida e transformá-la em uma realidade familiar.

Essa forma de entender o processo e o campo supervisório estaria de acordo, na nossa visão, com a maioria dos colegas que compreendem que a supervisão - o processo supervisório - implica a necessidade de criar um lugar de intimidade, confiança e respeito; que pensam que nesse processo emergem teorias oficiais e implícitas compartilhadas entre analista e supervisor (Goldfajn & Vieira, 2018); e que consideram o clima emocional fator crucial para uma possível evolução do processo (Bernman, 2000). Concordamos que é um momento de encontro de inconscientes que se inicia entre analista e analisando e segue através da tríade analisando-analista-supervisor (Carlan, 2016), e que um dos objetivos do processo supervisório é a percepção, com maior clareza, de transferências entre paciente e analista. O analista em trabalho supervisório pode desenvolver uma escuta de si mesmo (Beetschen, 2016), que possibilite sonhar a sessão clínica e ajudar o supervisionando a sonhar os elementos da sua experiência com o paciente (Ogden, 2005).

Em um processo de análise, para que haja transformações, são necessários dois aparelhos psíquicos - o do analisando e o do analista - num determinado espaço de tempo e num lugar predeterminado, o setting analítico. Compreendemos que o processo de supervisão se dá da mesma forma, e o espaço que ali se cria pode ser pensado como um espaço potencial, aquele descrito por Winnicott (1971/1975). O modelo dos processos terciários proposto por Green (1972/1995a), que induzem a relação dos processos primários e secundários, portadores de poderes autorreflexivos do eu, é útil para compreendermos o processo de supervisão. Os processos terciários são "processos que colocam em relação os processos primários e os processos secundários, de tal forma que os processos primários limitam a saturação dos processos secundários, e os processos secundários, a dos primários" (p. 152). Portanto, a mobilidade libidinal que existe entre esses processos e a possibilidade de transformação dessa energia libidinal pela possibilidade de converter um processo primário em secundário, ou vice-versa, permitirá que o "duplo jogo dos processos primários e secundários proteja contra a tirania exclusiva de uns sobre os outros" (p. 153). Nossa hipótese recai justamente sobre a ideia de que existem aspectos não representados - elementos do processo primário - que exercem uma força pulsional tirânica, impedindo ligaduras necessárias para a construção de representações pelo processo secundário. Esses elementos não só estão presentes na mente do paciente como invadem a mente do analista/supervisionando, que necessitará de um processo terciário para dar conta disso, processo que vivenciará na sessão de supervisão.

Green apresenta um exemplo esclarecedor:

Se relacionarmos a e b, a relação não é especificada por um terceiro termo c, mas pela ou pelas relações [grifo nosso] entre a e b. Se esta pede uma sigla, na escrita analítica, seria o x. Ficaria assim: a (x) b ou b (x) a; a condição básica para que a (processo primário) e b (processo secundário) funcionem é, portanto, a relação, essas formações intermediárias. (1972/1995a, p. 154)

Muito influenciado pelas ideias de Winnicott (1971/1975, 1968/1988, 1969/2000), Green afirma:

O verdadeiro objeto analítico não seria nem o do paciente nem o do analista, mas o da reunião desses dois discursos no espaço potencial que existe entre eles, limitados pelo enquadre que se rompe a cada separação e se reconstitui a cada reunião. (1974/1990, p. 102)

Diz ainda que "o objeto analítico não é interno (ao analisando ou ao analista) nem externo (a um ou a outro), mas a relação entre os dois" (1975/1995b, p. 201). Existem "três objetos, que são os dois pedaços separados e o objeto correspondente à sua reunião. Na sessão, o objeto analítico é como esse terceiro objeto, produto dessa reunião constituída pelo analisando e pelo analista" (2002a, p. 251). De acordo com Green (2002a), Ogden (1994/1996) retoma algumas dessas ideias e forma o conceito do terceiro analítico.

Baseadas nessas referências teóricas e nas nossas experiências com processos supervisórios, criamos a suposição de que na sessão de supervisão se criaria um terceiro analítico supervisório. A força pulsional tirânica não só está na mente do paciente como invade a mente do analista/supervisionando durante a sessão analítica, inscrevendo esses traços que permanecem impedidos de enlace (Bindung). O supervisionando chega para a sessão de supervisão com seus processos primários, que agora contêm também elementos sem representação simbólica do aparelho psíquico do paciente. Nesse encontro supervisório teremos, pois, um processo terciário (Green, 1972/1995a): os dois objetos separados - analista e supervisor - e o objeto que corresponde à sua reunião, o terceiro analítico supervisório. Através desse terceiro objeto criado e criador de investimentos, cria-se uma nova inscrição potencialmente apta para a tessitura do caminho da representação-palavra e, consequentemente, para a possibilidade de uma narrativa. A forma como essa narrativa será apresentada e vivida pela dupla supervisionando-supervisor será criadora e reveladora de uma multiplicidade de estados mentais, facilitadores de novas construções psíquicas relacionadas com aspectos do traumático do paciente que não puderam ser representados simbolicamente. Portanto, um processo gerador de transformações contínuas.

 

Apreensão das representações sem representação simbólica através do processo supervisório: os três tempos

Esquematicamente, propomos três tempos do processo de supervisão.

Tempo 1: sessão de análise. Representações sem representação simbólica do aparelho psíquico do paciente se presentificam no campo analítico. Ocorre a inscrição de traços, de um material ainda sem forma representacional - Darstellung -, "impressões dos sentidos" (Freud, 1916/2014, pp. 243-244), uma massa energética de moções pulsionais inelaboráveis e desligadas de qualquer capacidade representacional, expressão de uma força pulsional bruta (Green, 2002b). Na nossa hipótese, essa forma bruta é captada pelo aparelho sensório-perceptivo do analista na sessão com o paciente, mas permanece intraduzível nesse primeiro tempo, mantendo-se como processo primário. Permanece bruta porque não foi ligada e introjetada pelo par pulsão-resposta do objeto primário, e carrega aspectos do traumático, o que se repete na sessão analítica. Portanto, essa primeira inscrição capaz de existência - simbolização primária - se inscreve agora no aparelho psíquico do analista, decorrente do sensório-perceptivo, que, se investido e ligado, poderá percorrer o caminho da representação para se tornar, quem sabe, simbólico.

Tempo 2: sessão de supervisão. O traço que se inscreve no analista no tempo 1, uma espécie de registro primordial na psique do analista, será comunicado - presentificado - durante a sessão de supervisão, num trabalho em duplo, supervisionando-supervisor. Ocorre no tempo atual, como um amálgama de fragmentos que a força do traumático infantil ejeta. Essa emergência não se dá apenas por imagens visuais, mas também por flashes corporais (Falcão, 2011), sons, ritmos, sensações olfativas, percepções que, numa sequência, ganham forma e capacidade de representabilidade e que podem ocorrer tanto na mente do analista como na do supervisor.

Tempo 3: reflexão e narrativa. A dupla supervisionando-supervisor abre caminho para a possibilidade de que uma nova inteligibilidade se apresente/represente no campo, uma nova inscrição inteligível, permitindo um movimento transformador - trabalho psíquico -, talvez até uma possibilidade de representação-palavra e simbolização integradas no eu-sujeito, componentes da subjetividade. Esse tempo prepara o caminho para o terreno onde se dará a vivência narrativa na presença do analista e seu paciente, tão bem descrito por Kahn: "Do ato à designação, do fazer ao nomear, junte-se, no terreno instável das palavras, no movimento das formas, as silhuetas daquilo que cegamente nos comanda e daquilo que obstinadamente desconsidera a cegueira" (2012, p. 236). Portanto, uma transformação contínua, que transcende o pensamento além de cada um dos seus enquadres formais, conforme expressão de César e Sára Botella (2020, comunicação pessoal).

 

O grito e o fogo

Lucas é um jovem inteligente, que faz um doutorado na sua área profissional. Busca análise em razão de seu frequente envolvimento em brigas e discussões no trabalho, especialmente nos momentos em que as relações se tornam mais próximas.

Tempo 1. Por volta do início do segundo ano de análise, Lucas passa a gritar no meio do seu discurso, praticamente toda vez que a analista faz algum movimento de maior proximidade. Por mais que tentassem compreender o significado do que estava acontecendo, os gritos só aumentavam. Semanas depois, ele introduz outro elemento: emite um som, como um sopro constante, mexendo boca e lábios de forma estranha. Num desses momentos, a analista é interceptada pela imagem da tela O grito, de Munch - vivencia a invasão na sessão de um grito de angústia e pavor.

Tempo 2. Na sessão de supervisão, enquanto a supervisionanda narra a presença de O grito, a supervisora não consegue figurar a tela de Munch, mas é invadida, com certa violência, pela imagem de uma fogueira, com labaredas intensas. No momento seguinte, surge um novo quadro, onde O grito e a fogueira aparecem sobrepostos. A supervisora lembra que a pintura de Munch contém as cores das labaredas. Esse movimento de "plasticidade momentânea remarcável" (Botella & Botella, 2001, p. 57) reflete uma complementaridade, tal qual o objeto psíquico que se cria e se completa na união de dois psiquismos (Green, 1973).

Tempo 3. O texto freudiano sobre o fogo (Freud, 1932/1987) é lembrado pela supervisora: aponta para um potencial traumático relacionado com aspectos excitatórios orais, em que as formas de expressão seriam os gritos e os movimentos com a boca, atuados corporalmente nas sessões. A partir da construção de uma nova tela, abriu-se caminho para o exame de algo sem representação simbólica. O corpo, o grito e a boca se manifestavam como expressão de um sexual traumático e primitivo. Lembranças começam a surgir, ocupando o lugar dos gritos e dos sopros, e aspectos da sexualidade infantil do paciente são agora narrados e associados a violências, com muita angústia. Algumas semanas mais tarde, numa sessão carregada de emoções, a imagem de O grito retorna para a analista. Dessa vez, ela diz ao paciente que se recordou da tela de Munch. Lucas parece surpreso e tocado. Depois de um silêncio importante, traz uma lembrança de quando tinha 7 anos: o abuso sexual por parte de um professor da escola. Na continuidade da análise, examinou-se que, além de ficar muito assustado (O grito), também ficara curioso e excitado (as labaredas). O caráter traumático surge de um acontecimento impossível de ser representado simbolicamente, podendo ser compreendido numa negatividade: uma violenta e brusca ausência de tópicos e de dinâmicas psíquicas, uma ruptura da coerência psíquica, o colapso dos processos primários e secundários, na perda pelo eu de seus meios.

Entendemos que, para os Botella (2001), essa desorganização brutal encontraria sua origem não numa percepção, mas na ausência de sentido do violento excesso de excitação e do estado de desamparo do eu, na impossibilidade para o eu de os representar, de os apresentar à consciência. Segundo Roussillon (1999), esse pavor ocorreria justamente porque houve certa representação da cena traumática que se dá em presença do objeto. O trabalho da sessão de análise, complementado pelo da sessão de supervisão, facilita que, secundariamente, o eu possa encontrar um sentido, uma causa para o seu desassossego, para os seus gritos, que retornam diante da percepção imediata e simultânea de um perigo.

 

Canos e conexões

Marcela é uma mulher interessante, que prende a atenção e instiga a curiosidade. Busca análise por causa de crises de pânico, após uma situação de ansiedade de separação vivenciada com os pais, que foram residir no exterior. Apesar do estado inicial de intensa ansiedade e desorganização da paciente, ao longo do processo se compreende tratar-se de uma estrutura neurótica, com conteúdos traumáticos ainda não elaborados.

Tempo 1. Marcela descreve uma situação de trabalho com o chefe, na qual os dois têm diversos desencontros e não conseguem uma comunicação efetiva, o que a deixa frustrada e numa ansiedade tal que parece se encaminhar para outra crise de pânico. A analista se sente desconectada e com a impressão de que o tom do discurso e a intensidade da crise são incompatíveis. Momentos como esse já vinham ocorrendo, e as tentativas de compreensão e interpretação não tinham sucesso. Discursos em paralelo que não se encontram: Marcela e o chefe, Marcela e a analista.

Tempo 2. Em uma sessão de supervisão, a analista está relatando esse material, e a imagem visual que surge para a supervisora é a de uma espécie de parede, que parece estar sendo reformada: a parede está aberta, e os canos, desconectados. A analista, num gesto corporal espontâneo, complementa a imagem com mãos que instalam a peça que falta, fazendo a conexão entre as partes. A imagem agora é a de mãos que se comunicam, as extremidades soltas se conectam. Na figura criada pela supervisora há um buraco, algo que faltou ser construído ou foi destruído pelo impacto do traumático, e que precisará ser preenchido.

A ansiedade de separação primeva revivida no atual, com o afastamento dos pais, e os desencaixes gerados a partir daí evidenciam partes separadas que precisam de conexões para que a engrenagem volte a funcionar. Mesmo que o exame e a interpretação dessa ansiedade de separação já tivessem acontecido, foi necessário outro caminho para que essa situação traumática pudesse se presentificar na análise. Provavelmente Marcela paralisara a sua capacidade de pensar pela impossibilidade de representar o trauma, que até então aparecia no campo como transbordamento para o corpo - crises de pânico.

Tempo 3. Em sessões subsequentes, quando novas situações semelhantes surgiram, a analista comunica a imagem dos canos desconectados e Marcela fica bastante impactada. O gesto das mãos mostrando a peça sendo encaixada passa a fazer parte do repertório da dupla. Novos aspectos de Marcela puderam surgir. Ela, que sempre foi tão gentil e organizada, passa a atrasar o pagamento. A agressividade/destrutividade começa a entrar no campo. Numa sessão subsequente de supervisão, uma nova imagem surge na mente da supervisora: um grande tigre (novo tempo 2) associado a uma memória da sua infância, um comercial de televisão - "Tubos e conexões Tigre". A imagem do tigre, já fruto da inteligibilidade em ação, simboliza, conecta a pulsão destrutiva com a força, pulsão de vida, em um movimento contínuo que permite a construção de novas conexões na análise.

 

Considerações finais

As imagens de origem sensorial servem somente de veículo e de material ao poder verbal, no qual o onírico e o cósmico nos oferecem a verdadeira dimensão. ... Esta imagem-verbo, que atravessa a imagem-representação, é o símbolo.
PAUL RICOEUR

Para encerrar, gostaríamos de sublinhar que o processo supervisório é permeado por uma conjunção de materiais do aparelho psíquico do analisando, do analista e do supervisor. Esses aspectos podem se presentificar no campo supervisório através de diferentes formas de vivência psíquica (Freud, 1914/1976b): mesmo sem forma (Kahn, 2012), como processos de simbolização primária (Roussillon, 1999) ou via trabalho de figurabilidade (Botella & Botella, 2001), como experiências psíquicas vividas e inscritas ali pela primeira vez (Falcão, 2008). Experiências afetivas que não puderam se presentificar no momento da sessão do paciente com o analista surgem na sessão de supervisão, permitindo novas inscrições psíquicas.

A hipótese do terceiro analítico supervisório passa a ser vista por nós como uma conjunção teórica. O trabalho de apreensão das representações sem representação simbólica durante a sessão de supervisão se construiu como hipótese de processos inter e intrapsíquicos, de movimentos pulsionais e objetais, que acontecem durante o processo de supervisão e abrem caminho para possíveis novas inteligibilidades, o que permite a suposição de um terceiro analítico supervisório. No entanto, como lembra Kahn (2012), quando a coisa incognoscível em si - passível de apreensão apenas por inferência - se presentifica através de traços das experiências possíveis, convém limitar as pretensões de uma inteligibilidade para não ultrapassar os limites transmitidos ao conhecimento. Portanto, as conjeturas aqui apresentadas se desenham como uma tentativa de aproximação, e apenas isso, daquilo que pode ser apresentado pelo aparelho psíquico do ser humano num processo de relação com o outro.

 

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Recebido em 10/12/2020
Aceito em 12/4/2021

 

 

1 Ver, por exemplo, a Edição standard brasileira (Freud, 1969), o Dicionário comentado do alemão de Freud (Hanns, 1996) e a tradução de A interpretação dos sonhos feita por Paulo César de Souza (Freud, 1900/2019).
2 Optamos por utilizar a expressão processo supervisório, relacionando-o com o campo supervisório referido por Vollmer et al. (2007). Voltaremos a esse ponto adiante.
3 No momento da conclusão deste artigo, recebemos a triste notícia da perda do nosso colega Luís Carlos Mabilde e, alguns dias depois, a comunicação de que o seu trabalho "Confidences and inconfidences in psychoanalytical supervision as a convergence of the three models of training" recebera o prêmio Psychoanalytic Training Today Award, concedido pela Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Encontramos nesse seu artigo vários elementos que estão de acordo com a nossa forma de pensar o processo de supervisão.
4 Esse autores criaram um novo conceito, o campo psicanalítico, para falar da dinamicidade da situação analítica como uma "situação de duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares enquanto está durando a situação, e envolvidas num mesmo processo dinâmico. Nenhum membro dessa dupla é inteligível dentro da situação sem o outro" (Baranger & Baranger, 1961-1962/1969, p. 129).

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