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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.20 Canoas dez. 2004

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

Sobre a psicologia no contexto da infância: da psicopatologização à inserção política

 

On psychology in the context of childhood: from psychopathology to political insertion

 

 

Lílian Cruz1,I,II; Neuza Guareschi2,I

I PUCRS. Programa de Pós-Graduação em Psicologia
II UNISC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva fazer um resgate histórico da infância no Brasil a partir do período denominado filantrópico-higienista até os dias atuais. Inicia com o Movimento da Escola Nova, com a instauração sutil das formas de disciplinarização. Logo, a introdução da Psicologia nas políticas públicas se deu através dos estudos sobre o desenvolvimento infantil e as diferenças individuais, que resultaram e subsidiaram o trabalho dos profissionais desta área no Juizado de Menores, na FUNABEM, bem como nas atuais entidades de abrigos, já reordenadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. Considerando algumas pesquisas sobre o discurso psi, problematizamos a inserção da Psicologia no debate sobre as políticas públicas, especificamente na área da infância denominada vulnerável.

Palavras-chave: Psicologia e políticas públicas, Infância e adolescência, Profissionais e entidades.


ABSTRACT

This article aims to do a historical review of childhood from the period called philantropic-hygienist up to today. It begins with the New School Movement, with the subtle instauration of forms of discipline. Thus, the interface of psychology with the studies on childhood development and individual differences, that resulted and supported the work of the professionals of this area in the Juizado de Menores, at FUNABEM. As well as in shelter entities, already reorganized through the Estatuto da Criança e do Adolescente. Seeing some researches on the psychological discourses, we problematize the introduction of Psychology in the debate about public policies, specifically in the childhood area entitled vulnerable.

Key words: Psychology and public policies, Childhood and adolescence, Professionals and entities.


 

 

A ‘infância’ pode ser considerada um objeto de estudo recente na pesquisa. Até porque a própria ‘noção de infância’ é um acontecimento novo, que se consolidou a partir do clássico estudo de Ariès (1981). Corazza (2002) vai dizer que, embora este seja uma referência para a historiografia da vida cotidiana, também recebeu suas críticas, principalmente no que se refere à ausência de comprovações das hipóteses e também por não ter contemplado todo o segmento das classes sociais em desvantagem. Entretanto, a autora afirma existir unanimidade em reconhecer que “Ariès não somente abriu um novo caminho de pesquisa, bem como estabeleceu um conjunto de categorias para trabalhar este novo objeto infância” (p.83). Dentre estas podemos citar, descoberta, invenção, conceito, natureza, sentimento e consciência. Estas categorias continuam sendo “contestadas, refutadas, revisadas, por isto mesmo, incitaram uma abundante produção discursiva que constituiu esse novo campo epistemológico” (p.83).

Importante considerar que nesta “nova orientação historiográfica”, Corazza (2002) cita a influência da produção foucaultiana, pois através da história social, seja em seu método e seus temas, colocou em cena a família, os vínculos parentais, as instituições escolares, os sistemas disciplinares e punitivos, os cuidados e as formas de criação dos filhos, dentre tantas outras temáticas imbricadas na história da infância. Apontamos que em todas estas a psicologia está presente.

Assim, este artigo objetiva fazer uma breve retrospectiva da história da infância no Brasil como uma forma de compreendermos a atual configuração das políticas públicas nesta área. Iniciamos com o Movimento da Escola Nova, com a instauração sutil das formas de disciplinarização. Logo, a inserção da psicologia com os estudos sobre o desenvolvimento infantil e as diferenças individuais, que resultaram e subsidiaram o trabalho dos profissionais desta área no Juizado de Menores, na FUNABEM, bem como nos atuais equipamentos de proteção à infância, já reordenados a partir do Estatuto da Criança e de Adolescente (ECA). Considerando algumas pesquisas sobre o discurso psi, problematizamos a inserção da psicologia no debate das políticas sociais públicas, especificamente na área da infância denominada vulnerável.

Através de uma sucinta contextualização histórica referente as políticas públicas na área da infância, no período compreendido entre 1880 a 1924, constatamos que este caracteriza-se pela introdução das idéias higienistas-eugênicas3 . Nesta época, embora o monopólio no atendimento a menores4 ainda fosse de entidades privadas, percebe-se o fomento da participação do Estado nesse campo. Lembremos do cenário brasileiro. O país passara por mudanças econômicas e políticas, como o fim do regime de trabalho escravo e a imigração de trabalhadores europeus. Como corolário, o crescimento demográfico (negros libertos, nacionais migrados do campo, estrangeiros, mulheres e crianças) acarretou no saturamento do mercado de trabalho e, logo, as cidades cresceram de forma desordenada em áreas em processo de modernização. E o êxodo não se deu acompanhado de proporcional aumento de empregos, nem de serviços públicos voltados à educação e à saúde (Bulcão, 2002). As conseqüências foram visíveis nas grandes capitais, onde um grande contingente de crianças e adolescentes vivendo nas ruas, sob condições insalubres, ganham visibilidade, juntamente com as epidemias. Desta forma, os chamados menores tornam-se um problema do poder público. As intervenções estatais na questão do atendimento à menoridade marginalizada pelas redes de modernização das cidades começaram nesta época. As medidas higiênicas, visando a tirar as crianças das ruas e a interná-las em instituições apropriadas, denominadas casas de correção, tinham como método a educação pela disciplina do trabalho (Martins & Brito, 2001).

Neste sentido, percebe-se a preocupação com a gestão e a tutela dos chamados perigosos, instituindo-se a noção de periculosidade. Isto significa, segundo Foucault (1996), que os indivíduos devem ser considerados pela virtualidade de seus comportamentos, e não por infrações efetivas. A partir desta noção, formam-se uma série de instituições nomeadas instituições de seqüestro, cuja finalidade é fixar os indivíduos a aparelhos de normatização, buscando enquadrá-los e controlá-los ao nível de suas virtualidades. Tais formas de organização e controle da sociedade são características do que Foucault convencionou chamar de “sociedade disciplinar”, em que um dos pilares desta é a vigilância5 . Desta forma, o discurso do modelo disciplinar é fundado na norma, produzindo uma sociedade de normalização. Essa norma serve para que o indivíduo possa balizar seu comportamento pelo comportamento “médio”, codificado como “normal”.

É neste cenário, onde a preocupação é a vigilância do que pode vir a ser perigoso que ganha força a preocupação com a prevenção (Bulcão, 2002). Assim, podemos dizer que a prevenção fundamenta-se na idéia eugênica, de que purificando a raça se evitariam os caracteres nocivos presentes nas “raças inferiores”6 . Esta preocupação estava relacionada com o inchaço das cidades e os riscos que ocasionava à saúde. Com isto, há uma reorganização da Medicina, que desloca seu objeto da doença para a saúde, aumentando sua entrada na sociedade, bem como sendo utilizada como apoio técnico-científico ao exercício do poder do Estado e de diferentes micro-poderes.

Bulcão (2002) refere que a higiene se fez presente através do saber médico, onde a preocupação era higienizar os espaços públicos para poder melhor controlá-los. Contudo, a limpeza das cidades passava pelos hábitos e comportamentos das famílias, tornando urgente a intervenção dos médicos nesse campo, criando a necessidade de uma educação sanitária para as famílias7 . Como conseqüência das transformações familiares emergiram os sentimentos de intimidade e de infância, até então desconhecidos (Frontana, 1999). Um novo olhar recai sobre a criança, concebendo-a como um ser em desenvolvimento, como matriz físico-emocional do adulto. Um ser que inspira cuidados e proteção no decorrer do seu desenvolvimento, constituindo-se uma das estratégias para se obter um adulto moldado às exigências de um Estado que se pretendia moderno, o que só poderia ser viabilizado mediante investimento numa formação do indivíduo que lhe permitisse incorporar as idéias de pátria, de nação moderna. A partir deste princípio, inverteram-se os papéis no âmbito da família, onde a criança passou a ocupar um lugar central. Contudo, a centralidade da criança, absorvendo a atenção e o amor dos pais, permitiu que a família perdesse sua primazia na sociedade, cedendo lugar e poder ao Estado. Este assumiu para si o papel de defensor da família e da propriedade. Desta forma, a autora atenta para a relação de interdependência que começa a se esboçar entre o Estado e a família.

Associada à intervenção da Medicina, neste mesmo contexto, surge o discurso no campo jurídico. É a vez dos juristas preocuparem-se com a infância, pois o grande número de crianças que perambulavam pelas ruas estava fazendo aumentar a criminalidade. Muitos autores, como Bulcão (2002), Rizzini e Pilotti (1995) e afirmam que a infância foi judicializada neste período e que o termo ‘menor’ foi incorporado ao nosso vocabulário devido aos juristas. Rizzini e Pilotti (1995) enfatizam que não houve nenhum tipo de problematização à categoria ‘menor’ e que este termo incluía as seguintes classificações: abandonado, delinqüente, desviado e viciado.

Os campos da psicologia e da pedagogia também se organizaram neste contexto, com o objetivo de estabelecer uma nova educação que possibilitasse a produção de um novo cidadão e o assentamento de uma nova raça: sadia e ativa. Na década de 20 disseminaram-se as campanhas e reformas sob a denominação de “Movimento da Escola Nova”. Segundo Pinto (2003), este movimento surgiu a partir das discussões realizadas na Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924. A ABE8 organizava os chamados “reformadores sociais”, produzindo a função do técnico indispensável e eficiente para tratar das questões educacionais, criando, assim, uma elite intelectual que acreditava ter a responsabilidade de dirigir a população brasileira no processo de transformação do país através da educação. A autora enfatiza que: “guiar e reformular os costumes, os gestos, os sentimentos e até os corpos da grande massa em que se constituía a população brasileira passava a ser uma das tarefas desses profissionais” (p.271)9 .

Importante salientar que a Escola Nova possuía o respaldo científico, podendo ser observado todo o movimento paralelo de valorização do discurso científico em detrimento de outros saberes que porventura existissem. É exatamente neste sentido que os estudos da psicologia eram bastante valorizados, ou seja, o objetivo era melhor conhecer aquela a quem se pretendia ensinar: a criança. Esta, que vinha recebendo grandes investimentos por parte de vários setores da sociedade, como os médicos e os juristas, desde o início da Primeira República. Desta forma, o “mito da ciência” fortalecia-se entre intelectuais, ocorrendo uma verdadeira cientificização da educação. Aos poucos, as escolas vão deixando se penetrar por determinados saberes, isto é, por “outras instâncias reguladoras para a tarefa de disciplinarização infantil, como a psicologia, a estatística, a biologia, a antropologia e a sociologia, que incutiam à pedagogia o status de ciência” (Pinto, 2003, p.274).

A psicologia destacava-se por seus estudos acerca do desenvolvimento e das diferenças individuais, isto é, por deter um conhecimento científico sobre o homem. Desta maneira, podemos observar uma mudança de enfoque, no movimento da Escola Nova, na medida em que a psicologia vai se consolidando como uma ciência experimental. Segundo Patto (1996), a Escola Nova passa do objetivo inicial de construir uma pedagogia afinada com “as potencialidades da espécie à ênfase na importância de afiná-la com as potencialidades dos educandos, concebidos como indivíduos que diferem entre si quanto à capacidade para aprender” (p.61).

A psicologia, ancorada em estudos experimentais e de observação de crianças, reforça as noções de variabilidade entre os indivíduos e de capacidades individuais diferenciadas. Nunes (1994) citado por Pinto (2003) afirma que a psicologia era representada como uma ciência da qual dependia o progresso da educação, sendo os testes uma das possibilidades para sua aplicação nas escolas. Patto (1996) enfatiza que, sendo cada indivíduo diferente do outro, caberia à psicologia “descobrir” os mais e os menos aptos - através de mensuração de aptidões naturais - , pois os pedagogos e psicólogos europeus e norte-americanos acreditavam na possibilidade de identificar e promover os mais aptos a partir dessas técnicas científicas. Acreditavam que desta forma, gerariam uma sociedade mais igualitária.

Neste período é criado o Laboratório de Biologia Infantil, órgão anexo ao Juizado de Menores10. Proposto em 1935, mas passando a funcionar apenas em 1936, o Laboratório tinha por objetivo auxiliar o Juizado a ser mais eficiente em suas funções de abrigar e distribuir as crianças que necessitavam de proteção e assistência pelas diversas instituições disponíveis. Desta forma, o Laboratório destinava-se a “fornecer as bases científicas para o tratamento médico-pedagógico da infância abandonada e delinqüente” (Oliveira, 2001, p.238). Ou seja, acreditava-se que o mesmo modelo científico - de classificação - poderia transformar o aparelho assistencial, solucionando o “problema da infância”.

Como já poderíamos supor, a psicologia apresentava-se como um dos instrumentos capazes de determinar as causas do desvio do menor [itálico nosso]. Desta forma, o exame psicológico procurava investigar o nível intelectual da criança e a existência, ou não, de distúrbios psíquicos. Oliveira (2001) esclarece que não há indícios referentes aos meios utilizados para tais diagnósticos11 .

De acordo com as finalidades do Juizado de Menores de observar, conhecer, estudar e classificar a criança, o Laboratório de Biologia Infantil lança mão de dois assuntos de caráter psicológico: a psicotécnica e o estudo da personalidade da criança12 . Assim, a “investigação dos interesses e do senso ético de crianças e jovens seria feita mediante o uso de testes, objetivando não só classificar, mas resgatar o desviante, enquadrando-o à normatividade dos registros da mão-de-obra infanto juvenil” (Oliveira, 2001, p.240). Desta forma, os saberes científicos, especificamente o pensamento psicológico, legitimou atitudes de exclusão e desqualificação de crianças e jovens pobres e delinqüentes, uma vez que fez (ou ainda faz) recair a terapêutica sobre o indivíduo desviante, esvaziando discussões quanto aos aspectos sociais que compõe o “desvio”13 .

Neste sentido, Martins e Brito (2003) apontam que a função primordial na vigência da Doutrina da Situação Irregular14 era a produção de relatórios técnicos, nos quais enfocavam a etiologia da infração e as causas da suposta “desagregação familiar” destes sujeitos. Os laudos daquele período reproduziam o padrão das elites sociais no que diz respeito à família, trabalho e moradia. Assim, a família era encarada como um pilar para a recuperação dos jovens denominados “infratores”. Contudo, se o simples fato de um jovem não contar com a presença do pai na família, esta já era considerada como desagregada ou desestruturada. Evidencia-se que o fator determinante que permitia incluir (ou excluir) estes jovens em certas medidas de ressocialização era a origem sócio-econômica de suas famílias. Neste contexto, “a reintegração social estaria calcada em uma total adaptação do jovem às regras e imposições institucionais, ou seja, o sujeito ‘adestrado’, passivo e conformado era considerado apto para retornar ao convívio social” (p.372/373).

Lembremos que o psicólogo apenas foi reconhecido e legitimado em 1962, “com a função de adequar, ajustar e adaptar o indivíduo ao mundo moderno” (Ayres, 2002, p.122). Entretanto, percebemos que o discurso psi já se encontrava disseminado em algumas práticas cotidianas, como no campo jurídico. Ayres afirma que dentre as matrizes que nortearam a trajetória da psicologia, duas se destacaram. Uma advinda do serviço social (assistencialista e clientelista) e a outra proveniente da concepção dicotômica da medicina (saúde/doença, normal/patológico, tratamento/prevenção).

Talvez tenha predominado a herança da cientificidade médica. E, assim, no campo jurídico, o psicólogo – supostamente neutro e objetivo – tenha sido chamado para desvelar o “verdadeiro indivíduo”, com o objetivo de subsidiar a decisão do juiz. Neste sentido, Miranda Junior (1998) lembra que a primeira solicitação à psicologia ocorreu no campo psicopatológico, advinda da justiça. Os psicólogos eram nomeados pelo juiz como peritos, para que emitissem laudos informando à instituição judiciária, “um mapa subjetivo do sujeito diagnosticado” (p.29). O diagnóstico psicológico servia para classificar e controlar os indivíduos e eram realizados com o uso de instrumentos e técnicas de avaliação psicológica. Neste sentido, dentre os esforços no sentido de definir políticas sistemáticas de intervenção, com o intuito de “recuperar” e “reintegrar” os jovens ao meio social, foi fundado o Serviço de Assistência do Menor (SAM), em 1942. Junto a este surgem os reformatórios, que abrigavam – sob regime disciplinar – “menores delinqüentes”. A estrutura destes era análoga ao sistema penitenciário (Martins & Brito, 2001). Assim, a disciplina e o trabalho eram os meios empregados para corrigir condutas que respondiam a defeitos morais. “Crianças e adolescentes eram tratados da mesma forma que adultos criminosos; entendia-se que precisavam ser punidos e excluídos do convívio em sociedade” (p.246).

Os idealizadores e defensores do SAM acreditavam que o modelo repressivo, bem como a contenção, faria extinguir a criminalidade. Por outro lado, Martins e Brito (2001) mostram a contradição, uma vez que tanto a criança como o adolescente autor de ato infracional, que chegassem ao Juizado eram considerados delinqüentes natos, indivíduos de má índole e dotados de alto grau de periculosidade. Desta forma, fica claro que as instituições corretivas, “sob o manto de uma proposta pedagógica adaptacionista, ou, mais tarde, reabilitadora, apenas institucionalizavam a exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes pobres, inviabilizados pela lei” (p.246).

As autoras afirmam que o SAM, a partir de 1960, começou a receber muitas críticas, como falta de higiene, instalações inadequadas, superlotação, ensino precário e exploração do trabalho dos internos. Além disto, a crítica mais dura e grave refere-se à acusação de contribuir para a marginalização dos jovens pobres e “ineficaz no combate à criminalidade, exatamente por usar métodos repressivos e arbitrários” (p.247). Frontana (1999) salienta que os métodos utilizados pelo SAM eram denunciados sistematicamente pela imprensa como responsáveis pelo agravamento da criminalidade juvenil, uma vez que suas instituições eram consideradas “escolas do crime”, sendo acusadas de formadoras dos “piores bandidos” que a opinião pública conheceu.

Com o Golpe Militar de 1964, o SAM é extinto. Neste período se instrumentaliza de fato a intervenção pública sobre os menores, através de uma política nacional articulada de institucionalização, em que se consolida a Doutrina da Situação Irregular. No regime militar, a dimensão social da realidade brasileira esteve sempre subordinada aos requisitos da dimensão econômica. Assim, a política dirigida aos “menores” também se ordenou em correspondência às demais políticas sociais, revelando forte obediência ao tipo de desenvolvimento econômico e de dominação política posto em prática pelo regime autoritário (Frontana, 1999). Neste contexto, (Frota, 2002) a política de atendimento à infância passou a ser regulamentada por dois documentos legais: a Política do Bem-Estar do Menor (PNBEM) e, posteriormente, o Código de Menores. A PNBEM era definida por um órgão central, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), e executada nos estados pelas fundações estaduais do bem-estar do menor (FEBEM). Pode-se dizer que a FUNABEM foi criada com o objetivo de formular e implantar a PNBEM, esta última com a incumbência de fixar as bases para uma nova estratégia de atendimento ao chamado “problema do menor”, em consonância com os novos tempos e a imagem de eficiência e modernidade do Estado brasileiro.

Frontana (1999) aponta que os princípios e diretrizes que norteariam tal política deveriam incorporar as mais modernas e avançadas concepções formuladas pelo discurso científico, “conferindo-lhe uma credibilidade derivada do culto à ciência como guardiã da verdade” (p.87). Desta forma, os detentores do saber [itálico nosso], médicos, psicólogos, sociólogos, advogados, pedagogos, entre outros, propuseram-se a formular e executar a PNBEM. Assim, as questões relacionadas ao “problema do menor” foram repensadas e discutidas, com o objetivo de construir um saber oficial e um novo tipo de atendimento à infância e à adolescência “que pudesse equacionar problemas como o ‘desvio de conduta’, a ‘delinqüência’, a ‘criminalidade’, a ‘desordem familiar’, enfim, tudo aquilo que se considera estar na base da marginalidade social” (p.87).

Entendemos que tanto a FUNABEM como as FEBEMs surgiram, então, no centro de uma proposta fundamentada na premissa de que “tais instituições não poderiam orientar suas ações segundo critérios meramente paliativos, mas sim por estratégias e propósitos suficientemente abrangentes a ponto de consolidá-las como instituições diferentes” (Frontana, 1999, p.88). Assim, a correção e a prevenção das causas do “desajustamento” do “menor” constituíam dois campos básicos de interesse do Estado autoritário ao criar a FUNABEM. O primeiro era a preocupação com a conduta anti-social “que justificava a elevação do ‘menor’ à categoria de problema social a ser tratado dentro dos preceitos ditados pela Doutrina de Segurança Nacional” (p.89). O outro campo refere-se à presença cada vez maior de “menores” nas ruas das cidades, “vulneráveis ao comportamento ilícito e criminoso, significando um fator de risco para a ordem pública, e era essa a situação de risco que se evidenciava como problema a ser equacionado e solucionado” (p.89).

A partir do pressuposto de que o “menor” com conduta anti-social era considerado como um ser “doente” que necessitava de “tratamento”, a ação corretiva da FUNABEM fundamentou-se em métodos terapêuticos-pedagógicos desenvolvidos com a finalidade de possibilitar a “reeducação” e a “reintegração” do “menor” à sociedade. Para Passetti (1999), a intenção ao se adotar esta nova metodologia científica, fundamentada no conhecimento “biopsicossocial”, era de romper com a prática repressiva anterior, criando um sistema que “considerasse as condições materiais de vida dos abandonados, carentes e infratores, seus traços de personalidade, o desempenho escolar, as deficiências potenciais e as de crescimento” (p.357). O autor acrescenta que a referida política de atendimento pretendia mudar comportamentos não pela reclusão do infrator, mas pela educação em reclusão. Assim, a educação não priorizava a correção de desvios de comportamentos, mas visava formar um indivíduo para a vida em sociedade. Neste sentido, Frontana (1999) diz que a FUNABEM voltava-se para a utilização de políticas de prevenção capazes de evitar que o “menor” incorresse no processo que levaria à marginalização, à medida que a marginalidade representava um fator de risco para a ordem e paz social. O esforço institucional para prevenir a “marginalização do menor” era parte importante do conjunto de estratégias destinadas a estabelecer o bem-estar nacional.

A promessa do regime militar à população era de que - através da FUNABEM - o infrator teria um lugar exemplar de educação sem repressão. Afirmava que o tratamento “biopsicossocial” reverteria a “cultura da violência” que se propagava pelos subúrbios com os conflitos entre gangues e com isso contribuiria para acabar com a marginalidade formando jovens responsáveis para a vida em sociedade (Passetti, 1999). Os reformadores falharam; e o resultado foi a estigmatização de crianças e jovens de periferia como menores perigosos.

Lembremos que em 1979 iniciava-se, - ainda que de forma incipiente - o processo de abertura política do país. Nesta época, a PNBEM sofria severas críticas, muitas destas estabelecendo paralelos entre o antigo SAM e a supostamente nova FUNABEM, agora chamada escola do crime. Tornava-se visível a eficiência do Estado na produção de “menores abandonados, menores de rua, menores em situação de risco, através de suas políticas/práticas de exclusão social. Era preciso portanto mudar a imagem: o discurso terapêutico dava lugar ao da prevenção” (Ayres, 2001, p.251).

Concomitantemente, os especialistas da área social ganhavam visibilidade. Segundo Coimbra (1995), através de seus saberes, muitos destes desqualificaram a vida de crianças pobres e interferiram, ou até determinaram, seus destinos. E desta forma, a família pobre continuava a ser responsabilizada pelo comportamento de seus filhos. A diferença é que a penalização (nas décadas de 1970 e 1980) era sustentada pelo discurso dos especialistas, que atestava o fracasso da família no atendimento à prole. A autora salienta que nos anos 70, as práticas psicológicas eclodiram no país. Contudo, estas eram totalmente distantes dos chamados novos movimentos sociais, uma vez que fortaleceram as subjetividades hegemônicas produzidas durante aquele período. Coimbra e Leitão (2003) lembram que na Doutrina de Segurança Nacional tudo que escapasse às formas de interiorização naturalizadas era considerada perigoso, e assim, deveria ser banido. Desta forma, duas categorias sobre a juventude foram produzidas: a do subversivo e a do drogado. Categorias estas que escapavam ao modelo de família sadia e estruturada e com sonhos de ascensão social. E as práticas psi ajudaram a fortalecer as crenças nos modelos e nas homogeneidades.

Ainda no cenário acima descrito, a pesquisa intitulada “especialistas nos anos 70: o esquadrinhamento dos corpos no espaço do Juizado de Menores” (Coimbra, Matos & Torralba, 2002) faz uma importante análise referente a atuação dos especialistas atuantes nesse espaço jurídico através de processos referentes à perda e/ou reformulação do vínculo familiar15 . Examinando os processos, percebe-se que os especialistas do juizado ocupavam um lugar de saber que excluía as experiências e o modo de ser daqueles que recorriam a essa instância jurídica em busca de auxílio. Na medida em que essas pessoas divergiam do modelo oficial estabelecido pela ditadura militar, eram desqualificadas. Através do estudo percebe-se uma aderência do discurso da assistente social a padrões fixos de moradia, educação, saúde, bem-estar e higiene. “Sobre a situação familiar, há uma importância dada ao modelo de organização da família burguesa. Além disso, reconhecemos na fala desse profissional uma predominância do discurso psi ao realçar a ausência de conflitos familiares” (p173). Denota-se também que “o discurso moralista e hegemônico da classe média perpassa a fala do profissional, travestido de verdade científica e amparado pelo selo da proteção ao ‘menor’” (p.173).

Lembremos que nas discussões trazidas pelo PNBEM, houve a reformulação do Código de Menores. Este tinha o objetivo de “proteger a sociedade” dos “distúrbios patológicos” da exclusão social, onde incluíam-se os “menores”. Neste sentido, as autoras nos convocam a refletir sobre o trabalho dos especialistas que atuavam segundo os princípios do PNBEM, uma vez que eles possuíam “um papel fundamental na disseminação e fortalecimento de uma política, cuja idéia central era zelar pela infância com o intuito de produzir os futuros cidadãos brasileiros” (p.181).

Ayres (2001) salienta que a prática de desqualificação realizada pelos técnicos do Juizado (psicólogos e assistentes sociais) legitimavam os motivos da família quanto à desistência do pátrio poder, supondo a pobreza como natural e imutável, bem como associada à incapacidade para assistir os filhos. Silva (1998) acrescenta que o princípio da destituição do pátrio poder afirmou-se neste período e que a sentença de abandono retirou a criança da responsabilidade dos pais, da comunidade e da sociedade, transferindo-a para o Estado. Essa condição jurídica da criança é que justificou e legitimou sua internação até os 18 anos – a institucionalização propriamente dita – e que configurou a categoria de crianças denominada filhos do Governo. Considerando este contexto, bem como a divulgação e a repercussão dos dados da própria FUNABEM (a cada dois brasileiros menores de 19 anos, pelo menos um encontrava-se em situação de carência) outra estratégia de assistência à população infanto-juvenil ia sendo gestada (Pinheiro, 2001)16 .

Em relação ao período de 1985 e 1994 (transição entre o Código de Menores e o ECA), Ayres (2002)17 realizou em estudo em que a posição do psicólogo como “especialista perito” é ratificada, na medida em que seus discursos autorizados/científicos acabam por conferir uma ‘essência’ às formas alternativas de convivência familiar, pelo deslocamento do foco de questões sociais para os aspectos individuais. A pesquisa aponta para formas descontextualizadas de compreender as questões sociais, uma vez que fragmentam o sujeito em dois pólos distintos, ainda que tangenciados: indivíduo e sociedade. Como conseqüência, o aparato institucional vai produzindo um processo de desqualificação das formas de vida das famílias pobres, reforçando a produção de subjetividades incompetentes, de famílias incapazes de solucionar seus problemas18 . A partir disto, a autora adverte sobre a necessidade de uma revisão dos fundamentos/conceitos teóricos que vem sustentando a prática hegemônica denominada produção/naturalização da perda do vínculo familiar.

Gomes e Nascimento (2003), também adotando o enfoque-genealógico para pensar os movimentos de proteção dirigidos à infância e juventude pauperizados, afirmam que o confinamento e a desqualificação dos pais estão presentes nas práticas e discursos que atravessam os equipamentos sociais, tais como Juizados, escolas e abrigos. “Tanto a internação quanto a atribuição de culpa à família ainda ocupam a cena das práticas de assistência” (p.323). Neste recente estudo, as autoras apontam que “tal como os médicos-higienistas e os juristas do início do século, alguns dos atuais técnicos recomendam medidas disciplinares aos desviantes e o fazem apoiados em um saber científico, tido como inquestionável” (323).

Lembremos que as relações de poder são múltiplas e atravessam a produção do conhecimento (Foucault, 1996), não havendo relação de poder sem a constituição de um campo de saber. Os saberes são compreendidos por Foucault como dispositivos políticos articulados com as estruturas sociais. Neste sentido, os dados da referida pesquisa mostram alguns especialistas como proprietários desse “suposto saber”, ocupantes de um lugar instituído, cristalizado e naturalizado, e que atuam com a crença na neutralidade positivista defendida ainda hoje pela ciência. Assim, a “produção de saberes sobre os indivíduos, sua normalidade ou anormalidade e os efeitos dessa prática fazem com que os especialistas estejam diretamente envolvidos no processo de produção de subjetividades” (Gomes & Nascimento, 2003, p.325/6).

Podemos perceber que à psicologia ainda é endereçada uma solicitação dicotomizada: individual/social; normal/patológico; família estruturada/desestruturada, bem como o acolhimento desta por uma parte da psicologia. Muitos profissionais ainda pautam - e talvez sempre o façam - suas práticas em concepções naturalistas do conhecimento, calcados na objetividade e neutralidade, propondo a existência de um homem apriorístico que se realizará a partir do meio. Considerando que o discurso científico está produzindo subjetividades desqualificadas (famílias incompetentes e negligentes), como os sujeitos poderão assumir funções na ordem social vigente? Ao se sentirem incapazes de prover seus filhos, por exemplo, precisam da tutela ou da assistência dos chamados saberes científicos, onde a psicologia ocupa lugar privilegiado.

Sabemos, contudo, que a tutela está na contramão da cidadania, uma vez que esta não emancipa o sujeito. Queremos dizer com isto que as famílias não podem dispensar todos os aparatos possíveis, como os serviços públicos, as entidades não-governamentais e a assistência social. Contudo, de nada adianta os abrigos para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, se suas respectivas famílias também encontram-se “em risco”. E como a pobreza é, via de regra, um fenômeno familiar, o suporte a esta parece essencial. Muito embora seja notório que não resolveremos todos os problemas apenas melhorando a renda. Neste sentido, Demo (1995) faz uma dura crítica ao ECA, na medida em que esta Lei “expressa uma das políticas sociais mais divorciadas das relações de mercado e por isso frouxa, setorialista, ineficiente e inexpressiva” (p.102). É neste sentido que ele afirma que o problema não pára de crescer, uma vez que nada se resolve enquanto a pobreza não for atingida. Acrescenta que o problema do ECA é o de cultivar a cidadania assistida, passando longe das raízes do problema. Por conta disto, não é preventivo, superdimensionando a força de políticas sociais setoriais, reduzindo-as na prática à educação e assistência. Como, por exemplo, propor proteção [itálico nosso] à criança e ao adolescente, “revelando logo uma tendência assistencialista, quando na verdade, a posição mais correta seria a de garantir o direito ao desenvolvimento integral. Trata-se tipicamente de oportunidade [itálico nosso] , não apenas de proteção” (p.101). A raiz do problema está na pobreza política19 , embora a pobreza material seja a mais imediata e empurre a criança e o adolescente para a rua.

A análise realizada por Demo (1995) demonstra que as estratégias emancipatórias deveriam favorecer atividades de produção e participação, apoiando-se em três aspectos na relação entre política social e política econômica. A política social deve manter diálogo com a política econômica, uma vez que toda política social carece de financiamentos provenientes dos setores produtivos. O segundo aspecto diz respeito à viabilização de propostas dependentes da economia, como o atendimento assistencial à criança - que implica o acesso a emprego e renda de sua família. E o terceiro refere-se à educação básica, que não deve representar apenas instrumentação mais efetiva da cidadania, mas também da produtividade.

A questão central parece ser como criar as oportunidades. Quais práticas psicológicas favorecem a emancipação dos sujeitos, dos grupos e das comunidades? Como ampliar os projetos de trabalho e geração de renda? Se estes questionamentos inquietam, ecoam, também lançam-nos ao campo das invenções, criações; logo o desafio está colocado. Aliado ao desafio está a importância de se investir em produção de conhecimento, uma vez que a temática é complexa e pouco estudada. Acreditamos que com produção e sistematização de conhecimentos cria-se alternativas de intervenção. E, para tal, torna-se urgente o fortalecimento dos recursos. Sabemos que é uma tarefa difícil, pois a própria categoria psi, segundo o estudo realizado por Barbosa e cols. (2002), remete às autoridades ditas competentes como Governo, ONGs e sociedade civil, o encargo da implementação das políticas públicas, julgando-as do domínio dos políticos. E nós? Não fazemos parte de sociedade civil?

Mesmo que, historicamente, o psicólogo tenha pouco se apropriado desta temática, está atravessado por ela, uma vez que a prática deste profissional (e de qualquer outro) sempre obedece a alguma política pública. Se entendermos que as ações, estratégias e planos de intervenção, no que se refere à área da assistência à infância, adotam um conjunto de enunciados - explícitos ou não - a execução estará perpassada pelas políticas adotadas, independentemente se for por parte do Estado ou não. Existem profissionais, por exemplo, que se queixam da forma como o serviço é executado, alguns reivindicam melhorias às direções, mas são poucos os que participam dos fóruns de discussão e formulação das políticas, como por exemplo os conselhos regionais de assistência social, as comissões locais de saúde, abertos a qualquer cidadão, onde são definidas as diretrizes dos serviços. A existência de espaços democráticos, por si só, não garante a participação. Assim como uma Lei, por si só, não se constitui como instrumento de transformação, como vimos através do discurso psicológico acerca do vínculo familiar.

Contudo, concebemos a história como um campo de forças em luta, onde um certo discurso emerge como hegemônico dentre outros. Logo, há outros discursos. Assim, podemos dizer que o ECA representa uma ruptura. E, embora as mudanças trazidas na gestão das políticas de assistência social e da criança e do adolescente ainda sejam um desafio quanto à implementação e consolidação, percebe-se o fortalecimento dos conselhos de assistência, de direitos da criança e adolescente e tutelares, militantes e intelectuais dos diversos setores da sociedade. Lembremos que a possibilidade de plena participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas ainda é recente no país. Além disso, para a maioria das categorias profissionais, trabalhar com políticas públicas implica em uma ruptura paradigmática apontando também para uma sensibilização para tópicos ainda pouco contemplados na acadêmica, como: direitos humanos, cidadania, movimentos sociais e conselhos.

Um desafio premente refere-se à formação acadêmica que, algumas vezes, ainda privilegia o conhecimento técnico científico utilizando-se de concepções e práticas avaliativas e adaptacionistas. Neste sentido, percebemos um equívoco quando alguns profissionais afirmam estar desenvolvendo projetos emancipadores só por trabalharem com a população pobre. Por outro lado, há docentes e pesquisadores com postura interrogativa frente ao conhecimento psicológico, bem como na busca de pressupostos epistemológicos comprometidos politicamente.

Para finalizar, gostaríamos de dizer que as problematizações trazidas aqui são um desafio para o campo psi. Concordamos com Coimbra e Leitão (2003) quando concebem o campo das intervenções como um território assumido como político, onde as lutas são cotidianas. Apostamos na proposta transdisciplinar, onde seja possível a “contaminação” com outros sabres, criando outros territórios, outras possibilidades e outras “verdades”. Evidentemente que provisórias, temporais e temporárias.

 

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Endereço para correspondência
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Recebido em 05/2004
Aceito em 08/2004

 

 

1 Lílian Cruz – Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), Doutoranda em Psicologia (PUCRS) e Docente na UNISC
2 Neuza Guareschi - Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUCRS), Doutora em Educação (University of Wisconsin-Madison), Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais, Identidades/Diferenças e Teorias Contemporâneas
3 Essas idéias não são equivalentes, mas complementares. A primeira, tendo como pressuposto a sanidade, o controle de doenças e epidemias, servindo quase que como padrão estético, como sinônimo de limpo, higidez. Já a segunda, caracterizando uma crença numa raça superior, numa humanidade racial, servindo de fator de inclusão ou exclusão social pela condição étnica/racial
4 Utilizaremos a terminologia menores justamente por ser aquela que conceituava determinados segmentos da infância, na época
5 Segundo (Foucault, 1996, p.88), “a vigilância permanece sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder. E enquanto exerce esse poder tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigia, a respeito deles, um saber. Um saber que tem agora por característica não mais determinar se alguma coisa se passou ou não, mas determinar se um indivíduo se conduz ou não como deve, conforme ou não à regra, se progride ou não, etc”
6 Martins e Brito (2001) lembram que a maior parte da população brasileira era constituída por mestiços, considerados degenerados pelas teorias importadas da Europa, que aqui se transformavam em idéias nacionalistas de embranquecimento do povo
7 A preocupação dos médicos com os altos índices de mortalidade infantil fez com que estes direcionassem as campanhas para a formação de um novo modelo familiar. Neste sentido, Bulcão (2002) aponta para a redefinição do papel da mulher, uma vez que, através do discurso da valorização desta, visavam convencê-la da importância do cuidado permanente e direto com os filhos. O discurso científico foi utilizado para persuadir a mulher na responsabilidade pela felicidade do lar. A estratégia era tomar a mulher como alvo para atingir toda a família
8 É importante salientar também que o movimento da ABE pressupunha uma educação laica, pública e para todos e, neste sentido, foi altamente perseguida pela Igreja Católica que via, assim, perda de sua influência social. Como diz Foucault, o poder não é só negativo, ele também cria coisas, é positivo
9 Podemos dizer que a psicologia se insere na área da educação entre 1931 e 1934. Neste período, mais do que comemorar a infância, buscou-se comemorar as crianças tomadas como objetos psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas, testadas e denominadas normais e anormais. Pinto (2003) afirma que as mudanças em relação as escolas teve a intenção, prioritariamente, disciplinar
10 O Juizado atualmente é denominado 1º Vara da Infância e Juventude. O início efetivo das funções do Juizado de Menores ocorreu em 1924. Este tinha como objetivo assistir, proteger, defender, processar e julgar menores abandonados e delinqüentes. Também avaliava e dava pareceres em casos relativos à perda ou suspensão do pátrio poder, à destituição de tutela e à nomeação de tutores. Fazia exame do estado físico, mental e moral das crianças; além de avaliar a situação socioeconômica e moral dos pais ou responsáveis. Para alcançar tais objetivos, fez-se necessária a construção de instrumentos de avaliação e classificação da clientela. Um dos instrumentos foi o exame médico-pedagógico, que assumiu diferenciadas formas ao longo dos anos. No primeiro modelo adotado pelo Juizado, as análises médica e pedagógica eram realizadas separadamente e eram bem detalhadas. O exame pedagógico tinha a finalidade de averiguar o grau de alfabetização e outras possíveis habilidades de crianças e adolescentes. Já o exame médico investigava antecedentes hereditários, do meio familiar, incluindo as condições higiênicas da habitação e a moralidade dos familiares; além das condições físicas e intelectuais, bem como o caráter da criança, incluindo temperamento, afetividade, conduta, presença de perversões sexuais e alcoolismo. De maneira geral, a maior parte das perguntas não eram preenchidas pelo médico. Posteriormente foi adotado um modelo que conjugava os exames médico e pedagógico. Este continha apenas duas perguntas, que procuravam verificar se a criança sabia ler e escrever e se possuía alguma forma de alienação ou deficiência mental, epilepsia, cegueira, ou se necessitava de cuidados especiais. A reestruturação do Juizado de Menores ocorreu em 1935, após a morte do juiz Mello de Mattos (Oliveira, 2001)
11 Como exemplo de diagnóstico psicológico realizado no Laboratório de Biologia Infantil, Alencar Neto (1939) citado por Oliveira (2001), escreve: Oligofrenia com instabilidade motora; enurese; personalidade instável; débil mental; Q.I. 68; memória mecânica de números e palavras soltas ótima; memória de idéias muito fraca. Muito sugestionável (processo n. 419 de 1935, exame realizado em 22/03/37)
12 Salientamos que o cargo de psicólogo ou psicóloga - ou até psicologista - poderia ser ocupado por profissionais de qualquer especialidade (educador, psiquiatra, enfermeiro) devido à ausência de formação de profissionais em psicologia
13 Segundo Oliveira (2001), o diagnóstico psicológico realizado no Laboratório, quanto ao tratamento, incluía a “psychotherapia”, o ensino profissional ou em classe especial e a “reeducação moral”. Contudo, na maioria dos casos a indicação era para internação em estabelecimento disciplinar. Os próprios mentores do Laboratório não estavam satisfeitos, pois a falta de estabelecimentos que pudessem cumprir as determinações promovia a descontinuidade dos serviços. Assim, em 1938, o Laboratório e o Juizado de Menores passam por uma reorganização, sendo anexado ao Laboratório um estabelecimento oficial de triagem para crianças do sexo masculino, antigo Abrigo de Menores
14 Esta Doutrina norteou os Códigos de Menores de 1927 e1979, que procuravam legitimar uma intervenção estatal absoluta sob crianças e adolescentes pobres, rotulados menores, sujeitos ao abandono e considerados potencialmente delinqüentes. Podemos dizer que a concepção política social implicada era a de um instrumento de controle social. Importante acrescentar que diferentes projetos de alteração do Código de Menores foram elaborados nas décadas de 60 e 70. Esses projetos podem ser agrupados em duas correntes: uma favorável à inclusão dos dez princípios da Declaração dos Direitos da Criança de 1959 na legislação específica brasileira e outra contrária a esta inclusão. Prevaleceu a corrente contrária à inclusão e, assim sendo, a equação “menor= criança + pobreza” permaneceu inalterada (Bulcão, 2002)
15 As autoras, através da abordagem histórico-genealógica, escolhem o recorte histórico de 1974 a 1985 por englobar o boom da psicologia e da psicanálise no Brasil, bem como a reformulação do Código de Menores, em 1979
16 A ruptura com a cultura excludente e persecutória foi sendo construída gradativamente. O marco desta ocorreu em 1990, com a criação do ECA, atendendo ao disposto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Para saber mais sobre este período, sugerimos ler Pinheiro (2001)
17 O estudo mencionado, partindo da abordagem histórico-genealógica, propôs-se a pensar a produção da categoria perda do vínculo familiar e seus efeitos impressos nas práticas dos especialistas do judiciário na área da infância e juventude, dentre eles, o psicólogo. A análise ocorreu a partir de uma pesquisa feita em processos do Juizado da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro
18 Segundo o estudo de Barbosa, Ayres, Princeswal, Carvalho & Oliveira (2002), “as famílias que aportam ao Juizado não apenas são desqualificadas pelos especialistas, como também assumem tal discurso, julgando-se incapazes por não estarem enquadradas nos modelos hegemônicos” (p.202)
19 “Por pobreza política compreende-se a dificuldade histórica de o pobre superar a condição de objeto manipulado, para atingir a de sujeito consciente e organizado em torno de seus interesses. Manifesta-se na dimensão da qualidade, embora seja sempre condicionada pela carê ncias materiais também. Mas a essas jamais de reduz, apontando para o déficit de cidadania” (Demo, 1996, p.20)

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