SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número26O trabalho do psicólogo na mediação de conflitos familiares: reflexões com base na experiência do serviço de mediação familiar em Santa Catarina índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.26 Canoas dez. 2007

 

RESENHA

 

O banqueiro dos pobres1

 

 

Adriana Weber*

Universidade Luterana do Brasil - ULBRA/Canoas. Curso de Psicologia

Endereço para correspondência

 

 

O livro O banqueiro dos pobres, de Muhammad Yunus, consiste no relato da história real de um economista, o próprio autor, que, através de seu empenho no combate à pobreza, realizou uma “intervenção psicossocial” utilizando conceitos e ações que podem ser analisados sob a ótica Psicologia Comunitária. O autor, em 2006, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, sendo que o Comitê do Nobel considerou que o esforço de Yunus para eliminar a pobreza pode resultar em paz duradoura, que “não pode ser alcançada a menos que grandes grupos da população encontrem meios de sair da pobreza”, sendo o microcrédito um desses meios.

A obra retrata a experiência do professor Muhammad Yunus, nascido em Bangladesh, economista com doutorado na Universidade do Colorado (EUA), responsável pela criação do Banco Grameen, que utiliza o microcrédito como ferramenta para alcançar as classes mais desfavorecidas do país, visando levar essas pessoas a sair da pobreza. Ressalta-se que Bangladesh é um país no qual grande parte da população vive nas ruas, descalça, sem água limpa, sem teto para se abrigar e onde a fome é companheira cotidiana. Registros dão conta que 40% da população não chegam a satisfazer suas necessidades alimentares mínimas, e a taxa de analfabetismo encontra-se próxima a 90%.

O livro está divido em seis grandes partes, sendo que as três primeiras retratam a evolução das idéias do autor, as quais foram significativamente afetadas pelo contexto vivido e onde se pode vislumbrar o nascimento do Grameen e o seu desenvolvimento. A quarta parte relata a experiência de outros países com o microcrédito, a partir do exemplo do Grameen. A quinta parte explicita a filosofia que move a instituição, o que é essencial para o entendimento da obra, pois esta filosofia incentiva e direciona as ações de seus membros na busca de objetivos pouco comuns na sociedade atual. Finalmente, a sexta e última parte apresenta as novas áreas de atuação do Banco Grameen depois de sua consolidação como instituição independente.

 

Primeira parte &– O começo

É apresentado o contexto familiar vivido pelo professor Yunus, a sua infância, os seus primeiros passos na Universidade e a sua experiência nos EUA quando cursou seu doutorado, fase esta que acabou por se mostrar bastante significativa posteriormente. Ao mesmo tempo, mostra o impacto causado pela fome sobre as idéias até então aceitas pelo professor Yunus e a sua conscientização no sentido de que algo precisava ser feito concretamente, quando então, inicia sua primeira experiência para combater a pobreza: a “Fazenda de Três Terços”. Posteriormente, o seu primeiro contato com as instituições financeiras e suas características de operar, que acabaram por levar o autor ao seu primeiro empréstimo, de 27 dólares para 42 famílias. É descrito o contexto vivido pelo autor e as suas conseqüências sobre seu pensamento e suas ações.

Aqui se identifica o meio ecológico onde tudo começou. Enquanto Yunus ensinava teorias econômicas na universidade, pessoas morriam de fome nas calçadas.

Diante de tal realidade, ele decidiu mudar seu microssistema, trocando a sala de aula pelo trabalho de campo junto à população da aldeia vizinha. Passou a familiarizar-se, buscando saber mais acerca da comunidade, conhecer as necessidades e avaliar as potencialidades de seus membros.

Ao ter contato direto com as pessoas, ele começou a entender o sistema perverso de perpetuação da miséria, bem como o fatalismo com o qual aquela população se resignava a conviver.

 

Segunda parte &– A fase experimental

Na segunda parte, é descrito o modo de operar do Grameen, a opção do banco em conceder, preferencialmente, empréstimos a mulheres, e os impactos dessa ação na forma de atuar da instituição e sobre a sociedade muçulmana. Paralelamente, aparecem os primeiros resultados alcançados através dessa filosofia. Observa-se também a descrição da estrutura do sistema de empréstimos, a formação de grupos em detrimento do indivíduo, do pagamento diário, que acabou por se transformar em semanal, e da idéia de que não cabe às pessoas ir ao banco, mas ao banco ir às pessoas, sistema esse que é, fundamentalmente, diferente do sistema das instituições financeiras tradicionais.

Após avaliar a situação da comunidade, o professor Yunus deu início à sua ação experimental, concedendo os primeiros empréstimos.

Neste capítulo, destaca-se o fortalecimento comunitário através da formação de grupos, onde as pessoas se apóiam mutuamente e desenvolvem o sentimento de identidade e valor enquanto seres humanos, deixando gradativamente de serem sujeitos “sujeitados”.

É evidente a importância do sistema de apoio que o grupo representa para cada indivíduo, pois, não estando sozinho, este se torna mais forte para modificar as condições do contexto em que vive.

 

Terceira parte &– A criação

A ampliação do Grameen como instituição está relatada na terceira parte, quando se inicia, com a supervisão e “apoio” do Banco Central de Bangladesh, um processo experimental de ampliação da atuação da instituição em uma região diferente, visando avaliar a possibilidade de crescimento para outras regiões. Ao mesmo tempo, relata as dificuldades encontradas pelas hostilidades religiosas, principalmente pelo fato de que o Grameen, preferencialmente, empresta dinheiro para mulheres, independentemente da religião que professem, e as dificuldades encontradas originadas pelas catástrofes naturais que assolam aquele país e que redirecionam as ações do banco nestas situações. Segundo o autor, são as mulheres que mais sentem a miséria, pois têm a responsabilidade de criação dos filhos e, por outro lado, quando recebem algum incentivo, preocupam-se em melhorar as condições de vida da família. Ao final, encontra-se a descrição do processo de independência do banco, passando de um projeto supervisionado pelo Banco Central, para um banco independente.

Mesmo diante de dificuldades, as redes sociais ampliaram-se e mais do que nunca exerceram sua função, o que resultou no processo de fortalecimento e independência do Banco Grameen.

 

Quarta parte &– A transposição do princípio Grameen &– ganhando o mundo

As experiências realizadas pelo Grameen acabam por adquirir repercussão internacional, e novos projetos, baseados em algumas das idéias já observadas, começam a ser implementadas em outros países. Algumas dessas experiências são descritas na quarta parte, bem como a idéia da internacionalização do microcrédito como ferramenta de combate à pobreza. Nesta parte, o autor enfatiza que, em sua opinião, a pobreza é bastante similar em qualquer parte do mundo, não importando se estamos em Bangladesh ou Chicago, e que as pessoas precisam, muitas vezes, de apenas um financiamento para romperem o ciclo de pobreza.

Aqui o autor demonstra as peculiaridades vividas pelos pobres, não importando o local onde se encontrem. A situação perversa de mal conseguirem sobreviver é comum a todos.

Novamente é ressaltada a importância dos grupos e da intervenção em redes. A partir dos empréstimos proporcionados, verifica-se o empoderamento de indivíduos, a conscientização de seu valor e capacidade, bem como a formação de lideranças.

 

Quinta parte &– Filosofia

Apresenta a filosofia que move as ações da instituição, baseada na concepção do livre mercado, orientado para a consciência social. É fundamental para a compreensão do pensamento do autor, pois o mesmo aborda temas relativos à questão do capitalismo e marxismo, suas idéias quanto ao intervencionismo estatal, assim como a sua concepção de desenvolvimento econômico, a questão demográfica e principalmente a questão do emprego visto pelos economistas, quando o mesmo enfatiza: “os economistas só reconhecem um único tipo de emprego: o emprego assalariado”. Concomitantemente, o autor volta-se à análise do trabalho autônomo como forma de aproveitamento das qualidades inatas do indivíduo, visando a sua ascensão social.

Com sua filosofia e suas crenças, o Banco Grameen acabou gerando mudanças profundas na vida de cada indivíduo e na comunidade. A principal idéia defendida é que os seres humanos possuem habilidades que devem ser exploradas, e que o dinheiro emprestado atua como uma ferramenta para o desenvolvimento deste potencial.

Neste capítulo, evidenciam-se os reflexos a longo prazo das ações comunitárias implementadas.

 

Sexta parte &– Novos horizontes (1990-1997)

Na sexta e última parte, podem-se observar os novos empreendimentos realizados em outras áreas, como a piscicultura e o GrameenPhone que leva o telefone e a Internet para áreas remotas do país. Também a concessão de empréstimos para a habitação, momento em que, para vencer entraves burocráticos, foi necessário utilizar a expressão “oficinas de produção”, o que resultou em empréstimos para 350 mil habitações. Ao mesmo tempo, o autor aborda a questão da saúde e aposentadoria, e também o seu ideal de um mundo onde não haveria mais pobreza.

A narração não segue a ordem cronológica dos acontecimentos. Contudo, o texto é simples e objetivo, sendo uma obra escrita para o público em geral. No que tange à importância desse trabalho, o simples fato de que uma experiência que foi iniciada em 1976, emprestando-se 27 dólares para 42 pessoas, transformar-se, em 1998, no empréstimo de 2,3 bilhões de dólares a 2,3 milhões de famílias, é fato suficiente para o aprofundamento do interesse ou estudo sobre o mesmo. Lembrando que o objetivo que norteia essa instituição é atingir as camadas mais desfavorecidas das populações, as classes muitas vezes esquecidas pela sociedade, a obra transmite uma nova perspectiva em relação ao indivíduo que se encontra nessas classes e quanto aos instrumentos de combate à pobreza, observando-se um contexto capitalista como modo de produção.

Assim como num processo de intervenção, após a implementação das ações, novas necessidades surgiram, impulsionando a ampliação da abrangência do Grameen.

Nesta última parte, Yunus descreve ações do banco, apresenta resultados e acima de tudo reafirma sua fé no ser humano.

Sem dúvida, Muhammad Yunus, enquanto economista, realizou uma importante intervenção psicossocial, pois, ao entrar em contato com as comunidades, modificou conceitos, alterou crenças, quebrou paradigmas e, principalmente, resgatou o valor humano, a dignidade e a cidadania dos que tiveram contato com o Banco Grameen e sua equipe.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: aweberrs@terra.com.br

Recebido em julho de 2007
Aceito em outubro de 2007

 

 

* Adriana Weber: acadêmica de Psicologia da ULBRA/Canoas.
1 Yunus, M., & Jolis, A. (2006). O banqueiro dos pobres. São Paulo: Ática.
*Trabalho realizado na disciplina de Psicologia Comunitária do Curso de Psicologia &– ULBRA Canoas com orientação da profa. Sheila Gonçalves Câmara.

Creative Commons License