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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.27 Canoas jun. 2008

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Um estudo prospectivo sobre o estresse cotidiano na 1ª série

 

A prospective study on daily hassles in first grade

 

 

Edna Maria MarturanoI,*; Elaine Cristina GardinalII,**

I Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
II Prefeitura Municipal de Dois Córregos. Departamento de Educação

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com base em uma concepção da 1ª série do ensino fundamental como transição de vida, foram investigadas associações entre indicadores de desempenho / comportamento, na educação infantil e na 1ª série, e o estresse cotidiano da 1ª série, tal como percebido pelas crianças nos domínios de desempenho, relação família-escola, relacionamentos com os pares e demandas não-acadêmicas. Participaram 110 crianças e seus professores, nos dois níveis de ensino. Os instrumentos utilizados foram: Inventário de Estressores Escolares,Teste de Desempenho Escolar, uma sondagem de leitura e questionários para avaliação do desempenho e do comportamento pelo professor. Nos resultados, o melhor desempenho na educação infantil ou na 1ª série foi associado a menos estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola. Crianças com nível alto de problemas de comportamento na 1ª série relataram estresse mais elevado em todos os domínios do cotidiano escolar, quando comparadas a crianças com nível baixo de problemas.

Palavras-chave: Estresse cotidiano, Transição escolar, Desempenho.


ABSTRACT

Based on a life-transition view of first grade, this study explored associations between achievement and behavior, measured in kindergarten and first grade, and children’s perceptions of first grade daily hassles in four domains: achievement, family-school relation, relationships with peers, and nonacademic demands. One hundred and ten children participated, as well as their kindergarten and first grade teachers. The instruments used were the School Hassles Inventory, the School Achievement Test, a reading task, the Teacher Report Form items for the assessment of children’s achievement, and a questionnaire for the assessment of children’s behavior. Higher achievement scores in kindergarten or first grade related to lower stress in first grade, in the domains of achievement and family-school relation. Children with high levels of behavior problems in first grade reported higher stress in all domains of their school daily life, when compared with children with low levels of behavior problems.

Keywords: Daily hassles, School transition, School achievement.


 

 

Introdução

Experiências de vida estressantes constituem uma ameaça potencial ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Eventos traumáticos agudos, adversidade crônica, acúmulo de eventos de vida adversos e tensões cotidianas têm sido associados, em diversos graus, a sintomas de psicopatologia (Grant, Compas, Stuhlmacher, Turm, McMahon & Halpert, 2003). Este artigo trata de tensões cotidianas, conhecidas na literatura científica como “daily hassles” e definidas como “exigências ou demandas irritantes, frustrantes, perturbadoras, que em certo grau caracterizam as transações diárias com o ambiente” (Kanner, Coyne, Schaefer & Lazarus, 1981, p. 3). Para muitas crianças, as principais fontes de estresse se encontram em situações recorrentes do dia a dia, como brigas entre os pais, práticas educativas inconsistentes, gozações de colegas, cobranças na escola (Elkind, 2004; Vilela, 1996).

A escola é vista pelas crianças como uma importante fonte de estresse cotidiano, decorrente seja de pressão por desempenho acadêmico, seja de dificuldades nos relacionamentos, tais como rejeição e agressão pelos colegas (Barrett & Heubeck, 2000; Dell’Aglio & Hutz, 2002; Kraag & cols., 2006). Em diferentes sistemas de ensino, as transições escolares parecem ser momentos em que as crianças estão mais vulneráveis ao estresse (Elias, 1989; Lipp, Arantes, Buriti & Witzig, 2002), porque essas transições envolvem, em si mesmas, diversos componentes de experiências com alto potencial estressante, como mudanças (por exemplo, de escola), perdas (por exemplo, por afastamento dos amigos da escola anterior), pressão (por exemplo, por desempenho) e imprevisibilidade (por exemplo, pela quebra na rotina) (Elkind, 2004).

Este artigo trata do estresse cotidiano na transição da 1ª série. As experiências na 1ª série têm sido apontadas como decisivas na trajetória escolar das crianças, podendo afetar seu desempenho e comportamento nas séries subseqüentes (Entwisle & Alexander, 1998). Tais experiências podem se tornar fontes de estresse. Lipp e colaboradores (2002) encontraram mais sintomas de estresse nos alunos da 1ª série, em comparação com os colegas de séries mais avançadas. Rende e Plomin (1992) verificaram que as situações apontadas pelas crianças como as mais estressantes na 1ª série estavam ligadas aos relacionamentos com os colegas (ser alvo de agressão, provocação ou gozação) e com o professor (não se dar bem com o professor, ser repreendido pelo professor). Ladd, Birch e Buhs (1999), em pesquisa com alunos do jardim de infância, verificaram que aspectos estressantes do relacionamento com os colegas (por exemplo, rejeição) e com o professor (por exemplo, conflito), eram preditores potentes de adaptação à escola, prejudicando o desempenho e a participação da criança nas atividades de sala de aula. Estudos longitudinais sugerem efeitos persistentes do modo como se resolvem essas dificuldades, não apenas nos domínios do relacionamento com os pares (Ladd & Troop-Gordon, 2003) e com o professor (Hamre & Pianta, 2001; Hughes & Kwok, 2006, 2007; Silver, Measelle, Armstrong & Essex, 2005), mas também no domínio do desempenho (Kwok, Hughes & Luo, 2007).

Apesar de se reconhecer a 1ª série escolar como um momento de maior vulnerabilidade ao estresse, raros estudos investigaram a percepção das próprias crianças sobre o estresse associado a essa transição; aqueles que o fizeram consideraram ”estresse escolar” como um conceito unitário (por exemplo, Rende & Plomin, 1992; Trivellato-Ferreira, 2005). No presente estudo, o estresse da 1ª série é focalizado segundo uma perspectiva que considera a visão da criança sobre o estresse cotidiano em diferentes domínios de sua vida escolar. O modelo é inspirado na perspectiva de Elias (1989) sobre transições escolares como transições de vida.

Modificando a perspectiva original no sentido de atender à especificidade da transição para o ensino fundamental, propomos que as demandas da 1ª série requerem um trabalho de adaptação com pelo menos quatro tarefas: (a) ajustar-se às mudanças nas definições de papéis e comportamentos esperados; (b) situar-se na rede social ampliada; (c) adequar-se às normas e regras, explícitas e implícitas, do novo contexto; (d) lidar com o estresse associado à imprevisibilidade e às incertezas inerentes à situação como um todo. O processo de adaptação é visto em uma perspectiva dinâmica e transacional: a criança traz para a escola um repertório prévio para lidar com os desafios da transição, e esse repertório se reconstrói dia a dia no novo contexto, mediante as interações entre a criança em desenvolvimento e as propriedades mutantes do ambiente. As três tarefas adaptativas específicas (a, b e c) são associadas a domínios do cotidiano escolar, conforme seu potencial gerador de estresse, possibilitando a formulação de hipóteses quanto a fatores influentes no estresse em cada domínio.

As associações que propomos entre tarefas e domínios decorrem de nossa reflexão sobre a natureza de cada tarefa. Assim, a tarefa de ajustar-se às mudanças nas definições de papéis seria vinculada aos domínios do desempenho e da relação família-escola, que envolvem situações mais diretamente implicadas na definição do papel de aluno do ensino fundamental, com suas demandas e responsabilidades. À tarefa de situar-se na rede social ampliada corresponde, predominantemente, o domínio do relacionamento com os companheiros, que apresenta os principais desafios dessa tarefa. A tarefa de adequar-se às normas e regras do novo contexto tem relação com um domínio de demandas não acadêmicas, envolvendo questões relacionadas a horários, rotinas, disciplina, limites e segurança.

A previsão básica é que a criança experimentará maior estresse em domínios da vida escolar cujas demandas específicas excedem seus recursos de enfrentamento, ou seja, diante de um evento potencialmente estressante, ela estará mais ou menos vulnerável ao estresse, de acordo com seus recursos pessoais, suporte social disponível, etc. Supõe-se que estão mais protegidas contra o estresse da transição crianças que: (a) passaram pela educação infantil (Entwisle & Alexander, 1998); (b) contam com suporte da família para lidar com a transição (Hughes & Kwok, 2007); (c) iniciam a primeira série com recursos cognitivos, interpessoais, de auto-regulação e de realização de tarefas escolares compatíveis com as demandas do novo contexto (Hughes & Kwok, 2006; Hughes, Zhang & Hill, 2006; Ladd & cols., 1999).

Em pesquisa anterior, investigou-se a hipótese (a), obtendo-se a confirmação de que as crianças que passaram pela educação infantil tendem a estar menos vulneráveis a eventos potencialmente estressantes na 1ª série (Trivellato-Ferreira & Marturano, no prelo). No presente estudo o foco são os recursos da criança mencionados na hipótese (c). São exploradas associações entre o estresse da 1ª série e características da criança apontadas como relevantes para a adaptação da criança à escola. Em relação a precursores de estresse, as seguintes previsões são exploradas: (a) as crianças com habilidades cognitivas específicas mais desenvolvidas, comportamento mais adaptativo e hábitos de trabalho mais eficientes ao ingressarem na 1ª série estão mais protegidas do estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola; (b) as crianças com dificuldades prévias nos relacionamentos estão mais vulneráveis ao estresse no domínio das relações com os pares; (c) crianças com auto-regulação pobre, expressa em dificuldades comportamentais, estão mais vulneráveis ao estresse no domínio das demandas não acadêmicas. Em relação às associações entre estresse e outras variáveis da 1ª série, foram feitas previsões de correspondência entre: (a) dificuldades acadêmicas e estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola; (b) dificuldades nas relações com os colegas e estresse no domínio dos relacionamentos com os colegas.

A investigação tem dois objetivos: (a) identificar precursores de estresse escolar, relacionados aos recursos da criança no final da educação infantil; (b) investigar associações entre estresse em diferentes domínios do cotidiano da 1ª série e indicadores de desempenho e comportamento da criança no final da série.

 

Método

Contexto e participantes

A investigação foi realizada em uma cidade do interior de São Paulo com aproximadamente 23.000 habitantes. A cidade tem seis escolas públicas para ensino de base, compreendendo educação infantil &– EI &– e fundamental &– EF. São duas escolas de EI, uma com EI e EF e três com EF apenas. Participaram do estudo 110 alunos que freqüentavam uma das três escolas de EI no início da pesquisa, sendo 58 meninos e 52 meninas, com idades entre 5 e 7 anos. Foram incluídas no estudo somente crianças que estavam no seu primeiro ano de experiência em EI. Com exceção de nove crianças, que permaneceram na mesma escola, todas as demais mudaram para uma das três escolas de EF quando ingressaram na 1ª série. Também participaram da coleta 20 professores (oito na EI e 12 na 1ª série).

Instrumentos

Estresse cotidiano na 1ª série. Foi empregado o Inventário de Estressores Escolares &– IEE, derivado da entrevista proposta por Rende (1994), que investiga a ocorrência de situações da vida escolar, bem como a intensidade de seus efeitos. Os itens são apresentados oralmente e abrangem situações cotidianas em quatro domínios: desempenho acadêmico (7 itens), relação família-escola (5), relacionamento com os companheiros (5) e adaptação a demandas não acadêmicas do contexto escolar (13). Exemplos de itens em cada domínio são: Não consegui terminar as lições na sala de aula (desempenho acadêmico); A professora mandou bilhete quando eu não estava aprendendo (relação família-escola); As crianças mais velhas me gozaram (relacionamento com os companheiros); Eu me machuquei na escola (demandas não acadêmicas) A criança informa se o item aconteceu com ela durante o ano e, caso tenha acontecido, indica o quanto aquela situação a perturbou (nada, só um pouco, mais ou menos, muito). Na avaliação das respostas, atribui-se valor zero ao item, quando este não ocorreu, e um para resposta que indica ocorrência. A cada item ocorrido acrescenta-se um, dois ou três, de acordo com o grau do efeito relatado (um = perturbou um pouco; três = perturbou muito). O escore total é a soma dos escores dos itens.

Em estudo prévio em escolas públicas de outro município, em que o IEE foi aplicado nos meses de outubro a dezembro, a 70 alunos ingressantes na 1ª série (Trivellato-Ferreira, 2005), verificou-se que (a) as crianças compreenderam as instruções, dando respostas coerentes com as de suas mães (correlação significativa entre 0,48 e 0,55); (b) o escore total no IEE foi associado a sintomas de estresse.

Desempenho na EI. Foi avaliado por meio de dois instrumentos. O primeiro foi a Sondagem de Leitura proposta por Escolano (2004), feita por meio da exploração de um livro de história infantil ilustrado. O segundo instrumento foi a Avaliação do Desempenho pelo Professor &– TRF-D, que faz parte da avaliação de competência social do TRF (Teacher Report Form) de Achenbach (Silvares, 1998). É formada por duas escalas de cinco pontos, onde a professora informa o nível do desempenho atual do aluno em Português e Matemática (nível bastante baixo, nível um pouco baixo, nível médio, nível um pouco acima da média, nível bastante acima da média).

Desempenho na 1ª série. Foi avaliado por meio de dois instrumentos: a Avaliação do Desempenho pelo Professor &– TRF-D e o Teste de Desempenho Escolar &– TDE (Stein, 1994), que fornece normas para classificação do desempenho acadêmico por meio de três sub-testes: leitura, escrita e aritmética.

Comportamento na EI e na 1ª série. Foi avaliado com o QCDCC &– Questionário para Caracterização do Desempenho e do Comportamento da Criança no Ambiente Escolar (Machado, Figueiredo & Selegato, 1989), preenchido pelo professor. O QCDCC compreende itens de adjetivos bipolares que qualificam o comportamento da criança em sala de aula (por exemplo, explosivo &– controlado). Cada item é composto por uma escala de sete pontos, variando de +3 (maior ocorrência do comportamento problema) a &–3 (maior ocorrência do comportamento não-problema). O professor deve assinalar um dos valores, conforme avalia o comportamento do aluno. Os itens são agrupados em três conjuntos, focalizando, respectivamente, o modo como o aluno se comporta em relação ao professor (10 itens), aos colegas (8 itens) e à tarefa escolar (14 itens).

Nenhum dos instrumentos utilizados tem validação para amostra representativa da população brasileira. Com exceção do TDE e do TRF-D, foram construídos para fins de pesquisa.

Procedimento de coleta de dados

Como parte de um estudo longitudinal cujo objetivo geral era investigar, na EI, precursores de adaptação à 1ª série, foram feitas duas coletas de dados, no segundo semestre da EI e no segundo semestre da 1ª série. Ambas as coletas ocorreram entre os meses de setembro e novembro. Os pais assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a participação das crianças na pesquisa. A coleta foi conduzida pela segunda autora. Na EI, os professores responderam ao QCDCC; as crianças foram avaliadas individualmente com a Sondagem de Leitura, em sala cedida pela escola. Na 1ª série o TDE e o IEE foram aplicados em sessão individual com cada criança e os professores responderam ao QDCC.

Procedimento para análise dos dados

Os dados obtidos por meio do TDE e do TRF foram processados de acordo com as respectivas instruções. Em relação ao IEE, foi computada a intensidade do efeito atribuído pelas crianças a cada item; os escores dos itens foram somados, obtendo-se escores de intensidade do estresse nos domínios de desempenho, relacionamento com os colegas, relação família-escola e adaptação às demandas não acadêmicas do contexto escolar, bem como na escala geral.

Na Sondagem de Leitura, a análise foi efetivada com base na classificação em quatro níveis, proposta por Escolano (2004): a) a criança não reconhecia nenhuma letra; b) reconhecia pelo menos uma letra, mas não a nomeava; c) reconhecia e nomeava alguma letra; d) lia pelo menos uma palavra corretamente; e) lia pelo menos uma frase corretamente. As cinco categorias correspondiam a uma pontuação de zero a quatro em uma escala ordinal.

Para análise dos dados do QCDCC, os escores dos itens foram transformados da seguinte forma: ao pólo +3, indicativo de comportamento problema, foi atribuído o valor 7; ao pólo &–3 foi atribuído o valor 1. Os escores dos itens que compõem cada uma das três escalas foram somados, obtendo-se escores de problemas de comportamento em relação ao professor, aos colegas e à tarefa.

 

Resultados

Inicialmente, foi verificada a consistência interna das medidas para as quais não havia essa informação na literatura. As análises foram processadas por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Para as escalas do IEE foram obtidos os seguintes valores de alfa: domínio do desempenho acadêmico = 0,60; domínio da relação família-escola = 0,57; domínio do relacionamento com os companheiros = 0,73; domínio das demandas não acadêmicas = 0,68; escala geral = 0,84. No QCDCC, o coeficiente alfa variou entre 0,91 (escala de comportamentos em relação ao professor) e 0,94 (escala de comportamentos em relação à tarefa).

Também foi verificado se o fato de a coleta de dados ter-se estendido por três meses afetou os resultados no IEE, já que nesse inventário a criança informa sobre acontecimentos ocorridos cumulativamente durante o ano. A análise de variância de Kruskal-Wallis não detectou diferença nos escores do IEE entre as crianças avaliadas em setembro, outubro e novembro.

Como a distribuição dos dados de todas as variáveis se afastava da normalidade (teste de Komogorv-Smirnov), foram utilizados testes não paramétricos na análise estatística. As distribuições dos escores médios nos quatro domínios foram comparadas, duas a duas, por meio do Teste de Wilcoxon para amostras dependentes. Cinco dentre as seis comparações indicaram diferenças significativas. O domínio do desempenho (M = 1,79) se mostra menos estressante que todos os demais, ao passo que o das relações com os companheiros (M = 3,25) é mais estressante que os outros. O domínio das demandas não acadêmicas (M = 2,9) e o da relação família-escola (M = 2,75) não diferem entre si. Os valores de Z foram significativos para p < 0,001 em todas as diferenças detectadas.

Para investigar associações entre o estresse da 1ª série e demais variáveis, foram calculadas correlações com o coeficiente rho de Spearman. A Tabela 1 apresenta as correlações entre indicadores de desempenho e comportamento na EI e as medidas de estresse na 1ª série. Das 25 correlações indicadas na Tabela 1, dez são significativas, com valores modestos.

 

 

Os precursores de desempenho na EI se correlacionam com a percepção de estresse cotidiano na 1ª série. A avaliação de desempenho obtida na EI por meio do julgamento do professor se correlaciona com a percepção de estresse em todos os domínios do cotidiano escolar. A avaliação direta do desempenho na EI por meio da sondagem de leitura e escrita também apresenta correlações com indicadores de estresse no ano escolar subseqüente. Todas as correlações são negativas, indicando que, quanto melhor o desempenho da criança na EI, menor a intensidade do estresse relatado por ela posteriormente na 1ª série, particularmente no domínio acadêmico e no domínio dos relacionamentos com os companheiros.

Há apenas duas correlações, ambas positivas, envolvendo problemas de comportamento na EI e a percepção de estresse na 1ª série: problemas na relação com os colegas se correlacionam com a percepção de estresse no domínio da relação família-escola, e problemas na relação com a tarefa se correlacionam com a percepção de estresse no domínio dos relacionamentos com os companheiros.

As correlações entre indicadores de desempenho e comportamento na 1ª série e as medidas de estresse nesta série são apresentadas na Tabela 2. Dezesseis dentre as 25 correlações indicadas na tabela são significativas, com valores modestos.

 

 

As avaliações de desempenho e de problemas de comportamento em relação à tarefa se correlacionam com indicadores de estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola; problemas de comportamento em relação ao professor e aos colegas se correlacionam com indicadores de estresse nos domínios da relação família-escola e das demandas não acadêmicas.

As associações entre variáveis da 1ª série foram exploradas também por meio de comparações de grupo. Para cada medida de desempenho e comportamento, foram contrastados os resultados de estresse de dois grupos, constituídos, respectivamente, pelas crianças com escores situados no quartil 1 e no quartil 4 da medida em questão. Antes das comparações, checou-se a distribuição dos alunos das diferentes escolas nos quartis, por meio do teste X2. Não foram encontradas tendências em relação à EI; na 1ª série, duas escolas mostraram concentração maior de alunos, em relação às demais, no Quartil 1 do TDE e no Quartil 4 das escalas de comportamento do QCDCC em relação ao professor e à tarefa.

As comparações foram processadas com o teste U de Mann-Whitney. As tabelas 3 e 4 mostram os itens específicos, em cada domínio, que diferenciam os grupos situados nos quartis 1 e 4 das medidas de desempenho e comportamento na 1ª série. Por economia de espaço, apenas os itens com resultados significativos são apresentados nas tabelas.

 

 

 

O exame das tabelas permite identificar as situações específicas, em cada domínio do cotidiano escolar, indicadas como mais estressantes pelas crianças que estão apresentando maiores dificuldades na 1ª série. Dos 30 itens do IEE, apenas 12 diferenciam os grupos. Alguns itens discriminam os grupos em todas ou em quase todas as comparações efetuadas: Precisava de ajuda para as atividades escolares, Tirei notas baixas, A professora me deu bronca, Meus colegas de classe bateram em mim.

As crianças com maior dificuldade relacionada ao desempenho relatam, além das situações específicas do domínio acadêmico, estressores interpessoais como ser agredido, ser provocado, ser excluído das brincadeiras e levar bronca do professor. As crianças com mais problemas de comportamento em relação aos companheiros relatam experiências generalizadas de estresse, incluindo, no domínio das demandas não acadêmicas, dificuldades no relacionamento com o professor. A relação com o professor também aparece como fonte de estresse quando o critério para composição dos grupos é a presença de problemas de comportamento em relação ao professor.

Os resultados das comparações referentes aos escores totais nos domínios, não apresentados nas tabelas, confirmam as correlações apresentadas na Tabela 2, com uma associação a mais: os grupos formados com base nos problemas de comportamento em relação aos colegas diferem nos níveis de estresse em todos os domínios, inclusive o da relação com os companheiros. As crianças avaliadas pelo professor com mais problemas nas relações com os pares (quartil 4) relatam maior estresse em todos os domínios da sua vida escolar.

 

Discussão

Este estudo sobre o estresse da 1ª série teve como objetivos identificar precursores do estresse escolar relacionados a recursos da criança, assim como explorar associações entre percepção de estresse em diferentes domínios e indicadores de desempenho e comportamento na 1ª série. A pesquisa foi guiada por uma concepção da 1ª série como uma transição de vida, apresentando para a criança tarefas adaptativas que podem gerar estresse em domínios do cotidiano escolar cujas demandas específicas excedem seus recursos de enfrentamento. Previsões foram feitas em relação a três dentre as quatro tarefas propostas no modelo teórico. Os resultados são discutidos com referência a essas previsões.

De acordo com o modelo conceitual, o estresse no domínio acadêmico e no domínio da relação família-escola reflete dificuldade na tarefa de adaptar-se às mudanças nas definições de papéis e comportamentos esperados. Os resultados apontaram esses dois domínios como menos estressantes que os demais, sugerindo que a tarefa relacionada aos papéis esperados é percebida como a menos exigente. Rende e Plomin (1992) encontraram resultados semelhantes na 1ª série, ao passo que em séries mais avançadas as crianças relatam o domínio do desempenho como um dos mais estressantes (Kraag & cols., 2006). Essa aparente discrepância pode estar relacionada a mudanças desenvolvimentais, constituindo um tema de pesquisa a ser explorado.

Foi previsto que as crianças mais protegidas do estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola são aquelas que apresentam, ao ingressarem na 1ª série, um repertório de habilidades específicas e hábitos de trabalho eficientes. As previsões foram confirmadas em relação às habilidades prévias, mas não em relação aos hábitos de trabalho. Crianças com melhor avaliação acadêmica na educação infantil relataram menos estresse nesses domínios durante a 1ª série. Porém hábitos de trabalho na educação infantil, avaliados por meio da escala de comportamentos em relação à tarefa, do QCDCC, não foram associados à percepção de estresse nos domínios previstos, durante a 1ª série. O sentido deste e de outros resultados não congruentes com as previsões é discutido adiante.

A tarefa de situar-se na rede social ampliada, que foi conceitualmente associada ao estresse no domínio das relações com os companheiros, parece ser a que mais sobrecarrega as crianças, já que o domínio das situações cotidianas que lhe correspondem foi avaliado como o mais estressante de todos os domínios investigados. A média encontrada para o domínio dos relacionamentos com os companheiros indicou uma intensidade de estresse entre moderada e alta, confirmando a importância das relações com os pares como fonte de estresse, apontada em estudos feitos seja na 1ª série (Rende & Plomin, 1992) ou em outros níveis escolares (Ladd & cols., 1999; Lisboa & cols., 2002; Raimundo & Pinto, 2006).

Em relação a este domínio, não foi plenamente confirmada a previsão de que as crianças com dificuldades prévias nos relacionamentos estariam mais vulneráveis; obteve-se uma correlação apenas marginalmente significativa entre problemas em relação aos colegas, avaliados na educação infantil, e estresse no domínio das relações com companheiros, avaliado na 1ª série. Por outro lado, correlações não previstas foram encontradas entre o estresse com os companheiros, na 1ª série, e indicadores de desempenho e de problemas de comportamento em relação à tarefa, na EI. As correlações entre medidas de desempenho e de problemas de comportamento em relação à tarefa, obtidas na EI, e a posterior percepção de estresse com os companheiros estão de acordo com achados de que as crianças que entram na escola com menos recursos de letramento e habilidades de trabalho menos desenvolvidas estão mais expostas a estressores interpessoais (Hughes & Kwok, 2006; Hughes, Zhang &. Hill, 2006; Ladd & cols., 1999).

O domínio das demandas não acadêmicas, relacionado teoricamente à tarefa de adequar-se às normas e regras do novo contexto, foi o segundo mais estressante na avaliação das crianças. Porém não foi associado a dificuldades prévias de comportamento, como previsto no modelo. Esses resultados sugerem que o estresse derivado da necessidade de adequar-se às normas do novo contexto talvez dependa mais da mudança de ambiente em si, pela exposição generalizada das crianças a situações que elas não conseguem prever e sobre as quais não têm controle (Kraag & cols., 2006).

Dentre as previsões de correspondência entre estresse e outras variáveis da 1ª série, confirmou-se a associação entre dificuldades acadêmicas e estresse nos domínios do desempenho e da relação família-escola. Essa associação foi consistente, repetindo-se com as duas medidas de desempenho e a medida de problemas de comportamento em relação à tarefa escolar. Já a dificuldade nas relações com os pares não se correlacionou com estresse no domínio correspondente; apenas na comparação entre grupos situados nos quartis inferior e superior de problemas nas relações com os pares é que foram detectadas diferenças nos níveis de estresse no domínio dos companheiros. Este é um resultado interessante, em face de alguns dados da literatura. Embora não haja estudos prévios sobre a associação entre problemas relacionais e percepção de estresse cotidiano na 1ª série, pesquisas em outras áreas mostram que nos anos iniciais do ensino fundamental as crianças socialmente competentes estão menos expostas à rejeição e vitimização pelos pares, enquanto as agressivas e as retraídas estão em maior risco de se tornarem alvo de maus tratos (Buhs, Ladd & Herald, 2006; Garner & Lemerise, 2007). Segundo Ladd e Troop-Gordon (2003), a rota entre a agressividade precoce e os problemas adaptativos posteriores passa pela experiência com estressores relacionais, como rejeição e vitimização, nas séries iniciais do ensino básico. A presente investigação identificou um grupo de risco para a exposição ao estresse, constituído pelas crianças com níveis extremos de problemas nas relações interpessoais. Essas crianças relatam maior estresse em todos os domínios do cotidiano escolar.

A análise exploratória feita neste estudo deu algum suporte à visão da 1ª série como uma transição de vida (Elias, 1989), em que os desafios decorrentes das tarefas adaptativas da transição são fontes de estresse cotidiano. Medidas de desempenho e comportamento, fornecidas pelo professor, mostraram associação com o nível de estresse atribuído pela criança a situações do seu cotidiano escolar, de acordo com as previsões feitas. Por outro lado, os resultados não se ajustaram perfeitamente ao modelo, apontando para a necessidade de reformulação, principalmente no que se refere à previsão de especificidade de associação entre o grau de sucesso em determinada tarefa adaptativa e o nível de estresse relatado pela criança no domínio correspondente de experiências cotidianas. Os resultados mostraram associações específicas, mas também relações cruzadas entre tarefas e domínios de estresse. Por exemplo, crianças com desempenho pobre relataram situações de estresse no domínio das relações com os companheiros, ao passo que crianças com problemas de comportamento em relação aos colegas relataram situações de estresse no domínio do desempenho. A conexão entre os domínios do desempenho e dos relacionamentos parece estar refletindo o fato de que esses domínios da experiência escolar são interdependentes. Com efeito, Welsh, Parke, Widaman e O’Neil (2001), em seu estudo longitudinal sobre competência social e acadêmica em alunos da 1ª à 3ª série, demonstraram influências transacionais entre os dois domínios.

O ajuste não perfeito entre os resultados e o modelo teórico decorre não só do surgimento de novas associações, mas também da não confirmação de associações previstas. Dado que todas as previsões não confirmadas, com exceção de uma, envolvem comportamentos avaliados pelo QCDCC, pode-se pensar em um possível limite do instrumento. Parece, entretanto, que a explicação é mais complexa, visto que diversas medidas obtidas com o QCDCC na 1ª série se correlacionaram com estresse na direção prevista, ao passo que nenhuma correlação significativa foi encontrada com medidas obtidas na EI. Nessa divergência entre resultados envolvendo variáveis da EI e da 1ª série tanto podem estar implicados limites do instrumento (por exemplo, baixa estabilidade), como vieses dos professores (por exemplo, diferença no nível de exigência para “bom” comportamento na EI e na 1ª série). Associar à avaliação do professor o julgamento de observadores independentes poderá ajudar a esclarecer o problema em pesquisas futuras.

Um aspecto não contemplado na formulação teórica e que se mostrou relevante para a compreensão da relação entre estresse e dificuldades adaptativas na 1ª série foi o da relação professor-aluno, apontada na literatura como fonte de experiências aversivas percebidas pelas crianças como incontroláveis (Lisboa & cols., 2002). A importância desse aspecto só se revelou na análise das situações estressoras específicas, visto que, no instrumento de avaliação do estresse, os itens representativos da relação professor-aluno estão incluídos no domínio das demandas não acadêmicas. As comparações de grupo apontam para a relação professor-aluno como um desafio à parte para as crianças, com potencial para gerar estresse em situações específicas de desempenho e relações com os pares. Nessa direção, pesquisas realizadas no contexto da educação infantil e do ensino fundamental indicam que os alunos cujas relações com os professores são conflituosas estão mais sujeitos a dificuldades acadêmicas persistentes e rejeição por parte dos companheiros (Hamre & Pianta, 2001; Ladd & cols., 1999; Silver, Measelle, Armstrong & Essex, 2005). Essas considerações justificam a inclusão de um domínio à parte no modelo, representando o estresse da relação professor-aluno.

A investigação do estresse em tal domínio poderá ser feita por meio de instrumento semelhante ao IEE, ou com o próprio IEE, ampliado e reorganizado para incluir itens representativos de eventos potencialmente estressantes na relação professor-aluno, de modo a garantir a representatividade dos itens. Pesquisas realizadas no ensino fundamental indicam como fontes de estresse para os alunos as agressões verbais do professor em forma de insultos, humilhação, críticas e ironias, assim como certos comportamentos em resposta a condutas dos alunos, tais como ameaças, bilhetes para os pais e repreensões orais em sala de aula (Lisboa & cols., 2002; Piekarska, 2000).

Os resultados devem ser interpretados no contexto das limitações da pesquisa, algumas das quais, relativas a instrumentos, já foram comentadas. A não inclusão de um domínio de estresse na relação professor-aluno obstou a análise em separado desse aspecto relevante da transição. As análises ficaram restritas a testes não paramétricos de correlação e comparação de grupos, devido à característica não normal da distribuição dos dados, quando idealmente as previsões deveriam ser testadas por meio de análises multivariadas, verificando-se o peso relativo de cada variável na predição dos resultados de estresse. A distribuição das crianças nos quartis de desempenho e comportamento não foi aleatória em relação à escola de origem no ensino fundamental, o que pode ter afetado os resultados das comparações de grupo; no entanto, os resultados de tais comparações foram, em geral, coerentes com a literatura. De todo modo, pesquisas futuras que contornem as limitações apontadas são necessárias para confirmar ou refutar os resultados obtidos.

Apesar das limitações, a pesquisa trouxe contribuição teórico-metodológica e prática. Do ponto de vista teórico-metodológico, é importante assinalar que este é o primeiro estudo prospectivo na literatura a focalizar a transição da 1ª série sob a perspectiva do estresse cotidiano; portanto, constituem uma contribuição original ao campo do conhecimento os seus resultados, mesmo aqueles aparentemente óbvios pelo fato de convergirem com a evidência empírica produzida em outras áreas de investigação. São resultados robustos, por se apoiarem no cruzamento de informações fornecidas por fontes independentes: a própria criança, o professor e avaliações objetivas.

O estudo também contribui com novas pistas a respeito do estresse vivenciado pelas crianças na transição da 1ª série, que podem guiar pesquisas futuras, como, por exemplo: (a) crianças vistas pelo professor da EI como academicamente mais competentes foram mais protegidas contra o estresse em todos os domínios do seu cotidiano na 1ª série e, aparentemente, a avaliação acadêmica do professor anterior contou mais que a do professor atual; (b) na transição da 1ª série, o domínio do desempenho foi o menos estressante e um dos mais associados a dificuldades atuais, ao passo que o domínio da relação com os pares foi o mais estressante e o que apresentou mais associações com dificuldades anteriores, manifestadas na EI; (c) o domínio das demandas não acadêmicas tem componentes situacionais potentes de geração de estresse, aparentemente com pouca influência do repertório de entrada da criança.

Do ponto de vista prático, a pesquisa contribuiu com informações sobre a vivência das crianças na transição da 1ª série. Em relação ao seu papel de estudante, que deve responder a expectativas de bom desempenho, observa-se que nesse momento inicial as crianças não se sentem particularmente mobilizadas frente à dificuldade de aprendizagem em si. No entanto, seu desempenho está associado a situações perturbadoras envolvendo a família e o professor, o que provavelmente vai contribuir, ao longo do tempo, para que elas identifiquem o domínio do desempenho como uma importante fonte de estresse, como tem sido observado em alunos de séries mais avançadas (Kraag & cols., 2006).

Embora o estudo não investigue a temática dos relacionamentos agressivos entre diferentes atores presentes no contexto escolar, a pesquisa também levantou informações relacionadas ao problema da agressão nas escolas. Incidentes de agressão física e verbal são cada vez mais comuns nas escolas de ensino fundamental (Woods & Wolke, 2004). Pelo relato das crianças do presente estudo, eles fazem parte do cotidiano escolar desde muito cedo e constituem uma potente fonte de estresse. As crianças com problemas de comportamento são as mais expostas a esse gênero de experiência, o que denota reciprocidade, e as interações aversivas não se circunscrevem ao relacionamento com os colegas, ocorrendo também na relação com o professor, tal como foi constatado por Lisboa e colaboradores (2002).

As informações de interesse prático ressaltam a importância de intervenções para o manejo de situações geradoras de estresse no ambiente escolar. Sendo o domínio dos relacionamentos com os colegas a principal fonte de estresse, a convivência entre as crianças pode ser melhorada por meio de procedimentos com foco no dia a dia da 1ª série. Por exemplo, conflitos entre as crianças podem ser reduzidos e relações de amizade podem ser fomentadas e fortalecidas se o horário do recreio for aproveitado com a oferta de atividades lúdicas acompanhadas por um adulto (Emmel, 1996). É possível ensinar as crianças a lidarem com o estresse dos relacionamentos por meio de técnicas de relaxamento, habilidades de solução de problemas interpessoais e aprendizado da auto-regulação emocional (Del Prette & Del Prette, 2005; Kraag & cols., 2006; Shure, 2006). Dada a interdependência entre domínios, demonstrada no presente estudo, pode-se esperar que intervenções incidindo sobre os relacionamentos contribuam para a atenuação do estresse em outros domínios, por meio de mecanismos que envolvem , entre outros, aumento da participação em atividades escolares e redução dos problemas de comportamento (Ladd & cols., 1999).

O domínio das demandas não acadêmicas, o segundo mais estressante para as crianças, parece ser o mais representativo do estresse da mudança de escola e/ou de nível. Estratégias para suavizar a transição podem ser implementadas, tais como visitas dos alunos da educação infantil à sua futura escola, informações aos pais sobre o funcionamento da 1ª série, um programa de acolhimento nas primeiras semanas de aula e a comunicação freqüente e amigável com a família ao longo do ano (Kagan & Neuman, 1998). Atenção individualizada deve ser dada às crianças vulneráveis, como as que já na educação infantil apresentaram problemas de comportamento e aprendizagem. De acordo com os princípios de promoção/prevenção do desenvolvimento infantil, há que analisar os recursos pessoais da criança, a rede de apoio social disponível, entre outros, de modo a subsidiar, em cada caso, um planejamento específico de intervenção psicológica e/ou psicossocial.

Três comentários devem ser adicionados a esta discussão. Em primeiro lugar, há necessidade de apoio e supervisão ao professor, muitas vezes também estressado, de modo a ajudá-lo a estabelecer e manter com seus alunos uma convivência respeitosa. Segundo, há medidas práticas que dependem de capacitação. Por fim, deve ficar claro que, se o professor pode implementar, por sua iniciativa, estratégias como as listadas nos parágrafos precedentes, a manutenção delas ao longo do tempo depende do compromisso institucional da escola e de políticas públicas direcionadas para melhorar a qualidade de vida das crianças no espaço escolar.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: emmartur@fmrp.usp.br

Recebido em maio de 2007
Aceito em dezembro de 2007

 

 

* Edna Maria Marturano: psicóloga; doutora em Ciências &– Psicologia; professora titular na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
** Elaine Cristina Gardinal: mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; psicóloga do Departamento de Educação da Prefeitura Municipal de Dois Córregos.

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