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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.27 Canoas jun. 2008

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Habilidades sociais educativas parentais e problemas de comportamento: comparando pais e mães de pré-escolares

 

Parental social educational skills and behavior problem: comparing fathers and mothers of preschoolers

 

 

Alessandra Turini Bolsoni-SilvaI,*; Edna Maria MarturanoII,**

I Universidade Estadual Paulista (Bauru). Departamento de Psicologia
II Universidade São Paulo (Ribeirão Preto)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Práticas educativas parentais podem contribuir para a instalação de problemas de comportamento em crianças. O objetivo deste estudo foi comparar Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P) entre pais de pré-escolares com problemas de comportamento e pais de pré-escolares com comportamentos socialmente habilidosos. Adicionalmente, compararam-se as HSP-E de pais e mães. Participaram 48 casais, dos quais 24 tinham um(a) filho(a) com comportamentos socialmente habilidosos segundo o professor (Grupo CSA) e 24, um filho com problemas de comportamento (Grupo PC). Pais e mães responderam a um roteiro de entrevista que avalia HSE-P. Verificou-se no Grupo CSA uma tendência a avaliar mais positivamente suas HSP-E: demonstrar carinho, concordar com cônjuge, cumprir promessas. As mães se consideraram mais habilidosas que os pais. As HSP-E que mais diferenciaram os grupos foram aquelas relacionadas a consistência e afeto positivo.

Palavras-chave: Habilidades sociais, Práticas parentais, Avaliação de comportamentos sociais.


ABSTRACT

Parental bringing-up practices can give rise to behavior problems in children. The aim of this study was to compare Parental Social Educational Skills (PSES) between two groups of parents: parents of preschoolers with behavior problems and parents of preschoolers with socially adequate behaviors. Mothers and fathers were also compared as to their PSES. Forty-eight couples participated. Twenty-four had a child with behavior problems at school (BP Group), and 24 had a child with good behavior (GB Group). Fathers and mothers answered an interview route assessing PSES. Parents of GB children tended to evaluate their own PSES more positively than parents of BP children: physical affection, agreement with the other parent, dependability. The mothers evaluated themselves as more skilled than the fathers did. The PSES which best discriminated the two groups were those related to consistency and positive affection.

Keywords: Social skills, Parental practices, Assessment of social behaviors.


 

 

Introdução

As habilidades dos pais, ao interagirem e educarem seus filhos parecem ser cruciais à promoção de habilidades sociais e sua falta pode contribuir para problemas de comportamento. Analisando a literatura sobre problemas de comportamento pode-se dizer que: a) problemas de comportamento são tidos prioritariamente como comportamentos externalizantes, que teriam a função de contra-controlar, isto é, são efetivos para reduzir comportamentos aversivos de familiares (Patterson, Reid & Dishion, 2002); b) são comportamentos multideterminados, à medida que variáveis como história de vida familiar (Patterson & cols., 2002), práticas parentais (Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989; Patterson & cols. 2002; Webster-Stratton, 1997), condição sócio-ecônomica (Patterson & cols. 2002), eventos extressantes (Patterson & cols. 2002; Webster-Stratton, 1997), conflitos conjugais (Patterson & cols., 2002; Pawlak & Klein, 1997), hereditariedade dos pais e da criança (Gomide, 2001; Patterson & cols., 2002), patologia parental (Bugental & Johnston, 2000; Hoffman & Youngblade, 1998; Patterson & cols., 2002), características da criança (Gomide, 2001; Patterson & cols., 2002) e da escola (Patterson & cols., 2002; Webster-Stratton, 1997), podem influenciar o surgimento e/ou manutenção de tais comportamentos, sendo que a operacionalização destas variáveis constitui desafio para pesquisadores e profissionais da área; c) parece que problemas de comportamento ocorrem com mais freqüência e intensidade quanto mais fatores de risco estiverem combinados e/ou acumulados (Kinard, 1995; Patterson & cols., 2002).

Desta forma, percebe-se que o relacionamento entre pais e filhos envolvido nas práticas parentais é uma das variáveis preditivas de problemas de comportamento. Para diversos pesquisadores (Del Prette & Del Prette, 1999; Kaplan, Sadock & Grebb, 1997; Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini & Hutz, 2005; Patterson & cols., 1989; Sidman, 1995; Webster-Stratton, 1997), haveria uma ligação entre práticas parentais e problemas de comportamento dos filhos, no sentido de que as famílias estimulariam tais repertórios por meio de disciplina inconsistente, pouca interação positiva, pouco monitoramento e supervisão insuficiente das atividades da criança. Os pais tenderiam a ser não contingentes no uso de reforçamento positivo para comportamentos pró-sociais (ignorando-os ou respondendo de forma inapropriada), bem como no uso de punições efetivas para comportamentos problema.

Diante destas considerações, é possível supor que comportamentos coercitivos sejam diretamente reforçados pelos membros da família, levando a criança a utilizá-los, possivelmente, para sobreviver neste sistema social aversivo. Além disso, os filhos expostos à violência por longos períodos, freqüentemente comportam-se de forma agressiva (Sidman, 1995, Skinner, 1953/1993); quando são criados em condições negligentes tornam-se pouco tolerantes à frustração, relativamente imunes ao remorso e com pouca motivação para seguirem normas sociais (Pacheco, Teixeira & Gomes, 1999).

Patterson e cols. (2002) afirmam encontrar que práticas parentais positivas podem evitar o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento e, por outro lado, as negativas podem aumentar a probabilidade de sua ocorrência. Gomide (2006) as define:

As chamadas práticas educativas positivas são a monitoria positiva, que envolve o uso adequado da atenção e a distribuição de privilégios, o adequado estabelecimento de regras, a distribuição contínua e segura do afeto, o acompanhamento e a supervisão das atividades escolares e de lazer; e o comportamento moral [...]. As práticas educativas negativas envolvem negligência, ausência de atenção e de afeto; o abuso físico e psicológico, caracterizado pela disciplina através de práticas corporais negativas, ameaça e chantagem de abandono e de humilhação do filho; [...]; e a monitoria negativa, caracterizada pelo excesso de instruções independente de seu cumprimento e, conseqüentemente, pela geração de um ambiente de convivência hostil" (p.8)

Interações sociais positivas estabelecidas entre pais e filhos, são em primeiro lugar relacionamentos interpessoais que podem ser qualificados como positivos ou negativos. O Campo teórico-prático do Treinamento em Habilidades Sociais (THS) pode auxiliar no entendimento destas interações no que diz respeito a identificar quais habilidades sociais podem estar envolvidas nas práticas parentais. Del Prette e Del Prette (2001) descrevem que as Habilidades Sociais Educativas (HSE) são aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal. Silva (2000) descreve o termo Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P) como sendo o conjunto de habilidades sociais dos pais, aplicáveis à prática parental e exemplifica que a Habilidade Social Educativa de estabelecer limites e/ou regras pode envolver outras habilidades sociais, tais como dizer não e solicitar mudança de comportamento, as quais poderiam ser consideradas práticas parentais positivas.

Tais relações já foram investigadas por outros pesquisadores: Silva (2000); Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) e Bolsoni-Silva, Del Prette e Oishi (2003). De forma geral, estas pesquisas confirmaram a hipótese de que pais socialmente mais competentes conseguiam resolver problemas encontrados na prática educativa dos filhos, de forma mais efetiva e positiva. Em relação às habilidades sociais educativas parentais foi possível verificar que os filhos com habilidades sociais viviam em famílias melhor estruturadas (família nuclear e trabalho) e com maior consistência em sua educação, havendo maior entendimento do casal e maior participação do progenitor masculino na divisão de tarefas e educação do filho. No entanto, tais resultados foram obtidos a partir de amostras pequenas, o que limita conclusões e generalizações.

Silva (2000) descobriu que, segundo relatos de homens e de mulheres, as mães foram consideradas mais participativas na educação dos filhos que os pais, e conforme os achados de Costa, Teixeira e Gomes (2000) elas parecem emitir mais comportamentos que funcionalmente parecem prevenir o surgimento de problemas de comportamento, isto é, exigência e responsividade. Adicionalmente, Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) encontraram que mães conversam mais com os filhos, bem como expressam mais sentimentos e opiniões, além de estabelecer limites e elogiar comportamentos adequados. Esses achados são concordantes com estudos prévios nos quais se verificou que as mães conversam mais e qualitativamente melhor que os pais (Bellinger & Gleason, 1982; Malone & Guy, 1982; Reese & Eivush, 1993).

Em estudo transcultural (Estados Unidos, Coréia, Rússia, Estônia e Kênia) Tudge e cols. (2000) afirmam que: a) pais estavam ativamente envolvidos com seus filhos, mas menos freqüentemente que as mães, isto porque eles ficavam pouco tempo com as crianças; b) os pais brincavam mais com seus filhos que as mães; c) as mães ficavam mais tempo com seus filhos; d) na presença das mães, os filhos envolviam-se em outras atividades, tais como lição, conversação e trabalho. Novamente, os resultados apontam para a maior participação materna na educação dos filhos, especialmente em atividades que envolvem monitoramento, com tarefas escolares, por exemplo, as quais são consideradas por Gomide (2006) como práticas positivas.

Com base no exposto, a presente investigação retomou o tema das relações entre HSE-P e problemas de comportamento em pré-escolares, focalizando duas questões que têm norteado a pesquisa nesse campo: a) as HSE-P de genitores que têm filhos com problemas de comportamento são diferentes das HSE-P de genitores cujos filhos mostram comportamentos socialmente habilidosos? b) as habilidades sociais educativas (HSE-P) de pais são semelhantes ou diferentes das HSE-P de mães?

Com vistas a um maior entendimento das relações estabelecidas entre pais e filhos, o objetivo principal da investigação foi comparar as HSE-P de pais (mãe/pai) de filhos com indicativos escolares de problemas de comportamento x pais (mãe/pai) de filhos com indicativos escolares de comportamentos socialmente habilidosos. Adicionalmente, compararam-se as HSE-P de pais e mães dentro de cada grupo.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 96 pais biológicos de crianças com idade entre cinco e sete anos, matriculadas em 13 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIS), distribuídas geograficamente por uma cidade do interior de São Paulo, organizados em dois grupos: (a) 48 pais (24 mães e 24 pais) de crianças com indicação escolar de problemas de comportamento (PC); (b) 48 pais (24 mães e 24 pais) de crianças com indicação escolar de comportamentos socialmente adequados (CSA).

No grupo PC havia oito meninas e 16 meninos; a idade média das crianças era de cinco anos e nove meses. No grupo CSA, havia 17 meninas e sete meninos, com idade média de cinco anos e 11 meses. A distribuição por gênero apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (÷2 = 6,76; p < 0,01). Os grupos eram equivalentes quanto à escolaridade dos pais (PC, média 9,35anos; CSA, média 9,42 anos), à renda familiar (PC, média R$ 870,00; CSA, média R$ 1.292,00), ao status ocupacional e à jornada de trabalho.

Instrumentos

Para composição dos grupos, com base nas indicações das professoras, foram utilizados dois instrumentos: O Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas, versão para professores (QRSH-P), baseado em Silva (2000) e a Escala Comportamental Infantil para professores (ECI-B, Rutter, 1967; Santos, 2002).

O QRSH-P é composto por uma lista de 24 itens, com respostas socialmente habilidosas apresentados por crianças, no qual as professoras devem responder se um item se aplica (escore 2), se aplica em parte (escore 1) ou não se aplica (escore 0). Os escores são somados, permitindo o escore total da criança avaliada. O instrumento apresentou elevada consistência interna (alfa = 0,92) na amostra deste estudo.

A ECI-B é composta por 26 itens que apresentam descrições de respostas indicativas de problema. Cada item tem três alternativas de resposta: aplica-se (escore 2), aplica-se em parte (escore 1) ou não se aplica (escore 0) à criança. A escala tem ponto de corte para o escore total (igual ou superior a nove), acima do qual se considera que a criança tem problemas de comportamento. O índice de consistência interna obtido para a ECI-B foi igual a 0,83 (coeficiente alfa de Cronbach).

Para investigar as Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P) foi utilizado o Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas Parentais (RE-HSE-P), apresentado oralmente aos pais. Esse instrumento foi construído para a presente investigação e focaliza as seguintes HSE-P: manter conversação; fazer perguntas; perguntar sobre sexualidade; expressar sentimentos positivos e negativos; demonstrar carinho; brincar com o filho; expressar opiniões; estabelecer limites; cumprir promessas; concordar com cônjuge; auto-avaliar-se quanto a "erros" na forma de educar; discriminar e conseqüenciar comportamentos adequados dos filhos. Cada tópico é introduzido com uma questão aberta. Para cada opção de resposta à questão aberta são solicitadas informações adicionais, como a freqüência com que aparece o comportamento mencionado (freqüentemente; às vezes; nunca/quase nunca) e reações dos filhos. Neste trabalho são apresentadas as análises referentes à freqüência com que os participantes relataram emitir as HSE-P investigadas. Na cotação das respostas ao RE-HSE-P, atribuiu-se o escore 0 (zero) para a resposta "nunca/quase nunca", o escore 1 (um), para a resposta "algumas vezes" e o escore 2 (dois) para a resposta "freqüentemente".

Para verificar a fidedignidade do RE-HSE-P foram coletados dados com 12 pais e 12 mães, cujas medidas foram obtidas com um mês de distanciamento. A fidedignidade teste-reteste foi avaliada por meio do coeficiente de correlação de Spearman, obtendo-se as seguintes correlações significativas: a) RE-HSE-P mães - correlação igual a 0,76 (p < 0,05); b) RE-HSE-P pais - correlação igual a 0,89 (p < 0,01).

Embora com índices de fidedignidade satisfatórios nas análises feitas sobre os dados do presente estudo, os instrumentos não têm, evidências de validade estabelecidas para o Brasil.

Procedimentos

Seleção dos participantes

Para compor a amostra foram visitadas 13 EMEIS, após a permissão concedida pela Secretaria Municipal de Educação Infantil. Em seguida, foi solicitada à direção das EMEIS permissão para que suas professoras participassem da pesquisa. A cada professora, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, solicitou-se que indicasse, entre seus alunos, os três que apresentavam mais problemas de comportamento e os três com maiores indicativos de comportamentos socialmente habilidosos. Em seguida, a professora respondia, para cada criança indicada, a ECI-B e o QRSH-P.

Foram critérios de inclusão na pesquisa: (a) a criança morar com ambos os pais biológicos, o que foi verificado por meio de consultas à escola ou aos próprios pais; (b) as crianças PC, apenas e necessariamente, atingirem a pontuação da ECI-B para problemas de comportamento; ( b) incluir o mesmo número de crianças PC e CSA para cada professor, o que implicava que se uma criança indicada não preenchesse os critérios, excluía automaticamente o seu par correspondente.

Coleta de dados

Os passos de coleta de dados junto aos pais / mães foram: a) contato, por telefone ou pessoalmente para verificar o interesse em participar da pesquisa e adequação quanto aos critérios para entrar na amostra e para agendar a aplicação do instrumento, nas residências dos participantes; b) visitas às residências, onde foram explicitados novamente os objetivos do trabalho, solicitando-se o consentimento e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; c) aplicação do RE-HSE-P. O instrumento era aplicado pela primeira autora ou por alunos de iniciação científica previamente treinados. As perguntas eram formuladas oralmente e as respostas anotadas pelo entrevistador no protocolo do RE-HSE-P. As entrevistas tiveram duração média de 46 minutos para os pais PC, de 47 minutos para as mães PC, de 47 minutos para os pais CSA e de 50 minutos para as mães CSA.

 

Resultados

Esta seção apresenta os resultados de cada uma das habilidades sociais educativas parentais avaliadas na comparação entre os grupos, bem como, dentro de cada grupo, entre mães e pais.

Os dados foram tratados estatisticamente (SPSS, versão 12.0) a fim de verificar diferenças entre os Grupos PC e CSA (Teste t ), entre os relatos de pais e mães em cada grupo (Teste de Wilcoxon) e entre pais / mães dos dois grupos (Teste U de Mann-Whitney). A Tabela 1 mostra resultados das comparações entre os grupos PC e CSA.

 

 

Diferenças estatísticas foram encontradas em quatro das quatorze habilidades investigadas: "demonstrar carinho", "cumprir promessas", "concordar com cônjuge" e "discriminar comportamentos adequados". Em todas as comparações com diferença significativa, o Grupo CSA apresentou médias maiores. Também no escore total se observou a mesma tendência (p = 0,053). Nota-se que as diferenças se referem a habilidades que envolvem consistência ("cumprir promessas", "concordar com cônjuge") e afetividade ("demonstrar carinho", "discriminar comportamentos adequados"). Destaca-se que os demais itens, sem diferença estatística, contribuíram para obter a diferença na comparação dos escores totais. Os resultados da comparação entre pais e mães dentro de cada grupo encontram-se na Tabela 2.

 

 

Pela Tabela 2 observa-se que para a maioria das habilidades não há diferenças entre os relatos de pais e de mães do Grupo PC, entretanto, o escore total de HSE-P e as categorias "ouvir perguntas sobre sexualidade", "expressar sentimentos positivos" e "expressar opiniões" apresentaram diferenças significativas nas comparações entre pais e mães. As médias sinalizam que as mães relatam emitir um número maior de habilidades sociais que os pais, uma tendência confirmada pela diferença significativa no escore total de HSE-P.

Nas comparações entre mães e pais do Grupo CSA, ocorreram diferenças nas habilidades "manter conversação", "ouvir perguntas sobre sexualidade", "expressar sentimentos negativos" e no escore total. Em todas as comparações, o relato das mães indica maior freqüência de HSE-P.

A partir dos dados da Tabela 2, foram feitas comparações entre mães PC e mães CSA, bem como entre pais PC e pais CSA (Teste U de Mann-Whitney). As comparações entre mães PC e CSA indicaram diferenças nas categorias "demonstrar carinho" e "concordar com cônjuge" nas quais as mães CSA obtiveram médias maiores. Entre os pais, foram encontradas diferenças em três categorias, todas com médias maiores no Grupo CSA: "estabelecer limites", "cumprir promessas" e "identificar comportamentos adequados".

 

Discussão

As análises globais apontam diferenças entre os grupos. O Grupo CSA e as mães alcançam escores mais elevados, concordando com outros estudos (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2002, Bolsoni-Silva & cols., 2003).

Quanto às categorias investigadas, as comparações identificaram ser as mães quem mais relataram habilidades que envolviam comunicação e expressividade, o que é respaldado pela literatura da área (Reese & Eivush, 1993; Silva, 2000). Já as comparações entre os grupos PC e CSA sinalizaram diferenças para quatro dentre as 14 HSE-P investigadas; trata-se de habilidades de consistência ("cumprir promessas", "concordar com cônjuge") e afetividade ("demonstrar carinho", "discriminar comportamentos adequados"), o que também concorda com estudiosos do tema problemas de comportamento, que apontam que a falta de consistência, de punição não contingente e de reforçamento para comportamentos desejados são preditores de problemas (Bugental & Johnston, 2000; Pacheco & cols., 2005; Webster-Stratton, 1997).

Com base nesses resultados, pode-se hipotetizar que as mães, especialmente as CSA, utilizam-se de habilidades de comunicação tanto para expressar afeto como para estabelecer limites, oferecendo, assim, mais modelos e modelagem para habilidades sociais e, talvez, sendo mais efetivas na forma de solicitar mudança de comportamento (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002).

Um aspecto importante dos resultados refere-se às habilidades de "demonstrar carinhos" e "identificar comportamentos positivos", mais freqüentes para o Grupo CSA; tais respostas podem colaborar, pelo menos em parte, para o atendimento das necessidades da criança, o que pode ser relacionado a um estilo parental denominado de autoritativo por Maccoby e Martin (1983, citado por Pacheco & cols., 1999).

Quanto à sexualidade, as crianças procuravam mais freqüentemente pelas mães; o fato de as crianças procurarem mais pelas mães para tratarem de assuntos relativos à sexualidade é um indicativo de aproximação; pode-se supor que as mães se mostram responsivas às necessidades dos filhos. Esta habilidade não discriminou os grupos PC e CSA, um resultado discordante em relação aos de Bolsoni-Silva e Del Prette (2002); estas autoras encontraram que os participantes CSA tinham menos dificuldade em conversar sobre sexualidade quando comparados aos PC.

Quanto à HSE-P "expressar opiniões" chama atenção que pais e mães relataram comportarem-se de forma diferente; as mães PC expressariam mais opiniões que os pais. Tais informações sugerem maior participação das mães na prática educativa dos filhos, estabelecendo limites, ensinando regras sociais sobre o certo e o errado, o que concorda com a literatura da área (Bolsoni-Silva & Del Prette 2002; Costa & cols., 2000). Entretanto, ainda que Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) tenham encontrado que a expressão de opiniões era mais freqüente em grupos de crianças socialmente habilidosas, o mesmo não pode ser afirmado neste trabalho, em que os grupos PC e CSA não diferiram quanto a esta HSE-P.

Ao analisar o "expressar carinhos" observam-se semelhanças entre os padrões materno e paterno, sinalizando consistência. No entanto, os participantes CSA parecem demonstrar carinhos com maior freqüência. Com base nestes resultados é possível hipotetizar que o Grupo CSA deva ser mais afetivo, mais carinhoso com seus filhos. Esta HSE-P é essencial para a promoção de comportamentos socialmente habilidosos nas crianças, pois a demonstração de afeto ajuda a criança a se sentir aceita, amada, contribuindo para maior auto-estima. Os pais, ao serem carinhosos com seus filhos, estão contribuindo para a melhoria do relacionamento e fornecendo modelos de interação social satisfatória. Assim, é possível que os filhos sejam menos resistentes a cooperar com seus pais, além de mais afetivos. Problemas de comportamento podem ser instalados e mantidos por reforço social; portanto, se os pais e as mães são capazes de oferecer esta atenção para outros comportamentos, é possível que se reduza a probabilidade do surgimento de problemas de comportamento.

A habilidade de "concordar com cônjuge" também foi mais freqüente entre os participantes CSA; ao concordarem mais com seus cônjuges, fazem com que fique claro para a criança quais comportamentos são permitidos por ambos os pais, evitando o surgimento de comportamentos de birra, por exemplo. A concordância conjugal e a demonstração de carinho parecem ser HSE-P preventivas ao surgimento de problemas de comportamento. Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) encontraram os mesmos resultados quanto à concordância conjugal.

Chama atenção que os pais CSA, quando comparados aos PC, discriminam melhor os comportamentos desejados dos filhos (Bugental & Johnston, 2000; Pacheco & cols., 2005; Webster-Stratton, 1997). Os resultados reiteram a hipótese de que observar e também conseqüenciar respostas socialmente habilidosas pode evitar o surgimento de problemas de comportamento. Bolsoni-Silva e Del Prette (2002) e Bolsoni-Silva e cols. (2003) encontraram que mães CSA eram capazes de identificar e conseqüenciar mais freqüentemente respostas socialmente habilidosas dos filhos. No presente estudo, foram os pais CSA que demonstraram maior habilidade.

As comparações entre PC e CSA, considerando pais e mães separadamente, sugerem algumas reflexões. As médias indicam que os pais CSA são mais envolvidos que os PC na educação dos filhos, estabelecendo mais limites e se empenhando mais em cumprir promessas e reforçar comportamentos positivos, o que pode favorecer maior consistência entre as práticas parentais. Esses resultados sugerem maior apoio à esposa nos cuidados com a criança, tarefa que, tradicionalmente e em diferentes culturas, tem sido atribuída às mães (Paquette, 2004). Como as mães CSA, mais que as PC, concordam com o cônjuge na forma de educar os filhos, pode-se supor que esse apoio é efetivo.

A partir dos resultados deste estudo, percebe-se que para resolver problemas de comportamento de filhos, em geral birras e agressividades, não bastaria apenas treinar manejo de comportamentos, o que geralmente é realizado (Brestan, Jacobs, Rayfield, & Eyberg, 1999; Jouriles, McDonald, Spiller, Norwood, Swank, Stephens, N., Ware & Buzy, 2001; Ruma, Burke, & Thompson, 1996; Sanders, Markie-Dadds, Tully, & Bor, 2000). Um programa para pais de crianças com problemas de comportamento deveria também incluir o treino de habilidades sociais educativas que parecem preventivas de problemas, possivelmente porque com tais habilidades os pais consigam resolver problemas e dar atenção aos filhos, os quais, por sua vez, também poderiam observar modelos e ter seus comportamentos modelados em diversas habilidades sociais (comunicação, expressividade), sem precisarem exibir comportamentos problemáticos para obter reforçadores (Goldiamond, 1974/2002).

 

Conclusão

De maneira geral foi possível perceber que o Grupo CSA emite com maior freqüência Habilidades Sociais Educativas Parentais, especialmente as referentes a consistência e afetividade. As mães e os pais apresentam HSE-P distintas e são as mães quem mais parece participar da educação e emitir habilidades que envolvem comunicação e expressividade.

Esta pesquisa pôde contribuir para um maior entendimento acerca das relações estabelecidas entre pais / mães e filhos, avançando em relação ao estudo de Silva (2000). Os resultados obtidos são valorizados pelo fato de incluírem respostas de mães e pais, o que é pouco usual, uma vez que geralmente são as mães que participam de pesquisas desta natureza.

Outra contribuição refere-se à elaboração de instrumentos de coleta de dados (Questionário de Habilidades Sociais Educativas Parentais e Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas), pois na literatura brasileira ainda há uma carência de instrumentos que possam colaborar para a compreensão das habilidades sociais educativas envolvidas nas práticas educativas parentais.

Tais instrumentos podem ser utilizados por outros estudos, seja de levantamento, seja de pesquisa-intervenção. Um aspecto do instrumento que o recomenda para uso em estudos de levantamento é seu formato de entrevista com questões abertas e registro das respostas pelo entrevistador, mediante o uso de uma checklist. Esse formato previne a indução de respostas do entrevistado, ao mesmo tempo em que proporciona ao pesquisador um procedimento ágil para registro e posterior cotação dos dados.

Uma limitação do estudo é que os dados foram obtidos a partir do relato verbal de pais e de mães e não necessariamente as HSE-P que afirmaram possuir correspondem com o que realmente fazem na prática educativa com os filhos, por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque podem não ter habilidades suficientes para observar o que fazem e o efeito que produzem; segundo, pela possibilidade de seu comportamento ser influenciado, durante a entrevista, por fatores relacionados à chamada desejabilidade social, que pode ser considerada uma variável estranha, possivelmente interferindo nos resultados obtidos; pesquisas que acrescentem metodologia observacional poderiam suprir tal dificuldade. Acrescenta-se que os instrumentos utilizados na coleta de dados (RE-HSE-P e QRSH-P) carecem de estudos que testem todas as suas propriedades psicométricas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: bolsoni@fc.unesp.br

Recebido em agosto de 2007
Aceito em janeiro de 2008

 

 

* Alessandra Turini Bolsoni-Silva: doutora em Ciências: Psicologia (USP); professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Bauru).
** Edna Maria Marturano: doutora em Ciências: Psicologia (USP); professora da Universidade São Paulo (Ribeirão Preto).
Nota: este trabalho é parte da Tese de Doutorado da primeira autora, sob a orientação da segunda, cujo títuloé “Habilidades Sociais Educativas, variáveis contextuais e problemas de comportamento: comparando pais e mães de pré-escolares”, defendida na FFCL da USP-RP.

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