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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.27 Canoas jun. 2008

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Reflexões acerca do atendimento psicológico a desempregados

 

Reflections on psychological counseling to unemployed individuals

 

 

Janine Kieling MonteiroI,*; Clarissa Machado Pesenti**; Daiane Maus***; Daniela Bottega****; Fabiane Rosa Machado*****

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões feitas acerca do Atendimento Psicológico a Desempregados. Esta experiência trata de uma parceria entre a Unisinos e FGTAS/SINE São Leopoldo/RS, iniciada em 2003. Visando fazer articulações entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Clínica, salientamos a importância de se agregar estas duas áreas, de forma complementar, como uma junção de áreas que pensa, de forma ampliada, as demandas e representações do sujeito total, que sofre com o trabalho ou com a falta dele. O desemprego origina, muitas vezes, experiências de solidão, desamparo e desespero, como atestam as queixas trazidas por esta clientela. Refletindo-se a partir das falas de pacientes, no processo terapêutico, procuraremos apresentar a psicoterapia como uma forma de possibilidade de suporte para a situação existencial desencadeada pelo desemprego.

Palavras-chave: Atendimento psicológico, Desemprego, Psicologia clínica.


ABSTRACT

This paper presents some reflections on psychological counselling sessions with unemployed individuals. This research has been enabled because of a partnership between Unisinos and FGTAS/SINE-São Leopoldo which began in 2003. The authors argue that Labor Psychology and Clinic Psychology might come together as an important aggregation of two different branches of psychology that takes into consideration, in a comprehensive fashion, the needs and representations of the total self, one who suffers from his/her job or with the lack thereof. Unemployement is many times the origin of experiences of loneliness, contempt and dispair as the complaints of the patients in the data attest. Through reflections on the patients' discourse during counselling sessions, the authors try to present psychotherapy as a possible tool of support to the existential experiences that are brought about by unemployment.

Keywords: Unemployment, Psychological attendance, Clinical psychology.


 

 

Introdução

Em dezembro de 2003 iniciou-se uma parceria entre Universidade do Vale do Rio dos Sinos &– UNISINOS e FGTAS/SINE Agência São Leopoldo. Esta parceria contou com o envolvimento de três núcleos da Universidade, entre eles o Núcleo de Excelência em Psicologia do Trabalho (NEPT). Nessa ocasião, a Coordenação do SINE (Sistema Nacional de Empregos) da cidade de São Leopoldo solicitou à Unisinos que fossem realizadas intervenções relacionadas à qualificação junto aos desempregados. Esse pedido era resultado da crença de que este público não conseguia trabalho, principalmente, por não apresentar uma postura adequada nas entrevistas de seleção. Partiu-se então para uma análise desta demanda, onde se recorreu a uma investigação diagnóstica para poder entender quais eram as necessidades reais que se apresentavam.

Após a realização deste diagnóstico feito pelo NEPT, foram oferecidas ao SINE/São Leopoldo várias propostas de frentes de trabalho, entre elas, indicou-se o Atendimento Psicológico aos Desempregados que procuram o serviço do SINE. Na análise diagnóstica, constatou-se que a falta de perspectiva de resolução da fase de desemprego ultrapassa a condição de falta de renda. Estabelecendo não só condições favoráveis à instalação e manutenção de diversas psicopatologias, como também produzindo um estado de sofrimento específico do desemprego. Evidenciou-se então a necessidade de uma escuta para estas questões e sofrimentos decorrentes da situação de desemprego. Até o ano 2006, havíamos atendido em torno de 185 pessoas neste serviço.

Desta forma, o seguinte trabalho visa apresentar algumas considerações acerca do Atendimento Psicológico para Desempregados, no sentido de chamar a atenção para o sofrimento psíquico específico decorrente desta condição e dos benefícios que a psicoterapia pode trazer para o desempregado. Para isto procuraremos ainda, discorrer sobre uma aproximação e articulação entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Clínica. Propomos a reflexão sobre estas duas não como Psicologias distintas, mas sim de forma complementar, como uma junção de áreas que pensa, de forma ampliada, as demandas e representações do sujeito total, que entre outras coisas, sofre com o trabalho ou com a falta dele.

Aproximando a clínica do trabalho

Começamos a pensar, mais fortemente, na importância da aproximação da Psicologia Clínica com a Psicologia do Trabalho quando iniciamos o atendimento psicológico a desempregados e vimos que é impossível dissociar estas duas áreas. Pois a nossa proposta inicial era fazer uma escuta mais voltada e/ou centrada para questões de como o sujeito estava lidando com a falta de trabalho e de como veio construindo a sua trajetória profissional. Mas notamos, através das falas dos desempregados, que não tínhamos como abordar isto sem entrar também em questões que se relacionavam com outras áreas: familiar, social, afetiva, etc.

Partindo deste ponto, é importante situar o conceito e/ou significado do trabalho. Para Chauí o trabalho é uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por ele que dominamos as forças da natureza, é por ele que satisfazemos nossas necessidades vitais básicas, e é nele que exteriorizamos nossa capacidade inventiva e criadora (Chauí, 1999, citado por Sato & Schimidt, 2004).

Como coloca Antunes (1995), acreditamos que a categoria trabalho possui ainda um estatuto da centralidade, no universo de práxis humana existente na sociedade contemporânea. Cabe destacar ainda a importância e a centralidade do trabalho na vida do sujeito e como esta repercute no fenômeno desemprego, a partir de Lima e Borges (2002, p.338):

Ao contrário de certos modismos teóricos contemporâneos, defendemos a centralidade do trabalho para o homem, mesmo nas suas formas mais entranhadas. Em outras palavras, não vemos como pensar o homem desconsiderando essa categoria e muito menos como pensar as conseqüências do desemprego desconsiderando o fato de que o trabalho foi e permanece central para o ser humano. Assim, as reações do desempregado à sua condição não são fruto apenas das perdas materiais que sofreu, mas, sim, da impossibilidade de expressar-se, desenvolver-se e deixar sua marca no mundo.

Portanto para estes autores, a ruptura do vínculo do sujeito com seu trabalho acarreta também a ruptura das principais referências que estruturam seu cotidiano, com tudo aquilo que permitia sentir-se parte integrante do seu meio.

A expulsão do mundo do trabalho e, conseqüentemente, a exclusão da sociedade faz com que os indivíduos desempregados passem a ser impedidos de uma vida dotada de algum sentido (Antunes, 2002). O trabalho, até então, tinha um caráter de servir como referência econômica, social, cultural e, principalmente, psicológica (Castel, 1998). Por tudo isto, salienta-se a demasiada importância que o trabalho assume na vida das pessoas, sendo que ao cortar essa ligação depara-se com a perda de todo esse investimento e de reconhecimento social e subjetivo.

No que diz respeito às questões sociais, ter um emprego significaria mais do que ter uma atividade assalariada, pois também compreenderia todos os elementos que a acompanham: "reconhecimento de qualificação, acesso à formação contínua, condições de higiene e segurança e participação coletiva" (Férreol citado por Santos, 2000. p. 54) e portanto a condição contrária, de estar desempregado, privaria o sujeito de tudo isto.

Encontramos na literatura autores que defendem que o distanciamento entre saúde mental e trabalho e a prática clínica se traduz no acanhamento da clínica como escrava dos acontecimentos da infância e de classificações psicopatológicas, tendo por base sintomas ora do ponto de vista organicista, baseados em resultados neuroquímicos ou genéticos, ora de um ponto de vista mais psicológico, mas não introduzindo as questões relativas ao trabalho (Vasques &– Menezes, 2002).

Ainda, destaca-se que a ausência da categoria trabalho na prática clínica tem dificultado o entendimento de muitos dos sofrimentos psíquicos e o tratamento de algumas psicopatologias, principalmente, as relacionadas com as psicopatologias do trabalho (Codo, 2002).

Le Guillant (Codo, 2004) explora esses aspectos na medida em que busca escapar a dois vieses que constatavam antigamente e que seguem até os dias de hoje, ou seja, o psicologismo que consiste em se prender demasiadamente à subjetividade, negligenciando os aspectos relativos ao meio, e uma espécie de sociologismo que atribui tudo ao meio, desvalorizando os dados psico-históricos. É por isso que tal autor nos adverte para a importância de considerarmos o papel fundamental exercido pelo meio, tanto no surgimento quanto no desaparecimento dos distúrbios mentais, mas sem nos esquecermos do fato singular que é o sujeito, onde aspectos sociais e individuais estarão sempre se articulando na gênese das doenças, superando a dicotomia entre subjetividade e objetividade, entre singular e coletivo.

Por tudo isto, acreditamos que os profissionais de saúde mental, psicólogos clínicos e do trabalho devem repensar os limites de uma e outra área, o que novamente remete à crítica que se faz sobre a ausência da categoria trabalho na prática clínica tradicional e as conseqüências que isso pode causar ao paciente em termos de diagnóstico, intervenção e prognóstico. Busca-se a possibilidade de uma ação mais articulada, clínica e trabalho, juntos, uma apoiando o olhar da outra na leitura e discussão dos casos (Codo, 2002). Como cita este mesmo autor (2004), o trabalho é sempre prenhe de subjetividade, portanto, carece da lógica clínica, e a clínica, por sua vez, está condenada a caminhar por onde o ser humano se torna sujeito, e isso envolve necessariamente o trabalho.

A experiência do atendimento psicológico a desempregados

Como já citado anteriormente, foi a partir de um diagnóstico realizado na FGTAS/SINE &– Agência São Leopoldo, iniciado em agosto de 2003, o qual visava conhecer a realidade do público de trabalhadores que buscavam (re)inserção no mercado e suas relações com os diversos momentos de interface junto ao SINE, que iniciamos um trabalho de atendimento psicológico a desempregados. Neste foi observado que a falta de perspectiva de resolução da fase de desemprego ultrapassa a condição de falta de renda. Estabelecendo não só condições favoráveis à instalação e manutenção de diversas psicopatologias como também produzindo um estado de sofrimento específico do desemprego. Nos relatos dos desempregados entrevistados apareceram sentimentos de depressão, desesperança, insegurança, isolamento e problemas na auto-estima, entre outros. Evidenciou-se então a necessidade de uma escuta para estas questões e sofrimentos decorrentes da situação de desemprego.

Em novembro de 2003, iniciamos os atendimentos individuais com desempregados, que foram realizados com estagiários de Psicologia do NEPT, com o objetivo de resgatar a sua subjetividade, visando melhorar a auto-estima e a saúde psíquica destes. Utilizamos o tratamento psicoterápico de orientação breve focal, com ênfase no trabalho, como metodologia para os atendimentos. Esta estratégia consistiu em fazer intervenções referentes ao mundo do trabalho, visando sua ressignificação. No entanto, como citado anteriormente, vimos, através das falas dos desempregados, que não tínhamos como abordar somente este foco, sem entrar também em questões que se relacionavam com outras áreas destes sujeitos como: familiar, social, afetiva, etc.

No âmbito da agência do SINE foram divulgados os atendimentos psicológicos e, com o tempo, listas de espera começaram a se formar. A demanda crescente instigou o serviço a buscar alternativas de execução das atividades. Para isto, adotamos o acolhimento como atividade inicial à psicoterapia, onde podíamos trabalhar também a visão que estes desempregados tinham a respeito da clínica e do atendimento psicológico e a existência ou não de uma demanda real. Pois, algumas vezes, os desempregados acreditavam que o objetivo deste serviço era ajudá-los a conseguir um emprego. E, nesta ocasião, deixávamos claro que isto poderia ser uma conseqüência ou não dos atendimentos.

Algumas mudanças também foram necessárias no projeto, como a necessidade de se fazer atendimentos para manutenção e acompanhamento, pois alguns pacientes colocavam que se sentiam angustiados, antecipadamente, por terem que parar o atendimento, caso conseguissem um emprego. Entendeu-se ainda que algumas dificuldades destes permaneciam mesmo com a condição de ter obtido um trabalho. Aqui podemos trazer como exemplo o caso de uma paciente que não conseguia ficar muito tempo nos seus empregos.

Partimos ainda do conceito de uma clínica psicológica para além de um setting (local) ou uma técnica, concebida então como sendo uma postura, uma ética. Portanto, pode ser focada para o desenvolvimento de estratégias para lidar com o sofrimento psíquico e para um saudável movimento de reorganização frente ao desemprego (Moura, 2001).

Como referencial para os atendimentos breves focais utilizamos, sobretudo Lemgruber (1997). Esta salienta que focalizar significa que o terapeuta vai tentar levar o paciente a trabalhar emocionalmente em especial uma área previamente determinada, sendo que, para isto, será acessado material não só inconsciente, mas também consciente do paciente. O foco no trabalho e na experiência do desemprego demonstrou-se, na continuidade dos atendimentos, como uma metodologia viável para uma escuta do sofrimento psíquico no trabalho. Salienta-se que todos os aspectos relatados pelos pacientes a partir da delimitação deste puderam ser encadeados com o núcleo central em questão, corroborando as idéias da autora. O foco na situação do desemprego proporcionou também aquilo que Lemgruber (1997) designa como efeito carambola, ou seja, uma reorganização na vida do paciente em todos os aspectos a partir da terapia desenvolvida sobre um enfoque específico.

Desemprego e o sofrimento psíquico

A idéia da existência de uma psicopatologia do desemprego já foi sedimentada por diversos autores (Angerami & Santos, 1984; Seligmann-Silva, 1994; Lima & Borges, 2002), que admitem que, sobretudo o desemprego prolongado, pode criar uma situação propícia à emergência de distúrbios mentais característicos. Neste caso, é comum a desestruturação de laços sociais e afetivos, que podem ainda causar restrição de direitos, insegurança socioeconômica, redução da auto-estima, sentimento de solidão e fracasso, levando, com freqüência, à evolução de distúrbios e dependência de drogas como o álcool (Lima & Borges, 2002).

Alguns estudos internacionais também indicaram o desemprego associado a desfechos clínicos como à depressão (Gallo et al, 2006; Price, Choi & Vinokur, 2002; Stankunas, Kalediene, Starkuviene & Kapustinskiene, 2006), a ansiedade (Comino & cols., 2003; Stankunas & cols., 2006) e baixo sentimento de bem-estar (Carrol, 2007; Kennedy & McDonald, 2006).

O trabalho, compreendido como atividade genérica é uma forma de relação com coisas e pessoas e, por isso, forma identidades, jeitos de ser e existir num mundo compartilhado. Por tudo isto, o desemprego e a insatisfação no trabalho estão, muitas vezes, na origem de experiências de desenraizamento, solidão, desamparo e desespero, como atestam as queixas trazidas por esta clientela. (Sato & Schimidt, 2004).

Segundo Goulart e Guimarães (2002), a respeito das repercussões psicossociais, o que tem sido apurado é a vivência do desemprego com um forte sentimento de desagregação social e pessoal. Os resultados são alarmantes e indicam que o desemprego pode culminar em depressão, angústia, sentimentos de impotência e de culpa, perda da auto-estima, alcoolismo, tabagismo, uso de drogas em geral, conflitos conjugais e familiares, isolamento social e até suicídio.

Todas estas experiências de condições adversas da situação de desemprego foram, muitas vezes, observadas nas falas dos pacientes:

"Sinto-me mal, mal... é a angústia da gente não ter trabalho...".
"Acho que vou enlouquecer ou ficar louco se continuar mais tempo assim...".

P., homem, 61 anos, desempregado há cinco meses.

"Uma imensidão de tristeza...".
"Tomo remédio para tudo, mas esta angústia de não ter emprego, esta angústia não tem remédio...".

R., mulher, 28 anos, desempregada há quatro meses.

"Vou colocar fogo na rádio... Pois este é um meio de comunicação e não me ajuda a arrumar emprego... Aí eu vou preso... Mas para mim até que é bom, não tenho filhos aí fico preso lá, só dormindo, ganho tudo e não preciso mais procurar emprego".
F., homem, 43 anos, desempregado há um ano.

Trabalhar é condição imprescindível para se viver. Não o é, apenas, no sentido material, mas para que alguém seja socialmente confiável, e isto lhe atribui um lugar social. No desemprego, mais do que reações à sua condição por causa das perdas materiais que sofreu, os desempregados apresentam reações também referentes à impossibilidade de expressar-se, desenvolver-se, deixar sua marca no mundo. O que pode ser ilustrado pelos depoimentos abaixo:

"Sinto-me sem utilidade, tenho vergonha de ficar em casa de tarde, porque os vizinhos vão saber que estou desempregada...".
V., mulher, 37 anos, e M., mulher, 26 anos, há 11 meses desempregadas.

"Saí para procurar emprego para ninguém dizer que sou vagabundo...".
M., homem, 32 anos, desempregado há mais de 2 anos.

"Gostaria muito de ser feliz sem medo... medo de rejeição. Hoje meus problemas parecem tão grandes que fico me perguntando se sou tão diferente assim. Só queria ser ou ter coragem para falar às pessoas que preciso muito, que eles me ajudem a parar de ter medo de tudo."
S., mulher, 32 anos há um ano desempregada.

Podemos refletir aqui que o desemprego abarca questões que atravessam toda a vida destas pessoas e que existe uma demanda nestas para falar sobre as suas vivências frente ao desemprego. Esta demanda e este fenômeno já foram constatados em estudos anteriores (Sato & Schimidt, 2004; Terra, de Carvalho, Azevedo, Venezian & Machado, 2006).

Diante desta situação apresentada, cabe perguntar de que modo e em que circunstâncias a Psicologia e, mais especificamente, a Clínica Psicológica podem contribuir, de forma a abrandar o sofrimento psíquico do sujeito advindo do desemprego.

O que se busca conjeturar aqui é a possibilidade de situar-se como ponto organizador de uma ajuda psicológica voltada para o universo do trabalho e do desemprego, no qual o setting psicoterapêutico se constitua como oportunidade de interrogação sobre quem se é, indissociável da interrogação sobre onde se está, ou ainda, para onde se está indo. Ou seja, para o psicoterapeuta significa poder sustentar e, mesmo facilitar, que o sujeito interrogue-se, interrogando ao mesmo tempo, o mundo em que se move. (Sato & Schimidt, 2004). Já que mesmo o desempregado necessita fazer escolhas a todo o momento, mesmo sem se dar conta. Desta forma, pode-se auxiliar o sujeito a se potencializar para sua reinserção no mercado de trabalho. Buscando ainda refletir sobre algumas questões centrais como: Quem sou eu? No que eu gostaria de trabalhar? Como estou fazendo as minhas escolhas?

Acompanhamos as idéias de Moura (2001) de que o desemprego, ao mesmo tempo em que "dissolve" a subjetividade do trabalhador produzida ao longo da experiência de trabalho, também produz, nos sujeitos, uma abertura à capacidade de análise crítica frente à situação que este está passando, ou seja, pode ocorrer um aumento na capacidade de auto-percepção dos sujeitos. Neste sentido, a clínica psicológica pode proporcionar ou contribuir para esta "abertura", na medida em que conduz os sujeitos a constantes questionamentos sobre quem se é, independente da sua condição, como já citado anteriormente.

A fala de uma paciente, ao ser questionada sobre como estava sendo o processo terapêutico pelo qual vinha passando, nos ratifica este apontamento teórico:

"Foi muito bom, hoje eu consigo me colocar mais, dizer o que penso, o que quero, o que considero melhor para mim. Não fico só guardando e me angustiando com as coisas. Não sei o que aconteceu exatamente, acho que posso chamar de autodescoberta. Eu me autodescobri e isso foi devido as nossas conversas... eu vinha aqui falava, falava e daí depois eu saía daqui e ficava me escutando, lembrando e aquilo ficava sempre em mim."
V., mulher , 37 anos, desempregada há 11 meses.

 

Considerações finais

A situação do desemprego parece obrigar os sujeitos a olharem para si, e muitas vezes, esse movimento é feito pela primeira vez nesta situação de perda de emprego. Isso pode promover uma inusitada possibilidade de liberdade e autonomia frente ao futuro, ampliando os limites antes impostos pelo "ser &– trabalhador", pois o trabalho, ao mesmo tempo em que sustenta e forma identidades, também as aprisiona.

Sob esta perspectiva, segundo Moura (2001), enfrentar o desemprego, significa esvaziar-se, desapropriar-se, desalojar-se de si mesmo, abrir-se às desestabilizações. Desprovidos deste "ser &– trabalhador" os sujeitos vêem-se solitários, isolados, desvalorizados, carregados de culpa e vergonha. No entanto, o desemprego pode oportunizar uma re-construção, abrindo possibilidades de re-significação da vida e do trabalho, sendo que no setting terapêutico, este processo é facilitado, na medida em que o sujeito vai falando e se escutando, se escutando e escutando ao terapeuta.

Na área psicológica, toda e qualquer terapia, nas mais diferentes linhas ou escolas, em última instância, segundo Codo (2004), partem da possibilidade de re-significação de conteúdos internos do sujeito para que ele consiga melhor articular seu mundo interno e externo, de modo que esta nova forma de ser no mundo induza ou produza modificações em seu ambiente, coerentes com as suas necessidades, aumentando a probabilidade de sucesso e bem-estar.

Nesse sentido acreditamos que, independente do referencial teórico, o mais importante é procurar em qualquer exercício e, principalmente, na Clínica conduzir uma prática na direção de "ampliar as possibilidades dos pacientes de escolha e de construir uma renovada realidade pessoal" (Sakamoto, 2000). Procurando, assim, ajudar o sujeito a lidar com seu sofrimento, o qual ele se sente, nesse determinado momento, impossibilitado de transformar.

Assim, pensamos a psicoterapia como uma forma de possibilidade de repouso e suporte para a situação existencial desencadeada pelo desemprego (Sato & Schimidt, 2004). Um olhar psicológico pode, também, ser importante para salientar que as mudanças existenciais e psicológicas que são, muitas vezes, experimentadas pelos desempregados, pedem cuidados que ultrapassam a mera recolocação no mercado de trabalho. A proteção e o amparo psicológicos estendem-se, ainda, na apreciação das tentativas de retorno ao emprego, uma vez que se considera que este retorno, em condições adversas de trabalho, para o indivíduo fragilizado, pode tender mais ao prejuízo psicológico do que ao benefício. Por fim destaca-se que o desempregado pode ter muitos benefícios e amenizar o seu sofrimento psíquico se puder ter acesso a um atendimento psicológico.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: janinekm@terra.com.br

Recebido em agosto de 2007
Aceito em fevereiro de 2008

 

 

* Janine Kieling Monteiro: psicóloga; doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS); professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNISINOS.
** Clarissa Machado Pesenti
*** Daiane Maus: psicóloga graduada na UNISINOS.
**** Daniela Bottega: psicóloga graduada na UNISINOS.
***** Fabiane Rosa Machado: psicóloga graduada na UNISINOS.

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