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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.30 Canoas dez. 2009

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Psicoterapia breve operacionalizada na clínica privada

 

Operationalized brief psychotherapy in private clinic

 

 

Ryad Simon; Kayoko Yamamoto

Universidade de São Paulo. Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Psicoterapia Breve Operacionalizada - PBO é uma modalidade terapêutica formulada tendo como referência a teoria psicanalítica e a teoria da adaptação de R. Simon. A formação do psicoterapeuta tem sido realizada em Cursos de Pós-Graduação lato sensu na UNIP - Universidade Paulista. Atende à demanda de ajuda psicoterápica que tem sido maior a cada ano e agigantou-se com a legislação que determina aos Convênios de Saúde a concessão de atendimento psicoterápico a seus filiados. O objetivo da PBO é proporcionar a compreensão dos fatores psicodinâmicos e adaptativos que subentendem as situações-problema que o paciente enfrenta no momento presente. Através de interpretações teorizadas e conjecturas adaptativas o paciente vai entrando em contato com a articulação entre seu mundo subjetivo e suas repercussões no mundo externo adquirindo clareza do encadeamento entre suas motivações inconscientes e seus reflexos na origem das situações-problema.Autilização da PBO proporciona ampliação dos recursos psicoterápicos do terapeuta e contribui para aliviar sua culpa por não praticar a psicanálise clássica com os pacientes, conforme seus preconceitos, além de elevar sua auto-estima ao constatar a eficácia do procedimento.

Palavras-chave: Psicoterapia Breve Operacionalizada (PBO), Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO), Clínica psicológica privada.


ABSTRACT

Operationalized Brief Psychotherapy - OBP is therapeutic modality based on psychoanalytic theory and the theory of adaptation by R. Simon. The therapist formation is realized by lato sensu Post Graduation Course in UNIP - Universidade Paulista. Search for psychotherapeutic aid that is bigger at each year, becomes greater after legislation that imposes Health Insurances Companies obligation to give psychotherapeutic assistance to its members. The aim of OBP is to give comprehension about psychodynamics and adaptive factors related to problem-situations faced by the patient in the present. Theorized interpretations and adaptive conjectures supply the patient with insights over articulations between his subjective world and its repercussions on the external world and by this way facilitates the acquisition of understanding about unconscious motivations and its influences on the origins of problem-situations. OBP increases psychotherapeutic resources of the therapist and release his guilt of not supplying classical psychoanalysis to his patients, contradicting his preconceptions, besides heightening his self-esteem by verifying treatment efficacy.

Keywords: Operationalized Brief Psychotherapy (OBP), Operationalized Adaptative Diagnostic Scale (OADS), Private psychological clinic.


 

 

Introdução

As noções que fundamentam a Psicologia Clínica Preventiva vêm se tornando cada vez mais presentes na prática dos profissionais que trabalham em consultórios privados na área da psicoterapia. E, em seu esteio, nas três últimas décadas, como cita Yoshida (2004), a prática da psicoterapia breve também vem se expandindo de forma considerável entre eles, tendo conquistado a credibilidade e o respeito tanto dos profissionais jovens e com pouco tempo de formação como daqueles que se encontram formados há bastante tempo. Prova disso é que, em lugar das reações de descrédito e, até, de reprovação, que observávamos nos colegas - quando mencionávamos, há alguns anos atrás, a psicoterapia breve - nos dias de hoje as reações têm sido de atenção e vivo interesse. Existe um consenso compartilhado pela maioria dos psicoterapeutas de que, para atender ao aumento contínuo da demanda de pessoas que solicitam ajuda para suas dificuldades emocionais, o método terapêutico por excelência é o da psicoterapia de duração breve.

As mesmas reações de atenção e vivo interesse são também observadas nos alunos que frequentam aulas em cursos de pós-graduação stricto sensu e lato sensu que ministramos sobre Psicoterapia Breve Operacionalizada, a PBO (um método terapêutico breve concebido por Simon (2005) e que será visto mais adiante). Dentre os alunos, alguns independentemente da formação teórica: - psicanalítica, cognitivo-comportamental, lacaniana, jungiana, entre outras - e da área em que atuam profissionalmente - institucional, hospitalar, consultório privado, e outras afins -, frequentam as aulas instigados pela curiosidade em saber o que é a psicoterapia breve de que tanto ouvem falar. É possível notar que, ainda relutantes em decidir se a psicoterapia breve é ou não capaz de efetiva ajuda terapêutica, vêm conferir se a modalidade terapêutica que está sendo ensinada os fará chegar a uma decisão. Outros, já convencidos pelas vicissitudes vivenciadas em sua experiência profissional de que a psicoterapia de longo prazo é, como instrumento terapêutico, insuficiente para dar conta do tanto de pessoas que necessitam de atendimento psicoterápico, vêm em busca de um conhecimento mais específico a respeito da PBO. Querem conhecer seus fundamentos teóricos e procedimentos práticos com intuito de utilizá-la em sua prática clínica - uma prática que querem estender a populações até agora pouco lembradas pelos psicoterapeutas breves, como os idosos e os "borderlines" (Romaro, 1999). Quando as aulas se encerram os alunos dão depoimentos de que eles puderam adquirir um claro entendimento a respeito da importância e do lugar que a psicoterapia breve ocupa dentro da Psicologia Clínica. Esses pós-graduandos constatam que a PBO desenvolveu recursos para diagnosticar e tratar os distúrbios adaptativos conforme preconiza a prevenção secundária - diagnóstico precoce e tratamento imediato e eficaz (Leavel & Clark, 1967) tomando por referências os princípios da Psicanálise e da Teoria da Adaptação (Simon, 1989).

A PBO seria a concretização feita por Simon da sugestão lançada por Freud (1919/1973) em seu artigo "Lines of advance in psychoanalitic therapy" de fundir ao ouro da Psicanálise o cobre da sugestão, quando expressou sua preocupação com pessoas procurando cada vez mais o método psicanalítico à medida que a Psicanálise aprofundava seus conhecimentos a respeito da dinâmica dos processos psíquicos. Extensão essa que procura abranger toda a população de pessoas que apresentam sofrimento psíquico.

No entanto, apesar de testemunhar tais situações favoráveis, percebemos que a psicoterapia breve ainda se encontra envolta num clima de desconfiança e preconceito, sendo considerada por muitos profissionais como uma "psicoterapia de menor importância", uma "psicoterapia alternativa" reservada para aqueles pacientes que não são capazes de adentrar e enfrentar seu mundo interno desconhecido através dos recursos oferecidos pela psicoterapia de longa duração - a psicoterapia psicanalítica. De forma velada ou explícita, é tida - mormente pelos profissionais que atendem em consultório privado - como uma psicoterapia apenas de apoio, cujos resultados seriam de validade duvidosa, quando não, nula. Ou seja: a psicoterapia à qual se recorre quando a psicoterapia psicanalítica não pode ser utilizada e o terapeuta precisa "se render" - mesmo que não o desejando - à prática da psicoterapia possível - a psicoterapia breve. Prática essa que desperta nos psicoterapeutas, entre outros, sentimentos de frustração e de perda de identidade profissional; e, por que não, com frequência, de constrangimento. A emergência desses sentimentos se daria, em parte, pela frequente e estreita associação que se faz entre psicoterapia breve e populações de baixa renda que dependem de serviços públicos para receber o atendimento psicológico que necessitam. Dado o enorme contingente de pacientes que procuram ajuda psicológica, essas solicitações exercem forte pressão sobre os profissionais que atuam nesses serviços. E eles acabam realizando atendimentos que só poderiam ser breves. Porém, executada, muitas vezes, sem a solidez e a eficiência terapêutica que um método fundamentado em uma teoria e uma técnica específicas poderia proporcionar. Para sanar essa deficiência é indispensável prepararem-se frequentando cursos de especialização ou supervisões regulares com profissionais experientes. No entanto, isso nem sempre ocorre (Barbosa, 2001).

Por falta de informação, motivação, ou, ainda, em função da baixa remuneração funcional, muitos psicoterapeutas não vão em busca da necessária especialização profissional. Despreparados, seu desempenho técnico deixa a desejar e sujeito a críticas, induzindo e fomentando noções errôneas e infundadas a respeito da psicoterapia breve. De outra parte, a idealização que cerca a Psicanálise e os processos de psicoterapia psicanalítica, como sendo "os únicos que salvam", tal como Simon (1999)1  os conceitua, também deve colaborar para a emergência dos sentimentos acima mencionados de frustração, perda de identidade profissional e constrangimento. Com relação a essa idealização, Yamamoto (2006), fazendo um paralelo entre processos de análise e de psicoterapia psicanalítica, escreveu que muitos terapeutas psicanalistas que diziam estar se submetendo à análise pessoal estavam, em realidade, se submetendo à psicoterapia psicanalítica. Baseando-se no equívoco de que a diferença entre psicanálise e psicoterapia psicanalítica se fundamentava no número de sessões semanais e não nos objetivos pretendidos, sentiam-se como se estivessem cometendo uma falta grave ao estarem frequentando a suposta análise com uma, duas, ou três sessões semanais, quando deveriam estar frequentando-a com quatro ou cinco sessões semanais para, em sua fantasia, atender às exigências da análise verdadeira. Falta essa que, conforme eles afirmavam, seria reparada assim que estivessem em condições de, financeiramente, arcarem com mais sessões semanais. Através dessa concepção os terapeutas estariam expressando a extrema valorização dada à análise, idealização essa feita às custas da depreciação do processo de psicoterapia psicanalítica ao qual se submetiam e praticavam com seus pacientes. E, com isto, trazendo sérios riscos para si mesmos, como se pode ver nas considerações expressas no trecho a seguir:

Esse fato que presenciava, a meu ver, parecia estar sendo bastante prejudicial para muitos deles. E por que não, também, cruel e injusto? Pois, a realização do desejo de estar na almejada análise, ao ser postergada para  um  futuro distante e indeterminado, não lhes permitia a devida e necessária elaboração da frustração que se formava dentro deles. E poderia estar criando, na penumbra de seu inconsciente, sérios  obstáculos para a construção de sua verdadeira identidade como psicoterapeuta psicanalista; e, com isto, no aspecto profissional, abrindo caminho para a emergência de um falso self. Se o que valorizavam era a análise, não poderiam, então, valorizar a psicoterapia que estavam obtendo e praticando com seus pacientes. Consequentemente, não poderiam se valorizar como psicoterapeuta psicanalista; e estariam fadados a buscar, sem trégua e sem sucesso, a identidade narcisicamente idealizada de analista." (Yamamoto, 2006, p.283).

Transpondo esses dizeres para a situação que estamos tratando, podemos nos perguntar se o paralelo acima mencionado entre análise e psicoterapia psicanalítica não poderia ser aplicado aos processos de psicoterapia psicanalítica e psicoterapia breve. Ou seja, o terapeuta, ao idealizar a psicoterapia psicanalítica, que é de longa duração, desvaloriza a de curta duração, marginalizando-a e relegando-a a uma condição de menos valia, que a desmerece; e, com isto, não pode se valorizar como terapeuta breve e à sua identidade como tal, pois esta não corresponde à sua identidade narcisicamente idealizada. Recordando um trecho inicial do artigo "Formação do psicoterapeuta para a realidade brasileira", em que Simon (1981) diz que " (...) são quatro os objetivos da psicoterapia: 1 diminuir a angústia; 2) ajudar a resolver problemas humanos; 3) dar conhecimento do inconsciente; e 4) promover o desenvolvimento da personalidade" (p.01). E que o paciente procura o terapeuta quando não consegue alcançar os dois primeiros, embora, para o terapeuta, os dois últimos sejam os mais importantes. Podemos nos perguntar se, quando o terapeuta idealiza a psicoterapia de longa duração em detrimento da breve, não estará sobrepondo, em relação aos objetivos do paciente, os objetivos que, narcisicamente, abriga dentro de si. Para ilustrar, citamos duas situações que ocorrem com bastante frequência em nossas experiências com alunos e supervisandos que estão se iniciando na prática da psicoterapia breve: quando um caso clínico é exposto no grupo de supervisão, geralmente, a primeira opinião feita pelos presentes quanto à indicação terapêutica a ser dada ao paciente é "... para o paciente poder lidar com seus conflitos inconscientes que têm origem em seu passado remoto, ele precisa ser atendido em uma psicoterapia que seja demorada ... ". Outras vezes, tal é a preocupação do terapeuta em adotar uma postura neutra como a de um analista ou de um psicoterapeuta psicanalista - e em realizar interpretações transferenciais e mutativas - que, quando ele realiza "interpretações teorizadas" (Simon, 2005) na cotransferência2 (Simon, 2004), ou intervenções suportivas (Wolberg, 1967) - medidas terapêuticas que, por razões técnicas, fazem parte essencial do método da PBO - se sente extremamente culpado, incompetente e pouco capaz.

Apesar desses percalços, temos observado na clínica privada uma procura crescente de pacientes que solicitam psicoterapia breve por motivos outros que não o econômico. São pacientes pertencentes a uma condição que, no que tange ao financeiro, poderiam se submeter a uma psicoterapia psicanalítica. Mas que não o fazem por opção. Não se sentem motivados para uma psicoterapia de longa duração. Querem é receber ajuda para encontrar soluções mais adequadas para as chamadas situações-problema que enfrentam em sua vida atual, sem precisarem se aplicar a um processo terapêutico de muitos anos e de término indeterminado. Outros, ainda, só pedem psicoterapia breve porque se encontram premidos pelo tempo: por exemplo, uma transferência inesperada, a trabalho, para um outro país; ou, se veem precipitados em situação de crise adaptativa3: por exemplo, um tratamento médico ou cirurgia de urgência.

No intuito de contribuir para ampliar os horizontes da prática clínica para além da psicoterapia psicanalítica, apresentamos, a seguir, três atendimentos realizados com a PBO e extraídos da prática em consultório privado. Antes, porém, para melhor compreensão dos atendimentos realizados, será feita uma sucinta descrição sobre a Teoria da Adaptação, a EDAO e o método da PBO.

Teoria da Adaptação e Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - EDAO

A Teoria da Adaptação está fundada no conceito de adaptação que, segundo Simon, seu idealizador, é uma condição inerente e essencial a todo ser vivo. A adaptação diz respeito à capacidade de um organismo de "(...) integrar os vários sistemas (intelectual, afetivo, conativo e anátomo-fisiológico) bem como da coerência com seus fins de sobrevivência (...) em um contexto biopsicossocial". (Simon, 1989, p.14). Portanto, sem adaptação a vida deixa de existir e o processo da morte se instala. A adaptação é, então, assim definida por Simon (1989): "(...) conjunto de respostas de um organismo vivo, em vários momentos, a situações que o modificam, permitindo a manutenção de sua organização, por mínima que seja, compatível com a vida." (p.14). A adaptação, porém, quanto à sua eficácia, varia de pessoa para pessoa; e, em uma mesma pessoa, conforme as influências favoráveis ou desfavoráveis a que ela está sujeita, sejam elas de natureza interna ou ambiental. Para se conhecer o grau de eficácia da adaptação Simon construiu, na década de 70, um sistema diagnóstico que deu origem à Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - a EDAO. Esta escala sofreu uma revisão em 1997/1998 e passou a ser chamada de EDAOr.

A aplicação da EDAOr , ou, simplesmente EDAO, como é mais conhecida, é precedida por entrevistas psicológicas em sua forma tradicional ou em sua forma preventiva4  para a obtenção de dados sobre a vida atual e passada do paciente nos quatro setores em que, didaticamente, Simon divide a totalidade da adaptação humana: setor afetivo-relacional ou setor AR, setor produtividade ou setor Pr, setor orgânico ou setor Or e setor sócio-cultural ou setor SC. Os dados que dizem respeito aos setores são:

setor AR - que compreende o conjunto das respostas emocionais do sujeito nas relações pessoais e com relação a si mesmo;
setor Pr - diz respeito à totalidade das respostas diante do trabalho ou estudos;
setor Or - indica o estado físico e o conjunto das respostas quanto aos sentimentos, atitudes e cuidados relativos ao próprio corpo;
setor SC - compreende os sentimentos, atitudes e ações do sujeito diante das instituições, valores e costumes da cultura em que vive. (Simon, 1998, p.14)

Durante as entrevistas, além da natureza das relações de objeto estabelecidas pelo paciente e dos mecanismos de defesa mais comumente por ele utilizados, dá-se especial atenção ao tipo de soluções que ele adota e vem adotando para atender às necessidades oriundas dos quatro setores adaptativos e resolver os conflitos gerados nesses setores. As soluções podem ser avaliadas em: adequadas, pouco adequadas ou pouquíssimo adequadas quando submetidas a três critérios propostos pelo autor: se soluciona, se está ou não acompanhada de satisfação, e se está ou não acompanhada de conflito intra- e/ou extra-psíquico. A partir do conjunto de soluções adotadas - "adequadas", "pouco adequadas" ou "pouquíssimo adequadas" - cada setor será classificado como estando adequado, pouco adequado ou pouquíssimo adequado.

Após a classificação da adequação de cada setor, tem início a operacionalização da EDAO: aos setores AR e Pr, de acordo com a avaliação setorial recebida, são atribuídas pontuações que variam, respectivamente, de 3,0 a 1,0; e de 2,0 a 0,5. A soma das pontuações dos dois setores irá determinar o grau da eficácia da adaptação e inserir o paciente em um dos cinco grupos adaptativos que compõem a EDAO:

adaptação eficaz (3,0+2,0) - grupo 1
adaptação ineficaz leve (3,0+1,0; ou, 2,0+2,0) - grupo 2
adaptação ineficaz moderada (3,0+0,5; ou, 2,0+1,0; ou,1,0+2,0) - grupo 3
adaptação ineficaz severa (2,0+0,5; ou, 1,0+1,0) - grupo 4
adaptação ineficaz grave (1,0+05) - grupo 5

Os setores Or e SC não recebem pontuações. Eles são considerados apenas qualitativamente, pois, como afirma Simon (1998), quando as soluções Or e SC são pouco, ou pouquíssimo adequadas, essa inadequação se reflete nos setores AR e Pr, e a inadequação de Or e SC fica implicitamente classificada. Os setores determinantes da mensuração da eficácia adaptativa são: o setor AR seguido, em importância, pelo setor Pr.

Em determinadas circunstâncias, não há solução para ser presentemente avaliada. São situações em que uma pessoa é colocada diante de um acontecimento tão novo e transformador que ela não sabe como lidar com elas, de imediato ou a curto prazo. Essas situações são as chamadas crises adaptativas, e são provocadas por "aumento ou redução significativa do espaço no universo pessoal". 5

Psicoterapia Breve Operacionalizada - PBO

A Psicoterapia Breve Operacionalizada, PBO, foi concebida tendo a Teoria da Adaptação como referencial teórico e a EDAO como instrumento norteador de sua operacionalização; além da teoria psicanalítica composta pela contribuição de vários autores, fundamentando o raciocínio psicodinâmico subjacente às situações-problema dos quatro setores da adaptação. Baseando-se nesses conceitos, tem como objetivo, identificados os setores adaptativos em que o paciente apresenta inadequações, ajudá-lo a substituir as soluções pouco ou pouquíssimo adequadas que ele vinha utilizando - as quais acabam precipitando as chamadas situações-problema - por outras mais adequadas. Situação-problema é definida por Simon (1996, p.9) como sendo (...) "conjunto de fatores ambientais existentes no presente, interagindo com fatores intrapsíquicos, provocando desequilíbrio da adequação, podendo causar crise adaptativa ou deterioração gradual da adaptação existente.". É sobre a situação-problema que o terapeuta concentra seus esforços terapêuticos, a fim de elucidar para o paciente seus componentes, proporcionando-lhe "insight" a respeito dos conflitos que lhe eram inconscientes e que constituíam as raízes das soluções inadequadas. Em situações em que existe mais de uma situação-problema, o terapeuta, analisando o encadeamento das situações-problema, procura detectar aquela que seria a "situação-problema nuclear". O esclarecimento dessa situação-problema nuclear, quando acompanhado do "insight" do paciente, encaminha, natural e espontaneamente, a resolução das demais "situações-problema subsequentes", as quais, por definição, eram decorrentes da nuclear. A obtenção do "insight" por parte do paciente é propiciada pelas "interpretações teorizadas" que o terapeuta faz, interpretações essas formuladas a partir da história pregressa do paciente, baseadas na compreensão psicodinâmica de seus complexos inconscientes e sua inserção na inadequação adaptativa atual.

A duração da PBO é de uma, a no máximo doze sessões semanais. A psicoterapia propriamente dita é precedida de entrevistas psicológicas em número suficiente para: a) permitir conhecer o processo evolutivo da adaptação do paciente; b) elaborar o diagnóstico adaptativo; c) a partir da compreensão adaptativa e psicodinâmica determinar as situações-problema "nuclear" e as que lhe são "subsequentes"; e, d) planejar o processo terapêutico e definir o número de sessões a serem realizadas.

Tendo por referência a Teoria da Adaptação e a EDAO, além da Teoria Psicanalítica, a PBO está dotada de ampla aplicabilidade terapêutica, podendo ser indicada a qualquer pessoa que esteja vivenciando algum problema adaptativo.

Ilustrações clínicas6

Primeira ilustração

A paciente, aqui chamada de Maria, procurou psicoterapia indicada pela assistente social de uma entidade assistencial que encaminhava recém-nascidos para adoção. Pretendendo adotar um bebê, estava sendo entrevistada pela assistente social quando esta notou que Maria não estava firme em seu propósito; e fez a indicação para que procurasse um terapeuta.

Já na entrevista inicial Maria disse que não queria uma psicoterapia que fosse demorada. Solicitou que fosse breve, dizendo que, embora nunca tivesse se submetido a nenhuma, possuía certo conhecimento a respeito de psicoterapias. Era professora em uma escola pública e estava prestes a se aposentar. Tinha ao redor de quarenta anos de idade. Casada, tinha um filho de aproximadamente dez anos. O marido, dois anos mais velho, exercia uma profissão que lhe proporcionava boa remuneração.

No decorrer das quatro entrevistas diagnósticas realizadas Maria contou que estava pensando em adotar um bebê porque não conseguia engravidar, apesar das tentativas - naturais e artificiais - que vinha fazendo. Ela mesma não fazia questão, mas o filho e o marido queriam muito que ela tivesse um outro filho. Principalmente o marido que, ao contrário de Maria, que possuía muitos irmãos (Maria era a filha mais velha de uma numerosa prole) tinha apenas um irmão e sempre almejara constituir uma família com muitos filhos. Ao final das quatro entrevistas Maria foi avaliada pela EDAO como estando no grupo 3 - adaptação ineficaz moderada e em crise por ameaça de perda no setor AR . Ou seja, Maria estava em crise porque temia ser abandonada pelo marido caso não o satisfizesse engravidando do filho que ele tanto desejava. Pela análise psicodinâmico-adaptativa do material das entrevistas concluiu-se que Maria não queria engravidar. Identificada com seu filho, queria que ele permanecesse filho único, do mesmo modo que ela gostaria de ter sido a filha única de seus pais. Dizia que se sentia feliz e realizada com seu filho e que "ele valia por dez filhos". Era o que queria ter sido para seus pais. Assim, quem sabe, eles não teriam feito tantos outros filhos depois dela... Além disso, havia um outro motivo para Maria não querer engravidar: com a vinda de um outro filho, iria perder parte da atenção exclusiva que o marido e o filho lhe dedicavam. Por isso, as tentativas de engravidar natural e artificialmente não surtiam o resultado esperado. Era esta a conjectura psicodinâmico-adaptativa subjacente à situação-problema que Maria estava vivenciando.

Para dar a Maria o conhecimento psicodinâmico e adaptativo "teorizado" acerca de sua situação-problema decidiu-se realizar doze sessões terapêuticas. No decorrer dessas sessões Maria foi respondendo positivamente às interpretações teorizadas que lhe eram feitas, trazendo, na sequência, associações ricas e esclarecedoras, as quais revelavam a compreensão que estava obtendo. Na sessão de encerramento da psicoterapia Maria disse que iria precisar pensar um pouco mais a respeito de tudo que havíamos conversado. Três meses depois, na entrevista de acompanhamento que havíamos combinado, Maria relatou que não iria mais adotar um bebê; e que já havia encaminhado uma carta para a entidade assistencial informando de sua desistência. Estava segura e tranquila com a decisão tomada.

Segunda ilustração

José (nome fictício), quando buscou psicoterapia, estava sem trabalhar havia quatro meses. Nunca pensou em fazer psicoterapia. Nem mesmo cogitou de um dia procurar uma. E nem sabia se estava precisando agora, confessando dúvidas a respeito da ajuda que a psicoterapia poderia lhe proporcionar. Concordou com a indicação que lhe foi feita porque o informaram que a psicoterapia seria de curta duração. Disse estar passando por um período difícil porque não estava conseguindo um outro trabalho com a rapidez que imaginava. Possuía excelente formação profissional e havia ocupado cargos importantes em empresas conhecidas e de grande porte. Apesar disso, e dos anos de experiência acumulados, encontrava-se preocupado e receoso quanto a seu futuro profissional. Afinal, já não era mais jovem; havia completado, recentemente, cinquenta anos. Mesmo ciente das dificuldades, queria voltar a ocupar um cargo semelhante ao que ocupava em seu último emprego; e receber um salário condizente com seu cargo e posição social. Passava os dias tentando não se preocupar demasiadamente com as questões relativas à busca de emprego. Procurava se distrair, lendo livros e indo aos cinemas.

Inicialmente, foram realizadas cinco entrevistas. José relatava tão minuciosamente as situações de trabalho e tão superficialmente sobre sua vida afetiva, que a superação das resistências demandou certo dispêndio de tempo. A situação-problema de José consistia na perda significativa de espaço em seu universo pessoal7 que havia sofrido no setor Pr, e que o precipitara em uma "crise por perda". Passado o impacto inicial, dispôs-se a procurar um outro emprego. Embora empenhado nessa procura, não conseguia, porém, deixar de oscilar entre a esperança de voltar à ativa em breve e a frustração de ver o tempo passar sem que boas novidades surgissem. Sentia-se constrangido em comunicar a seus amigos que estava à procura de trabalho; ou, então, conversar com seus pais sobre sua situação atual receando ouvir deles uma opinião desfavorável a seu respeito. E foi nesse estado emocional que José procurou a psicoterapia.

Realizadas as entrevistas, foram definidas dez sessões terapêuticas para que José pudesse lidar com os sentimentos de frustração e de insegurança pela perda sofrida; e, principalmente, elaborar a dor narcísica e os sentimentos de baixa auto-estima que o atormentavam e o levavam a evitar a companhia daqueles que poderiam lhe dar amparo e auxílio, como, por exemplo, seus familiares e amigos.

Durante o processo terapêutico José pôde trazer à tona sentimentos com os quais não estava habituado a lidar, revelando as incertezas e os receios que tanto o angustiavam e conduziam sua auto-estima a um patamar antes desconhecido para ele.

Na penúltima sessão José mencionou que ouvira dizer que, depois de encerrada uma psicoterapia breve, era possível iniciar uma outra, uma a longo prazo. Quando lhe foi perguntado se gostaria de iniciar uma psicoterapia psicanalítica quando encerrasse a breve, respondeu: "Nããão!". O "não" foi respondido tão enfaticamente que levantou a suspeita de que poderia estar querendo dizer "siiim!".

Na décima e última sessão, mostrando-se agradecido, José declarou estar se sentindo muito mais tranquilo e em paz consigo próprio do que no início da terapia; e que sabia que teria que ter paciência para aguardar os acontecimentos futuros.

Terceira ilustração

Outro paciente, Antônio, também um nome fictício, beirando os quarenta anos de idade. Após quase três anos de psicoterapia de orientação psicanalítica, não havia conseguido, ainda, sequer o esboço de uma compreensão psicodinâmica a respeito de um sintoma que o acompanhava desde sua adolescência - uma disfunção sexual que não lhe permitia usufruir prazerosamente as relações sexuais com sua esposa. Desanimado com a falta de progressos terapêuticos, estava pensando em desistir, de vez, de encontrar ajuda através da psicoterapia. Foi quando soube da existência da psicoterapia breve.

De origem humilde, Antonio, com muito esforço e perseverança, havia conquistado uma posição de destaque no setor Pr (produtividade). Era gerente-geral de uma empresa que estava em franco crescimento. Sentia-se vitorioso no campo profissional. Porém, no setor AR (afetivo-relacional), encontrava-se insatisfeito e descontente. Não conseguia enfrentar as atitudes autoritárias que sua esposa adotava para com ele.

Os pais de Antônio se separaram quando ele era pequeno. Depois da separação a mãe teve outros filhos com diferentes homens. E coube a ele, desde muito cedo, ajudá-la a criar os meio-irmãos, trabalhando arduamente em pequenos serviços. A dedicação de Antônio para com os pequenos era tanta que, mais tarde, quando já era adolescente, perguntavam-lhe, com frequência, se ele era o pai dos irmãos. Ao que Antônio respondia, de imediato, que não era.

O último homem que morou com sua mãe desapareceu depois de matar duas pessoas - antes dessas mortes, ele já havia estado preso por ter cometido um assassinato. Essa história pregressa de Antônio esclarece as razões das dificuldades que Antônio vivenciava na área da sexualidade. Ainda fixado no conflito edípico, as relações sexuais com a esposa estavam fortemente impregnadas de significados incestuosos; e, por isso, eram tão assustadoras e temidas por ele. Ao tomar conhecimento sobre os significados inconscientes de sua dificuldade sexual Antônio começou a poder fazer uso construtivo sua potência. Não se deixando mais intimidar pela esposa, passou a expressar sua insatisfação conjugal na expectativa de ser compreendido e respeitado por ela como marido e homem. O crescimento emocional ocorrido com Antônio teve, por sua vez, consequências em seu setor da produtividade, comprovando como uma situação-problema nuclear resolvida gera reflexos para soluções adequadas nas situações-problema consequentes. Percebia-se menos inseguro diante da chefe, e notou que, mais confiante em relação a sua capacidade profissional, estava tomando iniciativas para expandir e aumentar ainda mais as vendas da empresa.

 

Conclusões

Como se depreende destas ilustrações clínicas, a Psicoterapia Breve Operacionalizada, aplicada consistentemente, pode ajudar eficazmente no encaminhamento mais adequado das soluções das situações-problema atuais - ou mesmo distúrbios crônicos que não foram resolvidos com psicoterapias de inspiração psicanalítica - como visto no terceiro exemplo. Só a experiência viva com a abordagem pela PBO, concentrando-se na busca de melhores soluções para as situações-problema pode trazer convicção de sua eficiente aplicabilidade - desde que o profissional psicoterapeuta esteja disposto a enfrentar sinceramente seus preconceitos teórico-técnicos.

 

Referências

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Yoshida, E. P. M. (2004). Evolução das psicoterapias breves psicodinâmicas. Em: E. P. M. Yoshida & M. L. E. Enéas (Orgs.), Psicoterapias Psicodinâmicas Breves. Propostas Atuais (pp.13-36). Campinas: Alínea.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
E-mail: ryad@usp.br

Recebido em setembro de 2008
Aceito em julho de 2009

 

 

Ryad Simon - Filósofo; Mestre em Psicologia Clínica (USP). Professor do Depto. Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia (USP).
Kayoko Yamamoto - Psicóloga; Mestre em Psicologia Clínica (USP); Doutora em PsicologiaClínica (USP). Professora do Depto. Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia (USP).
1 Para melhor entendimento a respeito das concepções que diferenciam processo de análise e processo de psicoterapia psicanalítica, vide Simon, R. (1999). Concordâncias e divergências entre psicanálise e psicoterapia psicanalítica. Jornal de Psicanálise, 32(58/59), 245-264.
2 Cotransferência é o termo criado por Ryad Simon para designar a transferência que ocorre com pessoas outras que não o terapeuta. É útil para facilitar o entendimento quanto a quem a transferência se refere, além de destacar que, muitas vezes, o terapeuta está se referindo a cotransferências do paciente, sem se dar conta do fenômeno.
3 A crise adaptativa e as medidas preventivas para lidar com elas encontram-se descritas no cap. 5 do livro "Psicologia Clínica Preventiva. Novos Fundamentos" de autoria de R. Simon. EPU, 1989.
4 É chamada entrevista preventiva a entrevista cuja iniciativa de realização parte do profissional e não do paciente como acontece tradicionalmente. Para maiores detalhes, vide cap. 4 do livro acima referido.
5 Para maiores detalhes a respeito de crise adaptativa - sua etiologia e medidas preventivas para lidar com as mesmas-, vide cap. 5 do livro "Psicologia Clínica Preventiva. Novos Fundamentos" de autoria de R. Simon, EPU, 1989; e cap. XII - "Lidando com situações de crise adaptativa" em Psicoterapia Breve Operacionalizada (Ed. Casa do Psicólogo, 2005), do mesmo autor.
6 Todos os pacientes desta apresentação assinaram o TCLE, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
7 Vide Simon, R. (1989) cap. 5.

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