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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.31 Canoas abr. 2010

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

Investigação do grau de tolerância à frustração em presidiários

 

Investigation of the degree of tolerance to frustation in prisioners

 

 

Elizelma Ortêncio Ferreira; Cláudio Garcia CapitãoI

I Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho objetivou avaliar o tipo de reação à frustração e os sentimentos agressivos em presidiários. Verificou-se, também, a relação de dependência entre o tipo de delito (furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e o construto agressividade, por meio do teste de Frustração de Rosenzweig (PF). O instrumento foi aplicado em 125 presidiários de uma penitenciária de segurança máxima do interior de São Paulo. Pode-se dizer que a maioria dos sujeitos, em situações de frustrações, expressa mais seus sentimentos agressivos e tendem a atribuir a culpa ao outro. A análise de variância ANOVA indicou que os indivíduos que cometeram furto reprimem menos a agressividade em situações de frustração, quando comparados àqueles que não cometeram tal delito. Pelos resultados obtidos, entende-se que a pesquisa atingiu os objetivos estabelecidos ao encontrar pouca tolerância à frustração na amostra de presidiários, principalmente para o grupo de delito furto, isto considerando os vários tipos de delitos.

Palavras-chave: Tolerância à frustração, Avaliação psicológica, Presidiários.


ABSTRACT

The present work was aimed at evaluating the kind of reaction to frustration and the aggressive feelings of prisoners. In addition, it was checked as well the relation of dependence between the kind of offense (theft, robbery, kidnapping, homicide, hold-up and others) and the aggressiveness construct through the Rosenzweig Frustration Test (PF). The instrument was applied to 125 prisoners of a top-security prison in São Paulo state countryside. It is possible to affirm that the majority of these men, under frustration situations, express more intensely their aggressive feelings and tend to attribute their fault toward the other. The ANOVA variance analysis has indicated that the individuals who committed theft repress in a lesser way their aggressiveness under frustration circunstances, when compared with the ones that have not committed such offense. Based on the results attained, one can deduct that the research has accomplished the established objectives by finding scarce tolerance to frustration in the sample of prisoners, mainly for the theft offense group, considering the entire array of offenses.

Keywords: Tolerance to frustration, Psychological evaluation, Prisoners.


 

 

Introdução

Tolerância à frustração

Há várias teorias que tratam da capacidade de tolerar frustração. Interessa-nos, neste momento, a que diz ser inata a capacidade de tolerar frustração, tendo a mãe o importante papel de continente das angústias e provedora das necessidades básicas do bebê. Nessa teoria, a formação do pensamento tem como ponto de partida a frustração de algumas necessidades básicas que são impostas ao bebê, num processo em que o essencial é a menor ou maior capacidade do bebê tolerar o ódio resultante de frustrações. Quando a capacidade para tolerar frustração é suficiente, a experiência se torna um elemento do pensamento e se desenvolvem formas para pensá-la. E ao contrário, se a capacidade para tolerar frustração for insuficiente, a experiência é internalizada como algo mau que deve ser evadido e expulso. A evasão e expulsão desse algo mau são feitas por meio de agitação motora na criança, e no adulto por meio de atuações (Bion, 1991).

Klein (1975), Nogueira (2001) e Winnicott (1999) sugerem que as exposições frequentes e intensas a experiências de frustração despertam reações, como a angústia. A angústia é uma reação que comporta uma ação defensiva, geralmente acompanhada de sentimentos hostis e agressivos, conforme a intensidade e a quantidade de tensão existente na fantasia inconsciente.

Rosenzweig (1944, 1948) faz referência à agressão como sendo apenas uma das respostas alternativas numa situação de frustração. Para o autor existem dois tipos de frustração. A frustração primária ou privação é caracterizada pela quantidade de tensão e insatisfação subjetiva, em decorrência da ausência de uma situação final essencial à satisfação da necessidade ativa. A secundária é constituída pela presença de obstáculos ou dificuldades no caminho que conduz à satisfação de uma necessidade. De modo especial, o autor se refere ao segundo tipo ao definir frustração como sendo todas as vezes que o organismo se depara com um obstáculo ou dificuldade, mais ou menos intransponível, no caminho que o conduz à satisfação de qualquer necessidade vital.

Outra formulação importante na teoria geral de frustração de Rosenzweig (1944) é a de tolerância à frustração, que se define pela atitude da pessoa suportar frustração sem perder sua adaptação psicológica, em outras palavras, sem recorrer a tipos de respostas inadequadas. Essa formulação abrange o fenômeno da adaptação em seu conjunto e implica também a existência de diferenças individuais nas situações de tolerância à frustração. Essas diferenças estão relacionadas com a gravidade da pressão e também com características da personalidade da pessoa. A tendência para avaliar negativamente, para desconfiar ou suspeitar de outros pode influenciar na baixa tolerância à frustração.

Os fatores determinantes da tolerância à frustração são somáticos e psicológicos. Dos somáticos, fazem parte os fatores constitucionais e hereditários (variações nervosas, etc.) e elementos somáticos adquiridos (fadiga, enfermidade física, etc.); os fatores psicológicos são determinados pela evitação e proteção às situações frustrantes na primeira infância, o que incapacita a pessoa para mais tarde responder adequadamente a uma frustração. Por outro lado, o excesso de frustração contribui para criar zonas de pouca tolerância à frustração, porque compele a criança a usar defesas do ego que poderão inibir seu desenvolvimento posterior (Rosenzweig, 1944).

O organismo pretende em situações de frustração restaurar seu funcionamento integrado, restabelecendo seu equilíbrio. Nesse sentido toda a resposta à frustração é adaptativa, mas, sob o ponto de vista psicológico, nem sempre essas respostas são adequadas, sendo adequadas, quando há predominância de respostas com as tendências progressivas da personalidade mais do que com as regressivas. Considerando-se respostas regressivas aquelas que ligam a pessoa indevidamente ao passado, e interferem nas suas reações posteriores. Essas respostas são menos adequadas, tendo em vista que não deixam a pessoa livre para enfrentar as situações novas (Rosenzweig 1944).

Para Dewald (1972), os criminosos que não manifestam sentimento de culpa parecem que não internalizaram um conjunto de valores morais dos quais pudessem dispor como repertório de autocontrole. Tal configuração ocorre principalmente quando as funções do superego permanecem exteriorizadas e não implicam em conflito intrapsíquico. Os criminosos podem mostrar seus conflitos de distintas formas, ligadas a condutas antissociais (roubo, vício, etc.), em vez de experimentá-los como estados subjetivos de conflito, acompanhado de mal estar interno.

Winnicott (1989) explica que a tendência para a conduta antissocial é a redescoberta da própria agressividade, aspecto inerente à existência do self verdadeiro, o autêntico eu interior. A conduta antissocial aparece como sinal de esperança e está intimamente relacionada a uma privação, situação essa ligada a um fracasso específico. O roubar, por sua vez, além de relacionar com um sentimento de privação, que ocorreu muito antes da explosão agressiva, significa que a pessoa está buscando a capacidade de encontrar objetos, e não apenas procurando um objeto.

Quanto à compreensão do funcionamento dinâmico do ato delinquente, Costa (1986), Winniccot (1999) apontam que este pode expressar a esperança de resgatar aspectos perdidos do self primitivo, não descobertos ou não integrados ao verdadeiro self. Em outras palavras, um sentimento de ser querido como se é, uma condição de acolhimento que possibilita à pessoa sentir-se única. Por meio das atitudes antissociais as pessoas expressam seu apelo inconsciente como expressão de dor. Dor ocasionada pelo abandono, desamparo, carência, miséria, desprezo e ameaça de aniquilação de si mesmo, ou sentimento de autoestima, cuja exclusão aniquila o sentimento de pertencer, de fazer parte do grupo social.

Adorno (2002) chama a atenção para o fato de que 11,7% de todos os registros referiam-se a lesões corporais resultantes de agressões, uma proporção três vezes maior do que o porte ilegal de armas e o consumo e tráfico de drogas. Há relações estreitas entre o crime violento e o crime organizado, o que é considerado inclusive, uma tendência mundial. O autor destaca as imagens veiculadas pela mídia impressa e eletrônica que mostram cenários dramáticos de adolescentes audaciosos e violentos, destituídos de quaisquer freios morais, frios e insensíveis, que não hesitam em matar. Não é raro a opinião pública ser surpreendida com a notícia de homicídio praticado por um adolescente no curso de um roubo. Esses fatos reforçam preconceitos contra segmentos da população urbana. Ressalta ainda o crescente número de pessoas que vêm violando as leis penais, entre as quais há elevada proporção de crianças e de adolescentes.

Cabe ao profissional de psicologia avaliar a condição psicológica de pessoas que violaram as leis penais, no contexto jurídico. Nesse contexto, os testes mais utilizados em atividades de parecer criminológico são as técnicas projetivas. O termo técnica projetiva expressa a forma pela qual o indivíduo estabelece contato com a realidade interna e externa. Essa técnica surgiu na escola suíça de Psicanálise e seu precursor foi o Teste de Associação de Palavras de Jung, em 1904. Uma expressiva parte das técnicas projetivas atualmente utilizadas como instrumentos de avaliação psicológica foi baseada inicialmente na teoria psicanalítica (Güntert, 2000).

Tratando-se de instrumentos psicológicos projetivos que avaliem a tolerância à frustração, o Teste de Frustração de Rosenzweig (PF) é um instrumento em que o sujeito é colocado diante de uma situação supostamente frustradora. A resposta é analisada e pode ser classificada na direção da agressão como extrapunitiva, intrapunitiva e impunitiva, e no tipo de reação do sujeito, a saber: predominância do obstáculo, defesa do ego e persistência da necessidade.

Rosenzweig (1948) comparou delinquentes e não delinquentes com o objetivo de verificar a predominância de respostas nos dois grupos. A amostra foi composta de 250 delinquentes e 250 não-delinquentes. Ele observou uma predominância de respostas na categoria intrapunitiva, o que significa agressividade direcionada para si próprio, para o grupo "não-delinquentes", enquanto a categoria extrapunitiva, agressividade direcionada ao ambiente, ou outro, predominou nas respostas do grupo "delinquentes". Ele concluiu que uma resposta de agressão depende do jogo de um conjunto de fatores que se prendem com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.

Rocha (1976) comparou 60 delinquentes e 60 não-delinquentes do sexo masculino na cidade de Porto Alegre, de acordo com a delinquência. O resultado desse trabalho mostrou que os não-delinquentes manifestam maior agressividade do que os delinquentes. A delinquência não estaria relacionada com o grau de agressividade do indivíduo, mas sim com a falta de controle sobre os impulsos, inclusive os agressivos. Assim, a agressividade não é apenas uma característica do comportamento delinquente, mas também do não-delinquente.

Souza (1990) examinou o comportamento agressivo na sua condição potencial hereditária e na ação manifesta provocada pelo ambiente. No intuito de investigar o construto agressividade, utilizou os testes Desenho da Figura Humana (DFH), Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) e o PF. O mesmo autor pretendia ainda construir uma escala de agressividade a partir dos resultados encontrados. Sua pesquisa constou de três grupos de mulheres culturalmente diferenciados. O primeiro grupo foi composto de 30 menores infratoras, o segundo de 25 noviças de duas ordens religiosas, e o terceiro de 30 estudantes universitárias do curso de psicologia. A aplicação foi coletiva para os testes DFH e PF, e individual para o PMK. Dos resultados obtidos apenas a variável extrapunitividade discriminou os grupos. Os resultados encontrados impossibilitaram a construção de uma escala de sinais identificadores de agressividade.

Cabral e Stangenhaus (1992) analisaram características de 62 presidiários comparando-as com as características de 50 pessoas de um grupo controle. Utilizaram como método uma anamnese-questionário, que constava questões fechadas (sim ou não) e abertas. Foram encontradas, nos presidiários, características de personalidade relacionada a pouco controle da agressividade aliada a uma baixa tolerância à frustração. Características essas que esses e outros autores (Harth, Mayer & Linse, 2004) descreveram como personalidade antissocial e boderline.

Guillaume e Proulx (2002) compararam características de personalidade de 16 criminosos violentos descritos como boderlines, com 18 criminosos violentos descritos como narcisistas. Os resultados das análises mostraram que o grupo de criminosos boderlines apresenta problemas relacionados ao uso de drogas e álcool, como também usam mais agressão física no curso de assalto, enquanto que os criminosos narcisistas aparentemente possuem um maior controle da agressividade.

Para se avaliar o grau de tolerância à frustração de presidiários, utilizou-se neste estudo uma técnica denominada por Tabachinick e Fidell (1996) Análise de Perfis de Medidas Repetidas. Tal técnica consiste num tipo de tratamento de dados que consiste de uma especificidade da análise de variância Multivariada. Essa análise procura responder se o perfil de médias em um conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento) é diferente para grupos distintos. O efeito da variável, Fatores, desempenha um papel fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no modelo possibilita reduzir a variância de erro, uma vez que, sendo significativo, explicaria uma parcela da variância removendo-a do montante de erro e implementando o poder estatístico do teste.

A análise de medidas repetidas preserva a independência dos grupos, mesmo quando um mesmo sujeito pertencer a vários grupos simultaneamente, ou seja, um mesmo respondente pode ter cometido vários tipos de delitos que a independência dos grupos serão mantidas. Além disso, tal análise procura-se compensar o problema de inflar o erro tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na comparação das médias dos grupos em várias medidas dependentes (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1995).

Diante das poucas pesquisas que tratam de avaliar a tolerância ou intolerância à frustração, o presente estudo objetivou verificar o tipo de reação à frustração em presidiários, bem como verificar a relação de dependência entre o tipo de delito (furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e a direção da agressão, por meio do PF. Hipotetizou-se dos presidiários que cometeram o delito roubo, furto, sequestro e latrocínio um maior número de respostas extrapunitivas no Teste de Frustração de Rosenzweig. Tal instrumento, não só no âmbito da pesquisa, pode vir a ser de grande utilidade como mais um recurso de avaliação psicológica no contexto prisional.

 

Método

Amostra

Compôs a amostra do presente estudo 125 presidiários, do sexo masculino, estudantes do ensino fundamental e médio. A faixa etária dos participantes variou de 19 anos a 46 anos (M = 29 anos e 8 meses; DP = 6 anos e 4 meses). A maior concentração de faixa etária foi entre 26 e 30 anos, e apenas 1 sujeito tinha mais de 45 anos. No que se refere a estado civil, do total de participantes, 53 vivem em união estável, 48 são solteiros e 24 não informaram.

Quanto à escolaridade, dos 125 participantes, 114 não terminaram o primeiro grau (91,2%) e apenas um sujeito, solteiro, apresenta ensino médio completo (0,8%). Dos 53 (42,4%) sujeitos que vivem em união estável, 50 (40%) possuem ensino fundamental incompleto, assim como, dos 48 (38,4%) participantes solteiros, 42 (33,6%) apresentam ensino fundamental incompleto.

Instrumento

Foi utilizado o PF – Teste de Frustração de Rosenzweig (Rosenzweig, 1944), que propõe explorar as reações do indivíduo frente a situações de frustração, tendo como fundamento a teoria geral da frustração. A edição para adultos é chamada The Rosenzweig P. F. Study, Form for Adults, datada de 1944 e revisada em 1948. Uma adaptação francesa foi realizada em 1951.

O teste é composto por desenhos de caráter uniforme que lembram histórias em quadrinhos, como estímulos, a fim de favorecer a identificação por parte do indivíduo; as respostas dimensão e alcance do instrumento são limitados. O instrumento compreende uma série de 24 desenhos, representando, cada um, dois personagens colocados em uma situação de frustração do tipo comum. A situação do desenho consiste em o personagem da esquerda pronunciar algumas palavras que descrevem a frustração do outro indivíduo ou a sua própria. A pessoa da direita tem acima dela um quadro vazio, destinado a receber suas palavras. Os traços e a mímica dos personagens no desenho foram sistematicamente negligenciados, para favorecer a identificação de quem vai responder com o personagem. O teste se destina a adultos e adolescentes (Rosenzweig, 1944).

As respostas dadas pelos indivíduos, em cada uma das situações do teste, são classificadas em duas categorias, que compreendem respectivamente direção e tipo de agressão. A direção da resposta indica para onde a agressão é direcionada pelo indivíduo quando frustrado e é subdividida em três subcategorias de respostas, ou seja, extrapunitiva (E), na qual a agressão é dirigida para o exterior. Nesse caso, algo ou alguém é culpado pelo indivíduo ter sido frustrado. Intrapunitiva (I), na qual a agressão é dirigida para o próprio indivíduo e resposta impunitiva (M), em que a agressão é evitada e a situação frustrante é descrita como sem importância, sem culpa, ou como suscetível de ser melhorada, isto é, o indivíduo se contenta em esperar que tudo melhore ou, então, conforma-se com o problema (Moura & Pasquali, 2006).

O tipo de reação manifesta pelo indivíduo indica como ele impulsiona ou mantém a sua agressão, o que determina o tipo de sua ação em resposta a estímulos externos. Observa-se, ainda, que o tipo de reação se divide nas categorias de tipo de dominância do obstáculo (O-D), no qual o obstáculo que causa a frustração é mencionado e enfatizado pelo sujeito; tipo de defesa do ego (E-D), em que o indivíduo lança a culpa sobre outrem ou aceita a responsabilidade ou, ainda, declara que a responsabilidade da situação não cabe a ninguém, e tipo de persistência da necessidade (N-P), quando a tendência da resposta é dirigida para a solução do problema inerente à situação frustradora. A combinação das seis categorias (três direções com os três tipos de agressão) produz nove fatores que permitem a avaliação da tolerância à frustração (Rosenzweig, 1944).

As respostas de dominância do obstáculo são convencionalmente designadas por E', I' e M'; as de defesa do ego por E, I e M; e as de persistência de necessidade, por e, i e m.

A cotação da maioria das respostas necessita de apenas um único fator. Para cotação de dois fatores é necessário que haja na resposta dada pelo individuo duas frases ou proposições distintas.

Procedimentos

O contato inicial com os sujeitos ocorreu por meio de entrevista coletiva, com o objetivo de estimular a aceitação do estudo, com explicações sobre o mesmo. Nessa oportunidade foi entregue, para assinatura, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi destacado aos participantes que as informações obtidas seriam sigilosas. As entrevistas ocorreram no horário das aulas de português e matemática, e foram necessárias 7 entrevistas. Cada entrevista durou aproximadamente 30 minutos.

Num segundo momento, procedeu-se à aplicação dos instrumentos. A aplicação do instrumento foi coletiva, com subgrupos de aproximadamente 20 sujeitos, e em cada dia ocorreu apenas uma aplicação do PF, com duração de aproximadamente de uma hora.

 

Resultados

Para a categoria delitos foram considerados 124 participantes visto que não se obteve o tipo de delito que um sujeito praticou. Também houve uma sobreposição de delitos para um mesmo sujeito. Adotou-se, para tanto, o critério de considerar um mesmo sujeito em várias categorias de delitos. Na Tabela 1 segue a distribuição da frequência dos resultados brutos e porcentagens dos delitos furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros (a categoria outros inclui porte ilegal de armas, receptador de materiais roubados e tráfico de drogas), entre os participantes.

 

 

Obtiveram-se 201 delitos dos 124 sujeitos. Sendo o roubo o delito mais cometido, enquanto que o crime menos evidenciado foi sequestro.

O teste PF, conforme já mencionado, é um instrumento projetivo que se constitui de 24 situações para a qual o sujeito pode dar de uma a três respostas. As respostas são classificadas quanto à direção da agressão e tipo de reação. Neste estudo obteve-se o máximo de duas respostas por situação, ou seja, duas frases numa mesma situação do teste, e as estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa SPSS. Primeiramente é apresentada a estatística descritiva das respostas referente à direção da agressão e, em seguida, sua frequência (Tabela 2).

 

 

Como mostra a Tabela 2, o fator extrapunitividade apresentou a maior média de respostas, obtendo o máximo de 20 respostas das 24 situações do teste PF e também o maior desvio-padrão. Observou-se, seguindo o mesmo critério, menor média para intrapunitividade com no máximo 10 respostas.

Na Tabela 3, pode-se visualizar o total de respostas dadas nas 24 situações do teste, multiplicadas pelo número de participantes. As respostas obtidas com mais de uma frase e com conotações diferentes para direção da agressão, foram computadas como combinações de fatores, a saber: duas frases extrapunitivas, duas intrapunitivas, duas impunitivas, uma impunitiva e outra extrapunitiva).

 

 

Nota-se que do total de 2973 respostas 1065 foram extrapunitivas. E ao contrário, o menor número de respostas para a combinação de fatores. A Tabela 4 apresenta as estatísticas descritivas das respostas considerando o tipo de reação às situações de frustração no PF.

 

 

Observa-se que o tipo de reação defesa do ego obteve a maior média de respostas com o máximo de 19 respostas das 24 situações do teste PF. Nota-se menor média para dominância do obstáculo com no máximo 6 respostas. Na Tabela 5 pode-se observar o total de respostas de 124 sujeitos, considerando-se o tipo de reação diante de situações de frustração.

 

 

Nota-se que do total de 2973 respostas 1369 foram respostas de Defesa do Ego e também o menor número de respostas para combinação de fatores.

Análises de variância

Para investigar diferenças entre sujeitos que praticaram distintos tipos de delitos em relação ao tipo de reação e direção da agressão quando frustrados, foi efetuada a Análise de Perfis de Medidas Repetidas, que consiste de uma especificidade da análise de variância Multivariada. Essa análise procura responder se o perfil de médias em um conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento) é diferente para grupos distintos (Tabachinick & Fidell, 1996).

Entende-se que os itens de certo fator propõem afirmações de um tema específico que requerem do sujeito uma resposta indicando sua concordância com as afirmações. Desse modo, o que se está medindo, ou seja, a variável dependente, é a concordância com as afirmações propostas; e os escores dos participantes nos três fatores representam seu perfil de concordância em relação aos três temas propostos. Assim, essa análise de perfil procura investigar até que ponto o perfil dos grupos de sujeitos definidos em função de uma variável qualquer é distinto.

Nesse caso, possuiu dois grupos determinados em razão da presença ou ausência de determinado delito, nos quais foram comparados os três fatores do PF. A análise empregada, portanto, foi a MANOVA 2X3, tendo como variáveis independentes o tipo de delito e dependentes os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo. Empregando essa análise procurou-se, prioritariamente, verificar até que ponto existe interações significativas entre os fatores referidos e o tipo de delito. Tais efeitos, ao serem significativos, indicam que os perfis de médias nos fatores do PF dependem do subgrupo que está sendo considerado.

O efeito da variável Fatores do PF, embora não seja alvo de interesse teórico, desempenha um papel fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no modelo possibilita reduzir a variância de erro, uma vez que, sendo significativo, explicaria uma parcela da variância removendo-a do montante de erro e implementando o poder do teste estatístico.

Outra razão pela qual se optou por essa análise reside no fato de que o mesmo respondente pode ter cometido mais de um tipo de delito. Assim, sem esse tratamento especial dos dados, a independência dos grupos pode ser violada, inviabilizando essa comparação da forma como se pretende. Além disso, procurou-se compensar o problema de inflar o erro tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na comparação das médias dos grupos em várias medidas dependentes (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1995).

Para realizar a análise de variância, foram transformados os resultados brutos em escores-padrão t. As notas t foram usadas, visto que são transformações lineares dos escores brutos com uma média 50 e com um desvio padrão 10.

Verificou-se, então, até que ponto os fatores do PF diferenciavam os grupos de indivíduos que apresentam furto dos que não cometeram tal delito. Os resultados dessa análise, comparando-se os grupos de indivíduos que cometeram furto e aqueles que não apresentaram tal delito, encontra-se na Tabela 6. Como pode ser observado, ao se considerar os três fatores combinados, houve diferenças significativas entre os grupos com efeito de interação (furto x fatores, Λ=0,95, p=0,05), sendo que a associação foi de 2%.

 

 

O efeito da variância dos fatores demonstrou também ser significativo (4%). O perfil dos escores médios dos sujeitos nos fatores para os dois grupos pode ser mais bem visualizado na Figura 1. Pode-se verificar que o grupo que furta apresenta média mais alta no fator 1 (extrapunitividade), enquanto que, nos fatores 2 e 3 (intrapunitividade e impunitividade), o grupo de furto denotou uma menor média em relação àqueles que não cometeram tal delito. Nota-se ainda que o grupo de furto apresenta uma instabilidade muito grande entre os fatores relativos a direção da agressão, enquanto os que não apresentaram furto têm uma estabilidade aparentemente maior. O grupo de delito furto apresenta fortes inclinações para dirigir a agressão ao outro ou ambiente e muito pouco ao próprio self.

 

 

Diante desse resultado, realizaram-se análises univariadas para cada variável dos fatores (extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo) com vistas a investigar as diferenças em fatores específicos. O resultado dessa análise indicou diferença significativa para o fator Intrapunitivo (F=5,26, p=0,02). Os fatores Extrapunitivo e Impunitivo não demonstraram diferenças significativas.

 

Discussão

Com respaldo nos resultados, algumas evidências foram encontradas para responder às indagações dos objetivos propostos. As análises descritivas permitiram caracterizar a amostra, informando que o maior número de delito cometido, roubo, envolve agressão ao outro, dados esses semelhantes aos encontrados por Adorno (2002).

Os resultados das análises apontam, ainda, como os sujeitos lidam com seus sentimentos agressivos e suas reações frente a situações de frustrações. Quando são comparados os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo, pode-se dizer que a maioria dos participantes expressa mais seus sentimentos agressivos do que os reprime, dirigem a agressão ao outro ou objetos equivalentes, por meio de atuações ou ações motoras, o que leva a pensar em uma baixa tolerância às frustrações e consequente falta de controle sobre os impulsos agressivos (Bion, 1991; Cabral & Stangenhaus, 1992; Harth, Mayer & Linse, 2004; Rocha, 1976).

Resultados parecidos foram encontrados por Rosenzweig (1948) que observou uma predominância de respostas na categoria extrapunitiva em um grupo de "delinquentes". De fato uma resposta de agressão depende de um conjunto de fatores que se prendem com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.

Nas situações de frustrações, as respostas dos sujeitos da amostra indicam que estes tendem a agredir, bem como, atribuir a culpa ao outro. Tal constatação sugere que o ego de tais pessoas, em situações de frustração, representa a parte mais importante da resposta, ou seja, o ego ignora a sua responsabilidade, procurando atribuir à culpa a outras pessoas. O menor número de respostas, do tipo dominância do obstáculo, aponta que poucos sujeitos dessa amostra apresentam tendência a encarar a situação de frustração como sem importância ou de forma favorável. Esses resultados sugerem que as funções do superego dos presidiários permanecem exteriorizadas e não implicam em conflito intrapsíquico. Por isso, demonstram seus conflitos por meio de condutas antissociais (Dewald, 1972; Nogueira, 2001; Winnicott, 1999).

As comparações entre os grupos, roubo, furto, sequestro, homicídio, latrocínio e outros, nos três fatores do PF, mostraram diferenças de médias significativas entre o grupo que cometeu o delito furto e aqueles que não o cometeram. Constatou-se que os indivíduos que furtaram tendem, em situações de frustração, a reagir dirigindo a agressão para o outro ou objetos equivalentes, representantes ou causadores da frustração. As análises univariadas mostraram que as diferenças significativas tendem a ser apresentadas em função do fator intrapunitivo. Tal constatação sugere que o grupo de delito furto pouco reage em situação de frustração, dirigindo a agressão ao próprio self, em relação aos que não cometeram. Pode-se dizer ainda que o grupo de furto apresenta uma instabilidade muito grande entre os fatores relativos à direção da agressão, enquanto os que não apresentaram furto tendem a apresentar uma estabilidade aparentemente maior. Concernente à instabilidade da direção da agressão os resultados encontrados neste estudo são próximos aos encontrados por Guillaume e Proulx (2002). Os resultados deste estudo são diferentes dos encontrados em outro estudo com grupos de diferentes populações cujo fator que discriminou os grupos foi extrapunitividade (Souza, 1990). De fato, a diferença significativa de média para o fator intrapunitividade sugere falta de contato com os sentimentos de culpa (Dewald, 1972).

Das várias limitações do estudo aponta-se o uso da técnica utilizada. Os desenhos do PFT apresentam características ultrapassadas, construídas de acordo com a realidade dos anos 30, que podem ter dificultado a compreensão dos participantes em algumas situações do teste (Moura & 2006). Salienta-se o problema de não haver estudos de padronização com o PFT para a população brasileira, especialmente para presidiários.

Alguns autores que investigaram a tolerância à frustração mencionaram que tais sujeitos sofreram exposições frequentes e/ou intensas à frustrações, numa época anterior aos atos antissociais, e expressam por meio do roubo, atitude antissocial, sua dor, ocasionada pela rejeição social, especificamente a dos pais, o que leva a um círculo vicioso de comportamentos criminosos (Costa, 1986; Klein,1975; Levisky, 2002; Nogueira, 2001; Rosenzweig, 1944; Winnicott, 1989, 1999). Este estudo, no entanto, não dispõe de dados da vida pregressa da amostra e não teve como objetivo investigá-lo, não podendo esclarecer a etiologia dos atos antissociais. Sugere-se que tal variável seja estudada em novas pesquisas.

Seria muito interessante que outras pesquisas, sobre avaliação do grau de tolerância à frustração em presidiários, bem como estudos de padronização do PF para a população brasileira, especialmente com presidiários, venham a ser desenvolvidas. Outros estudos sobre perfis de presidiários, utilizando-se do teste PF, incluindo dados sobre a vida pregressa, contribuirão para elevar a confiabilidade nos resultados aferidos pelo instrumento. Além disso, estudos com PF contribuirá para elevar a credibilidade especialmente do profissional de psicologia que avalia a condição psicológica de pessoas que violaram as leis penais, no contexto jurídico. Sugere-se ainda a comparação de perfis de presidiários com outras populações e levantados por outros instrumentos.

 

Referências

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Bion, W. R. (1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Cabral, M. A. A., & Stangenhaus, G . (1992). Algumas características de personalidade de presidiários com as de um grupo controle sem antecedentes criminais. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 41(1), 8-31.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
E-mail: elizelmaort@ig.com.br

Recebido em agosto de 2009
Aprovado em janeiro de 2010

 

 

Elizelma Ortêncio Ferreira – Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco-Itatiba)
Cláudio Garcia Capitão – Psicólogo; Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Hospitalar; Mestre em Psicologia Clínica (PUC-SP); Doutor pela UNICAMP, com Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Atualmente; Professor dos cursos de graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco.

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