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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.32 Canoas ago. 2010

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Práticas parentais e repertório infantil: caracterização da demanda por atendimento e predição de abandono

 

Parental practices and children repertoire: characterization of the attendance demand and abandonment prediction

 

 

Alessandra Turini Bolsoni-Silva; Edna Maria Marturano; Caroline Garpelli Barbosa; Mariana Marzoque de Paiva; Naiara Lima Costa; Ludmilla Cristine Santos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Tem-se por objetivo: (a) caracterizar comportamentos de 47 cuidadores primários e de seus filhos que buscaram atendimento; (b) comparar grupos: abandono x participantes; menino x menina. Os participantes responderam à entrevista (RE-HSE-P), inventário (IHS-Del Prette) e escalas (Escala de Assertividade Rathus e CBCL). Nos resultados 60% das crianças apresentam problemas de comportamento em nível clínico. Há correlação entre práticas parentais negativas e problemas de comportamento e entre habilidades sociais de cuidadores (HSE-P) e filhos. As pessoas que desistem do atendimento apresentam menor frequência e qualidade de HSE-P e mais problemas de comportamento. Não há diferenças nas comparações entre meninos e meninas. Os resultados realçam a importância de avaliar, no contexto clínico, os comportamentos de pais e de filhos de maneira contingente, por meio de diferentes instrumentos, de forma a apreender as relações entre os comportamentos problema e as potencialidades de ambos os interlocutores da interação social.

Palavras-chave: Práticas parentais, Problemas de comportamento, Habilidades sociais.


ABSTRACT

The objective of this paper is: (a) to characterize behaviors of the 47 primary caregivers and their children who sought for psychological services, (b) to compare groups: abandonment x participants; boy x girl. The participants answered the interview inventory (RE-HSE-P), inventory (IHS-Del Prette) and scales (Rathus Assertiveness Scale and CBCL). For the results, 60% of the children presented behavior problems at clinical level. There is correlation between negative parenting practices and behavior problems and social skills among caregivers (HSE-P) and children. People who drop out psychological services, present lower frequence and quality of HSE-P and more behavior problems. There are not differences in comparisons between boys and girls. The results highlight the importance of evaluating clinical context, the contingent behaviors of parents and children employing different instruments in order to describe the relationship between behavior problem and potentialities of both interlocutors socially interacting.

Keywords: Parenting practices, Behavior problems, Social skills.


 

 

Introdução

Problemas de comportamento em crianças podem estar relacionados às práticas educativas dos pais (Melo & Perfeito, 2006; Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989). Por exemplo, na literatura há evidências de que práticas parentais coercitivas podem contribuir para o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento (Alvarenga & Piccinini, 2001; Patterson, Reid & Dishion, 2002). Estudos têm operacionalizado as práticas parentais positivas em habilidades sociais educativas parentais e encontrado características preditivas de problemas de comportamento e de competência social das crianças (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008, 2007). Habilidades sociais podem ser definidas como comportamentos que os indivíduos apresentam frente a situações interpessoais (Del Prette & Del Prette, 1999). Optando-se pelo referencial behaviorista radical entendem-se habilidades sociais como comportamentos operantes mantidos por reforçadores positivos e negativos (Bolsoni-Silva, 2002). No caso da interação pais-filhos, Bolsoni-Silva e Loureiro (2010) propõe, a partir de uma amostra de 213 cuidadores primários, a classificação das habilidades sociais educativas parentais (HSE-P) em comunicação (conversar, perguntar), expressão de sentimentos e enfrentamento (expressar sentimentos positivos, negativos e opiniões, demonstrar carinho, brincar) e estabelecimento de limites (identificar e consequenciar comportamentos socialmente habilidosos e não habilidosos, estabelecer regras, ter consistência, cumprir promessas, identificar erros e pedir desculpas), considerando tanto a frequência como a qualidade das interações. A autora, a partir da mesma amostra, também prevê categorias comportamentais para as habilidades sociais infantis, tais como Disponibilidade Social e Cooperação (fazer pedidos, procurar ajudar, procurar atenção, fazer perguntas, fazer elogios, cumprimentar, tomar iniciativa; e Expressão de Sentimentos e Enfrentamento (expressar desejos e preferências, criticar, expressar carinho, expressar desagrado de forma habilidosa, estar de bom humor, expressar opinião, negociar, expressar os direitos e as necessidades, solicitar ajuda). Práticas parentais negativas são classificadas por Gomide (2006) e indicam o uso de estratégias agressivas e passivas (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2010), as quais podem levar a problemas de comportamento para os filhos.

No intuito de operacionalizar o termo prática parental, apresenta-se abaixo a definição de Gomide (2006):

As chamadas práticas educativas positivas são a monitoria positiva, que envolve o uso adequado da atenção e a distribuição de privilégios, o adequado estabelecimento de regras, a distribuição contínua e segura do afeto, o acompanhamento e a supervisão das atividades escolares e de lazer; e o comportamento moral, que implica em promover condições favoráveis ao desenvolvimento das virtudes, tais como, empatia, senso de justiça, responsabilidade, trabalho, generosidade e do conhecimento do certo e do errado quanto ao uso de drogas e álcool e sexo seguro sempre seguido de exemplos dos pais. As práticas educativas negativas envolvem negligência, ausência de atenção e de afeto; o abuso físico e psicológico, caracterizado pela disciplina através de práticas corporais negativas, ameaça e chantagem de abandono e de humilhação do filho; a disciplina relaxada, que compreende o relaxamento das regras estabelecidas; a punição inconsistente, em que os pais se orientam por seu humor na hora de punir ou relaxar e não pelo ato praticado; e a monitoria negativa, caracterizada pelo excesso de instruções independente de seu cumprimento e, consequentemente, pela geração de um ambiente de convivência hostil. (p.8)

Avaliar os comportamentos dos pais contingentes aos dos filhos e vice-versa é importante porque garante uma avaliação também funcional dos repertórios comportamentais. De acordo com Bolsoni-Silva e Del Prette (2003), por não haver consenso quanto à denominação e classificação de problemas de comportamentos, assume-se uma definição que é por um lado topográfica e por outro funcional. A topografia de respostas é dada por Achenbach e Edelbrock (1979) que classificam os comportamentos em externalizantes (bater, roubar), internalizantes (ficar deprimido, isolar-se) e outros problemas (complicações somáticas, problemas sociais). E quanto a entender tais comportamentos funcionalmente acredita-se que as crianças emitam tais comportamentos porque não conseguem obter reforçadores positivos (por exemplo, atenção) ou negativos (por exemplo, resolver problemas) com repertório apropriado (Goldiamond, 1974/2002). Os comportamentos problemas podem obstar o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, que por sua vez facilitariam a aquisição de repertórios relevantes de aprendizagem (Rosales-Ruiz & Baer, 1997), mantendo, então, o padrão inapropriado.

A orientação de pais possibilita equipá-los com habilidades necessárias para lidar com as dificuldades da criança (Rosa, Garcia, Domingos & Silvares, 2001), entretanto, a literatura documenta altas taxas de evasão e a dificuldade de concluir os atendimentos com essa população (Corning & Malofeeva, 2004; Wierzbicki & Pekarik, 1993). Corning e Malofeeva (2004) e Wierzbicki e Pekarik (1993) encontraram igualmente que cerca de 30% a 60% de todos os clientes abandonaram prematuramente a terapia. Na opinião desses autores o abandono prematuro é problemático por diferentes razões: tratamentos comprovadamente efetivos não beneficiam aqueles que abandonam prematuramente, o tempo dos profissionais de saúde é desperdiçado, o abandono prematuro pode desmoralizar os terapeutas e todos os financiamentos com terapia são reduzidos. Dessa forma, descrever comportamentos de pais e de filhos, que sejam preditivos de permanência e de abandono, torna-se útil para o clínico e/ou educador programar estratégias de adesão ao tratamento.

No que se refere às variáveis preditivas de abandono, a literatura aponta para características sociais da população, condições em que vivem, padrões comportamentais e aspectos relacionados ao atendimento oferecido. As características sociais e condições de vida podem ser operacionalizadas como: (a) variáveis do indivíduo, tais como etnia, idade e sexo (Snell-Johns, Mendez & Bradley, 2004); (b) nível socioeconômico (Kazdin & Mazurick, 1994; Scheel, Hanson & Razzhavaikina, 2004; Wierzbicki & Pekarik, 1993) e outras características relacionadas como o cuidado com a criança no horário do atendimento, custo com transporte e pouco acesso ao telefone (Scheel, Hanson & Razzhavaikina, 2004); (c) famílias monoparentais (Kazdin & Mazurick, 1994).

Benetti e Cunha (2008) apontam a partir de revisão de literatura, algumas características que complementam e/ou reiteram as variáveis já mencionadas: (a) aspectos sociodemográficos: clientes jovens, solteiros, com nível socioeconômico e educacional baixo e o local distante do atendimento; (b) características pessoais e clínicas: isolamento social, agressividade, traços psicopáticos e baixa motivação; (c) aspectos do tratamento: falta de informação ao cliente, a não obtenção dos resultados esperados, baixa aliança terapêutica; portanto são aspectos da interação terapeuta-cliente; (d) institucional: terapeutas em formação em clínicas-escolas, tempo de espera para receber o tratamento, experiência do terapeuta, número de sessões, troca de terapeutas.

Alguns padrões comportamentais dos pais ou cuidadores também são preditivos de abandono. Entre eles se incluem práticas coercitivas e maus tratos (Kazdin & Mazurick, 1994; Lau & Weisz, 2003). Da parte da criança, a gravidade do problema de saúde mental que motivou a procura por atendimento é um preditor de abandono (Wierzbicki & Pekarik, 1993). Tendo conhecimento de tais associações, o clínico e/ou educador pode identificar, já na avaliação diagnóstica, condições de risco para abandono e pode tomar providências preventivas para aumentar a adesão de seus clientes.

No que se refere às características das pessoas que buscam atendimento a literatura enfatiza as características das crianças: (a) problemas de aprendizagem (Barbosa & Silvares, 1994; Massola & Silvares, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004); (b) baixa competência social (Massola & Silvares, 1997); (c) problemas de comportamento internalizantes, por exemplo tristeza, timidez, agarrado à mãe (Barbosa & Silvares, 1994; Graminha, 1994; Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004); (d) problemas de comportamento externalizantes (Barbosa & Silvares, 1994; Graminha, 1994; Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004). Com base em dados empíricos, tanto Scortegagna e Levandowski (2004) como Melo e Perfeito (2006) afirmam que é mais frequente encontrar queixas múltiplas, ou seja, crianças que apresentam tanto problemas de comportamento como de aprendizagem. Todos os estudos mencionados obtiveram tais resultados a partir de estudos de caracterização de clientela que busca e/ou é encaminhada para centros de psicologia ou de psiquiatria, sobretudo vinculados a universidades.

Outras características da população destes estudos de caracterização dizem respeito à idade/escolaridade da criança, que está na pré-escola ou no ensino fundamental (Scortegagna & Levandowski, 2004; Melo & Perfeito, 2006). Há maior procura para meninos que para meninas (Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004).

Massola e Silvares (1997) examinaram a relação entre a proporção de meninos e de meninas encaminhados para atendimento psicológico pelas escolas. Constatou-se que havia um grande desequilíbrio entre o número de meninos e de meninas encaminhados. Na opinião dos professores, um número maior de meninos necessitava de atendimento psicológico, quando comparado ao número de meninas. No entanto, os meninos apresentavam níveis superiores de desempenho acadêmico e mais competência social do que as meninas, o que mostra a necessidade de se buscarem dados comportamentais que esclareçam o motivo para o menor encaminhamento feminino. Adicionalmente Marturano, Parreira e Benzoni (1997) verificaram que apesar de os meninos serem mais indicados para atendimentos eles não apresentam mais problemas que as meninas. As características das crianças são mais referenciadas possivelmente por serem indicadas pelas escolas e os atendimentos conduzidos geralmente com a criança.

Ainda que sejam identificados diversos estudos na área, encontram-se escassas pesquisas que buscam avaliar simultaneamente diferentes repertórios (pais e crianças, dificuldades e potencialidades) e variáveis relacionadas a adesão e sexo. Acredita-se que: (a) quanto menor o repertório de habilidades sociais (pais e criança), menor a adesão; (b) quanto maior a dificuldade de interação (práticas parentais negativas e problemas de comportamento) menor a adesão; (c) os comportamentos dos filhos são contingentes aos dos pais e vice-versa; (d) maior dificuldade para meninos que para meninas.

Diante da literatura apresentada, o objetivo deste trabalho é o de: (a) caracterizar comportamentos dos filhos, práticas parentais e habilidades sociais gerais de um grupo de pais e mães que buscaram atendimento psicológico no Centro de Psicologia Aplicada (CPA) para melhorar a relação estabelecida com seus filhos no período de 2004 a 2006; (b) comparar grupos: pessoas que abandonaram x participaram; meninos x meninas.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 47 cuidadores primários que buscaram atendimento em um Centro de Psicologia Aplicada (CPA) de uma universidade pública no interior do estado de São Paulo. A amostra se constituiu de 39 mães, cinco pais e três avós, com idades entre 20 e 55 anos (M=35,5 anos). O grau de instrução dos cuidadores variou entre ensino fundamental incompleto (17) e ensino superior completo (12). A renda familiar variou entre igual ou inferior a R$500,00 e superior a R$3.000,00.

Dentre as crianças para as quais se buscava atendimento no CPA, 25 eram meninos. As idades variavam entre dois e 12 anos (M=5,5 anos); trinta e quatro frequentavam a educação infantil e as demais cursavam o ensino fundamental.

Instrumentos

Os instrumentos foram escolhidos por avaliarem os comportamentos de pais e de filhos, tanto os habilidosos como os que indicam dificuldades. Outro critério foi utilizar apenas instrumentos validados. O RE-HSE-P é o único que avalia de modo contingente comportamentos de pais e de filhos.

a) Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas Parentais (RE-HSE-P, Bolsoni-Silva & Loureiro, 2010), que avalia a ocorrência de seis itens de habilidades sociais aplicáveis às práticas educativas, em escalas tipo likert com três alternativas: nunca ou quase nunca (0), algumas vezes (1), frequentemente (2), organizadas em frequência de HSE-P (manter conversação, expressar sentimento negativo, apresentar dificuldade em cumprir promessas, concordar com cônjuge quanto à educação; identificar comportamentos de que não gosta e conversar sobre sexualidade). Perguntas abertas acerca de 12 habilidades sociais educativas parentais (HSE-P) focalizam aspectos específicos das interações pais-filhos, abrangendo não somente a qualidade das HSE-P, mas também práticas educativas negativas, problemas de comportamento infantis e habilidades sociais infantis, contando com 64 itens. No total, o instrumento prevê 70 itens que são organizados nas seguintes classificações: frequência de habilidades sociais, qualidade das habilidades sociais educativas parentais, habilidades sociais infantis, práticas educativas negativas e problemas de comportamento. A consistência interna é satisfatória, com alfa de 0,85 (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2010). O instrumento prevê classificação clínica para os comportamentos avaliados. Adicionalmente no RE-HSE-P consta identificação de características demográficas (sexo, idade, ocupação, renda, grau de instrução e estado civil).

b) Inventário de Habilidades Sociais (IHS, Del Prette & Del Prette, 2001), composto por 38 questões que avaliam habilidades sociais gerais em escalas com escores de 0 a 5, sendo o escore para o comportamento que ocorre com baixa frequência, até o escore 5 que indica alta ocorrência do comportamento.

c) Inventário de Assertividade Rathus (Ayres, 1994), composto por 33 questões, que também investiga habilidades sociais, em escalas com escores de 0 a 5, correspondentes a níveis de frequência com que os comportamentos avaliados são emitidos, segundo o relato dos participantes.

d) Child Behavior Checklist – CBCL – 4 a 18 anos (Achenbach & Rescorla, 2001). É composto de questões fechadas nas quais o cuidador avalia a frequência de respostas indicativas de problemas de comportamento. Uma versão eletrônica do  inventário converte os escores brutos em escores T e fornece o escore T total, de internalização e de externalização. Os escores T permitem classificar os problemas de uma criança em três níveis: normal, limítrofe e clínico, de acordo com normas americanas. Os resultados obtidos precisam ser tomados com cautela pois as  variáveis culturais certamente influenciam nas normas de referência.

Procedimentos de coleta de dados

Participaram do estudo pais e mães que se inscreveram no CPA, por apresentarem queixas relacionadas aos comportamentos dos filhos, especialmente desobediência e agressividade. As inscrições foram feitas após divulgação de um projeto de pesquisa e extensão em que se oferecia atendimento em orientação de pais em grupo, com foco nas práticas educativas. A divulgação foi feita por meio de cartazes na universidade, anúncio e entrevista na rádio universitária e palestras em Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs próximas a universidade.

A divulgação nas EMEIs foi feita por meio de palestras aos pais, pela primeira autora, após autorização da direção da universidade e da Secretaria de Educação do Município. Os cuidadores que souberam do projeto a partir de anúncios e radio da universidade ligaram no CPA e se inscreveram. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, momento em que foram informados sobre a pesquisa a ser realizada e autorizaram a utilização das informações coletadas. Esta pesquisa conta com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade em que foi conduzida, que ocorreu na 20ª. Reunião Ordinária de 22 de maio de 2006.

Os instrumentos foram aplicados antes da intervenção, conforme instruções próprias e a aplicação foi conduzida nas residências dos participantes, para os cuidadores recrutados a partir de EMEIs, e no CPA no caso daqueles que buscaram o atendimento a partir de anúncios e radio universitária. As intervenções oferecidas para a amostra das EMEIs contou com 14 sessões e para a população da universidade (famílias de funcionários da universidade) foram oferecidas 20 sessões; em ambos os casos as intervenções ocorreram duas vezes por semana, começando e finalizando em um semestre letivo.

Procedimentos de tratamento e análise de dados

A análise focalizou os dados demográficos, os escores totais do IHS-Del Prette e Rathus e os escores das subescalas do CBCL e do RE-HSE-P. Foram conduzidas as seguintes análises: (a) análise descritiva da classificação clínica e não clínica para o CBCL e para o RE-HSE-P, sendo que os escores borderlines foram considerados clínicos; (b) correlação entre os escores totais e subescalas dos instrumentos (rho de Spearman); (c) comparação de grupos (Teste Mann-Whitney e Teste Qui-Quadrado): abandono x participante e menino x menina.

 

Resultados

Esta seção está organizada de forma a caracterizar a amostra como um todo e apresentar comparações de grupos. A caracterização da amostra é feita por meio de resultados de classificação clínica e correlações entre os instrumentos. As comparações de grupos focalizam grupos formados quanto ao sexo e quanto ao desfecho do atendimento (abandono ou participação até o final).

No que se refere à classificação clínica dos comportamentos da criança, o CBCL indica 60% de crianças com classificação limítrofe ou clínica na escala total, 49% na escala de internalização e 68% na de externalização. Pelo RE-HSE-P, os problemas de comportamento alcançam classificação clínica em 34% dos casos. Quanto aos cuidadores, os escores do RE-HSE-P indicam déficits em habilidades sociais em 87% dos participantes; 89% dos cuidadores se situam na faixa clínica quanto à qualidade de habilidades sociais educativas e 55% em relação à prática negativa.

As correlações entre os escores dos instrumentos são baixas, não alcançando 0,40. Apenas três correlações significativas (p < 0,05) foram encontradas. A Escala de Assertividade Rathus correlaciona negativamente com práticas educativas negativas (-0,33). A frequencia de HSE-P é negativamente correlacionada com práticas negativas (-0,32) e a qualidade das HSE-P é positivamente correlacionada com as habilidades sociais das crianças (0,35). O IHS-Del Prette e o CBCL não apresentam correlação com os outros instrumentos (Rathus e RE-HSE-P).

Nas comparações de grupos, não há diferenças de sexo, quer em relação às variáveis sócio-demográficas (idade, escolaridade, renda e status conjugal dos cuidadores; idade e nível escolar das crianças), quer em relação às medidas dos instrumentos IHS-Del Prette, Rathus, CBCL e RE-HSE-P.

Dezoito participantes concluíram o atendimento e 29 o interromperam, o que corresponde a uma taxa de 62% de abandono. Pelo teste qui-quadrado, não há diferença entre o grupo que abandonou o tratamento e aquele que o concluiu, nas variáveis idade, escolaridade, renda e status conjugal dos participantes, idade e nível escolar das crianças.

Os resultados das comparações referentes aos escores de habilidades sociais e problemas de comportamento são apresentados na Tabela 1.

 

 

De acordo com os resultados na Tabela 1, as pessoas que concluíram o atendimento apresentam mais interação social positiva, sobretudo frequência e qualidade de HSE-P. Suas crianças apresentam menos problemas de comportamento do ponto de vista do CBCL (escore total e externalizante). Os problemas de comportamento pelo RE-HSE-P não discriminam os grupos.

 

Discussão

Os resultados sugerem que as famílias que buscaram orientação psicológica no CPA, com foco nas práticas educativas, constituem de fato um grupo indicado para receber tal orientação. Parece tratar-se de uma população clínica, seja do ponto de vista do comportamento das crianças ou de seus cuidadores primários, já que os resultados indicam repertório deficitário de habilidades sociais e frequência alta de comportamentos prejudiciais às interações, no caso as práticas negativas de educação e os problemas de comportamento.

As crianças apresentaram problemas de comportamento, sobretudo externalizantes (desobedecer, agredir), ainda que também tivessem, em menor número, problemas internalizantes (isolar-se, ficar tímido). A co-ocorrência de manifestações externalizantes e internalizantes, com predomínio das primeiras, tem sido um achado recorrente em amostras clínicas (Barbosa & Silvares, 1994; Graminha, 1994; Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004).

Por outro lado, não foi encontrada maior prevalência de meninos que de meninas quanto à procura por atendimento, discordando de outros estudos (Marturano, Parreira & Benzoni, 1997; Melo & Perfeito, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004). Tal resultado pode ser reflexo da forma como a população chegou ao CPA, pois os cuidadores não foram encaminhados pela escola e sim espontaneamente se inscreveram. Em estudos prévios, que avaliaram comportamentos similares aos focalizados neste estudo (Massola & Silvares, 1997; Marturano, Parreira & Benzoni, 1997), meninos não apresentavam mais problemas que meninas, ainda que fossem os mais indicados. Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira e Manfrinato (2006) constataram que mães e professoras avaliam diferentemente os comportamentos das crianças, sendo que os principais resultados foram: (a) mães e professoras de crianças sem problemas não diferiram na avaliação das habilidades sociais, mas diferiram quanto aos problemas, percebidos em nível mais alto pelas mães; (b) mães e professoras de crianças com problemas diferiram na avaliação dos problemas de comportamento e das habilidades sociais; as mães perceberam mais habilidades e menos problemas; (c) diferenças de gênero foram encontradas apenas para as crianças com problemas. Desses resultados decorre a necessidade de as clínicas-escola buscarem ampliar a forma de captar a população para atendimento e de adaptar o atendimento a demandas específicas, favorecendo a adesão.

As hipóteses do estudo foram parcialmente verificadas. As correlações obtidas vão na direção esperada, ou seja, relações diretas entre práticas negativas e problemas de comportamento (Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989; Weber, Prado, Viezzer & Bandenburg, 2004), e entre práticas positivas, sobretudo HSE-P e habilidades sociais infantis (Bolsoni-Silva & Marturano, 2007, 2008). O escore total de habilidades sociais (Rathus) foi correlacionado negativamente com práticas negativas e positivamente com práticas positivas, indicando que haja interdependências comportamentais (Meyer, Oshiro, Mayer & Starling, 2008).

Barbosa (2008) encontrou que os pais geralmente não utilizam reforços positivos para iniciativas de comportamentos sociais habilidosos, sobretudo na amostra de crianças clínicas do ponto de vista do comportamento, o que pode auxiliar na explicação de porque a população pode ser considerada clínica do ponto de vista das interações positivas e negativas.

Neste sentido, Skinner (1953/1993) ressalta que a família é uma agência de controle, pois colabora na transmissão e consequenciação de regras sociais. Skinner (1993/1953) aponta que o uso de práticas agressivas (por exemplo, gritar) pode gerar ansiedade e baixa autoestima, além de ensinarem, aos filhos, modelos agressivos de lidar com conflitos e a tendência de contra-controlar (por exemplo, com desobediência e agressividade).

Quanto às características apontadas como preditivas de abandono, apenas apresentar mais problemas de comportamentos foi constatado neste estudo, concordando com Wierzbicki e Pekarik (1993). Acrescenta-se que a prevalência de abandono está em 60% concordando com outras pesquisas (Corning & Malofeeva, 2004; Wierzbicki & Pekarik, 1993). Sobre o tema abandono, o estudo contribui com informações a respeito de diferenças nas práticas parentais. Ao passo que estudos prévios focalizaram práticas negativas (por exemplo, Kazdin & Mazurick, 1994), esta investigação incluiu também práticas positivas, representadas pelas habilidades sociais educativas parentais, e foram essas que discriminaram os grupos em relação ao abandono.

Esses achados sugerem a importância de avaliar amplamente os comportamentos de pais e de filhos cujas metacontingências parecem claras (Glenn, 1986), ou seja, os comportamentos dos cuidadores são ambientes para os  dos filhos e vice-versa. Isso significa, por exemplo, que diante de um  comportamento de birra da criança (externalizante) a mãe tende a usar prática educativa negativa, a qual, por sua vez, vai ora ter por consequência a obediência da criança (habilidades sociais), mas, com mais frequência outros comportamentos problema, como agressividade (externalizante) ou isolamento/timidez (internalizante). Além disso, torna-se impar o uso de diferentes instrumentos de forma a avaliar o máximo possível os comportamentos problema e as potencialidades (Goldiamond, 1974/2002) que claramente possuem interdependências (Meyer & cols., 2008) e, que, portanto ao intervir em uma classe de resposta produz mudanças também em outras classes.

 

Considerações finais

A psicologia deve cada vez mais preocupar-se em promover atendimentos preventivos, pois crianças pequenas (média de cinco anos) já apresentam problemas de comportamentos e seus cuidadores já encontram dificuldades em manejá-los. Os resultados dão suporte para afirmar a relevância de promover comportamentos (cuidadores e filhos) a partir das potencialidades os quais podem garantir reforçadores que favorecerem a redução dos comportamentos problema. Uma limitação importante foi o uso do CBCL que ainda não possui normas de referência nacional, o que implica em considerar os resultados de maneira cuidadosa. Outros limites a serem mencionados dizem respeito ao número reduzido de participantes, ao uso exclusivo de instrumentos de relato e ao apoio em uma única fonte de informação, no caso um dos cuidadores.

Com base no que foi obtido na presente pesquisa, estudos futuros sobre abandono do atendimento psicológico poderão ampliar o foco nas habilidades sociais educativas parentais associadas à persistência no tratamento, já que este é um dado não explorado na literatura da área.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: bolsoni@fc.unesp.br

Recebido em julho de 2009
Aprovado em abril de 2010

 

 

Alessandra Turini Bolsoni-Silva – Doutora em Psicologia – Unesp-Bauru.
Edna Maria Marturano – Doutora em Psicologia – USP – Ribeirão Preto.
Caroline Garpelli Barbosa – Psicóloga – Unesp-Bauru.
Mariana Marzoque de Paiva – Psicóloga – Unesp-Bauru.
Naiara Lima Costa – Psicóloga – Unesp-Bauru.
Ludmilla Cristine Santos – Psicóloga – Unesp-Bauru.

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